COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
Podemos dizer que a Sociologia brasileira começa a ―engatinhar‖ a partir da década de 1930, vindo a se fortalecer
nas décadas seguintes. Apesar de alguns autores da sociologia dizerem que não há uma data correta que marca o seu começo
em solo brasileiro, essa época parece ser a mais adequada para se falar em início dos estudos sociológicos no Brasil. Quando
dizemos ―data mais adequada‖, é porque as produções literárias que surgem a partir dessa década (1930) começam a
demonstrar um interesse na compreensão da sociedade brasileira quanto à sua formação e estrutura. Mas note não estamos
afirmando que antes da data acima ninguém havia se proposto a entender nossa sociedade. Antes da década de 1930
muitos ensaios sociológicos sobre o Brasil foram elaborados por historiadores, políticos, economistas, etc. No entanto, na
maioria destes trabalhos, os autores apresentavam a tendência de escrever sobre raça, civilização e cultura, mas não tentavam
explicar a formação e a estrutura da sociedade brasileira. A partir de 1930, surge no Brasil um período no qual a reflexão sobre
a realidade social ganha um caráter mais investigativo e explicativo.
Esse caráter mais investigativo e explicativo foi impulsionado pelos muitos movimentos que estimularam uma postura mais
crítica sobre o que acontecia na sociedade brasileira. Dentre alguns destes movimentos estão o Modernismo, a formação de
partidos (sobretudo o partido comunista) e os movimentos armados de 1935. Movimentos como esses, de alguma forma,
traziam transformações de ordem social, econômica, política e cultural ao país, e despertavam o interesse de pensadores em
dar explicações a tais fenômenos. Aos poucos a Sociologia passa a constituir-se como uma forma de reflexão sobre a
sociedade brasileira. Veja como isso aconteceu:
Fases da sua implantação
Dividindo os acontecimentos da implantação da Sociologia no Brasil como ciência, em fases, ou em geração de
autores, de acordo com o sociólogo brasileiro Otávio Ianni (1926-2003), destacamos aqui três delas, as quais se
complementam:
A fase “A” da implantação da Sociologia no Brasil:
A primeira geração da Sociologia brasileira seria composta por aqueles autores que se preocuparam em fazer
estudos históricos sobre a nossa realidade, com um caráter mais voltado à Literatura do que para a Sociologia. Desta geração
de autores, queremos destacar Euclides da Cunha (1866-1909). Cunha nasceu no Rio de Janeiro, foi militar engenheiro,
além de ter estudado Matemática e Ciências Físicas e Naturais. Porém, o que gostava de fazer, como profissional, era o
jornalismo. Em 1895, abandonou o Exército e começou a trabalhar como correspondente do jornal ―O Estado de São Paulo‖.
Nessa função foi enviado para a Guerra de Canudos, no interior da Bahia, de onde surgiu sua maior contribuição à Sociologia
brasileira: o livro Os Sertões.
Se analisarmos este livro pelo enfoque literário, podemos perceber que Cunha faz, usando seus conhecimentos de
Ciências e Físicas Naturais, relatos sobre como era a terra e a paisagem de Canudos. Também faz a descrição dos homens que
ali viviam, ou seja, os sertanejos, nos quais percebe que, ao contrário do que pensava antes de conhecê-los, eram fortes e
valentes, ainda que a aparência dos mesmos não demonstrasse isso. Por fim, Cunha descreve a guerra, isto é, como foi que o
governo da época conseguiu acabar com o que considerava ser uma revolução que reivindicava a volta do sistema monárquico
no Brasil. Na verdade Antonio Conselheiro (o líder da Revolução de Canudos) e seus seguidores apenas defendiam seus lares,
sua sobrevivência.
A observação de Euclides da Cunha e as revelações que faz quanto à sociedade brasileira em Os Sertões, transforma
esta obra em um dos referenciais de início do pensamento sociológico no Brasil.
A fase ―B‖ da implantação da Sociologia no Brasil:
Numa segunda fase de geração de autores, a preocupação em se fazer pesquisas de campo, que é uma característica
das pesquisas sociológicas, começa a ser levada em conta. Existem vários autores desta geração que poderíamos referenciar
como Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Fernando de Azevedo, Nelson Wernek Sodré, Raymundo
Faoro, etc. No entanto, vamos nos fixar em dois deles, os quais podem ser vistos como clássicos do pensamento social
brasileiro: Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior.
Gilberto Freyre foi o autor de Casa Grande & Senzala (1933), livro no qual demonstrou as características da colonização
portuguesa, a formação da sociedade agrária, o uso do trabalho escravo e, ainda, como a mistura das raças ajudou a compor a
sociedade brasileira. Freyre foi um sociólogo que nasceu em Pernambuco no ano de 1900 e, no desenvolver de sua
profissão, criou várias cátedras de Sociologia, como na Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935. Freyre faleceu em
1987. Quando escreveu Casa Grande & Senzala tinha 33 anos e, anti-racista que era, inaugurou uma teoria que combatia a
visão elitista existente na época, importada da Europa, a qual privilegiava a cor branca. Segundo tal visão racista, a mistura de
raças seria a causa de uma formação ―defeituosa‖ da sociedade brasileira, e um atraso para o desenvolvimento da nação. Freyre
propõe um caminho inverso. Em Casa Grande & Senzala ele começa justamente valorizando as características do negro, do
índio e do mestiço acrescentando, ainda, a idéia de que a mistura dessas raças seria a ―força‖, o ponto positivo, da nossa
cultura. Este autor forneceu, para o seu tempo, uma nova maneira de ver a constituição da nacionalidade brasileira, isto é, o
Brasil feito por uma harmoniosa união entre o branco (de origem européia), o negro (de origem africana), o índio (de origem
americana) e o mestiço, ressaltando que essa ―mistura‖ contribuiu, em termos de ricos valores, para a formação da nossa
cultura.
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 1
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
No entanto, vale ressaltar aqui que Gilberto Freyre tinha um ―olhar‖ aristocrático e conservador sobre a sociedade
brasileira, pois além de justificar as elites no governo, sua descrição do tempo da escravidão em Casa Grande & Senzala adquire
uma conotação harmoniosa, ele não via conflitos nessa estrutura.
Mas se para Gilberto Freyre era um erro pensar que a mistura das raças seria um atraso para o Brasil, há um outro autor que se
propôs a verificar qual seria e onde estaria a origem do atraso da nação brasileira.
Estamos falando de Caio Prado Júnior. Este autor vai nos fornecer uma visão muito mais crítica sobre a formação da nossa
sociedade. Veja por quê. Enquanto Gilberto Freyre fazia uma análise conservadora da for-mação da sociedade brasileira,
Caio Prado recorria à visão marxista, isto é, partindo do ponto de vista material e econômico para o entendimento da nossa
formação.
Caio Prado Júnior nasceu em 1907 e faleceu em 1990. Formou-se em direito e, de forma autodidata, leu e tomou para
si os ideais de Marx, o que o fez uma pessoa comprometida com o Socialismo. Caio Prado também era uma espécie de ―contra mão‖ do Partido Comunista Brasileiro no seu tempo, pois um dos militantes daquele partido, Octávio Brandão (1896-1980),
havia escrito um livro na década de 1920, chamado Agrarismo e Industrialismo no qual apresentava a tese de que o atraso do
Brasil, em termos econômicos, estava no fato dele ter tido um passado feudal. E esta tese continuou a ser defendida pelo PCB
com o historiador Nelson Wernek Sodré (1911-1999), que interpretava o escravismo, no Brasil Colonial, como uma característi ca
do feudalismo.É por essa razão que Caio Prado era contrário ao Partido Comunista, pois a idéia de que no passado o Brasil
havia sido feudal era ―importada‖ do marxismo oficial, da Europa, e que na sua opinião, não funcionava aqui. E, para Caio Prado,
a prova disso estaria no fato de que no sistema feudal o servo não era considerado uma mercadoria, coisa que ocorria aqui com
os escravos, o que denota uma característica do sistema capitalista (e não feudal) no que tange à análise da mão-de-obra. No
seu livro Formação do Brasil Contemporâneo, publicado em 1942, Caio Prado apresenta a tese de que a origem do atraso da
nação brasileira estaria vinculada ao tipo de colonização a que o Brasil foi submetido por Portugal, isto é, uma colonização
periférica e exploratória. Traduzindo para melhor compreendermos... Caio Prado explica que Portugal teve grande
contribuição no ―nosso atraso‖ como nação, pois o centro do capitalismo, na época do ―descobrimento‖ do Brasil, estava na
Europa, o que fazia com que as riquezas daqui fossem levadas para lá. Este tipo de organização econômica foi denominado de
primária e exportadora, pois os produtos extraídos das monoculturas brasileiras, nos latifúndios, eram exportados para os países
que estavam em processo de industrialização.Segundo Caio Prado, a América era vista pelos europeus como sendo: ―...um
território primitivo habitado por rala população indígena incapaz de fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável. Para
os fins mercantis que se tinham em vista, a ocupação não se podia fazer como nas simples feitorias comerciais, com um
reduzido pessoal incumbido apenas do negócio, sua administração e defesa armada; era preciso ampliar estas bases, criar um
povoamento capaz de abastecer e manter as feitorias que se fundassem e organizar a produção dos gêneros que interessassem
ao seu comércio. A idéia de povoar surge daí, e só daí‖. (PRADO JÚNIOR, 1942: 24).
