O duplo papel do Ministério da Defesa na Reprodução do Capital no Brasil Resumo Este trabalho, busca apresentar o papel que o Ministério da Defesa assume após seu processo de institucionalização. Após superar crises entre civis e militares no governo de Fernando Henrique Cardoso, ele passará por um processo de consolidação no governo Lula, culminando na elaboração de políticas públicas na área de defesa. No entanto, esse processo não será neutro, terminando por estabelecer um duplo papel ao Ministério: ele irá garantir ao capital, mecanismos para sua reprodução ampliada, assegurando o lucro às empresas por intermédio de compras, e ao atacar os setores da população que se posicionam contrários aos interesses da burguesia. Palavras chaves: Ministério da Defesa; reprodução do capital; autocracia burguesa Abstract This work aims to present the role that the Ministry of Defence takes after its process of institutionalization. After overcoming crises between civil and military government of Fernando Henrique Cardoso, he will undergo a process of consolidation in the Lula government, culminating in the elaboration of public policies in the area of defense. However, this process will not be neutral, eventually establish a dual role to the Ministry: he will ensure the capital, mechanisms for its expanded reproduction, ensuring profit enterprises through purchases and attacking sectors of the population who stand contrary to the interests of the bourgeoisie. Keyword: Ministry of Defence; reproduction of capital; bourgeois autocracy 1.Introdução A criação de um Ministério da Defesa com comando civil é uma demanda antiga da sociedade brasileira. A despeito de algumas tentativas históricas1, somente em 1999, no segundo mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso, é que a pasta é criada. Há nessa ideia de um Ministro civil, comandando os militares, a concepção de uma 1 A rigor, houve tentativas de se criar o Ministério em outros períodos da história brasileira, e a Constituição de 1946 citava a criação de um Ministério da Defesa, o que acabou se concretizando na instituição do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA). Em 1967, o então presidente Marechal Castelo Branco assinou um decreto, no qual pedia estudos para embasar a criação de um Ministério das Forças Armadas. O assunto é retomado então nos debates da Constituinte entre 1986-1988, sem, no entanto, haver um consenso, já que havia o temor de que a perda de prestígio dos militares fosse visto por eles como um possível fator para um novo golpe de Estado. 1 ameaça de golpe militar desapareça do horizonte histórico do país. Sua criação advém de uma necessidade do Estado em aplicar as reformas estruturais de cunho neoliberal, principalmente no que diz respeito à reconfiguração do papel do Estado na economia, promovendo uma ampla “reforma” do Estado. Todavia a pasta da Defesa demorou a se consolidar. No período que engloba sua criação, em 1999, até o episódio chamado de “caos aéreo”2 em 2007, houve uma sucessão de ministros civis, que entraram em atritos com os comandos militares. Somente após a investidura de Nelson Jobim, já no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, é que se abre caminho para a consolidação do ministério e para a criação e aplicação de políticas públicas na área. Durante a gestão Jobim, é publicada a primeira versão da Estratégia Nacional de Defesa, o principal documento onde se encontra as diretrizes centrais do planejamento de defesa do país. Um dos eixos fundamentais do documento é o que envolve o rearmamento das Forças Armadas e a revitalização da Indústria de Defesa brasileira. Entretanto, nos anos iniciais do Ministério da Defesa, Fernando Henrique Cardoso escolheu nomes como o de Elcio Alvares3 e Geraldo Magela Quintão4, para comandar o setor. Ambos não possuíam experiência, e suas gestões ficaram marcadas por embates com os comandantes militares e reclamações sobre o congelamento de salários, confluindo para não concretizarem-se políticas específicas da área como a Estratégia Nacional de Defesa. Situação diferente ocorre com Luiz Inácio Lula da Silva, que quando assume a presidência em 2003, indica José Viegas Filho, um diplomata de carreira, 2 “A crise escalou e tomou proporções inesperadas. No dia 30 de março de 2007, os controladores se amotinaram nos Cindactas (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo)37 e abandonaram seus postos de trabalho. O motim foi iniciado no Cindacta-1, em Brasília, que controla a maior parte do tráfego aéreo nacional, e se espalhou pelas outras três unidades militares de controle de tráfego aéreo, ao longo do país. A aviação comercial brasileira deixou, praticamente, de funcionar além de ter gerado um caos nos aeroportos com passageiros dormindo pelas cadeiras e no chão.” (ZAVERUCHA, 2007, p. 40). 