Agosto 2011 Traumas físicos no cérebro e perdas funcionais A integridade funcional do cérebro permite a manifestação de várias habilidades: percepções, movim entos, linguagem , prestar atenção, aprender, armazenar informações e tomar decisões, dentre outras. Todas essas habilidades dependem de uma comunicação eficiente entre as diversas regiões cerebrais, que ao serem comprometidas por alguma lesão física geram deficiências em diferentes níveis. Quebrando a cara Desde o acidente sofrido por Phineas Gage, em 1848, no qual uma barra de ferro utilizada para fixar um dormente transpassou seu crânio, as pesquisas sobre as consequências de lesões traumáticas no sistema nervoso mudaram drasticamente. Após restabelecimento físico completo, Gage que antes era um trabalhador astuto, honesto e persistente estava agora dado a caprichos súbitos, apresentava apego a objetos e comportamento fantasioso, além de ter demonstrado a perda da noção de ética. Este tipo de acidente, denominado de traumatismo crânio-encefálico (TCE), desencadeou o questionamento sobre a existência de sistemas cerebrais mais voltados a determinadas funções. Ao estudar este caso, o Dr. Harlow, médico responsável pelo tratamento de Gage, não conseguia enquadrá-lo como demente, pois suas ope- Cérebro Em Notícias rações mentais estavam perfeitas em gênero, embora não estivessem em número. A final, como o trauma físico estaria modificando o comportamento, sem contudo extingui-lo? Remontando o quebracabeça As incapacidades geradas por um TCE podem incluir aspectos comportamentais (e.g. humor e emoções), sensóriomotores ou cognitivos (e.g. inteligência, raciocínio e memória), mas será que uma lesão específica irá gerar uma perda seletiva também? Ao estudar indivíduos após traumas (por queda, pancadas ou acidentes vasculares), Paul Broca, em 1861, observou pacientes que apresentavam perdas na capacidade de expressão/compreensão da fala e/ou escrita). Broca descobriu que a região frontal lesada em Gage era a mesma que a dos seus pacientes com distúrbio de linguagem (afasia), porém a área específica desta região não. Os pacientes de Broca não apresentavam alterações de caráter enquanto que Gage não exibia nenhum distúrbio de linguagem. A busca por uma explicação para que lesões em uma mesma região desencadeiem sintomas diferentes tinha começado. Isto é explicado hoje pelo conceito de localização funcional cerebral, onde temos áreas presentes em uma mesma região ou mesmo em diferentes regiões encefálicas que são espe- cializadas no processamento de diferentes características funcionais. Após realização de autópsias, Broca garantiu a identificação precisa do local lesado em seus pacientes (área de Broca). Dr. Harlow, no entanto, limitou-se a exibir o crânio e a barra de ferro para provar que a ferida aberta em Gage realmente existira, pois em 1861, ano da morte do capataz, este não fora autopsiado. Cerca de 120 anos depois, Hanna Damasio analisou no computador as imagens do crânio de Gage obtidas por ressonância magnética de alta resolução, reconstruiu a trajetória da barra de ferro no cérebro e gerou uma imagem tridimensional das áreas lesadas. A reconstrução mostrou que a barra atingiu não somente o hemisfério esquerdo, responsável por limitações de linguagem dependendo da área lesada, mas igualmente o direito. No entanto, a barra atingiu mais a seção anterior do lobo frontal, diferentemente das lesões descritas por Broca. Assim, podemos dizer que apesar das lesões estarem localizadas no mesmo lobo, atingiram áreas distintas. Saiba mais sobre: Trauma físico no cérebro e perdas funcionais Damásio, António R. (1995). O Erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. 11ª Ed. Fórum da Ciência, 29, Publicações EuropaAmérica. Spanholi, L.E. (2003). Efeitos neuropsicológicos do TCE. http://www.ibneuro.com.br. Por Jalton Gil Torres Pinho e Alfred Sholl-Franco www.cienciasecognicao.org