As teses desse autor rompem com as análises dos autores que antes dele apresentaram um pensamento conservador
restrito, isto é, de reprodução daquilo que estava posto na sociedade brasileira e, conseqüentemente, sem a intenção de
apresentar propostas para sua trans-formação. Assim sendo, segundo a visão de Caio Prado, Gilberto Freyre, em Casa Grande
e Senzala, pode ser considerado ―conservador‖. Veja porque:
a) seus escritos nos levam a pensar que a miscigenação acontecia sempre de maneira harmoniosa. Mas e a relação entre
os senhores brancos e suas escravas negras, por exemplo? Se verificarmos relatos da história veremos que as negras eram
forçadas a terem relações sexuais com eles, o que é bem diferente de harmonia.
b) sobre os problemas sociais da época, Freyre não apresenta nenhuma proposta para a solução dos mesmos, ou para a
transformação da sociedade.
Para Caio Prado Júnior, os pontos ―a‖ e ―b‖ mencionados acima demonstram a postura conservadora de Gilberto Freyre, pois
transparece um certo conformismo com a situação em que se apresentava a sociedade. Conformismo que pressupõe
continuidade, sem transformação.
E a fase ―C‖ da implantação da Sociologia no Brasil:
Já a partir dos anos de 1940 novos sociólogos começam a aparecer no cenário brasileiro. Esta terceira geração é
formada por sociólogos que vieram de diferentes instituições universitárias, fundadas a partir de 1930 e inauguram estilos mais
ou menos independentes de fazer Sociologia. Dessa forma, e progressivamente, a intelectualidade sociológica no Brasil começa
a ganhar corpo. Também começam a surgir estilos ou tendências, o que fez com que surgissem diferentes ―escolas‖ de
Sociologia em São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte e em outros lugares.Dos autores que fazem parte
dessa terceira geração, podemos citar Oliveira Viana, Florestan Fernandes, Guerreiro Ramos, dentre vários outros. Mas
vamos nos deter na obra do sociólogo paulista Florestan Fernandes (1920-1995), importante nome da Sociologia crítica no
Brasil.
Qual é a proposta de Sociologia que ele apresenta?
Florestan Fernandes foi um sociólogo que fez um contínuo questionamento sobre a realidade social e das teorias que
tentavam explicar essa realidade. O objetivo deste autor foi de, numa intensa busca investigativa e crítica, ir além das reflexões
já existentes.
Florestan Fernandes tinha como metodologia ―dialogar‖, de maneira muito crítica, com a produção sociológica clássica.
Mas veja o diálogo não se dava somente com aqueles autores, pois a lista de clássicos, principalmente modernos, é bem
extensa. Florestan também mantinha contínuo diálogo com o pensamento crítico brasileiro. Autores como Euclides da Cunha e
Caio Prado Júnior, os quais vimos anteriormente, fazem parte de sua lista de interlocutores. O diálogo com esses autores foi
fundamental para o seu trabalho de análise dos movimentos e lutas existentes na sociedade, principal-mente aquelas travadas
pelos setores populares.Um outro aspecto de sua maneira crítica de fazer Sociologia foi a sua afinidade com o pensamento
marxista, principalmente sobre o modo de analisar a sociedade, o que se constituiu numa espécie de ―norte‖ crítico orientador de
seu pensamento.As transformações sociais que ocorreram a partir de 1930 no Brasil foram, também, uma espécie de ―motor‖
para os trabalhos de Florestan. Mas não apenas para ele, pois como já mencionamos, essas trans-formações serviram de
impulso para os trabalhos sociológicos no Brasil como um todo. E isso se deu principalmente a partir de 1940, pois essas
transformações se intensificaram muito por causa do aumento da industrialização e da urbanização. Algumas das conseqüências
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 2
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
da urbanização, inclusive gerada pela migração de pessoas que, vindas do campo, procuravam trabalho nas indústrias das
grandes cidades, foram o surgimento de problemas de falta de moradia, desemprego e criminalidade. Essas situações
emergentes, logicamente, tornavam-se temas para a análise sociológica. Para finalizar, vale ressaltar que a Sociologia crítica
que Florestan inaugura também tinha o ―olhar‖ voltado aos mais diversos grupos e classes existentes na sociedade. Algumas de
suas pesquisas com grupos indígenas e sobre as relações raciais em São Paulo, por exemplo, tiveram o mérito de fornecer
explicações que se contrapunham às explicações dadas pelas classes dominantes da sociedade brasileira.
Para exemplificarmos a forma do trabalho sociológico de Florestan Fernandes. Veja que interessante:
Uma de suas pesquisas, sobre os negros em São Paulo, demonstrada no livro A integração do negro na sociedade de classes,
de 1978, vai auxiliar nossa explicação. Nesse trabalho, Florestan analisa como os negros foram sempre situados à margem na
nossa sociedade.
Na presente obra podemos perceber as seguintes características sociológicas de Florestan:
a) O interesse em explicar fatos relativos aos setores populares da sociedade, neste caso, os negros. Florestan queria saber
como se deu o processo que colocou esse grupo ―à margem‖ na sociedade brasileira. E, mais, queria uma interpretação
diferente daquelas que as elites da sociedade forneciam a este respeito.
b) Ele se filia ao pensamento crítico brasileiro ao afirmar que o negro não era um problema para a nação. Inclusive desenvolve a
idéia de que os negros sempre foram agentes participantes das transformações sociais do país, ainda que de maneira menos
privilegiada que os brancos.
c) Faz uma crítica à sociedade capitalista que não ―absorveu‖ os negros, que, segundo as elites da sociedade, encontravam-se
em iguais condições em relação aos brancos e, inclusive, em relação aos inúmeros estrangeiros que chegavam ao Brasil para
viverem e trabalhar.
Imagine só... De um dia para outro todos os negros, os que antes foram de maneira desumana tratados como ―coisas‖ e úteis
apenas pa-ra o trabalho, tornaram-se livres para atuarem nas empresas e comércio da época, se é que assim podemos chamar
os empreendimentos daquele tempo, isto é, em 1888.
―Os negros tentaram, mas ―...viram-se repudiados, na medida em que pretenderam assumir os papéis de homem
livre com demasiada latitude de ingenuidade, num ambiente em que tais pretensões chocavam-se com generalizada falta de
tolerância, de simpatia militante e de solidariedade.‖ (FERNANDES, 1978: 30-31)
Afinal, quem é que daria emprego a um homem que ―até ontem à tarde‖ era não mais que um pertence de alguém, isto é, um
utensílio de um senhor?E se você fosse um patrão na época da Abolição, daria trabalho a tal pessoa em sua loja?
Hoje, no Brasil, ainda podemos encontrar muitos problemas quanto à aceitação da diversidade cultural, apesar dos muitos
movimentos que combatem a desigualdade racial e social nas mais diversas áreas da sociedade. Esses problemas são, na
verdade, heranças de um passado, que fora muito pior.
Ainda que o discurso das elites privilegiasse a liberdade dos negros, eles não tinham condições de igualdade na
concorrência com os brancos,
―como não se manifestou nenhuma impulsão coletiva que induzisse os brancos a discernir a necessidade, a legitimidade e a
urgência de reparações sociais para proteger o negro (como pessoa e como grupo) nessa fase de transição, viver na cidade
pressupunha, para ele, condenar-se a uma existência ambígua e marginal.‖ (FERNANDES, 1978: 20).
