FOLHA DIRIGIDA
CADERNO DE
Educação
3 a 9 de maio de 2011
www.folhadirigida.com.br
ZENITE
MACHADO
Para libertar,
a escola
precisa dar
liberdade
Marcelo
Sando:
“A escola
desestimula
pois é
baseada em
controle, em
ensino e em
limite”
Conheça a história do jovem Marcelo Sando que, aos 26 anos, acumula
ricas experiências na área educacional. E apresenta uma particular teoria sobre o
processo de aprendizagem, por ele batizada de Pedagogia da Compaixão
ANA CAROLINA CERIZZE
[email protected]
Esse rapaz teve uma infância incomum. Assim
seria o pensamento de qualquer pessoa que conversasse com o jovem Marcelo Sando. Com apenas
23 anos, ele carrega em sua trajetória enorme bagagem de ideias e experiências. Sua paixão pela
educação começou aos 12 anos, quando entrou para
um grupo na escola, no qual discutia com os colegas sobre educação ambiental.
Logo depois, aos 14, tornou-se coordenador geral desse grupo. Com 15 anos assumiu o cargo de
coordenador pedagógico dentro do colégio e mudou o rumo das discussões. Ao invés de falarem sobre
a educação ambiental, passaram a analisar pesquisas e estudos sobre novos métodos pedagógicos.
A função trouxe consigo muita liberdade para
conseguir dispensas e criar trabalhos, que o avaliariam com notas. Essa flexibilidade cedida pela escola fez com que passasse a frequentar a Universidade de São Paulo (USP) para assistir aulas de Filosofia e Sociologia, por conta própria.
“Eu queria saber sobre arte, história, cinema e
outras coisas. E tive pessoas que me deram liberdade para buscar isso, o que foi fundamental. Eu
tive o espaço para errar, que é um espaço que não
existe na escola. A escola não me dava essa motivação, mas eu tinha a ânsia e o desejo de criar e
aprender”, disse.
Aos 16, foi contratado por outra escola, em caráter excepcional, para dar aulas de História e Geografia para turmas de 5ª a 8ª série. Foi quando
decidiu que realmente queria trabalhar com educação, mas não como professor. Aos 17, foi premiado pelo Instituto de Cidadania do Estado de São
Paulo por seus projetos. Ganhou de sua escola uma
bolsa de estudos e foi para os Estados Unidos. Longe
de casa, e mergulhado em uma cultura totalmente
diferente, Marcelo teve o tempo necessário de pensar
e organizar suas opiniões a respeito da educação.
Descoberto e indicado por uma professora, recebeu convites de Harvard, Duke, Penn e Georgetown para cursar o ensino superior, com bolsas concedidas por mérito. Abriu mão de tudo e preferiu
voltar para o Brasil e desenvolver novos projetos.
Hoje, o jovem coleciona no seu já extenso currículo palestras para mais de 18 mil educadores. Trabalhou como mentor de projetos nos setores público, privado e em ONGs e fez mochilões por diversos lugares. Inquieto, fez tudo isso para tentar
compreender melhor a educação.
No dia 21 de maio, Marcelo fará sua primeira
palestra sobre a Pedagogia da Compaixão no 18º
Congresso Internacional de Educação Educar/Educador, em São Paulo, o maior congresso educacional da América Latina, e terá uma participação com
o Prof. Domenico di Masi em uma conversa sobre
‘o ócio criativo’ aplicado ao universo da educação.
Em julho, estará na 8ª Jornada Internacional de
Educação do Estado do Rio de Janeiro e na 11ª Jornada Internacional de Educação da Bahia.
Nessa entrevista ele, que se intitula educador, escritor, filósofo e monge, no sentido de trabalhar por
uma causa, conta como foi a experiência vivida como
coordenador, professor e aluno de outro país. Ele
conta como consolidou suas atuais opiniões sobre
o significado da instituição escola, no contexto
brasileiro. Reflexões que, por fim, o fizeram criar a
Pedagogia da Compaixão, que modifica radicalmente o sistema.
C OMO E QU
ANDO A NECESSID
ADE DE MANIFES
TARQUANDO
NECESSIDADE
MANIFEST
SE COMO EDUCADOR SURGIU EM SUA VIDA?
