“O que Querem os clientes ? Dimensão v/ Especialização” Conferência Anual Lex para Advogados Lisboa Hotel Meridien 2006.06.19 José Pedro AGUIAR-BRANCO I. (Registo de Interesses) Antes de contribuir em específico para a reflexão sobre o tema que nos junta neste painel, gostaria de deixar claro o meu registo de interesses sobre algumas das matérias que enquadram o meu pensamento e que condicionam a minha opinião sobre a questão que vamos abordar. 1º. Continuo a acreditar que é possível exercer, com êxito, a profissão de advogado em vários modelos: prática isolada, em associação de escritórios, em sociedade ou sob outra qualquer forma que a criatividade de cada um produza. Direi mesmo que a especial idiossincrasia que caracteriza a nossa natureza de ser advogado – espírito liberal por excelência, busca da melhor solução possível com os condicionalismos que a realidade impõe, gosto pelo risco e capacidade de o assumir, sentido de oportunidade e de bom senso – obriga que não seja possível pre determinarmos qual o melhor modelo em que pode explodir a capacidade de cada um de nós para a prática da advocacia, qual a melhor realidade em que as nossas qualidades profissionais, com mais facilidade, se podem afirmar e, consequentemente, qual o melhor enquadramento em que se pode assegurar a qualidade do serviço que, como sabemos, é o que o cliente efectivamente espera e deseja de nós. 2º. Continuo a acreditar que é necessário preservar a matriz estruturante, histórica e cultural do ser advogado: respeito absoluto pela autonomia técnica e pela liberdade de acção e de decisão. A dignidade da profissão, a consagração constitucional do seu papel como fundamental num Estado de Direito Democrático, a função, estatutariamente determinada como prioritária, da Ordem dos Advogados, na defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, obriga a que todos nós, que nos preocupamos com a qualidade do acesso ao direito, seja das empresas – grandes ou pequenas – seja das pessoas – mais abastadas ou mais carecidas – impeçamos a degradação nomeadamente do pela estatuto da menorização nossa das profissão, características estruturantes do ser Advogado. 3º. Continuo a acreditar que, na afirmação pura do ser liberal que é inato à natureza do ser advogado, não é aceitável a fixação de regras de balizamento do exercício profissional que se traduzam em muros de protecção que condicionem uma concorrência que deve ter, apenas, no respeito pelas regras deontológicas o princípio e o fim dos seus limites. É livre a escolha de cada um na forma de exercer a profissão. Maiores ou menores dificuldades na capacidade de afirmação individual sempre existiram, em todas as épocas, e errado será pensar que é, hoje, mais difícil emergir do anonimato - que o eventual mérito pessoal justifique - do que quando, no passado, o dito “mercado” tinha expoentes referenciais da advocacia como um Bustorff Silva, um Azeredo Perdigão, um Palma Carlos, um Salgado Zenha, um José Gualberto de Sá Carneiro e tantos outros, que em nada facilitavam a vida quanto ao rápido reconhecimento do talento de um qualquer jovem advogado. 4º Continuo a acreditar que o fenómeno vulgarmente chamado de GLOBALIZAÇÃO comportando, como tudo na vida, aspectos negativos – nomeadamente quanto ao papel prioritário que deu ao acto de estar informado por comparação ao acto de conhecer, valorizando, na imagem massificada da sociedade, a importância primeira daquele em detrimento da deste – cria oportunidades únicas, estimulando o que verdadeiramente faz crescer o mundo: o engenho, a arte, o espírito criativo de todos, e, assim, também, o nosso de advogados. 5º Finalmente, continuo a acreditar – e assim se justifica a minha presença aqui - que os ditos projectos intermédios, indiciariamente condenados no espartilho entre a excelência dos mestres de prática isolada e a notoriedade trituradora das megas sociedades, têm um espaço próprio de afirmação, não só positivo para os que apenas neles se realizam profissionalmente como para os que na sociedade recorrem a este modelo para salvaguardarem ou exercerem os seus direitos. É, pois, com este estado de espírito, de quem não ignora as dificuldades mas que acredita na máxima de Einstein de que no meio delas está a oportunidade que dou, hoje, o meu contributo para o nosso debate. 2. (Dimensão v/ especialização) O que querem os clientes? Pergunta-se nos tópicos para este painel. Creio que todos responderemos de forma igual e na única que me parece compatível para a salvaguarda do património de seriedade da nossa profissão: querem, apenas, ver resolvidos os seus problemas com qualidade. E essa deve ser a razão principal de cada um de nós, advogados, profissionalmente: estruturar assegurar a sua aos forma clientes de intervir a melhor qualidade possível para a resolução dos seus problemas. Pode parecer romantismo mas…talvez seja bom mantê-lo para que nos sirva de norte quando reflectimos sobre a razão da nossa existência. Mas, também, é verdade que, hoje, os clientes, para além da qualidade, ou associada a ela, reclamam, igualmente, celeridade, compatível com o ritmo de vida da… vida real que, cada vez mais, o tem desfasado do ritmo que o mundo da justiça pratica, excepto quanto aos advogados que não podem dar-se a esse luxo… E, para nós (JPAB), é essa exigência de celeridade que nos transporta para tudo o resto: para a necessidade de ganhar organizacionalmente maior dimensão, quer quanto ao número de profissionais, quer quanto à especialização das áreas de intervenção, para que se encurte o tempo da resposta mantendo-se a qualidade do serviço prestado. Esbarrados