Segundo Florestan, para os negros e os mulatos apenas duas portas se abriam, pois...
―vedado o caminho da classificação econômica e social pela proletarização, restava-lhes aceitar a incorporação gradual à escória
do operariado urbano em crescimento ou abater-se penosamente, procurando no ócio dissimulado, na vagabundagem
sistemática ou na criminalidade fortuita meios para salvar as aparências e a dignidade de ―homem livre. (FERNANDES,
1978:20).
Portanto, pela interpretação de Florestan, a inexistência de um plano de incorporação do negro, elaborado pela
sociedade que o libertou, com estratégias de aceitação social
Sérgio Buarque de Holanda((1902-1982)
Por Leandro Konder
Em 1935 – há cinqüenta e cinco anos – saiu publicado na revista Espelho um ensaio intitulado ―Corpo e alma do Brasil‖.
No ano seguinte, reelaborado e desenvolvido, o trabalho apareceu em livro. E o livro, já com o título Raízes do Brasil,
rapidamente se tornou um clássico na literatura dedicada à nossa reflexão sobre nós mesmos.
O autor da façanha era um paulista, nascido na cidade de São Paulo em 11 de julho de 1902: chamava-se Sérgio
Buarque de Holanda.
Quando começaram a surgir as primeiras composições de Chico Buarque de Holanda, algumas pessoas bem
informadas apontavam para o moço e diziam: ―É o filho do Sérgio Buarque de Holanda‖. Depois da Banda, de Olé-olá e de tantos
outros sucessos, o Chico ficou famoso e o velho Sérgio passou a ser caracterizado como ―o pai do Chico‖.
Por mais genial que seja o nosso bravo compositor, entretanto, ele sabe, melhor do que ninguém, que sua fama jamais
ofuscará a glória de seu pai. Sérgio Buarque de Holanda era um grande admirador do filho Chico e não se incomodava nem um
pouco com a merecida atenção que o público dedicava ao autor de Roda viva. Sérgio podia se alegrar, com toda a tranqüilidade,
pois tinha consciência de que, pela importância de sua obra, pela força dos ensaios que escrevera, seu lugar na admiração dos
brasileiros estava assegurado
***
Sérgio Buarque de Holanda era uma personalidade marcante. Na juventude, foi devorador de livros. Quando o
conheceu, no Rio de Janeiro, para onde ele tinha vindo em 1921, Manuel Bandeira se espantou com a solidez da sua erudição.
Perguntou-se como era possível que Machado de Assis no século XIX e Sérgio no século XX tivessem chegado a ter, no Brasil,
uma formação cultural tão séria. Para o poeta pernambucano, Sérgio corria o risco de se perder no intelectualismo, de soçobrar
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 3
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
no cerebralismo. Mais tarde, porém, Manuel Bandeira constatou: ―Sérgio não soçobrou. Curou-se do cerebralismo, caindo na
farra.‖
Em companhia de Manuel Bandeira, de Gilberto Freyre e de Prudente de Moraes, neto, mas também eventualmente,
em companhia de Donga e Pixinguinha, Sérgio freqüentou os botequins cariocas e tomou pileques memoráveis.
Na revista Estética, que ajudou a fundar, apoiou energeticamente o movimento modernista dos anos vinte. Empenhou-se na luta
pela renovação da nossa expressão literária, contra a empostação retórica e o espírito acadêmico. Percebia, contudo, que nem
tudo no ímpeto inovador era bom. Distanciou-se, por exemplo, do futurismo, no qual pressentia alguns traços fascistizantes.
Desenvolveu intensa atividade jornalística. Uma equipe coordenada por Francisco de Assis Barbosa (a quem a cultura
brasileira tanto deve!) reuniu e publicou, recentemente, os artigos do jovem Sérgio no livro Raízes de Sérgio Buarque de Holanda
(Editora Rocco). O volume nos dá uma idéia do esforço do jornalista para combinar a agilidade da informação com o rigor da
compreensão das questões que abordava.
Sérgio se desdobrava. Colaborou com O Jornal, com Rio-Jornal, com o Jornal do Brasil, com A Idéia Ilustrada e outras
publicações. Durante algum tempo, traduziu telegramas na agência Havas e na United Press. Em 1927, foi para Cachoeiro de
Itapemerim, no Espírito Santo, para dirigir um jornal local.
Politicamente, sempre foi um homem de esquerda. Interessou-se pelo comunismo, chegou a procurar o principal intelectual do
Partido Comunista naquele tempo, Octávio Brandão, porém ficou muito mal impressionado com o sectarismo do combativo
farmacêutico.
Em 1929 foi mandado à Alemanha como correspondente do O Jornal. A correspondência enviada também consta no
livro Raízes de Sérgio Buarque de Holanda (apresentada por Antonio Candido). Entrevistou Thomas Mann, analisou a evolução
da situação política na Polônia, comentou a repercussão da chamada ―revolução de 1930‖ brasileira na Alemanha e pensou em ir
à União Soviética (mas desistiu por causa do frio: a viagem se faria em pleno inverno).
Em Berlim, Sérgio conheceu Mário Pedrosa e Astrojildo Pereira, dois marxistas que trilhavam caminhos politicamente
opostos. Astrojildo se subordinava à linha de Stálin e Mário seguia a linha de Trotsky. Sérgio se afeiçoou a ambos, mas não
acompanhou nenhum dos dois.
Na época, começou a se empenhar, cada vez mais, em penetrar nas origens das instituições, das mentalidades, das
peculiaridades do Brasil. Os esquemas doutrinários não lhe pareciam convincentes. E se tornavam mais nocivos quando
invocavam princípios apresentados como ―racionais‖ para alimentar os simplismos e preconceitos por eles difundidos. De volta
da Alemanha, encontrou seu amigo Manuel Bandeira e lhe declarou: ―Quando saí daqui, eu tinha uma tendência para o
comunismo. Hoje estou achando nele o mesmo excesso racionalista do catolicismo.‖
O abandono dos esquematismos pretensamente ―racionalistas‖ não significava necessariamente uma capitulação diante
do ―irracionalismo‖; em lugar de recorrer a mitos, Sérgio tratava de esclarecer o ―sentido‖ da experiência histórica efetivamente
vivida pelos homens durante a ―colonização‖.
A recusa da ―ortodoxia‖ do ―marxismo-leninismo‖ não o impedia de assimilar as contribuições originais dos marxistas
mais inquietos e originais, tidos como ―revisionistas‖. E a desconfiança em face dos ―excessos‖ do ―racionalismo‖ não o afastava
da dialética.
A historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias, que organizou o volume dedicado a Sérgio Buarque de Holanda na série
―Grandes Cientistas Sociais‖ (Editora Ática), escreveu, na introdução ao livro, que Sérgio assimilou idéias provenientes de
História e consciência de classe (de Lukács), de Adorno, Horkheimer e Walter Benjamin: ―A marca do método dialético na obra
de Sérgio Buarque de Holanda condiz com uma admiração reiterada pela obra de Georg Lukács e com uma afinidade constante,
vida afora, pelas inovações do revisionismo marxista.‖
Sérgio precisava de um instrumental conceitual flexível para entender melhor o Brasil em sua gênese. Em suas
palavras, ele queria entender como ocorreu na vida brasileira ―uma acentuação energética do afetivo, do irracional, do passional,
e uma estagnação, ou antes uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras. Quer
dizer, exatamente o contrário do que parece convir a uma população em vias de organizar-se politicamente‖ (Raízes do Brasil).
Aristóteles dizia que o espanto é o começo da ciência. Pois bem: Sérgio se espantava com o conservadorismo vigente na
sociedade brasileira. Ele se perguntava: ―Como esperar transformações profundas em um país onde eram mantidos os
fundamentos tradicionais da situação que se pretendia ultrapassar?‖ (Raízes do Brasil).
É curioso ver como Sérgio enxergou as pistas presentes em algumas palavras da nossa língua. A palavra ―desleixo‖,
por exemplo, que era tão sintomaticamente exclusiva do idioma português como ―saudade‖. E sobretudo a palavra ―traficante‖ ou
a palavra ―tratante‖, que em outras designa simplesmente o comerciante, o homem de negócios, e – aplicada à burguesia
portuguesa (mãe da nossa) – assumiu uma significação claramente depreciativa.