3 “FHC quis indicar o diplomata Ronaldo Sardenberg para ser o novo ministro da Defesa. Diante da histórica rivalidade entre o Itamaraty e as Forças Armadas, o Presidente cedeu às pressões castrenses e foi em busca de outra alternativa. A escolha não poderia ter sido pior. Nomeou o ex-líder do governo no Senado, senador Elcio Alvares, que acabara de ser derrotada nas eleições em seu estado, Espírito Santo, e pessoa sem qualquer experiência profissional na área.17 Na interpretação dos militares, FHC usou a pasta para empregar um político derrotado e dar um prêmio de consolação ao seu ex-líder, em vez de fortalecer o novo ministério.” (ZAVERUCHA, 2005, p. 109). 4 “Com a queda de Álvares, o novo Ministro foi Geraldo Quintão, que até então era o Advogado Geral da União. Uma de suas funções era a de proteger o patrimônio do Estado. No entanto pesava sobre ele uma investigação sobre vôos particulares financiado pelo mesmo Estado a que devia proteção. Um levantamento feito pela Aeronáutica revelou que entre janeiro de 1995 e dezembro de 1998 Quintão teria usado aviões da FAB para viajar nos fins de semana para São Paulo, onde mora sua esposa.” (ZAVERUCHA, 2005, p. 111). 2 embora sem experiência na área. Seu objetivo com a indicação era que o ministro firmasse um diálogo constante do MD com outros ministérios, visando sua consolidação e o reaparelhamento das forças armadas, capitaneado por uma revitalização da indústria de defesa. A primeira ação de Viegas é convocar um ciclo de debates para discutir a defesa e a segurança do país. Foram chamados militares, políticos, pesquisadores, jornalistas e empresários do setor. O resultado foi compilado em uma coleção intitulada “Pensamento brasileiro em defesa e segurança”, cujo objetivo era propiciar discussões que dessem substrato para a elaboração da Estratégia Nacional de Defesa. No entanto, a queda de Viegas no ano seguinte ao seminário, em 2004, dificultou a elaboração do documento final. No seu lugar assume o Vice Presidente José Alencar, uma indicação que trazia prestígio ao meio, afinal é o Vice Presidente em pessoa o responsável por dirigir as Forças Armadas. Apesar dele também não possuir experiência no assunto, a insubordinação e os atritos diminuíram durante sua passagem no órgão. Outro feito de sua administração foi publicar a Política Nacional de Defesa, um documento que pontua a imagem que o país possui em escala regional, hemisférica e global no que diz respeito à segurança e defesa. O documento foi dividido em sete pontos, sendo que dentre eles encontra-se: “6.OBJETIVOS NACIONAIS DE DEFESA (...)VII – manter Forças Armadas modernas, integradas, adestradas e balanceadas, e com crescente profissionalização, operando de forma conjunta e adequadamente desdobradas no território nacional; VIII – conscientizar a sociedade brasileira da importância dos assuntos de defesa do País; IX – desenvolver a indústria nacional de defesa, orientada para a obtenção da autonomia em tecnologias indispensáveis; X – estruturar as Forças Armadas em torno de capacidades, dotando-as de pessoal e material compatíveis com os planejamentos estratégicos e operacionais;(...)” (2005, p. 6) José Alencar deixa o comando do ministério em 2006 para concorrer a eleição novamente ao lado de Lula. Em seu lugar, assume Waldir Pires, cuja sua gestão foi marcada por problemas no setor da aviação civil, o maior deles é o episódio apelidado pela imprensa de “caos aéreo”5, que contribuíra para a sua queda, logo em seguida. Em seu lugar entrou Nelson Jobim, que estabelece um diálogo profícuo com os militares, permanecendo no cargo no governo de Dilma Roussef, sucessora de Lula. Durante sua administração serão publicados a Estratégia Nacional de Defesa, e o Livro Branco, que 5 Vide a nota de número 2 do presente texto. 