Global versus fônico na arena da educação baseada em evidência
Cláudio de Moura Castro
Venho acompanhando meio a distância, meio palpitando, uma discussão onde se
entrecortam temas de método de alfabetização com uma questão epistemológica maior: a
educação baseada em evidência.
Sobre esse último tema, o menos que se pode falar é em novidades. Afinal de contas, a
ciência ocidental toma corpo e sai vitoriosa justamente por ser “baseada em evidência”. A
tentativa de redescobrir de tal princípio na educação parece se explicar por duas razões.
Uma é o crescimento substancial da pesquisa quantitativa séria dentro da ciência cognitiva,
lidando diretamente com o processo de aprender e ensinar. Outra é o escandaloso desprezo
de muitos de nossos educadores pelos princípios clássicos da ciência. Repetindo, a teoria
sobrevive ou não, pelo teste da realidade.
A discussão do método global versus o fônico virou um embate entre duas religiões. Do
lado do global, há argumentos de todos os feitios, exceto o argumento clássico da ciência: o
mundo real, observado com rigor e sistema. Do lado do fônico, os argumentos científicos
parecem sólidos e bem apresentados. Mas os contendores são vistos como a encarnação de
Lúcifer pelo outro lado. E infelizmente, estilos pessoais não ajudam a forjar um diálogo
produtivo.
Atrevo-me a escrever a presente nota, por acreditar que o problema é importante, dadas as
deficiências que se observam no início da escolarização.
O MEC poderia tomar uma posição? Se tomar posição do lado do método global, vou
lamentar (por razões que alinhavarei mais adiante). Mas nada terei a acrescentar. Contudo,
suponhamos que o MEC veja méritos no método fônico.
Tomar partido do fônico seria a solução lógica, mas teria um custo político e geraria imenso
ruído. Cabe indagar se o Ministro quer pagar esse preço político.
Minha sugestão é contornar esse escolho e chegar a um caminho fértil por outra via. O
Ministro pode tomar uma posição muito mais defensável e difícil de ser atacada dizendo
que quer ver a “educação baseada na evidência” aplicada nesse e em outros assuntos da sua
pasta. Ou seja, tabula rasa com as religiões, vamos aos fatos.
Sobre alfabetização, pode dizer que não é seu papel decidir sobre métodos, mas quer ver
uma discussão apoiada em fatos, em números, em argumentos concretos. Seu papel é de
disciplinador do processo de busca de respostas. Se o método científico é aplicado
corretamente, a resposta se impõe sozinha (assim dizem os livros de métodos de pesquisa,
inclusive o meu).
Na prática, como os proponentes do método global não têm estudos empíricos que se
sustentem metodologicamente, as cartas estão marcadas. De fato, como resultado de um
enorme ruído em torno do mesmo assunto nos Estados Unidos, foi criado o National
Literacy Panel, com o objetivo precípuo de examinar as pesquisas disponíveis e extrair
delas o seu sumo. Como fica claro no livro de Diane McGuiness (cuja resenha acaba de ser
publicada), de 1072 pesquisas realizadas nos últimos 30 anos, o grupo selecionou 75 que
foram consideradas metodologicamente invulneráveis. Uma meta-pesquisa ulterior reduziu
esse número a 38, para a análise final. Sobre a idéia de que “ler muito ajuda” foram
identificados 19 mil artigos, mas somente 14 se mostraram metodologicamente robustos. A
análise desses estudos desqualifica totalmente o método global.
A conclusão da autora é bastante enfática:”São esmagadoras as evidências de que os
sistemas de escrita de palavra inteira nunca podem funcionar, nunca funcionaram realmente
e nunca irão funcionar”.
Para salvar o global seria necessário demonstrar falhas nesse grupo de pesquisas, submetido
a um crivo rigoroso por pesquisadores de primeira linha. Em outras palavras, não é sequer
necessário saber o que é o método global para concluir que está diante de uma formidável
barreira de pesquisas que não lhe dão qualquer alento.
Portanto, minha sugestão é que o Ministro patrocine uma discussão séria, cientificamente
disciplinada sobre os resultados obtidos em um método de alfabetização e em outro. Seriam
promovidas publicações que atingissem um limiar de qualidade no trato com a evidência
empírica. Os escritos que não demonstrassem empiricamente suas propostas não seria
divulgados em maior escala.
Dessa forma, o Ministro se coloca em uma posição confortável e bem mais inexpugnável.
Afinal, quem na academia vai falar mal do método científico?
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