Lembro claramente que na 3ª série eu entendi que
a minha professora só sabia daquelas coisas que
ensinava, porque tinha nascido antes de mim e,
portanto, lido primeiro do que eu. Então, nas férias, eu passei a ler todos os livros antes das aulas
começarem. Mas a vontade de atuar na área da educação foi descoberta na 4ª série, em um dia que a
professora nos ensinou sobre o sistema respiratório e eu fiquei encantado com aquilo. Saí da escola, comprei um tablete de isopor, bexigas, canudos,
tinta e então criei um ser humano aberto, com faringe, dois pulmões de bexiga, com brônquios feitos de canudo e fiz o sistema respiratório. No dia
seguinte, levei para a escola e mostrei para a professora, que amou e me levou para todas as outras
salas de aula para apresentar o meu trabalho. No
ano seguinte, entrei para o grupo e, ao mesmo tempo,
para o teatro, para desinibir. A professora de Geografia me dava uma liberdade muito grande. Eu
pedia para dar uma aula sobre a Amazônia e ela
deixava. Eu gostava daquilo.
A CREDITA QUE FOI ESTIMULADO PELA ESCOLA EM
QUE ESTUDAVA ? O U SEU TALENTO E VOCAÇÃO FORAM, NA VERDADE, REPRIMIDOS ?
Acho que não fui estimulado, mas também não fui
podado. Me deram muita liberdade. Se eu estivesse nos Estados Unidos desde os 14 anos, eu provavelmente teria pulado direto para a universidade
sem cursar o ensino médio. Mas o Brasil não tem
uma política clara sobre isso. O brasileiro acredita
que todo mundo tem que passar pelo mesmo processo e, quando existe uma pessoa com um potencial maior, não há uma legislação sobre o que fazer
com ela. Eu não aproveitei muito o meu ensino
médio - para mim eram apenas informações a serem memorizadas. Eu sinceramente não sei qual o
objetivo do ensino médio no Brasil - parece que é
só passar no vestibular. Se o vestibular acabar, muitos
professores não vão saber mais o que fazer da vida.
Q UAIS FORAM OS IMP
ACT
OS DA EXPERIÊNCIA NO
IMPA
CTOS
A FORMAÇÃO? P OR QUE NÃO
EXTERIOR PARA A SU
SUA
ACEIT
OU UMAS DAS BOLSAS PARA CURSAR A FACUL CEITOU
DADE POR LÁ?
Os impactos não foram tantos, diante da liberdade que tive no Brasil. Mas foi a possibilidade que
eu tive de pensar, já que eu não estava envolvido
em nenhum projeto. Como só estava curtindo, foi
o momento que pensei em uma escola diferente.
Foi muito interessante poder ver o modelo educacional público americano, onde o conteúdo é super fraco, muito básico, mas em termos de estrutura era impressionante. Lembro dos meus cadernos,
eu escrevia muito sobre a educação. Eu recusei as
bolsas porque decidi que não queria entrar no mundo
acadêmico naquele momento da minha vida. Um
aluno fica 12 mil horas sentado em uma cadeira,
em sala de aula. E eu não queria perder mais tempo, queria conhecer o mundo, sempre fui muito
afoito por criar coisas novas e queria entender como
era a educação no Brasil.
E SSA INQUIET
AÇÃO, COM A INCESSANTE BUSCA POR
INQUIETAÇÃO
NOVIDADES E CONHECIMENTOS, É UM TRAÇO FORTE
DE SUA PERSONALIDADE. TODO EDUCADOR DEVERIA
SER ASSIM?
Acho humano. A criatividade é inerente ao ser humano, mas ela é podada e desestimulada e até assassinada ao longo do tempo. Conforme você vai
crescendo, essa vontade de querer saber e descobrir
as coisas vai sendo minimizada. Não acho que seja
uma coisa minha, mas algo humano, que consegui
manter da infância ainda até hoje.