3 junto da Estratégia Nacional de Defesa constituem o pilar das ações do país para sua defesa e segurança. A Estratégia Nacional de Defesa se organiza em três eixos estruturantes, sendo o segundo deles direcionado para a: “(...) reorganização da indústria nacional de material de defesa, para assegurar que o atendimento das necessidades de equipamento das Forças Armadas, apoie-se em tecnologias sob o domínio nacional.” (2008, p. 10). A partir deste, todos os documentos subsequentes do Ministério – no caso a Política Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional – trarão como ponto principal, o rearmamento das Forças Armadas brasileiras, abastecida por uma Indústria de Defesa revitalizada. Tal proposta foi construída através de um longo processo de luta nos bastidores, já que o fim buscado é o benefício econômico de um setor da burguesia nacional. Esse tipo de ação não envolveu apenas empresários da área, mas também outros profissionais como jornalistas, pesquisadores, advogados, políticos, funcionários públicos e no caso específico do Ministério da Defesa os Militares. Forma-se então um grupo de pressão, mas que tem necessidade de ampliar bases legitimadoras dessa política em outros setores da sociedade. 2.O Complexo militar industrial Partindo-se desse princípio, chega-se a uma hipótese de que a consolidação desse ministério origina-se da afluência de dois projetos: primeiro por parte dos civis, envolve transforma-lo em um órgão de seus pares, que age na transferência de parte do fundo público que sustenta essa política de defesa para empresas privadas, de quantias que possibilitem às empresas expandirem-se e fugir de uma das principais contradições do processo de reprodução do capital, a chamada “queda tendencial da taxa de lucros”. O segundo intento, dar-se por parte dos militares brasileiros – envolvendo o desenvolvimento do país e consequente elevação dele enquanto uma potência – pela criação de um polo industrial poderoso, de altíssimo nível tecnológico e com uma indústria de defesa que o acompanhe. Essa hipótese é edificada partindo da teoria aventada por István Mészáros. Em sua obra “Para além do capital”, ele examina o capitalismo contemporâneo, levando adiante a análise feita por Marx. Do século XIX para o fim do século XX, o modo de produção capitalista processou inúmeras transformações, para escapar de suas contradições inerentes. Nesse sentido uma das maneiras de escoar-se dos momentos de crise, foi como apontado por Lenin, um processo volumoso de concentração de capital, com poucas 4 empresas dominando cadeias produtivas completas de recursos fundamentais para a sociedade. Num outro eixo, apontado historicamente por Rosa Luxemburg, o capital busca no Estado e nas compras feitas por ele para sua manutenção, uma fonte constante de capital6. Essas duas tendências, possibilitaram o desenvolvimento daquilo que Mészaros chamará de “complexo industrial-militar”. Este novo ente cristaliza uma nova relação mais complexa entre Estado e monopólios. Para o filósofo húngaro o complexo militar indústria assume tal importância no processo de reprodução do capital, que o próprio metamorfoseia-se naquilo que ele nomeará como “linha de menor resistência do capital7”. Ainda segundo Mészáros, “as várias estratégias do keynesianismo foram complementares à expansão do complexo militar-industrial” (MESZAROS, 2009, p. 685). Ao seguir as regras do desenvolvimento desigual e combinado, percebe-se que não há uniformidade na emergência e criação de um complexo militar-industrial nos países capitalistas avançados; alguns como Alemanha e Japão, viveram condições econômicas especiais, em que tiveram a capacidade de rearmamento reduzidas devido aos acordos de paz do pós-guerra mundial, o que não impediu que tivessem um papel dentro desse complexo especialmente associado aos Estados Unidos8. Mas para Mészáros, a grande inovação do complexo industrial militar “Em vez de um grande número de pequenas demandas de mercadorias, dispersas e díspares temporalmente (mais fáceis, portanto, de serem satisfeitas pela pequena produção mercantil e por isso mesmo desinteressantes para a acumulação do capital), tem-se agora uma demanda potencial homogênea concentrada no Estado. Para sua satisfação, essa demanda pressupõe, no entanto, a existência prévia da grande indústria, da produção em grande escala, ou seja, das condições mais favoráveis à produção de maisvalia e à acumulação. Sob a forma de encomenda de material bélico feita pelo Estado, esse poder de compra concentrado das grandes massas de consumidores escapa, além disso, do arbítrio e das flutuações subjetivas do consumo pessoal, para adquirir regularidade quase automática, um crescimento rítmico. Para finalizar, a alavanca desse