Sérgio notou que, ao longo da história da sociedade brasileira, os movimentos reformadores ―partiam quase sempre de cima
para baixo‖. Como as forças que promoviam as reformas eram marcadas pelo espírito dos ―tratantes‖ e ―traficantes‖,
empenhados em preservar seus privilégios acima de tudo, era natural que as mudanças, afinal, fossem superficiais, inócuas,
limitadas.
A ideologia dominante – que, como ensinava o velho Marx, é sempre a ideologia das classes dominantes – explorava
essa pasmaceira, para tentar sempre legitimar um quadro no qual não só as coisas pareciam eternas como, ainda por cima,
nada deveria se modificar. E mesmo os representantes das forças empenhadas em transformar a sociedade tendiam a sucumbir
diante de um pessimismo paralisador.
A reação de Sérgio contra esse ponto de vista conservador, que induzia o observador à passividade, consistiu em
reexaminar de um ângulo energeticamente crítico o panorama de nossa história, para enxergar as manifestações de movimentos
subterrâneos em áreas culturais nas quais se negava a existência de qualquer movimento significativo. Especialmente na
cultura, na vida cultural dos brasileiros da época colonial, ele apontou os caminhos pelos quais fluíam as contradições, por baixo
das imagens enganadoras de uma circulação coagulada.
Na relação dos colonizadores brancos com os índios, por exemplo, onde a perspectiva conservadora sugeria uma passagem de
mão única, através da doação da cultura do elemento ―civilizado‖ ao elemento ―inculto‖, Sérgio promoveu uma reviravolta
pioneira. Ele lembrou que foram os índios que ensinaram ao brancos a habilidade essencial de que os bandeirantes precisavam
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 4
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
nas longas caminhadas que empreenderam terra adentro: saber andar. Os brancos andavam pelo mato como estavam
acostumados a andar pelas cidades. Os índios lhe mostraram como deviam caminhar, combinando o movimento e o ritmo das
pernas com o balanço do corpo inteiro; e como deviam pisar no chão, com toda a sola do pé, para não cansar logo.
Para reconstruir o processo das influências efetivamente trocadas, Sérgio estudava com sua curiosidade insaciável,
punha uma paixão imensa em suas pesquisas. Uma vez, sua mulher – Maria Amélia Alvim – surpreendeu-o, de madrugada,
quase desmaiando de exaustão, folheado montanhas de livros, à procura de uma referência que lhe forneceria a data em que os
índios guaicurus passaram a usar cavalos.
Esse estudo, diga-se de passagem, nunca eliminou da personalidade de Sérgio o seu lado boêmio e saudavelmente moleque, o
robusto senso de humor, que, no dizer de Manuel Bandeira, o salvou de ―soçobrar no cerebralismo‖. Sérgio era terrivelmente
―gozador‖, sua irreverência é conhecida. Poderíamos encher páginas e páginas com o relato de suas brincadeiras. Limito-me
aqui a contar um de seus ―casos‖: a professora Ismênia de Lima Martins, da Universidade Federal Fluminense, estava sentada à
frente do grande historiador num almoço cerimonioso, ao qual ambos tinham comparecido a contragosto; Sérgio dava evidentes
demonstrações de que não estava se sentindo à vontade no meio dos convivas, que eram pessoas graves e circunspectas; num
dado momento, ele passou a pedir à Ismênia, em voz alta, que contasse anedotas debochadas. ―Conta aquela do pentelho,
Ismênia!‖
O ―moleque‖, no entanto, era um incansável trabalhador. Depois de Raízes do Brasil, vieram numerosos outros livros,
como Cobra de vidro (1944), Monções (1945), Caminhos e fronteiras (1957), Visão do paraíso (1958) e O extremo Oeste
(publicado postumamente, em 1986, pela Editora Brasiliense). Além disso, ele coordenou a História geral da civilização brasileira
e para ela escreveu o ensaio ―Do império à república‖, constante do segundo tomo do quinto volume.
Uma última observação se impõe: além de escrever e pilheriar, Sérgio acompanhava atentamente a vida política brasileira e
participava dela, com muita ―garra‖. Pouco antes de morrer (ele faleceu no dia 24 de abril de 1982), ele ingressou no Partido dos
Trabalhadores, no momento mesmo de sua fundação. Procurou, com isso, confirmar uma posição de esquerda, assumida desde
a juventude, que sempre encontrara dificuldades para se concretizar no plano da filiação político-partidária, em decorrência da
cristalização dogmática das opções oferecidas pelas organizações de esquerda existentes.
Darcy Ribeiro
 Nasceu em Montes Claros, Minas Gerais no dia 26 de outubro de 1922.
 Viveu no Brasil, onde dedicou-se ao estudo dos índios e a educação primária e superior. Quando exilado morou em vários
países da América Latina, entre
 eles o Uruguai, Peru e Chile onde conduziu vários programas de reforma universitária.
 Faleceu na capital federal em 17 de fevereiro de 1997.
Acontecimentos: culturais, sociais, econômicos, históricos.
 Perdeu o pai muito cedo e sua mãe era professora primária. Em 1939 foi para Belo Horizonte estudar medicina para agradar
a mãe, mas logo percebeu que estava no caminho errado. Lia muito e preferia assistir às aulas do curso de Filosofia e da
Faculdade de Direito, acabando por ser reprovado duas vezes na Faculdade de Medicina. Em 1943, escreveu o seu primeiro
romance, Lapa Grande.
-Um ano depois, Darcy Ribeiro matriculou-se na Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo. Em 1946, graduou-se em
Sociologia, com especialização em Etnologia. Como etnólogo abraçou a causa indígena, que o tornou conhecido em todo o país.
Comunista desde 1940 integrou-se rapidamente num grupo intelectual paulista, do qual faziam parte, entre outros, Caio Prado
Júnior, Oswald de Andrade e Jorge Amado.
 Dedicou os seus primeiros anos de
vida profissional de 1947 a 1956 ao estudo dos índios do Mato Grosso,
Amazonas, Brasil Central, Paraná e Santa Catarina. Nesse período fundou o museu do índio que dirigiu até 1 947, também
criou o parque Indígena do Xingu. Escreveu uma vasta obra etnográfica e de defesa da causa indígena.
 Com o golpe militar de 1964 , teve seus direitos políticos cassados e foi exilado.
 Viveu em vários países da América Latina, conduzindo programa de reforma universitária, com as idéias que defendeu em A
Universidade necessária. Professor de Antropologia da Universidade Oriental do Uruguai, também foi assessor do presidente
Salvador Allende, no Chile, e de Velasco Alvarado, no Peru.
 Em 1976, volta ao Brasil, sendo anistiado em 1980. Volta a dedicar-se à educação e a política. Participa do PDT com Leonel
Brizola. Foi secretário da Cultura e coordenador do Programa Especial de Educação, com o encargo de implantar 500 CIEPs no
Estado do Rio de Janeiro. Criou a Biblioteca Pública Estadual, o Centro Infantil de Cultura de Ipanema e o Sambódromo, em que
colocou 200 salas de aula para faze-lo funcionar também como enorme escola primária.
 Em 1990, foi eleito senador da República,
publicou, pelo Senado Federal, a revista Carta, onde os principais
problemas do Brasil e do mundo são analisados e discutidos. Foi também secretário e de Projetos Especiais do Estado do Rio
de Janeiro. Também foi relator do anteprojeto aprovado da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(1996) , que passou a ser conhecida como Lei Darcy Ribeiro.
 Colaborou com o governador Leonel Brizola na conclusão dos CIEPs ( Centro Integrado de Educação Públicas - eram
escolas públicas, de período integral, onde as crianças cursavam disciplinas curriculares e recebiam alimentação de
qualidade e acompanhamento médico-odontológico, além de praticarem atividades esportivas.
 Entre 1992 e 1994, ocupou-se de completar a rede dos CIEPs: de criar um novo padrão de ensino
médio,
através dos Ginásios Públicos; e de implantar e consolidar a nova Universidade Estadual do Norte Fluminense,
com
ambição ser uma Universidade do Terceiro Milênio.
 No seu último ano de vida, dedicou-se especialmente a organizar a Universidade Aberta do Brasil, com cursos de educação a
distância, para funcionar a partir de 1997, e a Escola Normal superior, para a formação de professores de primeiro grau.
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 5
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
Organizou a Fundação Darcy Ribeiro, instituída, com o objetivo de manter sua obra viva e elaborar projetos nas áreas
educacional e cultural.
Escolas ou correntes científicas, filosóficas, culturais.
