A MULHER NA ATIVIDADE AGRÍCOLA A Constituição Federal brasileira estabelece no caput do art. 5º, I, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações e reconhece no dispositivo 7º a igualdade de direitos entre os trabalhadores rurais e urbanos. No entanto, a efetividade desses dispositivos constitucionais está longe de alcançar sua plenitude. A igualdade de direitos entre homens e mulheres é uma busca constante através dos movimentos sociais e, hoje, os órgãos governamentais passam a assumir essa questão em suas políticas públicas. Para conversar sobre as relações sociais entre homens e mulheres é importante que se estabeleça a diferença entre sexo e gênero e o modo como o gênero interfere nestas relações. E, dependendo do modo como essas relações acontecem, algumas pessoas tem mais liberdade, oportunidades e poder para avançar em relação a outras. Pelo sexo se distingue os seres vivos. Entretanto, as pessoas são capazes de criar e incorporar costumes, idéias e valores repassados através de gerações. Nossa cultura começa educando as crianças de formas distintas e é a partir das diferenças sexuais e culturais que a sociedade cria idéias sobre o que é ser homem e o que é ser mulher. A isso denominamos Identidade de Gênero. As relações de gênero traduzem os papéis sociais atribuídos ao homem e à mulher na sociedade, e, por se tratar de uma construção histórica e social, pode ser transformada. Em nossa sociedade, principalmente a rural, o que é considerado masculino é mais valorizado. O trabalho produtivo – remunerado – é associado ao homem, que tem a responsabilidade pela subsistência econômica da família. Às mulheres é atribuída a responsabilidade do trabalho reprodutivo – doméstico. Essa divisão reforça a exploração e desigualdade entre homens e mulheres. Cria também a hierarquização entre os sexos. A inserção da mulher no cenário nacional nas últimas décadas tem evoluído sensivelmente. Anterior e mesmo no período da ditadura militar, as mulheres participaram ativamente dos movimentos sociais oposicionistas, instituindo seus espaços organizativos e compondo as distintas organizações civis e agremiações partidárias. Entre 1970 e 1980 o emprego feminino cresceu na ordem de 92%. No entanto, as condições de trabalho, assim como os salários não se equiparavam com o dos homens trabalhadores, situação que ainda permanece. Nos anos 80, as mulheres mantiveram uma relação intensa com as diversas interfaces do movimento social, fazendo uma vinculação entre os movimentos populares e movimento feminista. Garantiram junto aos Governos Federal, Estaduais ou Municipais o incremento de políticas públicas de proteção a saúde e segurança, principalmente. Os anos 90 e seguintes se caracterizam pela multiplicação dos espaços femininos através da implantação de sistemas de cotas mínimas ou ações afirmativas como tentativas de superação de ausência de mulheres nos distintos setores sociais, buscando inserir nos planos governamentais programas de assistência à mulher. O Governo Federal, por meio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres formulou o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres que inclui as áreas da moradia, meio ambiente e a questão da terra, onde a questão da mulher trabalhadora está incluída, principalmente no Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta. O Estado de Goiás é signatário desse pacto e efetivamente, estamos construindo as políticas públicas destinadas às mulheres, sejam do campo e da cidade. Este caminho da construção de políticas públicas para as mulheres é necessário e precisa ser continuado. Não há como alguém presente dizer que as mulheres não vivem situação de desigualdade, que no nosso país não há desigualdade. Portanto, nós temos as Secretarias de Mulheres em nossos Estados, sistema de cotas ou similares, porque vivemos num país absolutamente desigual. E o reflexo está em todas as instituições públicas ou privadas e na família. Esse é o ponto de partida para a justificativa de implementar políticas específicas, na perspectiva de corrigir a histórica desigualdade. Uma das maiores preocupações do movimento de mulheres é o combate a violência e cabe ao poder público estabelecer políticas de segurança. No Brasil, estima-se que cerca de 30% a 50% das mulheres já sofreram algum tipo de violência. Pesquisa feita em 2001 pela Fundação Perseu Abramo mostra que uma em cada cinco brasileiras declarou ter sofrido algum tipo de violência por parte de um homem. Na área rural, ainda não existem pesquisas que determinem o número de trabalhadoras rurais que estiveram em situação de violência. Porém, o problema existe e é grave. Na maior parte dos casos, os homens são os principais causadores da violência. Geralmente esses homens são bem conhecidos das vítimas, são da convivência da família e até dividem o mesmo teto. 83% dos agressores são os maridos ou companheiros. As mulheres trabalhadoras rurais vêm construindo uma longa trajetória