PROGRAMA INTERNACIONAL DE RESIDÊNCIAS “I feel like I´m stepping into your room”. Foi o que disse a TIMEA TIHANYI, em nosso último encontro. A instalação que a artista húngara radicada nos Estados Unidos mostra no Largo das Artes é de escolhas muito particulares, e compõem uma lógica quase enigmática. Resultantes dos seus encontros nos últimos dois meses, aqui estão aparatos que a afetaram, conseguidos ativamente ou em achados fortuitos, carregam sentidos e significâncias. Quando olhados com mais atenção, alguns revelam algo da nossa história e da leitura de alteridade vivida por Timea. Redes que se transformam em apliques de cabelos, pratos e copos descartáveis vermelhos transparentes em organizações espaciais que são kitsch e ao mesmo tempo lembram arquitetura e construtivismo. Materiais e formatos que revelam memória social, como o petróleo presente através do bloco de asfalto e das diferentes borrachas recortadas no formato de adornos arquitetônicos. Ao participante, entretanto, não são apresentados os dados que permitiriam, de primeira, entender as conexões que sustentam suas escolhas. Os anais seguem secretos. Seja porque a artista não queria contar uma história, seja porque a ela interesse mesmo a conexão (ou os atritos na comunicação) entre a experiência visual e a cognição da mente. Ao fim, ela quer descobrir como o corpo percebe esse espaço organizado. E nos deixa livre para entender o que está na nossa frente, perceber as formas, inferir motivações, desvendar a presença da cor negra que perpassa a maior parte dos objetos aqui colocados. O que temos é um puzzle, uma amostra da sua experiencia, à qual ela nos convida para uma desconcertante interação. Quer entender as etapas do pensamento, e como as escolhas são feitas e assimiladas. Quer começar a tecer explicações, embora saiba que elas são complexas demais para dar conta da verdade das escolhas. Talvez eu estivesse tentando entrar na cabeça de Timea, quando comentei que parecia estar adentrando um espaço tão particular. E talvez seja essa a sensação que sentiremos ao caminhar por “Parlour Games: Axioms”, um roteiro sem narrativa observado pela artista, que além de professora universitária de artes, guarda a interessante formação em neurociência. ****** A inglesa CLAIRE NICHOLS trabalha as sutilezas das relações que ocorrem no cubo branco. Na instalação que apresenta ao fim de um mês de residência no Rio de Janeiro, Claire investiga a performatividade dos objetos e do espaço institucional. Para isso, expõe a vulnerabilidade das obras, seja pela materialidade que usa para construí-los, seja pela relação que eles estabelecem com as pessoas. “O observador está ciente de estar em uma relação indeterminada, aberta – e imprecisa – sujeito ao objeto impassível sobre a parede ou o chão”, nos diz Michael Fried, em seu ensaio “Arte e Objetividade”, de 1967. Em análise da natureza do trabalho minimalista, o autor nos diz que a experiência não ocorre mais no interior da obra, e sim na situação construída pelo objeto. É ele que, posicionado no espaço, cria uma situação que só pode existir com o espectador, e por isso, precisa incluí-lo. O trabalho de Claire é composto por retângulos de vidros finos apoiados uns nos outros. Cubos de cimento, que permanecem no limiar entre a mera funcionalidade e a escolha estética - seriam formas pré-fabricadas usadas para fins construtivos ou seriam cubos perfeitos de cor neutra produzidos em série para marcar a presença da forma? Os únicos artefatos a figurar são simples copos e calços de porta em madeira, escolhidos por suas geometrias e possibilidades de reflexos e angulações. A crueza material não quer dizer que a materialidade não importa -, ao contrário, são as características físicas que justificam sua presença na obra. O vidro cria duplos, ao mesmo tempo em que separa o espaço sem criar uma barreira visível. A solidez opaca dos cubos de cimento contrasta com a transparência das lâminas quebradas e ou de pontas expostas. E esses pequenos perigos dão a percepção de que esses objetos são, tal como as pessoas que caminham por entre eles, vivos. É na ação que o trabalho acontece, nos reflexos da interação, nas geometrias das sombras percebidas com a movimentação do corpo no espaço. A delicadeza da instalação acompanha a fragilidade do estatuto do objeto artístico, aquela que nos faz afirmar que tudo que está exposto aqui é arte. Se estivessem em outro local, esses arranjos seriam descartes. Eles existem e sobrevivem pela experiência do público e pelos registros feitos disso. São os códigos da galeria, como este, legitimadores dos trabalhos e do discurso, que interessam a Claire Nichols. Carla Hermann (maio 2015)