Se hoje parece óbvia a importância da educação no processo de desenvolvimento e democratização do país, isso se deve a
estudiosos como Darcy Ribeiro, que defendeu até o final da vida essa idéia revolucionária. Sociólogo de formação, ele foi capaz
de ver a escola do lado de fora da sala de aula, enxergando nela uma dimensão política. Inspirado pelo movimento da Escola
Nova foi um dos primeiros a engajar-se politicamente na causa do ensino público, gratuito e de qualidade.
 Seu mérito não foi desenvolver grandes teorias pedagógicas nem métodos de aprendizagem. Até porque não era um autor
de teses, mas de feitos. Um homem de ― fazimentos ―, como ele próprio gostava de se apresentar.
 Darcy era um mineiro diferente do estereótipo: nada discreto, nada moderado. Contundente, polêmico, revolucionário,
engajado e movido pela obsessão de salvar o Brasil, era um homem que pensava grande.
 Dizia que tinha uma pequena ―utopia‖: um desenvolvimento justo para todos os cidadãos. Por isso deu tanta importância à
educação, vista por ele como o meio para alcançar essa transformação social. ―Sem povo educado não há como fazer o país
crescer‖.
 Ele considerava o sistema educacional brasileiro elitista e desonesto, porque promovia a exclusão, consciente ou não, das
crianças de classes populares.
 Criticava o sistema de turnos, que, ao reduzir o tempo de aula, restringia também as chances de sucesso de quem não tinha
condições de complementar a formação em casa.
 Foi discípulo do educador Anísio Teixeira, com quem entrou no movimento pelo ensino público e pela erradicação do
analfabetismo nos anos 50. ―Em educação, nada fiz do que pôr meu dínamo de agitação zumbindo em torno das idéias dele‖,
disse Darcy. Na verdade fez mais do que isso. Deu forma as idéias do mestre.
 Darcy começou sua atuação pelo Ensino Superior. Acreditava que boa parte dos problemas do sistema educacional brasileiro
se devia ao modelo de universidade vigente, conservador e descomprometido com a sociedade. Buscou eliminar ao máximo os
formalismos e criar uma instituição livre em que a pesquisa seria voltada para a resolução dos problemas nacionais.
 Para Darcy Ribeiro, a saída para reduzir a injustiça social era uma escola com no mínimo seis horas diárias de
atividades e funções que fossem além do ensino e da aprendizagem.
 Ele imaginava um espaço de instrução, orientação artística, desenvolvimento das ciências, assistência médica, odontológica
e alimentar e práticas diárias orientadas, como tomar banho ou escovar os dentes. E, principalmente, um local para formar o
cidadão crítico. A escola que Darcy defendia estava voltada para as crianças de classes populares, que muitas vezes só contam
com ela para se educar e crescer. A crise do sistema educacional começou nos anos do Getulismo
 Era uma época de índices de analfabetismo altíssimos e que marcou o começo da deterioração do sistema de educação
pública. Foi também um momento em que o mundo curtia uma onda de democracia, após a Segunda Guerra Mundial. No Brasil,
como em outros países, aumentava a pressão sobre o Estado por melhoria nas condições de vida . Inspirado pelo movimento da
Escola Nova, liderado no país pelo educador Anísio Teixeira.
 Darcy entrou na luta pela escola pública gratuita e de qualidade. E abraçou definitivamente a causa da educação.
 Depois desses anos de efervescência veio a ditadura, período em que se acentuou sucateamento da Educação Básica. Os
investimentos concentraram-se no Ensino Superior e em programas de alfabetização de adultos. Cresceram as diferenças
regionais e o ensino ficou ainda mais elitista, fenômemo que só começou a ser revertido na década de 1990.
Principais obras produzidas























Principais obras produzidas
Religião e mitologia Kadiwéu;
América Latina, a Pátria Grande;
Configuração Histórico Cultural dos Povos Americanos ( Civilização Brasileira ).
Ensaios Insólitos;
Mayra;
Migo;
Nossa Escola é uma Calamidade;
Sobre o Óbvio;
Testemunho;
Aos Trancos e Barrancos;
Uirá Sai à Procura de Deus;
A Universidade Necessária;
Universidade para quê ?;
Utopia Selvagem;
As Américas e a Civilização;
Os Brasileiros;
Dilema da América Latina;
Formas e Sistemas de Governo;
A Fundação do Brasil;
Os Ìndios e a Civilização;
Processo Civilizatório;
Teoria do Brasil;
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 6
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
 Povo Brasileiro.
Principais teses do pensador
Como ele mesmo dizia , não era um autor de teses, mas sim um homem de fazimentos e destacava a:
 A importância da educação no processo de desenvolvimento e democratização do país.
 Só queria entender porque o Brasil era um país que teimava em não dar certo.
Homenagem a Darcy Ribeiro – Jornal do Senado – Edição de 26/03/2007
 O intelectual, escritor, professor e ex-senador Darcy Ribeiro foi homenageado em sessão especial. A iniciativa do senador
Cristovam Buarque marcou os dez anos da morte do antropólogo e educador que insistia em "salvar as crianças do Brasil" e se
notabilizou pela luta por um ensino público gratuito e de qualidade, pela defesa dos índios brasileiros e das reformas sociais.
 Dez anos sem o apóstolo da educação
 Sessão especial no lembra a trajetória do ex-senador Darcy Ribeiro, que morreu em 1997.
Darcy Ribeiro, antropólogo e educador, foi o relator da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Fracassei em tudo o que
tentei
na
vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade
séria
e
fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
 Cristovam Buarque (PDT-DF) afirmou, que o político e intelectual foi um "profeta" do desenvolvimento civilizatório. O
senador justificou o atributo ao destacar as ações do homenageado no campo da educação, segundo Cristovam já
compreendida
por
Darcy
como
o
"vetor
correto"
do
desenvolvimento.
Hoje, creio que todos estamos chegando à idéia, ao acordo, de que o progresso não vem da ordem, mas da educação. O
progresso não vem do chão de fábrica, mas dos bancos de escola – disse.
 Para Renan Calheiros (PMDB-AL), Darcy Ribeiro foi quem verdadeiramente lutou pela educação básica. – Em suas
palavras, vivemos a situação de uma educação primária que produz mais analfabetos que alfabetizados; de uma escola média
que não prepara ninguém ; e de uma escola superior em que, na maior parte dos casos, o professor faz de conta que ensina e o
aluno faz de conta que aprende. Transformar essa realidade, sempre inspirados por Darcy, é nosso desafio permanente – disse.
 Mão Santa (PMDB-PI) citou diversas declarações atribuídas ao antropólogo e educador, entre as quais uma em que Darcy
dizia que "não há como negar que a culpa do atraso cabe a nós, os ricos, os brancos, os educados, que impusemos, desde
sempre, ao Brasil, a hegemonia de uma elite retrógrada, que só atua em seu próprio beneficio".
Fernando Henrique Cardoso
Formação como sociólogo e início da carreira
Nascido em 1931 no Rio de Janeiro, primogênito da fratria, fez o curso primário entre Rio de Janeiro e São Paulo,
conforme exigido pelo trabalho de seu pai. Dispôs de professora particular de francês, algo comum às famílias abastadas e
cosmopolitas do Brasil na Primeira República, como comprova também o caso de Gilberto Freyre. Fez os estudos secundários
em São Paulo, em um colégio do bairro de Higienópolis freqüentado por descendentes de famílias afluentes, bairro em que
reside até hoje. Em 1949, presta concurso para duas faculdades da USP: não é aprovado em latim, na tradicional Faculdade de
Direito, mas entra para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, fundada com a colaboração da missão francesa. Como bem
analisa Irene Cardoso (1982), a criação dessa faculdade, que possibilitou a fundação da USP em 1934, faz parte de um conjunto
de estratégias da elite política de São Paulo que, sentindo perder grande parte do poder federal com a ascensão de Vargas e
sua coligação com Minas Gerais e os estados nordestinos, de menor influência no plano nacional, e vendo-se alijada dos
principais núcleos de decisão após a derrota de 1932, buscou recuperar, por meio dos investimentos em ciência e cultura, a
nítida hegemonia nacional durante a "República Velha", subtraída pela força das armas. O apelo ao que havia de mais moderno
no mundo internacional foi grandemente reforçado pela intenção paulista de demarcar-se como estado onde predominaria um
espírito liberal e cosmopolita, o que transparece na utilização do francês e do inglês nos cursos, já que só os docentes alemães
parecem ter se sentido compelidos a ministrar os ensinamentos em português.