de resistência e lutas que remontam o Brasil Colônia, passando por Canudos, Quilombos, Ligas Camponesas, fortalecendo a luta geral dos trabalhadores. Entretanto, é no movimento sindical que a mulher, a partir da década de 80, conquista visibilidade ao construir interfaces e se fortalece através de suas próprias organizações. Na história de nosso País, os processos voltados à ocupação do meio rural sempre foram influenciados pela forte pressão da oligarquia rural sobre o Estado e Governos. Neste espaço está centrado o critério patriarcal-senhoril, recaindo a dominação de maneira muito mais intensa sobre as mulheres e é por isso que impõe-se uma série de desafios à mulher trabalhadora rural seja na agricultura familiar, como assalariada ou nos projetos de assentamentos rurais. Importante destacar a situação das mulheres no meio rural: Representam 47.8% da população, mas aproximadamente 15 milhões ainda não tem acesso à cidadania, às políticas de saúde, educação e não tem o reconhecimento de sua condição enquanto agricultora familiar. Elas chefiam 11% dos lares do meio rural, enquanto que no meio urbano atingem mais de 30%. Trabalham em atividades agropecuárias representando 33,7% do trabalho não remunerado no meio rural. Vislumbra-se que há muito mais homens trabalhando no meio rural do que mulheres, o que não é exato, já que a maioria das tarefas do campo são desenvolvidas por elas, nas mais diversas condições: trabalhadoras assalariadas, agricultoras familiares, assentadas da reforma agrária, extrativistas, coletoras etc. Porém não recebem o mesmo tipo de reconhecimento profissional que um homem na mesma condição. Quando são assalariadas, o salário é menor; quando agricultoras familiares, não têm a profissão reconhecida, e continuam a ser chamadas de ajudantes dos maridos ou esposas de agricultores. A grande contribuição da mulher no trabalho rural acontece principalmente no seio da agricultura familiar. No Brasil, esse tipo de agricultura é responsável por produzir 70 % dos alimentos consumidos. O papel da mulher na produção de alimentos é central, mas ainda carece de visibilidade e reconhecimento, tanto da sociedade quanto de suas próprias famílias. Vários temas ganharam força política e caráter permanente na agenda sindical das trabalhadoras rurais como o combate a todas as formas de violência e a participação na direção dos sindicatos, estabelecendo cotas para os cargos de direção. Outra forma de articulação das mulheres trabalhadoras rurais é a Plenária Nacional realizada a cada 04 anos. O principal objetivo é debater e avaliar a política sindical e as políticas públicas a esse segmento, propor diretrizes e qualificar as mulheres para o processo de discussão. No ano de 2000, realizou-se um importante evento denominado “Marcha das Margaridas”, levando cerca de 20.000 mulheres à Brasília, continuado periodicamente, que representou um exemplo de capacidade política das mulheres, revelando a capacidade de articulação e mobilização. Para além da denúncia, a marcha deliberou uma pauta com reivindicações e proposições de políticas públicas para as mulheres do campo e da floresta. Foi, sem dúvida, o mais importante marco da trajetória sindical e feminista que promoveu a discussão de bandeiras históricas, como reforma agrária, segurança alimentar, trabalho, etc... Neste ano, a Marcha será realizada nos dias 16 e 17 de agosto de 2011, na Esplanada dos Ministérios. Com o lema “2011 razões para marchar por desenvolvimento sustentável com justiça, autonomia, igualdade e liberdade”, a CONTAG – Confederação Nacional da Agricultura espera reunir 100 mil mulheres trabalhadoras rurais das diferentes regiões brasileiras em Brasília. Em relação aos projetos implementados pela CONTAG, destacam-se aqueles voltados para a área produtiva e autonomia econômica das mulheres, para o combate à violência e prevenção do câncer de mama e colo do útero, DST/AIDS, e o Projeto Saúde e Gênero. Este último projeto, especificamente para o meio rural, foi incorporado na Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e Floresta pelo Ministério da Saúde. Importante registrar a participação das mulheres trabalhadoras rurais em espaços internacionais, dentre os quais a REAF – Reunião Especializada da Agricultura Familiar, em que as mulheres atuam de forma determinante nas sessões nacionais e internacionais. Foi instituído o Fórum Nacional de Políticas para o Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do campo e da Floresta, criado em 2007, resultante das articulações da Marcha das Margaridas. Também resultante da Marcha, assumiram a Comissão Tripartite de Igualdade de Oportunidades junto ao Ministério do Trabalho. Segue, entretanto, como grande desafio para os movimentos sindical e social, o trabalho político organizativo com as mulheres assalariadas rurais. Estas sofrem com a dupla jornada de trabalho e diversas formas de discriminação e violência aprofundadas por seu baixo nível organizativo.