Capítulo 12 Detectores continuação III terceira versão 2006.1 Detetores Semicondutores Detetores semicondutores, são baseados em materiais semicondutores cristalinos, como silício e germânio. Estes detetores são as vezes chamados de detectores de estado sólido, que é um termo mais antigo. A operação básica de um detector semicondutor é análogo aos detectores de ionização. Ao invés de gás, no entanto, o material é agora um material sólido semicondutor. A passagem da radiação ionizante cria pares elétron-buraco (ao invés de pares elétron-íon) que são coletados por um campo elétrico. A vantagem de um semicondutor, está na energia média necessária para criar um par elétron-buraco que é cerca de 10 vezes menor do que a energia para criar um par elétron-íon. Assim, a quantidade de ionização produzida para uma dada energia é uma ordem de magnitude maior, resultando numa maior resolução em energia. Além do mais, devido a sua grande densidade, eles possuem um poder de frenamento (stopping power) maior do que o detector a gás. Eles são compactos no tamanho e possuem um tempo de resposta relativamente rápido. A exceção do silício, no entanto, semicondutores geralmente precisam de ser resfriados a temperaturas baixas, antes de ser operados. Isto implica em um sistema criogênio adicional. Um dos problemas em pesquisa de detectores semicondutores é o desenvolvimento de novos materiais que podem ser operados a temperatura ambiente. Sendo de material cristalino, são muito sensíveis aos danos por radiação, o que limita seu uso a longo termo. Propriedades básicas de um semicondutor Nesta seção, iremos brevemente rever algumas propriedades dos materiais semicondutores além daquelas características elétricas que são importantes para o seu uso como detectores de radiação. Nossa discussão aqui será limitada nos semicondutores puros, que são conhecidos como semicondutores intrínsecos. O termo “puro” aqui é relativo, desde que na realidade, nenhum semicondutor está completamente livre de impurezas. Para o propósito de nossas discussões, consideraremos o caso de semicondutores intrínsecos. Impurezas, no entanto, têm um papel importante e podem limitar o aumentar as características do material. Estrutura de bandas 182 Semicondutores são materiais cristalinos cujos níveis de energia mais externos exibem uma estrutura de bandas. A Figura abaixo ilustra a estrutura básica consistindo de uma banda de valência, um “gap” de energia proibidas e uma banda de condução. Para comparação são apresentados um isolante e um condutor também. Banda de condução Elétrons livres Banda De condução Eg ~ 6 eV Banda de Valência Banda de valência isolante buracos semicondutor metal As bandas de energia são na verdade regiões de muitos níveis discretos que estão tão próximos que podem ser considerados como contínuos, enquanto que o ‘gap’ de energia é uma região na qual não há nenhum nível de energia disponível. Esta estrutura de banda surge devido ao arranjo periódico dos átomos no cristal que causa um overlap das funções de onda dos elétrons. Uma vez que o principio de Pauli proíbe mais do que um elétron no mesmo estado, a degenerescência nas camadas atômicas mais externas é removida para formar muitos níveis discretos muito próximos entre si. Como elétrons de spins opostos podem ser encontrados no mesmo nível, ha tantos níveis quantos pares de elétrons no cristal. Esta quebra da degenerescência não afeta os níveis atômicos mais internos. A banda de mais alta energia é a banda de condução. Elétrons nesta região não estão ligados aos seus átomos de origem e estão livres para deslocar-se por todo o cristal. Os elétrons nos níveis da banda de valencia, no entanto, são mais fortemente ligados e permanecem associados aos seus respectivos átomos. A largura do gap e das bandas é determinado pelo espaçamento entre os átomos da rede. Estes parâmetros dependem da temperatura e da pressão. Nos condutores, o gap de energia é inexistente, enquanto que nos isolantes, o gap é grande. A temperaturas normais, os elétrons em