O QUE É FILOSOFIA CLÍNICA
A filosofia clínica é uma psicoterapia cuja metodologia está fundamentada na filosofia
acadêmica. Tem como princípio respeitar a singularidade de cada pessoa, por isso não
utiliza padrões de normalidade e anormalidade, nem tipologias; não parte de teorias "a
priori" e considera a pessoa em seu contexto. Passo a relatar os procedimentos em
consultório para que possam compreender melhor de que se trata.
Quando o partilhante (assim chamamos a pessoa que nos procura para terapia — é aquele
que compartilha com o filósofo clínico a sua vida) chega ao consultório, não o
conhecemos, nada sabemos a respeito dele para fazer qualquer inferência, indicar-lhe
qualquer caminho, leitura, idéia. Por isso, o primeiro passo é conhecê-lo. Para tal, o
procedimento utilizado é denominado Exames Categoriais. Em geral, a pessoa que busca
terapia o faz porque deseja trabalhar uma questão específica, algo que a incomoda — uma
dor existencial, um problema de relacionamento, uma dificuldade de lidar com suas
questões cotidianas, enfim, o motivo que a leva a procurar ajuda — esse algo é o que
chamamos: Assunto Imediato. Após uma conversa inicial sobre esse assunto,
costumamos explicar como funciona a clínica, como são os procedimentos.
Como nada conhecemos sobre essa pessoa, para compreendê-la necessitamos de
informações sobre sua história, sobre seu contexto de vida e tudo o que for relevante para
ela. Por isso, solicitamos que conte sua história, desde as lembranças mais antigas, desde
o nascimento. Neste momento, tentamos interferir o mínimo possível nessa história, para
que seja "a história da pessoa contada por ela mesma", sem direcionamentos. Tentamos,
na medida do possível, nos abster de qualquer julgamento ou interpretação, visto que tais
atitudes poderiam levar a uma versão equivocada da história. Quando a pessoa chega aos
dias atuais, iniciamos um procedimento denominado Dados Divisórios. Trata-se de um
processo de divisão: dividimos a história — respeitando as divisões que a pessoa já fez ao
contá-la — e pedimos mais dados sobre aquele período, por exemplo: "Nasci em Santos,
e fui criada nessa cidade até os 12 anos. Nessa idade mudei-me para São Paulo, onde
passei a estudar numa escola próxima à minha residência e fiz diversos amigos.
Gostávamos de passear no Ibirapuera. Passados 2 anos, voltei para Santos, mas não me
adaptei muito, pois não tinha por perto os amigos..." O trecho citado não traz muitos
elementos, necessitamos de mais dados para compreender os citados períodos, então
utilizamos os Dados Divisórios: "Você poderia me contar mais sobre o que ocorreu entre
seu nascimento em Santos e seus 12 anos, quando mudou-se para São Paulo?" "E dos
seus 12 anos até sua volta para Santos, o que mais ocorreu?" Tentamos usar os mesmos
termos utilizados pela pessoa, para que ela identifique mais precisamente o período, para
que faça sentido a ela. Fazemos quantas divisões forem necessárias até que consigamos
os dados suficientes para compreender a Circunstância da pessoa. Conhecendo as
circunstâncias de vida que contribuíram para que ela fosse o que é hoje, observamos
como lida com o Tempo, com seu corpo e com o ambiente em que vive — Lugar — e
com quem e como se relaciona — Relação, considerando aqui as "relações com o outro,
com o mundo e consigo mesma". Com esses dados avaliamos se o Assunto Imediato é a
questão a ser trabalhada, ou se existe um Assunto Último, ou seja, uma questão que surja
no decorrer dos Exames Categoriais e que seja o real motivo da procura pela terapia.
O próximo momento é denominado Enraizamentos. Aqui buscamos esclarecer o
significado de determinados termos, buscamos relações entre fatos, idéias. Fazemos
perguntas mais diretas a fim de compreender melhor o que ocorre com essa pessoa.
Paralelamente, o filósofo clínico monta a Estrutura de Pensamento (EP) — o modo de ser
dessa pessoa. Essa montagem é feita por um processo de análise, onde são observados
diversos tópicos (Como o Mundo Parece; O Que Acha De Si Mesmo; Sensorial &
Abstrato; Emoções; Pré-juízos; etc.). A montagem da EP nos permite compreender a
pessoa e seus modos de ser — pois nosso modo de ser é variável de acordo com a época,
o contexto, a partir de experiências pelas quais passamos, etc. Embora os tópicos sejam
descritos individualmente, a leitura que o terapeuta faz é do todo, como se relacionam os
tópicos, se há choques entre eles, quais são determinantes para a pessoa, quais estão
causando sofrimento; são inúmeras as possibilidades. A partir desses dados é montado o
Planejamento Clínico para a utilização dos Submodos — intervenções do filósofo clínico,
procedimentos subordinados aos modos de ser da pessoa (EP). Esses procedimentos são
escolhidos, mesclados, montados, caso a caso, de acordo com a necessidade e o modo de
ser da pessoa. Há muitas variáveis em todo o processo. Por exemplo: há pessoas que não
conseguem se expressar pela fala, então o terapeuta poderá optar por outro modo de
expressão; há pessoas que necessitam fazer as consultas em outros locais, que não o
consultório, por motivos vários — então as consultas podem ser feitas em outros locais.
Tudo, durante a clínica, será construído para aquela pessoa em especial, observando a
metodologia: Exames Categoriais, Estrutura de Pensamento e Submodos. Se
conversarmos com partilhantes diferentes do mesmo filósofo clínico, perceberemos que
ele trabalhou com cada um de uma maneira diferente, porque o trabalho é orientado pela
pessoa, por seu modo de ser e suas necessidades.
Como qualquer psicoterapia, a filosofia clínica não será a resposta para todas as pessoas,
para todos os casos. Por isso não vem para substituir outros trabalhos que aí estão. Ao
contrário, vem para somar. É mais uma, entre tantas psicoterapias, e servirá, para algumas
pessoas, talvez àquelas que não encontrem suas respostas nas já existentes. Temos limites
bem claros: não receitamos medicamentos, pois não somos médicos, por isso não
trabalhamos com os casos em que há essa necessidade. Se houver indícios de que a
pessoa necessita de medicamentos, de que suas questões são de ordem orgânica, a mesma
será encaminhada a um profissional competente para o caso — o médico. Poderemos até
trabalhar em conjunto com o psiquiatra, mas somente no que diz respeito à psicoterapia.
O curso de especialização em filosofia clínica trabalha, especificamente, essa
metodologia. Além das aulas teóricas o aluno passa pela clínica didática e por estágio
supervisionado. Onde entra a filosofia aí? É a fundamentação de todo o trabalho. Os
Exames Categoriais, cada tópico da Estrutura de Pensamento, os Submodos; cada
procedimento é fundamentado na filosofia acadêmica. Os métodos utilizados também o
são e, principalmente a postura do Filósofo Clínico diante do partilhante.
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