E M SEU RELA
TO , VOCÊ AFIRMA JÁ TER SOFRIDO ALRELAT
GUMAS DECEPÇÕES EM PROJETOS QUE BUSCOU DESENV
OL
VER NA ÁREA EDUCA
CIONAL. P OR QUE ISSO
SENVOL
OLVER
EDUCACIONAL
OCORREU ? OS EDUCADORES, DE FORMA GERAL, SÃO
AVESSOS A PR
OPOS
TAS DE MUD
ANÇAS ?
PROPOS
OPOST
MUDANÇAS
Os educadores querem muito as mudanças, mas
querem que elas aconteçam sem fazer absolutamente
nada para isso. O livro que estou lançando este mês
coloca toda a responsabilidade no educador, pessoalmente. O livro vai sair pela editora do Grupo
Futuro - a Editora Melo, e chama-se ‘Notas & Reflexões Sobre Educação’, tendo sido escrito em conjunto com meus parceiros Iury Sagaz Dias e Julia
Rufino Garcia. Em minha opinião, a escola é só um
prédio cheio de crianças. E o que nós chamamos
de professor é só um adulto dentro desse prédio.
Enquanto esse adulto não se entender como um
profissional, que tem um papel a desempenhar, e
enquanto existir essa relação hierárquica de professor e aluno, nada vai mudar. A palavra alunos é
horrível, significa um ser sem luz e que precisa ser
iluminado pela luz do professor. Isso gera uma relação de separação e de poder muito grande. Nossa
proposta na Pedagogia da Compaixão é fazer com
que esse professor seja uma pessoa que acompanhe o aluno no seu desenvolvimento de potencial
criativo, intelectual e emocional. Esses meninos são
analfabetos emocionalmente, saem da escola sem
saber lidar com as próprias frustrações. A responsabilidade pelas crianças não é apenas dos pais e
escola, mas de qualquer adulto que tenha contato
com elas, porque transmitem uma série de comportamentos. Se os adultos não sabem lidar com
as próprias emoções, como vão querer que as crianças lidem?
Q UAL É O MAIOR PROBLEMA DA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES NO BRASIL?
Ela é uma formação focada em método e didática, e não na inspiração e motivação do para quê
educar e ter contato com a criança. Nós precisamos nas escolas de pessoas que sejam livres do
seu convívio pessoal, de bem com a vida, motivadas e alegres. Pessoas que não estejam lá para falar, para um grupo de 30 crianças, que elas deveriam estar se comportando de determinada forma.
O professor tenta controlar os alunos para poder
ensiná-los... E o que eu proponho é uma educação onde a gente tenha liberdade de assuntos, de
espaço, de movimento e de tempo. Não importa
o método, o conteúdo, e o que vai ser passado para
eles, mas sim o como. Importa o como você vai
criar relações dentro da escola. Os professores,
muitas vezes, só brigam entre eles - ou um não
fala com o outro. Como ele pede para as crianças
não brigarem entre si, se está brigando na sala dos
professores? E por que tanta separação? Por que
tantas salas? Vamos quebrar as paredes, literal e
metaforicamente, e deixar espaços abertos, onde
pessoas com gostos em comum possam se juntar
para pensar sobre o assunto.
C OMO CHEGOU A DESENV
OL
VER A P ED
AGOGIA DA
DESENVOL
OLVER
EDA
C OMPAIXÃO? Q UAIS OS SEUS FUNDAMENTOS BÁSICOS?
Ela tem como base três fundamentos: não prender,
dar liberdade e ser livre. Esse é objetivo e foco do
educador de hoje. A escola é baseada em controle,
em ensino e em limite. Já pensava nestes fundamentos desde a minha adolescência. E passei a
desenvolvê-lo quando li a Carta da Compaixão, em
Boepeba, na Bahia, enquanto estava num retiro de
meditação. O termo ‘compaixão’, aplicado por mim,
“Nós precisamos nas
escolas de pessoas que
sejam livres do seu
convívio pessoal, de bem
com a vida, motivadas e
alegres. O professor tenta
controlar os alunos para
poder ensiná-los...
