Cartão Nacional de Saúde: qual deve ser a função dessa política?
Escrito por Raquel Júnia - Agência Fiocruz de Notícias
Qui, 03 de Março de 2011 08:12
Quando se pensa em Cartão SUS, várias possibilidades de funções podem ser identificadas:
criar um cadastro para os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), um número de
identificação nacional, uma base de dados unificada sobre a população, facilitar a entrada no
sistema de saúde, entre outras. O Cartão Nacional de Saúde, popularmente conhecido como
Cartão SUS, foi instituído em 1996 e colocado em prática por meio de um projeto piloto em
1999. Atualmente, de acordo com o Ministério da Saúde (MS), a política está sendo
reformulada, de modo a possibilitar a integração e a comunicação dos sistemas públicos de
saúde (União, estados e municípios). Há, no entanto, de acordo com especialistas, várias
questões a serem consideradas.
Segundo o Ministério da Saúde, existem hoje 144 milhões de cadastros no Cartão SUS. E a
estimativa é de que 80% dos brasileiros, portanto 150 milhões de pessoas, sejam usuários do
SUS. Entretanto, a proposta é que o cartão seja expedido para a totalidade da população
brasileira, já que o sistema de saúde do país é universal. Apesar de já haver muitos cadastros
de usuários desde que o sistema começou a ser implementado, inicialmente em 44 municípios,
o MS explicou, no entanto, via assessoria de imprensa, que este número de 144 milhões
precisa ser "limpado", já que possivelmente há cadastrados que já faleceram e usuários que
podem ter sido identificados mais de uma vez. "O Ministério da Saúde está trabalhando para a
consolidação efetiva do Cartão Nacional de Saúde. Em uma primeira etapa, o projeto prevê
que o Ministério da Saúde desenvolva um sistema que possa receber informações das redes
existentes em outros estados e municípios. Isso permitirá consolidar as informações nacionais
sobre pacientes e atendimentos realizados no país. A próxima etapa seria a implementação de
recursos de gestão e prontuário eletrônico, que permitem o acompanhamento do estado de
saúde do cidadão e, por exemplo, avaliação das equipes e unidades de saúde em atuação",
informou o Ministério, por meio de uma nota à imprensa.
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Vários sistemas
Acompanhar o estado de saúde do cidadão, como pretende o Cartão SUS, é de fato uma
lacuna na história do registro sobre a vida dos brasileiros. É esta a análise da
professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Arlinda Moreno. Ela explica que historicamente, no país, foi criada uma série de base de dados
dos mais diferentes indicadores - por exemplo, dos fatores de mortalidade da população ou das
internações hospitalares -, mas que não há um acompanhamento da trajetória de saúde de
cada indivíduo. "Como o aparato de tecnologia da informação não era muito forte, nós fomos
construindo no Brasil uma série de diferentes bases de dados de acordo com o que se queria
rastrear. Isso fez com que não tivéssemos um acompanhamento do cidadão no seu ciclo de
vida. É possível fazer perfis de determinados seguimentos, como internação, atendimento na
atenção básica, por exemplo, mas não sabemos a trajetória dos sujeitos", afirma.
Para resolver esse problema, segundo Arlinda, é preciso integrar as diversas bases de dados. E para isso, a pesquisadora ressalta que a dificuldade é justamente ter o chamado identificador
unívoco, que pode fazer com que essas várias bases de dados se confluam e forneçam em um
único local informações sobre os usuários. A necessidade de ser "unívoco" refere-se
justamente ao fato de que o identificador não pode gerar ambiguidades nem ser o mesmo para
mais de uma pessoa. Além disso, uma pessoa não pode ter mais de um identificador que reúna
o conjunto das informações sobre ela.
O coordenador do Observatório de Tecnologias em Informação e Comunicação em Sistemas e
Serviços de Saúde (Otics) e professor do bacharelado em saúde coletiva da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alcindo Ferla, salienta que a tradição brasileira de
vários sistemas diferentes, apesar de ter ajudado muito o país a conhecer vários dados, acaba
se tornando um problema nos processos de trabalho. "Em um atendimento ambulatorial
corriqueiro, temos diversos sistemas de saúde que usam informações desses atendimentos.
Se os trabalhadores daquele serviço se ocupassem de responder a todos os sistemas, nós
teríamos uma sobrecarga maior no registro da informação do que exatamente no atendimento
ao usuário", reforça.
Outro problema, de acordo com Ferla, é a falta de padrões que esses sistemas usam tanto de
tecnologia como de representação da informação, que sobrecarrega o trabalho e dificulta a
integração das bases de dados. Ele usa como exemplo o quesito ‘idade do usuário': "alguns
sistemas de informação registram a data de nascimento do usuário, outros registram a idade
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em anos. Mas se o paciente estiver sendo atendido na véspera do aniversário, no dia seguinte
a informação estará desatualizada. Isso parece um detalhe bobo, mas pode colocar o usuário
numa outra faixa etária e isso é significativo para o planejamento das políticas de saúde",
exemplifica.