um isolante estão todos normalmente na banda de valencia, a energia térmica é insuficiente para excitar os elétrons através do gap. Quando um campo elétrico externo é aplicado, não ha então nenhum movimento dos elétrons através do cristal e portanto nenhuma corrente. Para um condutor, por outro lado, a ausência de um gap faz com que seja muito fácil excitar termicamente elétrons de modo a pular para a banda de condução onde eles são livres para se mover no cristal. Uma corrente então flui quando um campo elétrico é aplicado. Em um semicondutor, o gap de energia é intermediário de tal modo que somente alguns elétrons são excitados para a banda de condução devido a energia térmica. Quando um campo elétrico é aplicado, uma corrente 183 pequena é observada. Se o semicondutor é resfriado, quase todos os elétrons cairão na banda de valencia e a condutividade do semicondutor diminui. Portadores de carga em semicondutores A 0 K, no nível de energia mais baixo do semicondutor, os elétrons na banda de valencia participam da ligação covalente entre os átomos da rede. Silício e Germânio possuem quatro elétrons de valencia de modo que quatro ligações covalentes são formadas. A temperaturas normais, no entanto, a ação da energia térmica pode excitar um elétron de valencia para a banda de condução deixando um buraco em sua posição original. Neste estado, é fácil para um elétron de valencia vizinho pular de sua ligação para preencher o buraco. Isto deixa um buraco na posição vizinha. Se agora o próximo elétron vizinho repete a seqüência e assim por diante, o buraco parece se mover através do cristal. Uma vez que o buraco é positivo em relação ao mar de elétrons negativos na banda de valencia, o buraco atua como portador de carga positivo e seu movimento através do cristal também constitui uma corrente elétrica. Em um semicondutor, a corrente elétrica surge assim de duas maneiras: o movimento dos elétrons livres na banda de condução e o movimento dos buracos na banda de valencia. Concentração intrínseca de portadores de carga Em um semicondutor, pares elétron-buraco estão constantemente sendo criados pela energia térmica. Ao mesmo tempo, ha também um certo numero de elétrons e buracos que se recombinam. Em condições estáveis, uma concentração de equilíbrio de pares elétron-buraco é estabelecida. Se ni é a concentração de elétrons (ou buracos) e T a temperatura, então ni = N c N v exp(− Eg 2kT ) = AT 3 / 2 exp(− Eg 2kT ) onde Nc é o numero de estados na banda de condução, Nv é o numero de estados na banda de valencia, Eg é o gap de energia a 0 K e k a constante de Boltzmann. Nc e Nv podem ser calculados a partir da estatística de Fermi-Dirac e cada um varia com T3/2. Fazendo esta dependência explicita então surge a expressão do lado direito da equação acima, onde a constante A é independe da temperatura. Valores típicos para ni são da ordem de 2,5 × 1013 cm-3 para Ge e 1,5 × 1010 cm-3 para Si a T= 300 K. Compare estes números com o numero de átomos nestes materiais que e da ordem de 1022 atomos/cm3. Isto significa que somente 1 em 109 atomos de germânio e ionizado e 1 a cada 1012 no silício. Estas concentrações são na verdade muito baixas. Mobilidade 184 Sob a aplicação de um campo elétrico externo, a velocidade de arraste (drift velocity) dos elétrons e buracos através do semicondutor pode ser escrita como ve = µe E vb = µb E onde E é a magnitude do campo elétrico e µe e µb são as mobilidades dos elétrons e buracos, respectivamente. Para um dado material, as mobilidades são funções de E e da temperatura T. Para silício a temperaturas normais, µe e µb são aproximadamente constantes (vide tabela I) para E < 103 V/cm, de modo que a relação entre a velocidade e E é linear. Para E entre 103- 104 V/cm, µe e µb variam aproximadamente como E-1/2 , enquanto que acima de 104 V/cm, µe e µb como 1/E. Neste ponto, a velocidade satura e se aproximada de seu valor limite de 107 cm/s. Fisicamente, a saturação ocorre porque a energia adquirida pelos elétrons e buracos e perdida por colisões