E o que eu proponho é
uma educação onde a
gente tenha liberdade de
assuntos, de espaço, de
movimento e de tempo”
não tem o sentido de piedade ou caridade, e sim
de uma habilidade intelectual profunda de compreender que o outro existe. Assim, a teoria da
Compaixão diz que não existe como ensinar, ninguém passa um bloco de informação para outra
pessoa. Uma pessoa não vai ensinar a outra a tocar
piano, ela vai tocar e a outra vai olhar e imitá-la.
Esse negócio de ensinar é um mito da aprendizagem do ensino, a gente apenas memoriza discursos. A Pedagogia da Compaixão tem o interesse de
não levar respostas. Hoje, a escola é o lugar de descobertas prontas, pois te dá respostas para perguntas que você nunca fez. Você chega na sala de aula
e a professora fala que a raiz quadrada de quatro é
igual a dois e você não faz a menor ideia de para
quê serve isso. A Pedagogia da Compaixão está
propondo parar de dar respostas e deixar o menino, primeiro, ficar curioso. Nós vamos instigar a
curiosidade, estimular a exploração e incentivar a
partilha com os amigos de alguma forma. As pessoas normalmente se juntam em grupos de interesse. Se algumas são loucas por carro, devem se
juntar para discutir sobre isso. As pessoas vão acabar discutindo sobre gasolina, óleo, petróleo, geologia, astronomia. Falando ainda sobre o carro, vão
acabar falando também sobre mecânica e depois
pressão, atrito, energia, força. A função de instigar
essa curiosidade vai ser do educador. A gente precisa fazer com que pessoas fantásticas estejam em
contato com as nossas crianças. O professor tem que
ser uma pessoa extremamente inspiradora. Hoje, a
gente tenta forçar os alunos a prestarem atenção a
uma pessoa pela qual, quase sempre, eles não têm
a menor empatia.
EM QUE MEDIDA ESSA PEDAGOGIA TRANSFORMA O
COTIDIANO DAS ESCOLAS E O PROCESSO DE APRENDIZA
GEM ? COMO TEM SIDO A ACEIT
AÇÃO A ESSA SU
A
DIZAGEM
CEITAÇÃO
SUA
P R O P O S TA ?
Transforma completamente. Primeiro, porque não
existe processo de aprendizagem, mas sim desenvolvimento de potencial. Cada criança vai avançar
para a área que tem mais interesse em aprender - e,
por isso, não vai existir mais essa coisa de um se
destacar mais que o outro. Vão ser pessoas descobrindo aquilo que gostam. Entre os educadores com
os quais eu tive contato, em algumas palestras pequenas, em Santa Catarina, a aceitação foi brilhante. Essa pedagogia tem uma ideologia muito gratificante para o educador, para a criança, para o pai e
muito mais leve para a escola.
JÁ EXISTEM PROJETOS PARA COLOCAR EM PRÁTICA
A PEDAGOGIA DA C OMPAIXÃO?
Sim. Estou planejando uma expedição de 300 dias
por 100 localidades no mundo para entrevistar
1.000 pessoas sobre o princípio da compaixão
entre cientistas, religiosos e pessoas que trabalham ativamente em causas humanitárias e sociais. Desta expedição será redigido um documento
que fundará uma universidade para a compaixão
a ser construída na Europa; um centro de referência
onde jovens de todo o mundo poderão dedicar
seu tempo, esforço e potencial na coordenação
de grandes movimentos internacionais pelos
direitos humanos e por uma cultura de paz, pelo
fim da miséria e da fome e pelo equilíbrio ambiental e integridade ecológica dos sistemas naturais da Terra. Meu plano é que a sede do Movimento
Internacional da Filosofia da Compaixão seja em
um veleiro, que estará numa constante volta ao
mundo como parte da estratégia de inspirar toda
a humanidade a criar novas formas de viver e conviver neste planeta, com base na Filosofia da Compaixão. Escolhi a Europa não só pela proximidade com vários países de alto desenvolvimento e
alta produção intelectual, mas também pela questão da logística de pessoas bem interessantes e
interessadas em trabalhar lá. Será uma universidade para mil pessoas por ano, não será formal.
E será voltada para pessoas que já se formaram
ou que nunca pensaram nisso, mas que querem
dedicar sua vida a servir à humanidade.
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Conheça a história do jovem Marcelo Sando que