movimento rítmico e automático da produção bélica capitalista encontra-se em mãos do próprio capital – mediante o mecanismo da legislação parlamentar e da criação dos meios de comunicação destinados à formação da assim chamada opinião pública. Eis por que esse campo específico de acumulação de capital parece ser dotado, em princípio de uma capacidade de ampliação indeterminada. Enquanto qualquer outra ampliação do domínio de mercado e da base operacional do capital dependem, em grande parte, de aspectos políticos, sociais e históricos, que atuam fora da esfera de vontade do capital, a produção bélica representa um domínio cuja ampliação sucessiva e regular parece depender antes de mais nada das próprias intenções do capital.” (LUXEMBURG, 1987, p. 97). 7 “Em outras palavras, se encontrar um equivalente funcional capitalisticamente mais viável ou fácil a uma linha de ação que suas próprias determinações materiais de outro modo predicariam (...), o capital deve optar por aquela que esteja mais obviamente de acordo com sua configuração estrutural global, mantendo o controle que já exerce, em vez de perseguir alguma estratégia alternativa que necessitaria o abandono de práticas bem estabelecidas.” (MESZAROS, 2009, p. 680). 8 “Essas considerações – que também ajudam a explicar a atitude ocidental ante o problema da dívida americana – se aplicam não só ao Japão e à Alemanha, mas também a todos os outros países de capitalismo avançado. Dessa maneira, mesmo no caso de países em que a participação direta do complexo militarindustrial local na economia nacional é relativamente pequena (se comparada à dos Estados Unidos e à de 6 5 é ocultar efetivamente a distinção vital entre consumo e destruição, solucionando assim uma contradição inerente ao valor. Essa contradição é oriunda das várias barreiras objetivas à riqueza em autoexpansão, que precisam ser superadas para o valor como uma força independente se realize de acordo com as determinações de sua natureza. (MESZAROS, 2009, p. 687). Nesse sentido, como o capital necessita sempre reproduzirse em um volume cada vez maior, torna-se possível aos países em desenvolvimento repetirem o mesmo fenômeno, ainda que com suas especificidades. Assim esses países podem desenvolver uma indústria bélica autóctone, mas com sérias limitações tecnológicas, para não ameaçar o domínio das nações hegemônicas em suas zonas de influência. Deslocando a análise da reprodução desse fenômeno para o caso brasileiro, o professor da Unicamp, Renato Dagnino, estabelece um profícuo viés acerca da indústria de Defesa durante o governo Lula. Dagnino desenvolve uma crítica à postura da “Rede de Revitalização”9 e à linha que o governo assume na “Estratégia Nacional de Defesa”. Para ele toda a argumentação baseia-se na ideia de que revitalização de uma indústria de defesa local possibilitaria o desenvolvimento tecnológico do país, pois haveria um “spin off”10 natural do meio militar para o civil. Essa concepção remete ao imenso desenvolvimento tecnológico da indústria estadunidense após a Segunda Guerra Mundial alguns outros países), a contínua expansão produtiva das economias nacionais em questão não pode ser separada da importância global da produção militarista no que se refere à sua aparentemente incurável dependência da economia norte-americana e do preponderante complexo militar-industrial no seu interior.” (MESZAROS, 2009, p. 687). 9 “A essa Rede, formada por atores públicos (principalmente militares) e privados (empresários, jornalistas e pesquisadores) que participam do jogo da revitalização se denomina aqui Rede da Revitalização; (...) Num contexto de governança não hierarquizada, ela participa do jogo da revitalização aproveitando-se da vigência das normas democráticas que sancionam o exercício de pressões de grupos organizados para influenciar o processo de elaboração das políticas públicas a ela atinentes.” (DAGNINO, 2010, p. 35). 