PONTO DE VISTA / VIEWPOINT
EROSÃO DENTÁRIA E PERIMÓLISE:
Guia para orientação dos Cirurgiões-Dentistas
Dra. Rosenês Lima dos Santos*
Dra. Renata Pereira de S. Barbosa**
A erosão dentária ocorre por uma dissolução química dos tecidos dentais mineralizados
independente da presença de microrganismos podendo ser causada por ácidos de origem
interna ao corpo humano (endógenos) ou externa (exógenos).
Diversos fatores etiológicos têm sido propostos para explicar a ocorrência de tal
fenômeno, entretanto a falta de padronização da metodologia das pesquisas, bem como a
escassez de estudos realizados in vivo, que, por sua vez, levariam em conta os fatores
biológicos do indivíduo, dificultam o estabelecimento da prevalência e etiologia da erosão
dental. Hábitos da vida moderna têm sido apontados como perpetuantes para ocorrência
da perda do tecido duro, pelo processo erosivo.
Concordamos com Caldeira, Nápole e Busse (2000), quando afirmam que o processo
erosivo pode ser devido a causas intrínsecas, principalmente em pacientes com transtornos
alimentares que regurgitam, e causas extrínsecas, largamente atribuídas ao excesso de
consumo de frutas ácidas ou sucos e refrigerantes, que levam à queda do pH.
A erosão dentária é causada por substâncias ácidas que entram em contato com os
dentes com freqüência. Quando a erosão é provocada por vômitos e regurgitações crônicas
do conteúdo ácido do estômago, o quadro odontológico é conhecido como perimólise e
pode levar a perdas severas de esmalte e dentina, principalmente nas superfícies palatinas,
linguais e oclusais.
Doença do refluxo gastroesofágico, ou GERD, é uma condição relativamente comum
em que o ácido estomacal pode ser refluído através do esôfago até a cavidade oral, podendo
resultar na erosão do esmalte. Sintomas tais como, eructação, sensação de sabor azedo e
ardência na cavidade bucal, usualmente, alertam o paciente para a condição. Em refluxo
gastroesofágico silencioso, esses sintomas não ocorrem, e a erosão do esmalte na dentição
posterior pode ser a primeira indicação da GERD.
As doenças que provocam refluxos gastroesofágicos crônicos, como a hérnia de hiato,
úlceras e gastrites, a bulimia, anorexia nervosa e alcoolismo crônico, são algumas desordens
orgânicas de particular interesse para os profissionais de Odontologia, pois a acidez do suco
gástrico presente constantemente na cavidade bucal desses pacientes poderá ocasionar na
estrutura dentária lesões de erosão.
É de primordial importância o papel do dentista frente ao diagnóstico de casos de
transtornos alimentares de ordem comportamental como a bulimia e anorexia devido à
existência de lesões dentais erosivas resultantes de um ambiente bucal ácido, bem como o
encaminhamento destes pacientes para tratamento multidisciplinar que inclui terapeutas,
médicos, nutricionistas e o próprio cirurgião-dentista.
Enfatizamos a importância do pH na dieta líquida para etiologia e prevenção das
lesões de erosão. Estes aspectos são concordantes com as opiniões de Sobral et al. (2000),
os quais demonstraram que dentre as bebidas e sucos industrializados, mais consumidos no
país, apresentam valores abaixo do pH cítrico de dissolução da estrutura dental, sugerindo
a possibilidade de favorecerem a desmineralização. Desta forma, recomenda-se a orientação
* Doutora e Mestre em Dentística/Endodontia- FOP-UPE; Profª da Disciplina de Dentística Clínica da UFPB
** Mestranda em Diagnóstico Bucal/ UFPB
Odontologia. Clín.-Científ., Recife, 3 (2): 147-148, maio/ago., 2004
www.cro-pe.org.br
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Erosão dentária e perimólise: Guia para orientação dos Cirurgiões-Dentistas
Santos, R.L. ; Barbosa, R.P. S.
quanto à dieta ácida que parece ser um fator importante no tratamento e prevenção das
lesões de erosão dental; pois um vasto número de substâncias com potencial erosivo são
consumidas rotineiramente, tais como bebidas carbonatadas, isotônicas e energéticas,
vinhos, sucos cítricos industrializados e caseiros, iogurtes, frutas cítricas entre outros
alimentos.
