André Matias, Nutricionista
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Trigo, Zonulina e algumas
Doenças Auto-Imunes
Introdução
Desde o seu início até ao seu término, o sistema gastrointestinal possui uma única
camada de células que separa o meio extracelular do meio intracelular[1-3]. Esta
separação é de extrema importância devido à grande variedade de agentes ambientais
que na hipotese de atravessarem a barreira epitelial podem iniciar ou perpetuar
inflamação da mucosa[1].
A barreira epitelial da bordadura em escova do enterócito é constiuída por uma bi
camada fosfolipídica que para além de outras funções é uma forte barreira a
constituintes não hidrosolúveis[1, 3]. No entanto, as junções entre as células epiteliais
apresentam-se como zonas de potenciais rotas não reguladas pela membrana da
bordadura em escova[1, 3]. De forma a assegurar o controlo deste pontecial trânsito
através desta via paracelular o epitélio possui uma série de junções intercelulares[1-3].
Uma dessas estruturas, as Tight Junctions (TJ), apresentam-se como um complexo de
mais de 50 proteínas que se situam na zona apicolateral do enterócito e que se ligam ao
citoesqueleto de actomiosina das células epiteliais. A permeabilidade intestinal a
pequenas moléculas hidrosoluveis é determinada pelas TJ[3]. Esta característica, é bem
reveladora de quão enganador é o termo “tight” (sem folga, firme) pode ser neste caso,
uma vez que hoje se reconhece que estas estruturas, ao contrário do que se pensava no
passado, são na realidade bastante dinâmicas. As TJ abrem e fecham constantemente em
resposta a uma variedade de estímulos, dieta, sinalização humural ou neuronal,
mediadores inflamatórios entre muitos outros [1].
Apesar da permeabilidade intestinal, via TJ, ser conseguida por alguns gatilhos distintos
iremos-nos focar num em particular recentemente descoberto: “A regulação das tight
junctions pela via da Zonulina”.
Fasano et al em 1991 demonstraram que a toxina produzida pela Vibrio cholerae
afectava reversivelmente a permeabilidade regulada pelas TJ, esta toxina foi designada
por Zot já que esta afectada a estruturas oclusivas da zonula. Mais recentemente em
1997 o mesmo autor demonstrou que a Zot interagia com receptores específicos de
superfície que têm como função a regulação da “via paracelular” e que desta interacção
resultava uma subsequente polimerização dos microfilamentos de actina afectando
assim a permeabilidade local[4]. Seguindo esta linha de investigação Wang et al em
2000 hipotizaram uma possível mecanismo de mímica celular entre a Zot e um
regulador endogeno das TJ. Desta investigação resultou a purificação do análogo no
intestino humano da Zot que apelidaram de Zonulina[4]. A Zonulina representa assim,
segundo os autores, uma nova proteína eucariótica que abre reversivelmente as TJ
intestinais[4].
Esta via da Zonulina tem vindo a ser explorada com a finalidade de passagem de
fármacos, macromoléculas ou vacinas que normalmente não seriam absorvidas através
da mucosa gastrointestinal [2].
Este papel de regulação da permeabilidade intestinal do sistema da Zonulina fez com
que na última década este sistema tenha sido alvo de algumas investigações de forma a
estabelecer relações entre a regulação da Zonulina, permeabililidade intestinal e uma
série de doenças que iremos desenvolver na discussão deste trabalho.
Mecanismos Bioquímicos do “Sistema da Zonulina”
De forma a que haja uma resposta bioquímica terá que existir uma ligação de uma
proteína a um receptor de forma a desencadear uma cascata de eventos até que se assista
a respectiva resposta.
A junção da Zonulina com o seu receptor é dependente da terminação NH2 da estrutura
de aminoácidos da Zonulina que tem na sua estrutura um octapeptido que é fulcral para
a ligação ao receptor intestinal[4]. Após a sua ligação ao receptor apical da membrana
do enterócito é activada uma via paracelular que leva à contração do esqueleto de
actomiosina pela fosforilação cadeia leve da miosina mediada pela miosina de cadeia
leve kinase que leva a reorganização da ZO-1 (Classe de proteínas Oclusivas das TJ
ZO-1, ZO-2 e ZO-3) e subsequentemente ao aumento da permeabilidade das TJ [3].
A sequência deste processo intracelular é descrito em baixo com o auxílio da figura 1:
Fig 1. – Processo de abertura das Tight Junctions mediado pela Zonulina
Legenda: A Zonulina interage com um receptor específico de surperfície (1) que tem
distribuição variável no intestino.( Os dados sugerem que a Zonulina se comporta como uma
protease que activa um receptor alvo de uma foram semelhante a outras proteases)
A proteína activa a fosfolipase C (2) que hidroliza o fosfatil inositol (3) para a libertação
de inositol1,4,5 – tri fosfato (PPI-3) e diacilglicerol (DAG) (4). A PKC é então activada
(5), directamente (via DAG) ou através da libertação de Ca2 intracelular (via PPI-3)(4ª).
PKC activado cataliza a fosforilação das proteínas alvo com a subsequente
polimerização da G-actina na F-actina (7). Esta polimerização causa o rearranjo dos
filamentos de actina e o subsequente deslocamento das proteinas (incluindo ZO-1) do
complexo de junções (8). Como resultado as tight junctions intestinais tornam-se mais
frouxas ou folgadas. Uma vez finalizada a sinalização da Zonulina as tight junctions
retornam ao seu estado inicial.
Retirado de: Fasano, A., Physiological, pathological, and therapeutic implications of zonulin-mediated
intestinal barrier modulation: living life on the edge of the wall. Am J Pathol, 2008.