10 “Para iniciar a análise da Rede de Revitalização, tarefa que se prolongará por boa parte deste livro, é conveniente ter em mente os argumentos que compõem a cultura institucional da Rede de Revitalização. Eles podem ser agrupados em cinco blocos. O dois primeiros têm a ver com o conceito efeito de spin-off, isso é, com um efeito de transbordamento ou ‘espirramento’ dos resultados tecnológicos e econômicos desencadeados pelo gasto militar no setor da defesa, para o setor civil da economia. Ou com a suposição de que a tecnologia desenvolvida para propósitos militares tem (ou pode ter) significativas aplicações para a produção civil, e que essas aplicações teriam um impacto positivo na capacitação tecnológica e em termos econômicos. O terceiro, inspirado no que é entendido como sendo a realidade dos grandes produtores de sistemas de armas, é o da obtenção de ganhos de comércio exterior por meio da exportação de DM que a revitalização permitiria. O quarto, mais próximo à tradição latino-americana, é o da substituição de importações; isto é, a possibilidade de evitar a importação dos sistemas de armas demandados pelas FAs, o que reduziria a vulnerabilidade à bloqueios e embargos causada pela dependência de fontes não locais de suprimentos e itens de reposição. O quinto, inspirado talvez na realidade de alguns países periféricos durante a Guerra Fria, ou no comportamento do que se tem denominado países ‘rebeldes’, é o das vantagens geopolíticas, de defesa dos interesses nacionais, de aumento da capacidade de barganha em relação às grandes potências, ou de projeção de poder em relação a países mais fracos, que a produção local de MD proporcionaria.” (DAGNINO, 2010, p. 37). 6 que tem origens na produção bélica. A solução apontada por ele é que o governo investisse diretamente em C&T, buscando as inovações dentro da indústria civil. Ao se analisar o documento publicado em 2008, observa-se claramente o sucesso no objetivo da “Rede de Revitalização”11. No plano de ações propostas pelo Ministério da Defesa, há o comprometimento entre as pastas da Fazenda; Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior; Ciência e Tecnologia; Transportes; Planejamento Orçamento e Gestão; e Secretária de Assuntos Estratégicos, em formular leis que regulamenta a compra de produtos de defesa junto à empresas nacionais. Um regime tributário especial para as empresas que fabricam produtos de defesa. Entre outras propostas a mudança da legislação referente à linha de crédito especial do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para produtos de defesa, similar à outras áreas consideradas prioritárias pelo governo como educação, saúde, moradia. Por último, uma mudança, na legislação referente aos procedimentos e garantias de contratos de exportação de produtos de defesa de grande vulto. Pouco tempo após sua publicação é possível observar as ações do governo para sua concretização. Em 2009, por exemplo, o presidente Lula, junto do ministro da Defesa Nelson Jobim, anunciou a assinatura de um acordo comercial com a França, para adquirir navios, submarinos, helicópteros pesados, além da preferência de ambas as autoridades pelo caça de origem francesa Rafale – produzido pela empresa Dassault – concorrência do programa FX212, O acordo totalizaria algo próximo de 9,8 bilhões de euros, e envolveria transferência de tecnologia, produção nacional e construção de um estaleiro. Em outra frente, a Defesa foi contemplada no principal programa de investimentos do governo Lula, o PAC, Programa de Aceleração do Crescimento. Com obras que “Embora o discurso governamental materializado na Estratégia Nacional de Defesa (2008) possa vir a não se tornar uma realidade, não há dúvida de que ela é um resultado compatível com as demandas da Rede da Revitalização. A importância da ID no documento já fica evidente na carta por meio da qual o ministro da Defesa e o chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos encaminham ao presidente. Ao colocar que ‘a reestruturação da indústria brasileira de material de Defesa tem como propósito assegurar que o atendimento das necessidades de equipamento das Forças Armadas apoie-se em tecnologias sob domínio nacional’, está-se indicando que este ‘atendimento’, que é condição para a existência da defesa do país depende da ‘reestruturação’ da ID.” (DAGNINO, 2010, p. 213-214). 