com esta realidade, questionamonos a dado momento: - como mantermo-nos competitivos com esta exigência de celeridade? - como mantermo-nos competitivos com a inexistência de fronteiras que justificavam, no passado, o “substabelecimento sem reserva” para intervir na nossa região, na nossa comarca, a pedido de outro colega e que, hoje, por não fazer sentido, transformou esse colega, também, em concorrente? - como mantermo-nos competitivos num mercado – (e não tenho medo de usar a expressão que só a hipocrisia pode querer ignorar e que nada tem de mal desde que se respeitem as regras deontológicas que asseguram as boas práticas –) que deixou de ser local, se globalizou e, consequentemente, passou a procurar a qualidade do serviço de advocacia onde ele preferencialmente mais barato, for logicamente melhor, e não onde ele estiver localizado? - como mantermo-nos competitivos, longe do principal centro de decisão – que é a capital (Lisboa…) – sem lamúrias, queixumes ou vitimações que, quando acontecem, menorizam o principal activo de cada um de nós: o conhecimento de excelência que nos pode distinguir e que não depende do local onde nos encontramos? Procuramos as respostas com base no seguinte: 1. Sendo pequenos, devemos agir em grande. Ou seja, definir como objectivo ganhar vantagem sobre todas as outras “ferramentas” de colaboração entre advogados – mega sociedades, agrupamentos, etc – para chegar mais longe, mais rápido e mais profundo. Não é fácil…Mas… 2. Rapidamente concluímos ser essencial um nível mais apurado de organização que nos torne, pelo menos, concorrenciais. Organização e um nível de utilização superior das novas tecnologias impõe-se para um primeiro patamar de concorrência à escala nacional. Mas… 3. A utilização das novas tecnologias, por si só, não nos torna mais inteligentes, éticos, sábios, justos ou decentes…apenas nos dá a possibilidade de comunicar, competir e cooperar para locais, regiões mais longínquas e de uma forma mais rápida. Assim, para subir mais um grau nas novas exigências de ser concorrente impõe-se, efectivamente, uma maior capacidade de resposta em diversas áreas do direito que a própria dinâmica da vida carrega para o campo da justiça. O conhecimento, a especialização. Mas… 4. Qual o espaço e como o ocupar entre a especialização massificada que só as mega sociedades podem dar e o serviço mais personalizado, porventura mais difícil de nelas acontecer e verdadeiramente conseguido no advogado de prática isolada, conjugando tudo com uma equilibrada capacidade de resposta célere à escala nacional? Quadratura do círculo? Pensamos nós… os especialistas normalmente têm forte competências e uma visão mais estreita; os generalistas um âmbito mais alargado e competências menos aprofundadas. Talvez um terceiro género em termos de organização: o que alguém já chamou de “versatilistas”. Ou seja, ter a capacidade de aplicar profundamente as competências a um âmbito de situações e experiências que se vão expandindo progressivamente, adquirindo-se novas competências, criando relações e desempenhando novos papéis. Ou seja, a capacidade de ser versátil e tentar estreitar o caminho que separa o generalista sózinho/mais personalizado, do especialista em sociedade/menos personalizado. Na prática e em concreto, em termos de organização, manter o que de positivo resulta da identidade do microcosmos de cada advogado e escritório, para o que de bom ela é necessária, e criar uma identidade, com alma, também, no que para o comum ela resulte como absolutamente necessária. E assim, convivem entre nós desejavelmente o melhor de dois mundos: no Porto, Viana, Coimbra, Covilhã e Lisboa (para já…), as realidades individualizadas, no que isso se traduz num valor acrescentado em termos de tratamento personalizado para os clientes e bem estar para os colegas que integram cada uma dessas unidades, com aviamento e áreas de intervenção próprias – no que poderemos chamar de generalistas - mas, e em simultâneo, aviamento e áreas de intervenção especializadas, em benefício comum, com identidade própria da JPAB. Por isso, por exemplo, a coordenação da área do ambiente está em Viana, do direito médico e farmacêutico, do desporto e do urbanismo, em Coimbra, do direito público em geral e do societário no Porto, do penal e do trabalho na Covilhã ou da propriedade intelectual em Lisboa. Por isso, dizemos que não somos mais uma sociedade do Norte em expansão: somos sim uma sociedade em Viana de Viana, no Porto do Porto, na Covilhã da Covilhã, em Coimbra de Coimbra e…em Lisboa de Lisboa! Por isso, dizemos que somos 40 advogados em cada uma dessas cidades e, também, no país. Por isso, consideramos, em resposta à questão colocada, que nem só de dimensão ou de especialização vive a possível e desejável boa prestação dos serviços de advocacia. Vive, também, de todas as realidades que a criatividade encontre. Porque se a organização faz a concorrência, o conhecimento a qualidade, só a inovação ou criatividade faz a liderança. E esse deve ser sempre o objectivo a alcançar, ainda que aparentemente distante. Thomas Friedman diz, no seu livro o “O Mundo é Plano”, a propósito da realidade empresarial, que as “chamadas micromultinacionais serão a vaga do futuro” e que a primeira tarefa da área da gestão pode ser reunir o conhecimento especializado de vários elementos de uma equipa que se repartem por várias localidades, obtendo-se assim a respectiva dimensão global. Para já, à dimensão nacional, é uma experiência própria que concretizamos e que estamos a viver. Com risco e com gosto pelo mesmo. Que nos faz sentir advogados, sempre!