Seu principal professor foi Florestan Fernandes, um descendente de imigrantes portugueses órfão de pai, de origem
modesta, que só pôde completar seus estudos secundários graças a exames supletivos e que muito teve de se esforçar para
freqüentar os professores franceses da Faculdade de Filosofia, os pesquisadores norte-americanos ligados à "Escola de
Chicago", como Donald Pierson, e os antropólogos alemães, como seu orientador Herbert Baldus, recrutados pela rival Escola
de Sociologia e Política. Muitas vezes Florestan exprimiu a dificuldade, para um estudante vindo das classes populares, de entrar
5
no seleto mundo da nova elite intelectual, representada grandemente pela pouca familiaridade com as línguas estrangeiras . A
precocidade em línguas estrangeiras, como ressaltam os estudos de sociolingüística, é um dos privilégios sociais dos que
"tiveram berço", mas que aparece como um dom ou talento suplementar a atestar a superioridade ou "excelência" dos indivíduos
de origem elevada. O investimento apaixonado nas tarefas intelectuais e o espírito meritocrático, bem como a busca da
integração de tradições tão diferenciadas quanto as ensinadas pelos jovens e brilhantes professores estrangeiros, cuja
diversidade de modo algum se reduz às suas origens nacionais (fato patente em suas obras ulteriores), estão entre as
características da trajetória intelectual de Florestan Fernandes. Isso demonstra tanto o investimento extra de fato exigido dos que
alargam o perfil sociológico de estudantes potenciais como a possibilidade que a universidade pública abria para a entrada de
filhos das classes populares. Embora ressaltasse o alto custo psicológico de seus investimentos para poder acompanhar os
professores estrangeiros e a literatura que introduziam, é notável que Florestan Fernandes tenha sempre se caracterizado por
uma ligação constante com o universo internacional das ciências sociais, o que se revela tanto por seus livros baseados em
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 7
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
pesquisa de campo com Roger Bastide como por suas tentativas reiteradas de integrar os aportes teóricos de Émile Durkheim,
Max Weber e Karl Marx.
Fernando Henrique Cardoso e seu colega Octavio Ianni iniciaram suas carreiras de pesquisadores sob a direção de
Florestan Fernandes — cujas pesquisas sobre a condição social dos negros descendentes de escravos em São Paulo foram
fruto do convite insistente de Roger Bastide e do financiamento da Unesco —, examinando as relações raciais nas cidades do
6
Sul do país, fortemente marcadas pela imigração européia do fim do século XIX . Ambos fizeram suas teses sobre o legado das
relações entre senhores brancos e escravos (Capitalismo e escravidão no Brasil meridional, de Fernando Henrique, de 1962, e
As metamorfoses do escravo, de Ianni), tema que, a partir de 1933, com a publicação de Casa-grande e senzala, de Gilberto
Freyre, passou a figurar entre as questões centrais do campo intelectual brasileiro. Os estudos sob a direção de Florestan
Fernandes vão mostrar que a industrialização e a modernização que a acompanha exacerbavam, e não diminuíam, os
preconceitos raciais (Mayo, 1997). O interesse pela pesquisa na região sul, em cidades que conheciam forte crescimento
industrial desde os anos de 1930, era tanto maior pelo fato de ser a região receptora de grande contingente de "brancos" de
origem européia que não se identificavam com a fração da elite descendente dos senhores de escravos e/ou da oligarquia
agrária. O conjunto de trabalhos realizados sob a égide de Florestan Fernandes, e que faziam largo uso dos novos métodos de
pesquisa em ciências sociais aplicados nos Estados Unidos e na Europa, assegurou o prestígio da "escola de sociologia de São
Paulo" e destronou Gilberto Freyre da posição de líder inconteste das ciências sociais brasileiras. Data dessa época a tentativa
de reduzir o aporte de Gilberto Freyre apenas às situações nordestinas, como se Casa-grande e senzala expressasse
unicamente um discurso sobre a grande plantação canavieira da zona da mata nordestina, e não sobre toda a realidade
brasileira. Prova da eficácia dessa estratégia de concorrência intelectual é que muitos círculos nem se lembram que o livro de
Freyre restrito ao âmbito regional é Nordeste, publicado em 1936. A supremacia da "nova sociologia" praticada em São Paulo foi
ainda mais efetiva por se referir ao pólo moderno de uma nação em desenvolvimento, em oposição a um Nordeste em nítido
declínio.
Estudante jovem e promissor, Fernando Henrique tornou-se assistente da Faculdade de Economia da USP, antes
mesmo de concluir a licenciatura, com apenas 21 anos, cargo que acabou sendo perdido por disputas com a titular da cátedra.
Logo depois, no entanto, um concurso abriria as portas para um cargo permanente na USP. Fernando Henrique havia se tornado
assistente de Roger Bastide assim que concluiu sua licenciatura, em 1953; quando Bastide resolve retornar a Paris, para
ingressar na atual EHESS, Florestan Fernandes assume seu cargo e Fernando Henrique passa à condição de primeiro
assistente. Assim que foi nomeado, elegeu-se para o Conselho Universitário da USP, cargo que, ocupado em início de carreira,
parece ser um bom índice do capital social que conseguia mobilizar.
Seu pai fora eleito deputado federal graças a uma aliança entre os trabalhistas e os comunistas de São Paulo. Ao lado dele,
Fernando Henrique participou ativamente da campanha pelo monopólio estatal do petróleo e pela criação da Petrobras. Pai e
filho participaram das inúmeras mobilizações e campanhas nacionalistas dos anos de 1950 e início da década seguinte,
momento marcado por intensos debates sobre as modalidades de construção política, econômica e cultural da nação e sobre os
meios de enfrentar os males do "subdesenvolvimento". Militante desde o Colégio São Paulo, no qual cursara o secundário, suas
atividades políticas fizeram que aceitasse o cargo de editor da revista do Partido Comunista destinada aos intelectuais —
Problemas —e de membro do conselho editorial da revista marxista Fundamentos, fundada por Caio Prado Jr. e editada pela
Brasiliense.
Sem dúvida seus investimentos profissionais no início da carreira estiveram concentrados nas atividades universitárias,
o que no entanto não o afastavam necessariamente da carreira política. Terminada a tese de doutorado sobre a escravidão,
Fernando Henrique realizou uma pesquisa por questionário sobre as atitudes e visões dos industriais brasileiros quanto ao futuro
da economia, analisando também o papel atribuído ao Estado na regulação do setor econômico. Essa pesquisa, que mobilizava
as contribuições da sociologia empírica européia e norte-americana, tinha por objeto uma das questões centrais nas polêmicas
entre os vários grupos de esquerda: a "burguesia nacional" seria capaz de dar origem a um projeto de desenvolvimento original e
de promover a emancipação do país?
O marxismo constituiu, em certa medida, um sinal distintivo do jovem sociólogo de São Paulo. Ainda nos anos de 1950,
quando José Arthur Gianotti volta da França após concluir seu doutorado, um grupo de jovens professores e estudantes decidiu
se reunir para ler O capital,de Marx. Esse grupo, do qual faziam parte Octavio Ianni, Ruth Cardoso, Roberto Schwarz, Michael
Lowy e outros, teve um papel decisivo na discussão dos projetos de pesquisa da nova geração. Florestan Fernandes, que nunca
foi convidado a participar do grupo, encarou a iniciativa como um meio de os jovens pretendentes se apresentarem como
pioneiros ou ao menos como nova vanguarda intelectual. A supremacia do marxismo, como teoria de referência, permitia
desqualificar simultaneamente a bibliografia transmitida pelos membros da missão francesa e os esforços teóricos de Florestan
Fernandes, acusado de ecletismo.