11 12 O programa FX2 é o processo de licitação para visando a compra de novos caças supersônicos para a Força Aérea brasileira. Ele tem início ainda no mandato de Fernando Henrique Cardoso, no entanto sua complexidade, envolvendo inúmeros atores internacionais, fatores geopolíticos e elevado preço, fez com a licitação fosse cancelada, sem conclusão. O governo Lula retomará ela, com novos caças, mas novamente ela se prolongará e somente em 2013, próximo do fim do mandato de Dilma Roussef é que o veredito será dado pela compra dos caças de origem sueca Gripen NG. 7 envolvem a reforma de bases das três armas, construção de estaleiros para produção de submarinos, e investimento na pesquisa referente à criação de um motor de propulsão nuclear. Para o exército o projeto de um veículo de transporte médio sobre rodas “Guarani”, e capitaneado pela Embraer, um projeto de um avião cargueiro de médio porte, chamado KC-390. Totalizando até 2013, um valor próximo de 14,5 bilhões de reais. Dentro da “Rede de Revitalização”, cabe o destacar o papel de alguns de seus membros. O primeiro é aquele que quantitativamente mais ganhou com o segundo eixo da Estratégia Nacional de Defesa, ou seja, as empresas do setor, reunidas na Associação brasileira das indústrias de material de defesa (ABIMDE). A entidade é composta tanto pelas gigantes nacionais do setor como a Embraer, Condor e Taurus, como pelas gigantes transnacionais Boeing e Saab. Apesar de grande beneficiária, o papel de destaque na “Rede de Revitalização” não coube diretamente aos empresários, mas sim à grande imprensa. O lobby feito por setores desta burguesia, em consonância a necessidade do governo de conquistar o apoio dos militares, mas também a necessidade do governo e das Forças Armadas em fortalecer a indústria nacional e desenvolver o país, confluem em um interesse comum, tornando possível que atores diferentes construam uma agenda. 3.O duplo papel do Ministério da Defesa Como demonstrado anteriormente os principais documentos que trazem as diretrizes das políticas públicas sobre defesa nacional nos governos de Luis Inácio Lula da Silva, e também de sua sucessora Dilma Roussef, a saber, a “Política Nacional de Defesa”, a “Estratégia Nacional de Defesa” e o “Livro Branco”, indicam a preferência pela agenda que beneficia os empresários do setor. Nesse sentido, algumas das principais empresas brasileiras, com destaque para as quatro maiores empreiteiras do Brasil: a Odebretch, a Camargo Correa, a OAS e a Andrade Gutierrez, empresas que possuem uma profunda ligação com o Estado, criaram subsidiárias voltadas inteiramente para o setor de Defesa. O que corrobora a hipótese apresentada de que os governos do Partido dos Trabalhadores, optaram por gerar no Ministério da Defesa mais um caminho para que empresas privadas obtenham seu lucro através da transferência de recursos do fundo público. Mas o papel do Ministério da Defesa nesses governos não se restringiu à somente seu papel econômico. Nos últimos anos, o Brasil foi sede de grandes eventos, como a 8 Copa das Confederações, a Copa do Mundo, a Conferência Mundial das Nações Unidas “Rio+20” e a Jornada Mundial da Juventude organizada pela Igreja Católica, além das Olímpiadas e Paraolimpíadas a realizar-se em 2016 Na esteira desses grandes eventos, visando contribuir para manter a reprodução do capital, já em um contexto de crise econômica mundial, os governos do PT, promoveram uma série de obras de infraestrutura nas cidades sedes. Para a realização dessas grandes obras precisou-se expropriar milhares de pessoas, nesses casos, visando evitar a resistência, utilizou-se em casos pontuais, as Forças Armadas, que também foram empregadas em situações de monitoramento durante a realização desses eventos. Mas o caso mais emblemático de utilização das Forças Armadas foi no auxílio da Polícia Militar do Rio de Janeiro nas chamadas operações de pacificação. Militares auxiliaram no combate aos narcotraficantes para a implantação das chamadas Unidades de Polícia Pacificadora. Esses exemplos demonstram que a saída dos militares do comando do país em 1985, não significou o fim da utilização das Forças Armadas contra a própria população – como pregava a famosa “Doutrina de Segurança Nacional” – ainda que em menor intensidade, em momentos pontuais ela foi chamada para reprimir a classe trabalhadora. A burguesia brasileira não necessita mais recorrer à regimes de exceção para manter seu poder sobre o a sociedade, mas sempre que seus interesses encontram-se em risco, ela ainda utiliza do braço armado do Estado. Florestan Fernandes, chama essa forma de consolidação do poder burguês, de autocracia burguesa, possuindo sua face mais escancarada no golpe civil-militar de abril de 1964. Nesse sentido é possível trabalhar com algumas hipóteses. Como a apresentada por Anderson Deo. Retomando a ideia de “Colonial-Bonapartismo” elaborada por Antônio Carlos Mazzeo, e de “Bonapartismo-soft” do italiano Domenico Losurdo, Anderson irá apontar que a autocracia burguesa assume uma variante legal institucional no período democrático. Segundo ele: “Toda forma