Discussão
O epitélio intestinal representa o maior interface entre o ambiente externo e o interno no
nosso intestino. A regulação adequada das TJ intestinais por moduladores como a
Zonulina é essencial para a integridade estructural e funcional do intestino. A
manutenção da competência das TJ previne o atravessar da barreira intestinal por
factores ambientais potencialmente nefastos tais como bactérias, vírus, toxinas,
alergéneos alimentares e macromoléculas [4].
Wang et al, afirmam que o desregular deste modelo conceptual da Zonulina pode
contribuir para a evolução de estados de doença que involvem comunicação intercelular,
incluindo desordens intestinais que podem dar origem a doenças autoimunes (Doença
Celíaca (DC) e Diabetes Mellitus (DM)), inflamação tecidular e metastases[4]. Alguns
autores chegam a atribuir um papel chave na patogénese das doenças autoimunes
quando a Zonulina está “upregulated”[4, 5].
No caso dos doentes com DM Tipo I, para além do aumento da permeabilidade
instestinal verificou-se um aumento da concentração plasmática de Zonulina[6, 7]. Em
ratos, estas características são detectáveis antes do surgimento dos sinais clínicos da
DM [7]. Num estudo similar sugere-se que perda de função da barreira intestinal
mediada pela Zonulina seja um dos passos iniciais da patogénese da diabetes tipo1 em
modelo animal.
De forma a investigar estas questões, Bosi et al, examinaram a permeabilidade intestinal
em diabéticos tipo 1 em diferentes estágios da doenças (antes dos sinais clínicos com
processo autoimune dos ilhéus de Langerhans, no momento do diagnóstico clínico e
após vários anos de doença estabelecida). Concluiram que em todos os estágios existe
uma permeabilidade intestinal anormal e que os resultados sugerem a presença de um
enteropatia subclínica associada a processos autoimunes relacionados ao aparecimento
da diabetes tipo 1 [7].
Ao se descobrir o papel da Zonulina na permeabilidade intestinal alguns investigadores
iniciaram uma série de investigações de forma a estabelecer, ou não, uma relação entre a
Gliadina (prolamina do trigo), a Zonulina e a DC. Isto porque apesar dos progressos
feitos no clarificar dos aspectos imunológicos da patogénese da DC, os mecanismos
iniciais que permitem que a Gliadina atravesse a barreira intestinal eram, até esta
década, largamente desconhecidos [5]. Em 2005, um trabalho realizado por Clemente et
al. tinha como objectivo estabelecer a relação entre a Gliadina e o enterócito com ênfase
no efeito da Gliadina na libertação de Zonulina e à consequente abertura das TJ
intercelulares. Os resultados indicavam, no final do estudo, que a Gliadina activava a
via da Zonulina em epitélios intestinais saudáveis in vitro. A resposta celular observada
após poucos minutos da inclusão da Gliadina foi caracterizada por um reorganização do
citoesqueleto com a redistribuição dos filamentos de actina no compartimento sub
cortical[5]. Os autores referem que no “pico” da polimerização da actina registou-se a
libertação de Zonulina pelas células IEC-6, sugerindo que este evento é dependente da
gliadina[5]. Já em 2008, Investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade de
Maryland descobriram o receptor CXCR3 ao qual a Gliadina se liga e estimula a
libertação da Zonulina aumentando a permeabilidade intestinal [8].
Todos os dados sugerem o possível impacto da Gliadina presente no Trigo na
patogénese de doenças autoimunes. Apesar de estarmos num período inicial de
investigação deste tema e de a predisposição genética ser um facto importante a
considerar convém não obliterar estes dados que a ciência nos proporciona e registar
que em 2006 Drago et al. publicavam os seus últimos resultados desta temática onde
concluiam que a Gliadina activa a via da Zonulina irrespectivamente de existir, ou não,
expressão genética de autoimunidade levando ao aumento da permeabilidade intestinal a
macromoléculas em indivíduos saudaveis ou com DC[9].
Futuros trabalhos deverão se realizar de forma a se poder consolidar estes dados que a
ciência nos disponibiliza de momento, mas deixam para já o espaço para uma reflexão
séria sobre o impacto do Trigo na saúde na humana.
Bibliografia
1.
Arrieta, M.C., L. Bistritz, and J.B. Meddings, Alterations in intestinal permeability. Gut, 2006.
55(10): p. 1512-20.
2.
Fasano, A., Physiological, pathological, and therapeutic implications of zonulin-mediated
intestinal barrier modulation: living life on the edge of the wall. Am J Pathol, 2008. 173(5): p.
1243-52.
3.
Teshima, C.W. and J.B. Meddings, The measurement and clinical significance of intestinal
permeability. Curr Gastroenterol Rep, 2008. 10(5): p. 443-9.
4.
Wang, W., et al., Human zonulin, a potential modulator of intestinal tight junctions. J Cell Sci,
2000. 113 Pt 24: p. 4435-40.
5.
Clemente, M.G., et al., Early effects of gliadin on enterocyte intracellular signalling involved in
intestinal barrier function. Gut, 2003. 52(2): p. 218-23.
6.
Sapone, A., et al., Zonulin upregulation is associated with increased gut permeability in subjects
with type 1 diabetes and their relatives. Diabetes, 2006. 55(5): p. 1443-9.
7.
Bosi, E., et al., Increased intestinal permeability precedes clinical onset of type 1 diabetes.
Diabetologia, 2006. 49(12): p. 2824-7.
8.
Lammers, K.M., et al., Gliadin induces an increase in intestinal permeability and zonulin
release by binding to the chemokine receptor CXCR3. Gastroenterology, 2008. 135(1): p. 194204 e3.
9.
Drago, S., et al., Gliadin, zonulin and gut permeability: Effects on celiac and non-celiac
intestinal mucosa and intestinal cell lines. Scand J Gastroenterol, 2006. 41(4): p. 408-19.
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