Chamamos a atenção para uma avaliação intra-oral do efeito erosivo do refrigerante
(Coca-cola) no esmalte-dentina e a capacidade da saliva em reverter as alterações causadas,
que foram curiosamente observadas por Fushida e Cury (1999), estas circunstâncias nos
fazem conciliar com o conceito de suma importância da freqüência de ingestão do
refrigerante, sendo este aspecto relacionado ao surgimento de perdas proporcionais e
irreversíveis da estrutura superficial tanto do esmalte como da dentina.
Outro aspecto curioso foi relatado por Barata et al. (2000) que expõe a relação entre
os fatores medicamentosos, tais como o consumo excessivo de vitamina C (ácido ascórbico),
o baixo pH de alguns medicamentos e produtos de higiene oral, os quais podem levar ao
desenvolvimento de lesões erosivas, dependendo do tempo de contato, freqüência de
consumo, capacidade tampão e ingestão concomitante de alimentos e bebidas ácidas.
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As lesões de erosão foram destacadas por Pereira (1995), com as características de
diminuição do brilho do esmalte, lesão arredondada, rasa, ampla, sem bordas definidas e
ausência de manchas na superfície. Salienta-se que as lesões erosivas provenientes de
fatores intrínsecos acometem, principalmente, a superfície palatina dos dentes anteriores
e oclusal dos posteriores, enquanto as lesões erosivas resultantes de fatores extrínsecos
ocorrem na superfície vestibular dos dentes anteriores com maior prevalência.
Como conseqüência da erosão dental pode haver exposição pulpar; hipersensibilidade
dentinária; diastemas; bordas incisais finas e fraturadas; perda da dimensão vertical;
proeminência das restaurações; pseudo-mordida aberta e comprometimento estético. O
agravante é que a erosão dental pode ter conseqüências catastróficas para a saúde bucal.
Perdas de tecido podem resultar em sensibilidade, dor e má aparência. Em acréscimo, o
tratamento restaurador do esmalte e/ou dentina perdidos é difícil, oneroso e requer contínuo
acompanhamento.
É de extrema importância controlar o paciente com relação à sua dieta e seus
hábitos de escovação, pois a perda de estrutura dentária aumenta se a higiene oral for
realizada logo após a ingestão de alimentos e bebidas com baixo pH; deve-se recomendar
a espera de algum tempo entre essas ações. Deve-se ainda, alertar os pacientes quanto
a redução no consumo de ácidos na dieta e orientá-los sobre a necessidade de tratamento
e acompanhamento odontológico pois, estas lesões dentárias são progressivas e causam
danos funcionais e estéticos. Os pacientes que apresentam dentes sensíveis devem ser
submetidos primeiramente a terapia dessensibilizante, evitando a intervenção restauradora
ou mutiladora (endodontia ou exodontia); contudo se houver considerável perda de estrutura
dental, opta-se pelo uso de resinas compostas ou materiais ionoméricos. Nos casos de
erosão de natureza exógena, a adequação da dieta alimentar deve ser implementada, via
de regra. Já nos casos de natureza endógena, muitas vezes o tratamento médico paralelo
é imperioso e deve ser, inclusive, priorizado. Ressalta-se a importância da interdisciplinaridade
nas ações desenvolvidas por profissionais da área de saúde (médicos, nutricionistas e
cirurgiões-dentistas) garantindo o bem estar dos pacientes.
O cirurgião-dentista deve estar capacitado a realizar um criterioso exame clínico das
características bucais e uma detalhada anamnese; questionando-se sobre a possível etiologia
das alterações existentes e associando-a ao modo de vida do paciente, para só então
interceder com uma terapêutica.
O binômio, hierarquização do tratamento através de uma abordagem conservadora
inicial do problema e boa instrução ao paciente sobre as etapas e condutas a serem
realizadas, criará um elo de confiança e respeito na relação profissional-paciente.
Odontologia. Clín.-Científ., Recife, 3 (2): 147-148, maio/ago., 2004
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