A 12ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 2003, reforçou a necessidade de que
fossem colocadas em prática pelos gestores políticas de informação. A plenária final da
Conferência aprovou, entre outras propostas, a urgência de "garantir, nas três esferas de
governo, com definição de prazos, a compatibilização, interface e modernização dos sistemas
de informação do SUS e o aperfeiçoamento da integração e articulação com os sistemas e
bases de dados de interesse para a saúde". A partir da 12ª Conferencia, o MS deu
prosseguimento à construção da Política Nacional de Informação e Informática em Saúde
(PNIIS), que também inclui o cartão SUS entre as iniciativas a serem potencializadas. Arlinda
ressalta, no entanto, que a política não foi totalmente efetivada. "Essa política teve entraves,
não foi muito bem cuidada e nem decolou da maneira como deveria. Mas há uma série de
questões atreladas a ela, como, por exemplo, a qualificação de pessoal para trabalhar com
tecnologias de informação e com as possibilidades de criação e geração de novos sistemas
abertos, de software livre. Isso raramente é contemplado", comenta.
Para Ferla, o Cartão SUS pode cumprir o papel de unificar os sistemas de informação, desde
que seja entendido como um cadastro. O professor explica que quando foi criado, o cartão
tinha um enfoque muito mais tecnológico do que cadastral. "O que acontecia é que ele era
colocado como mais um sistema de informação, então, no projeto piloto, começou-se a
reescrever todos os sistemas de informação. Ao invés de integrar as bases existentes, o cartão
criava outra base de dados. Por isso, é central que ele seja um cadastro, um conjunto de
atributos que identificam inequivocamente o indivíduo. Com isso é possível simplificar muito os
processos de trabalho", diz. Para ele, é preciso fugir da "armadilha" que o projeto piloto criou
com a escolha de modelos de tecnologia e equipamentos pré-determinados, inclusive atrelados
a empresas fornecedoras. Ferla considera que deve ser dada ao município a autonomia para
escolher o modelo no qual desenvolverá a proposta, desde que o gestor garanta que o mesmo
padrão de representação da informação e de tecnologia para compor a base de informação
sejam seguidos.
O professor critica também a importância dada na época à política não como um cadastro, mas
ao formato do próprio cartão como objeto - se teria ou não chip, por exemplo. "Não interessa
muito qual o formato, pode ser papel com código de barras, tarja magnética, ou mesmo chip,
porque na verdade o que precisa conter nesse documento é um código numérico que
identifique esse indivíduo", ressalta.
A EPSJV buscou mais informações sobre a reformulação do Cartão SUS junto ao MS,
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entretanto, a assessoria respondeu que no momento não há mais detalhes sobre o assunto
porque a política está sendo reformulada. A nota enviada pela assessoria diz apenas que "a
ideia é instituir um cartão com um número nacional de identificação do usuário e que contenha
outras informações básicas. Para tanto, é preciso aperfeiçoar a plataforma tecnológica,
possibilitando a integração e a comunicação dos sistemas públicos de saúde (União, estados e
municípios). Esta política de integração é fundamental para a prestação de um atendimento de
qualidade dentro de um sistema universal como o SUS".
Ressarcimento a estados e municípios
Em visita a Piauí, no início de fevereiro, o ministro da Saúde afirmou que o estado poderia ser
o primeiro a ter uma política de potencialização do cadastro de usuários, com o Cartão SUS.
Segundo a assessoria de imprensa da secretaria de saúde do estado, o Piauí seria muito
beneficiado com o cartão já que, dessa forma, seria possível identificar quais os usuários da
rede pública de saúde do Piauí são provenientes de outros estados. Isso faria com que o
estado recebesse recursos a mais por estar atendendo pessoas de outras regiões, como do
Maranhão, Ceará e Bahia, de onde provêm muitos usuários do SUS de Piauí. Para Ferla, o
cadastro pode cumprir também esta função e se configura como uma boa forma de avaliar se
determinado município está de fato cumprindo a sua função na saúde. "Os municípios que têm
atenção básica ruim - e a atenção básica é a obrigação de todos os municípios - geram uma
demanda para os atendimentos de urgência e emergência muito maior e para casos que são
contornáveis na atenção básica. E o município que tem atendimento melhor acaba tendo uma
demanda maior de usuários. Dessa forma, é possível também avaliar como está o serviço no
município", detalha.
Outro número é preciso?
Capacitação dos trabalhadores
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