com os átomos da rede. Numero atômico Z Peso atoico A Densidade [g/cm2] Constante dielétrica (relativa) Resistividade intrínseca (300k) [Ωcm] Gap de energia (300K) [eV] Gap de energia (0K) [eV] Mobilidade de elétrons (300K) [cm2/Vs] Mobilidade dos buracos (300K) [cm2/Vs] Si 14 28.1 2.33 12 Ge 32 72.6 5.32 16 230 000 45 1,1 1,21 1350 0,7 0,785 3900 480 1900 Tabela I – algumas propriedades físicas do Si e Ge. A temperaturas entre 100 e 400 K, µ também varia aproximadamente com T-m,onde m depende do tipo de material e do portador. Para silício, m=2.5 para elétrons e m = 2.7 para buracos, enquanto que para germânio, m=1,66 para elétrons e m = 2.33 para buracos. As mobilidades determinam a corrente em um semicondutor. A densidade de corrente J =ρv , onde ρ e a densidade de carga e v a velocidade, no caso de um semicondutor resulta em 185 J = eni (µe + µb)E Onde usamos o fator que a corrente total e a soma da corrente de elétrons e de buracos. Podemos escrever J=σE , onde σ e a condutividade, então σ = eni (µe + µb). Recombinação e armadilhamento O detector Barreira de Superfície Em muitas aplicações, o uso de um meio sólido como detetor é de grande vantagem. Para medida raios gama e íons, as dimensões do detetor podem ser mantidas muito menores do que as dimensões de um detetor à gás equivalente devido das densidades dos sólidos ser da ordem de 1000 vezes maiores do que um gás. O detetor semicondutor é um equipamento padrão em física nuclear e atômica. Com contador de radiação ionizante, o detetor semicondutor é simples de usar e tem a vantagem de ser compacto, tipicamente cerca de 1 cm3, dando assim um baixo ruído. Seu ruído baixa muito quando nenhuma luz incide sobre ele. Sendo sólido, possui um grande poder de frenamento (stopping power = dE/dx) (elétrons de 200 keV, prótons de 4,5 MeV e partículas alfa de 18 MeV são paradas em 200 µm de silício). Uma vantagem do detetor de estado sólido sobre uma câmara de ionização é que ele requer uma energia média w de 3.5 eV no Si para criar um par elétron-buraco, comparado com 35 eV para produzir um par elétron-íon no ar. A carga disponível para condução é assim uma ordem de grandeza maior do que no caso do detetor a gás. O detetor semicondutor tem ainda uma pequena capacitância de 5-500 pF/cm-2 por área de superfície, produzindo assim um pulso de relativa alta tensão. Uma conseqüência importante do baixo w é que um grande número N de pares elétron-buraco é produzido por uma radiação ionizante, produzindo um menor desvio estatístico (N-1/2). Então, teoricamente a resolução em energia de detetor de silício utitizado como espectrômetro pode ser tão boa quanto 0.1 % para partículas de 3.5 MeV. O detector Si(Li) 186 Referências: 1 – I. R. Williams, Phys. Ed. 2, 94 (1967). 2 –W. . Leo, Techniques for Nuclear and Particle Physics Experiments 3 – A. Das e Th. Ferbel, Introduction to Nuclear and Particle Physics 4 – G. F. Knoll, Radiation Detection and Measurements 5 – T. A. Littlefield and N. Thorey, Atomic and Nuclear Physics an introduction , 3 nd edition Exercícios: 1 – Calcule a amplitude de um sinal em voltagem produzido por um detetor que coletou 106 elétrons e possui uma capacitância de 100 pF (e = 1.602 × 10-19 C) R 1,6 mV 2 – Um próton de 2 MeV é detectado em um detector barreira de superfície cuja energia mínima para criar um par elétron-buraco é 3,5 eV. Calcule a carga disponível para condução. Calcule a dispersão estatística (1/N1/2 onde N é o número de elétrons) produzida. 