"Nós educamos os filhos para que
eles usem drogas"
Em entrevista, o psiquiatra Içami
Tiba redefine os papéis de pais e
de educadores e alerta para os
perigos da “cultura do prazer”
Uma pergunta que nunca sai – ou ao
menos nunca deveria sair – da cabeça de
pais e professores é “como educar as
crianças de verdade?”. Autor de livros
como “Adolescentes: quem ama educa!”
e “Disciplina: Limite na Medida Certa”
(ambos da Editora Integrare), o psiquiatra
Içami Tiba responde esta e outras
questões relacionadas à educação em seu
novo livro, “Pais e Educadores de Alta
Performance” (Editora Integrare).
Içami Tiba: "os pais devem exigir que seus
filhos façam o que é necessário"
Com 43 anos de experiência em
consultório, Içami alerta os pais para os
perigos da cultura do prazer. “Nós
educamos os filhos para que eles usem
drogas”, comenta, avaliando a atitude de
pais que oferecem tudo sem exigir
responsabilidade em troca. Para ele, a
família é a principal responsável pela
formação dos valores e não deve jogar
esse papel para a escola. Mas as escolas,
por terem um programa educacional
organizado, podem guiar os pais. Leia a
entrevista com o autor.
iG: Qual a responsabilidade dos pais e
qual a dos educadores na educação das
crianças?
Içami Tiba: A família continua sendo a
principal responsável pela educação de
valores, mas é importante que haja uma
parceria na educação pedagógica. As
crianças viraram batatas quentes: os
pais as jogam na mão dos professores,
os professores devolvem. Pais precisam
ser parceiros dos professores. Quem tem
que liderar a parceria, no começo, é a
escola, pois tem um programa mais
organizado. Com a parceria, ambos ficam
fortes. Os pais ficam mais fortes quando
orientados pela escola.
iG: O que é mais importante na
educação de uma criança?
Içami Tiba: É exigir que ela faça o que é
necessário. Os pais dão tudo e depois
castigam os filhos porque estes fazem
coisas erradas. Mas não é culpa dos
filhos. Afinal, eles não querem estudar
porque estudar é uma coisa chata, mas
alguma vez ele fez algo que é chato em
casa? No final, a criança estica na escola
aquilo que aprendeu em casa. A
educação é um projeto de formar uma
pessoa com independência financeira,
autonomia comportamental e
responsabilidade social.
iG: Como os pais podem educar bem
seus filhos? Qual o segredo?
Içami Tiba: Um pai de verdade é aquele
que aplica em casa a cidadania familiar.
Ou seja, ninguém em casa pode fazer
aquilo que não se pode fazer na
sociedade. Os pais devem começar a fazer
em casa o que se faz fora dela. E, para
aprender, as crianças precisam fazer, não
adianta só ouvir. Elas estão cansadas de
ouvir. Muitas vezes nem prestam atenção
na hora da bronca, não há educação nesse
momento. É preciso impor a obrigação de
que o filho faça, isso cria a noção de que
ele tem que participar da vida comunitária
chamada família.
iG: No livro, o senhor comenta que
uma das frases mais prejudiciais para
se falar para um adolescente é o “faça o
que te dá prazer”. Por quê?
Içami Tiba: O problema é que essa frase
passa apenas o critério de prazer e não o
de responsabilidade. Nós queremos que
nossos filhos tenham prazer sem
responsabilidade. Por isso eles são
irresponsáveis na busca deste prazer. E o
que é uma droga, senão uma maneira fácil
de se ganhar prazer? A pessoa não precisa
fazer nada, apenas ingeri-la. Nós
educamos os filhos para que eles usem
drogas. Se ele tiver que preservar a
saúde dele, pensa duas vezes.
Foto: Divulgação Ampliar
Capa do livro "Pais e Educadores de Alta
Performance"
iG: Por que você acha que alguns pais
não ensinam os filhos a ter
responsabilidade?
Içami Tiba: Não ensinam porque não
aprenderam. Estes pais querem ser
amigos dos filhos e isso não faz sentido.
Provedor não é amigo.
iG: Por que o pai não pode ser só
amigo ou só provedor?
Içami Tiba: Não pode ser amigo porque
pai não é uma função que se escolhe, e
amigos você pode escolher. O filho é
filho do pai e tem que honrar os
compromissos estabelecidos com ele. Um
filho não pode trocar de pai assim como
troca de amigo, por exemplo. Por outro
lado, o pai que é unicamente provedor,
como eram os de antigamente, também
não dá uma educação saudável ao filho,
afinal ele apenas dá e não cobra. Pai não
pode dar tudo e não controlar a vida do
filho. Quando digo controle, quero
dizer que o pai deve fazer com que o
filho corresponda às expectativas, que
o filho faça o que precisa ser feito. Um
filho não pode deixar de escovar os
dentes ou de estudar e o pai não pode
deixar isso passar.
iG: Como a meritocracia pode ajudar
na criação?
Içami Tiba: O mundo é meritocrata, os
pais se esqueceram disso. Ganha-se
destaque por alguma coisa que a pessoa
fez; se não mereceu, logo o destaque se
perde. Dar a mesma coisa para o filho que
acertou e para o que errou não é bom para
nenhum dos dois. É preciso ser justo. Os
pais precisam aprender a educar, não dá
para continuar achando que apenas
porque são bonzinhos vão ser bons pais.
Não adianta muito um cirurgião
apenas amar seu paciente; para fazer
uma boa cirurgia é preciso ter técnica.
É a mesma coisa com os pais.
iG: Amor e educação combinam com
disciplina?
Içami Tiba: Disciplina é a coisa que mais
combina com a educação. É uma
competência que você desenvolve para
atingir o objetivo que quer. Se você ama
alguém, tem que ter disciplina. Os pais
precisam fazer com que os filhos
entendam que eles têm que cumprir sua
parte para usufruir o amor. Os pais
precisam exigir.
iG: Como exigir sem agressividade?
Içami Tiba: O exigir é muito mais
acompanhar os limites, aquilo que o filho
é capaz de fazer. Não dá para exigir que
ele vá pendurar roupas no armário se ele
não pode arrumar uma gaveta. Por outro
lado, os pais não podem fazer pelos filhos
o que eles são capazes de fazer sozinhos.
A partir daí, quando se cria uma
segurança, a exigência começa a fazer
parte da convivência. Essa exigência é
boa. O pai não pode sustentar e não
receber um retorno. É como se ele
comprasse uma mercadoria e não a
recebesse.
iG: No livro, o senhor diz que todos
somos educadores. Como podemos nos
portar para educar direito as outras
pessoas?
Içami Tiba: Você quer educar? Seja
educado. E ser educado não é falar
“licença” e “obrigado”. Ser educado é
ser ético, progressivo, competente e
feliz.
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"Nós educamos os filhos para que eles usem drogas" Em entrevista