de dominação burguesa se realiza através de um Estado poderoso, que garanta a reprodução sociometabólca do capital. No Brasil da social democracia, o Parlamento imprime um conteúdo de legalidade ao bonapartismo, tal como esta forma de domínio se manifesta internamente. Assim, a autocracia burguesa, em sua forma institucional-legalizada, arrima- 9 se mão só do domínio exercido pelo Executivo, mas, também no domínio exercido pelo Parlamento. Através da esfera parlamentar, as mais diversas frações da burguesia se fazem representar a partir de seus interesses específicos. As lutas intestinas que dão formato ao bloco histórico dependem diretamente das disputas intraclasse burguesa que se desdobram no interior do Poder legislativo. A formação de ‘oligarquias políticas’ no interior do parlamento garante a hegemonia à determinada fração da burguesia durante as disputas pela configuração de seu projeto político-econômico. Conjugando os interesses dessas oligarquias às decisões do Poder Executivo, a fração hegemônica no interior do bloco histórico consegue aprovar as medidas necessárias à realização de seu projeto.” (DEO, 2014, p. 327-328). 4. Conclusão A força do braço armado do Estado é reservada aos momentos em que alguns interesses das classes subalternas entram em disputa com os interesses da diversas frações da burguesia, já que no que depender do Estado, seus interesses sempre prevalecerão, ao contrário dos interesses dos trabalhadores, ainda que o partido no poder receba o nome de Partido dos Trabalhadores. Aventa-se então que o Ministério da Defesa cumpre um papel duplo, ele transfere recursos para ajudar na manutenção dos lucros de setores da burguesia nacional e internacional, ao mesmo tempo em que nos momentos que for preciso pode utilizar as Forças Armadas para garantir a ordem, a manutenção dos lucros etc. reprimindo a classe trabalhadora, ou ajudando nas remoções para garantir a reprodução do capital nas cidades. Portanto pode-se dizer que as Forças Armadas, dentro da atual condição democrática cumprem um papel de defesa dos interesses do capital no país, sendo que o órgão criado na falsa esperança de modificação da atuação delas, contribui para essa forma de atuação, ao agir como os outros ministérios e o Estado no sentido de garantir a reprodução do capital. Bibliografia BRASIL Ministério da Defesa. Política de defesa nacional. Brasília. 2005. ________________________ Estratégia nacional de defesa. Brasília. 2008. COELHO, Edmundo Campos. Em busca de identidade: o exército e a política na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2000. 10 COUTINHO, Carlos Nelson. Marxismo e política: a dualidade de poderes e outros ensaios. 3ª edição. São Paulo: Cortez, 2008. CUNHA, Paulo Ribeiro da. Um olhar à esquerda: A utopia tenentista na construção do pensamento marxista de Nelson Werneck Sodré. Rio de Janeiro: Revan: Fapesp, 2002. DAGNINO, Renato. A indústria de Defesa no Governo Lula. São Paulo: Expressão Popular, 2010. DEO, Anderson. Uma transição à “long terme”: a institucionalização da autocracia burguesa no Brasil. In. Ditadura, o que resta da transição. São Paulo: Boitempo, 2014. LUXEMBURG, Rosa. O militarismo como domínio da acumulação de capital. In. A acumulação de capital. Volume II. Coleção os economistas. Tradução Marijane Vieira Lisboa. São Paulo: Nova Cultural, 1988. 89-98. MÉSZÁROS, István. A taxa de utilização decrescente e o Estado capitalista: Administração da crise e auto reprodução destrutiva do capital. In. Para além do capital: Rumo a uma teoria da transição. Tradução Paulo Sérgio Castanheira, Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo editorial, 2009. 675-700 p. MORAES, João Quartim. A esquerda militar no Brasil: da conspiração republicana à guerrilha dos tenentes. Volume 1. PEIXOTO, Antonio Carlos. Exército e política no Brasil: uma crítica dos modelos de interpretação. Tradução de Octavio Alves Filho. In.Os partidos militares no Brasil. Record, [S.l, 19--]. SODRÉ, Nelson Werneck. História militar do Brasil. 2ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2010. 576 p. ZAVERUCHA, Jorge. A fragilidade do ministério da defesa brasileiro. In. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, n. 25. <http://dx.doi.org/10.1590/S0104- 44782005000200009> Acessado em 27 mar 2013. ___________________ Ministério da defesa brasileiro: um poder virtual. In. StrategicEvalution: InternationalJournalofDefense&ConflictAnalysis. N. 1, 2007. 11