Por outro lado, foi a criação do Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho (Cesit), graças à iniciativa de Alain
Touraine, professor convidado da USP em 1961, que possibilitou o encaminhamento das investigações sobre os pontos de vista
7
dos industriais e dos operários de São Paulo . O centro foi dirigido por Fernando Henrique de 1962 a 1964. Nesse mesmo
período, Alain Touraine o convida para ir a Paris, no inverno de 1962-1963, o que permite a elaboração de sua tese de livre
docência, defendida na USP em 1963. A relação entre Fernando Henrique e Alain Touraine espelha os relacionamentos e as
curtas estadias do sociólogo no exterior: em São Paulo, ele trabalhou sob a direção dos jovens pesquisadores franceses que
marcaram o panorama das ciências sociais internacionais nos anos de 1950 e 1960, primeiro como assistente de Roger Bastide,
depois como braço direito de Alain Touraine; foi também um dos personagens principais do comitê de recepção a Jean-Paul
Sartre e Simone de Beauvoir em sua visita à América Latina, em setembro de 1960, após o apoio prestado à revolução cubana,
o que levou Sartre a escolhê-lo como seu tradutor no Brasil. Assim, Fernando Henrique não teve necessidade de longas estadias
8
no estrangeiro para familiarizar-se com as correntes de pensamento vigentes no campo internacional das ciências sociais . Essa
promissora carreira seria no entanto bloqueada pelo golpe militar de 1964, que forçou seu exílio.
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 8
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
Consagração internacional do sociólogo e retorno sob o regime militar
O exílio permitiu a Fernando Henrique Cardoso consagrar-se a seus trabalhos de pesquisa, estender seu campo de
conhecimento a toda a América Latina e ser convidado para estadias em instituições de grande prestígio internacional, como o
Instituto de Estudos Avançados de Princeton ou o Collège de France. Ainda antes de chegar ao Chile, recebeu o convite do
sociólogo espanhol José Medina Echavaria, diretor do ILPES, centro de pesquisas criado pela ONU em Santiago, para ocupar a
cátedra de Sociologia do Desenvolvimento. O exílio levou-o a participar diretamente dos debates sobre as transformações do
campo do poder na América Latina e sobre seus efeitos econômicos e sociais. A teoria da dependência, que lhe assegurou
9
notoriedade internacional, foi concebida durante esse período, em colaboração com o sociólogo chileno Enzo Falleto (1979) .
Tanto no Brasil como no exterior, as investigações conduzidas por Fernando Henrique visavam essencialmente a analisar as
representações de industriais e homens de negócios da América Latina, e sobretudo sua relação com a evolução do Estado. O
exílio no Chile, além de permitir o conhecimento da elite latino-americana — Isabel Allende trabalhou sob sua direção —, tornou
possível voltar a Paris como professor convidado da Universidade de Nanterre, graças a uma nova intervenção de Alain
Touraine. Durante essa estadia aproveitou para redigir a análise das investigações realizadas no ILPES e preparou sua tese
destinada ao concurso da cátedra de Ciência Política na USP, o que abreviaria seu exílio.
O retorno à USP, no entanto, teve curta duração: a instauração do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, foi acompanhada
da demissão da função pública de professores e pesquisadores progressistas, do afastamento de estudantes e da instauração
duradoura da tortura como técnica de neutralização dos adversários do regime militar. A criação de um novo centro de pesquisas
(Cebrap), com o financiamento da Fundação Ford, permitiu aos pesquisadores e professores em ciências sociais, expulsos das
instituições universitárias, prosseguirem as atividades de pesquisa sem abandonar o país. Como demonstram Yves Dezalay e
Bryan Garth (2002), uma parcela da elite dominante dos Estados Unidos apoiou materialmente alguns adversários dos militares,
em particular cientistas, com receio de que a adesão à luta armada fosse ainda mais ampla. O apoio da Fundação Ford
contribuiu para pôr em evidência os trabalhos ligados à pesquisa e ao ensino de ciências sociais, com a criação em escala
inédita de institutos como o Cebrap, o Cedec e o Idesp. No Rio de Janeiro, o apoio da Fundação Ford tornou possível a criação
dos programas de pós-graduação em Ciência Política no Iuperj e em Antropologia Social no Museu Nacional. A diversificação
das disciplinas, definindo novas modalidades de investigação empírica e a integração de pesquisadores a redes internacionais,
deu alento às práticas de reconversão por parte de jovens estudantes e intelectuais que ficariam condenados ao silêncio. O
Cebrap, sob a direção de Fernando Henrique, impôs-se então como pólo dominante na condução dos debates científicos em
escala nacional.
Além de diretor do Cebrap, Fernando Henrique tornou-se, nos anos de 1970, um dos elos principais para o qual
convergiam as mais diversas, e até mesmo antagônicas, forças políticas. Os antigos liberais, reagrupados no único partido de
oposição tolerado pelos militares — o MDB, presidido por Ulysses Guimarães — solicitaram a Fernando Henrique e ao Cebrap a
redação de um novo programa a ser defendido pelo conjunto das oposições. Apesar de Ulysses Guimarães ser um antigo amigo
do pai de Fernando Henrique, foi durante o período mais negro do regime militar que os dois se aproximaram politicamente.
Ressalte-se que a Igreja católica, que constituíra em 1964 um dos sustentáculos das forças que legitimaram o golpe, passa a
tomar distância dos generais em virtude da prática sistemática da tortura, fazendo progressivamente "uma opção preferencial
pelos pobres". Nesse contexto, o cardeal de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, também solicitou ao Cebrap a elaboração de
um diagnóstico sobre a degradação das condições de vida das camadas mais pobres de São Paulo, face oculta da aceleração
do crescimento econômico, o que deu origem ao livro São Paulo, crescimento e pobreza, de 1976, com prefácio do cardeal e no
qual se explicitava a relação da investigação sociológica sobre os desprovidos de recursos, materiais e culturais, com as novas
comunidades eclesiais de base. Assim, o engajamento de Fernando Henrique em atividades de reativação das associações
científicas e profissionais dos mais variados tipos (como SBPC, OAB, ABI, SBS, ABA), configurando a "mobilização da
sociedade civil", transformou-o em um dos líderes de uma intelectualidade interessada em se desfazer da tutela militar,
preservando o pluralismo interno. Ele acumula então o prestígio de sociólogo inovador e de um dos líderes da frente de oposição
política à ditadura militar. No final dos anos de 1970, com a liberalização do espaço público após a assinatura da lei de anistia,
de 1979, a sua volta à cena política torna-se visível.
A carreira política na década de 1970
O investimento de Fernando Henrique na política torna-se mais nítido nos anos de 1970. Com a redação do programa
do MDB, transforma-se em um dos maiores interlocutores de Ulysses Guimarães, figurando como conselheiro privilegiado nos
momentos de confronto com o regime. A greve dos metalúrgicos de São Bernardo em 1978, que projetou Lula e abriu as portas
para o retorno dos movimentos sociais ao primeiro plano do espaço público, demonstrou que havia muitas outras forças políticas,
além dos antigos políticos liberais formados antes de 1964. Por medo de uma derrota flagrante nas urnas, os oficiais militares de
alta patente implantaram as sublegendas nos partidos, manobra que acomodava divergências entre os aliados dos militares e
somava os votos de todos. A sublegenda permitiu uma diversificação nas oposições, e foi assim que Fernando Henrique se
candidatou ao Senado em 1978, em sublegenda que somava seus votos ao do democrata-cristão Franco Montoro, mas que
também permitia as diferenciações de programas políticos. Essa eleição apresentou ainda a vantagem para Fernando Henrique
de poder conduzir uma campanha eleitoral sem se preocupar com as chances de vitória; graças a ela, ele se tornaria senador
quando Montoro se candidata a governador, em 1982. Desde então todas as atividades de Fernando Henrique atestam a
máxima concentração de esforços na atividade política: a produção de análises sociológicas ou de ciência política, sob a forma
de monografias ou ensaios teóricos, é interrompida em 1978. A partir dessa data seus escritos ganham um novo tom, o de um
político preocupado em defender suas tomadas de posição, em justificar suas alianças e em buscar ampliar suas chances
eleitorais em um espaço que se diversifica.
Diferentemente de muitos intelectuais que tentaram se iniciar na atividade política, ou voltar a ela, as estratégias
eleitorais de Fernando Henrique mostram a racionalização da acumulação do capital político, partindo da consolidação de
posições locais até atingir os cargos mais relevantes no âmbito nacional. Em 1985, apresenta-se como candidato a prefeito de
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 9
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
São Paulo; a derrota, no entanto, não teve sobre ele o mesmo efeito dissuasivo que se verifica em muitos intelectuais, que não
mais se apresentam à concorrência eleitoral. A análise da carreira política de Fernando Henrique certamente ultrapassa o
escopo deste artigo, mas cabe assinalar que, desde o retorno das franquias democráticas, ele se tornou um político de relevo no
plano estadual, um ministro potencial de todos os presidentes que o precederam, além de um dos parlamentares mais influentes
na Assembléia Constituinte de 1988. No governo de Itamar Franco, passou de ministro das Relações Exteriores para ministro da
Fazenda, com a responsabilidade de implantar um plano de estabilização monetária — o Plano Real —, cuja implementação
escalonada no tempo assegurou sua primeira eleição presidencial, ainda que a vitória no primeiro turno dependesse da aliança
com o PFL, composto em grande parte pelas oligarquias nordestinas cujo brasão político adquirira novo brilho durante o regime
militar.