3- A figura abaixo representa um detector semicondutor de Si. O volume ativo do detector é protegido por uma fina camada de um eletrodo metálico (camada “morta”, vide figura) de espessura t. Um problema surge quando a partícula incidente perda parte de sua energia nesta camada “morta”, que inclui não só o eletrodo, mas também uma espessura não determinada de silício imediatamente atrás desta superfície onde a coleção da carga produzida é ineficiente. Suponha que esta camada é fina o suficiente para que o stopping power seja constante igual a So , ou seja, dE/dx = So para prótons incidentes. a) Calcule a perda de energia dos prótons na camada morta b)Calcule a perda de energia quando os prótons incidem fazendo um ângulo θ com a normal. c) Calcule a perda de energia para partículas alfa (núcleo do átomo de He) de mesma velocidade que os prótons para o caso do item a 187 Dados: t, So Camada “morta” θ Partícula incidente t Volume ativo 4- Uma partícula de 1 MeV perde toda a sua energia dentro de uma câmara de ionização cheia de ar. A energia média necessária para produzir um par elétron-íon é de w= 35 eV. A capacitância da câmara é da ordem de 10-10 F. Calcule a amplitude do pulso de saída máximo (e =1,6 × 10-19 C) 5 - A mesma partícula do problema anterior e detectada por um detector semicondutor de área ativa de 2 cm2. A energia média para produzir um par elétron-buraco é w=3.5 eV, a capacitância por unidade de área da superfície é de 100 pF/cm2. a)Calcule a amplitude máxima do sinal de saída b)Calcule a incerteza na tensão do sinal 6 – Um detector com um tempo de coleta de carga de150 ns é utilizado com um préamplificador que pode ser representado por uma combinação em paralelo de 300 pF e 10KΩ. Esta situação cai na categoria de pequeno ou grande tempo de coleta? Justifique. 7 – Um espectrômetro gama acumula picos que correspondem a dois tipos de energias 435 e 490 keV. Qual deve ser a resolução do sistema (em %) de modo a distinguir estes dois picos? 8 – Em um detector com fator de Fano de 0,1, qual deve ser o numero mínimo de portadores de carga por pulso para alcançar uma resolução estatística limite de 0,5 %? 9 – Um sistema processador de pulsos operado apresenta um resolução devido ao processamento de 2 %. Se este sistema é usado com um detector com uma resolução intrínseca de 4 %, qual deve ser a resolução total do sistema? 10 – Uma amostra de urânio, emitindo partícula alfa de 4,18 MeV é colocada perto de uma câmara de ionização. Supondo que 10 particulas por segundo entram na câmara, calcule a corrente produzida. Obs. Para criar um par elétron-ion precisa de uma energia de 35 eV. R 0,192 pA 188 11 – Uma câmara de ionização e conectada a um eletrômetro de capacitância de 0,5 pF e sesibilidade de 4 divisões por volt. Um feixe de partículas alfa causa uma deflexão de 0,8 divisoes. Calcule o numero de pares elétron-ion criados e a energia da fonte de alfas. Obs. Para criar um par elétron-ion precisa de uma energia de 35 eV. R. 6,25 × 105ions e 2,19 MeV 12 – Para a operação de um contador proporcional precisa-se de um campo radial maximo e 10 MV/m. Qual a tensão aplicada necessária se o raio do fio e do tubo são 20 µm e 10 mm , respectivamente? R. 1,24 kV 13 – Se o livre caminho médio dos elétrons em um contador proporcional com fator de multiplicação d 1024 e 1 µm, calcule a distancia do fio para qual esta multiplicação acontece. R 10 µm 14- Se o fio do problema anterior tem um raio de 10 µm e o raio do tubo e 10 mm, qual o campo elétrico no raio dando um fator de multiplicação de 1024 se a tensão aplicada e 1200 V ? R. 17,4 MV/m 15 – O tempo morto de um Geiger-muller e 400 µs. Qual a taxa de contagem real para uma taxas medidas de 100, 1000, 10 000, e 100 000 contagens por minuto ? Expresse cada resposta como um erro de contagem percentual e comente os resultados R. 100, 07 1007, 10 715, 300 000 16- Uma partícula alfa de 6,4 MeV atravessa uma câmara de ionização que pode detectar uma corrente de ionização de 1 pA. Qual a atividade mínima em microcuries da fonte desta partícula alfa que a câmara pode detectar? Dados. Eficiência de contagem da câmara = 10 %. 1 par elétron-ion – 35 eV 17 – Uma partícula beta de 1.7 MeV do 3215 P da uma cascata de 5,5 × 107 pares de íons cada um correspondendo a uma perda de energia de 35 eV, em um contador Geiger. Qual o fator de multiplicação ? 18- O plateau de um contador Geiger trabalhando a 1 kV tem uma inclinação de 2,5 % de taxa de contagem por 100 V. Quanto pode variar a tensão de trabalho se a taxa de contagem e limitada a 0,1 % ? 189 Respostas 1- 1,6 mV 2- 190