Próximo dos pretendentes à renovação em grande escala do espaço público até 1979 distanciou-se já nessa época dos
líderes sindicais, como Lula, e dos colegas universitários que não dispunham de outro capital político que o obtido por meio da
militância. Note-se que, após contribuir para a consolidação da idéia de um partido de trabalhadores, o que pode ser seguido
pelas suas intervenções nos jornais de oposição à ditadura, como Opinião e Movimento, não acompanhou seus antigos colegas
da USP, nomes emblemáticos das ciências sociais paulistas como Antonio Candido, Sérgio Buarque de Holanda, Maria Isaura
Pereira de Queiroz, Florestan Fernandes, Octavio Ianni, entre outros, na criação do PT, preferindo continuar seu itinerário em
companhia daqueles que constituíram seus capitais políticos antes de 1964 ou na época do regime militar. Durante a campanha
das diretas, suas posições aproximam-se sistematicamente dos moderados, distanciando-se da grande maioria dos
universitários e artistas. Objetivamente, deslocou-se ao longo dos anos de 1980 e já muito antes das eleições de 1994, quando
se confrontou com Lula e uma frente das oposições de esquerda, em direção ao centro e à direita.
O presidente secundado pelo sociólogo: qual sociologia?
Esta rápida consideração do trabalho sociológico e da carreira política recente de Fernando Henrique Cardoso, que sem
dúvida alguma exigiria desenvolvimentos mais extensos, permite ao menos constatar que as disposições e os capitais
mobilizados para abrir o caminho para a presidência da República não são de forma alguma os mesmos que aqueles
empregados para construir os trabalhos sociológicos que asseguraram seu prestígio científico. O exame de suas publicações
constitui o indicador mais nítido da política como carreira escolhida nos últimos 25 anos: se todas as obras anteriores a 1978
mostram uma preocupação constante com a constituição do material empírico que permita demonstrar as teses sociológicas
sustentadas pelo autor, as publicações do período posterior limitam-se a reunir todos os argumentos capazes de justificar as
tomadas de posição e as ações no campo político. Não se trata aqui de sublinhar o caráter ideológico desses escritos, mas de
entender que eles estão a serviço de outro objetivo que não o de dialogar com seus pares, cientistas sociais. Seguramente não
foi graças aos seus esforços intelectuais que Fernando Henrique abriu o caminho de seus sucessos eleitorais; como a entrevista
citada no começo deste artigo assinala, a maior parte do tempo do mandato presidencial foi consagrada a assegurar a confiança
de eventuais aliados políticos e a reforçar suas chances eleitorais, como todo especialista da política.
Em livro editado a partir de um diálogo com o ex-presidente português Mário Soares, Fernando Henrique reafirma que a
política o "fascina" e lhe proporciona "realização pessoal", motivos que o levam a usar todos os seus atributos internalizados
como professor e pesquisador como recursos do "jogo político" (Cardoso e Soares, 1998, p. 53). Para compreender a rápida
ascensão de Fernando Henrique à mais alta magistratura, é de pouca valia conhecer os modelos de análise que elaborou e as
teorias que adotou em sociologia; mas é indispensável conhecer as redes sociais que deram significado e substância à sua
atividade de sociólogo, pois foi a mobilização dessas redes, com outros fins que a produção do conhecimento, que tornaram
possível sua carreira política. As duas conferências de Max Weber citadas no início deste artigo, proferidas em tempos de fim da
Primeira Guerra Mundial, momento de enorme desencantamento com o mundo da política na Europa, demonstram a relevância
de se estudar a concorrência entre os especialistas da produção do conhecimento, sem assimilá-la aos mecanismos de
concorrência entre os especialistas da política; os três livros publicados por ou sobre Fernando Henrique durante o mandato
presidencial parecem constituir a melhor prova da pertinência da proposição de Max Weber.
Situado na interseção do campo das ciências sociais — que se ampliava e se diversificava desde o início dos anos de
1970, com a nova amplitude conquistada pela antropologia social e pela ciência política — com o campo político, ele buscou
colocar todo o prestígio adquirido como sociólogo a serviço de suas novas atividades políticas. Se Fernando Henrique pôde
herdar de seu pai relações de confiança e de prestígio com políticos como Ulysses Guimarães e Franco Montoro, isso se deveu
à frente de oposições ao regime militar e à sua posição de mediador entre cientistas e políticos. Seu afastamento da comunidade
científica manifestou-se ainda por meio dos objetos e das maneiras de tratar as questões consideradas "sociológicas", o que o
aproxima da utilização da sociologia praticada pelos juristas consagrados como "pensadores sociais" durante o período de 1920
a 1960, quando pretendiam ter o monopólio da discussão sobre os destinos da nação. Se a sociologia dispunha então de
absoluta primazia sobre todas as ciências humanas e sociais, inclusive a história, é porque a retórica ensaísta predominava,
excluindo das práticas disciplinares toda a reflexão fundada sobre a observação sistemática realizada pelos próprios
pesquisadores. Ironia do destino, é essa definição empírica da disciplina que constituiu uma das maiores contribuições da
"escola sociológica de São Paulo", que fez dos "fundamentos empíricos da explicação sociológica" o lema e o padrão de
trabalho, inscrevendo as ciências sociais produzidas no Brasil entre as tendências dominantes da cena internacional. O que resta
de sociologia quando um presidente, no exercício do mandato e no calor das movimentações de toda ordem, retoma a sua
experiência imediata e a visão que a justifica como padrão analítico em ciências sociais?
Contra a heteronomia das ciências sociais, a história social das relações entre o campo político e o espaço das ciências
sociais no Brasil parece fornecer poderosos antídotos, em particular contra o "fascínio" do poder político e suas artimanhas. O
olhar sociológico, dotado das lentes forjadas pelos "pais-fundadores" e comprometido a investigar as questões mais corriqueiras
dessas ciências, parece impedir de aceitar candidamente o "mundo encantado" dos profissionais da política.
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 10
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
O FUNCIONALISMO ESTRUTURAL
O Funcionalismo é um controverso ramo da antropologia e das ciências sociais. Uma doutrina que pretende explicar
aspectos da sociedade em termo de funções realizadas ou suas consequências para sociedade como um todo. Funcionalismo
(do Latin fungere, ‗desempenhar‘)
Segundo as teses de Talcott Parsons, a sociedade e a respectiva cultura formam um sistema integrado de funções. Ao mesmo
tempo que ocorria o choque da revolução behaviorista, desenrolava-se, nos domínios da ciência política, o processo de recepção
das idéias de função, estrutura e de sistema, principalmente a partir das teorias gerais da antropologia e da sociologia.
Nas ciências sociais, especificamente na sociologia e na antropologia sociocultural, o funcionalismo (também chamado
análise funcional) é uma filosofia sociológica que originalmente tentava explicar as instituições sociais como meios coletivos de
satisfazer necessidades biológicas individuais. Mais tarde se concentrou nas maneiras como as instituições sociais satisfazem
necessidades sociais, especialmente a solidariedade social. O funcionalismo é associado com Émile Durkheim e mais
recentemente com Talcott Parsons. Visto que a análise funcional estuda as contribuições feitas pelo fenômeno sociocultural para
os sistemas socioculturais dos quais fazem parte, muitos funcionalistas argumentam que instituições sociais são funcionalmente
integradas para formar um sistema estável e que uma mudança em uma instituição irá precipitar uma mudança em outras
instituições; expressas por Durkheim e outros como uma analogia orgânica. O funcionalismo, nascendo como uma alternativa a
explicações históricas, foi uma das primeiras teorias antropológicas do século XX, até ser superada pela análise estruturofuncional ou estrutural-funcionalismo.
O estruturo-funcionalismo tem a visão de que a sociedade é constituída por partes (por exemplo: polícia, hospitais,
escolas e fazendas), cada uma com suas próprias funções e trabalhando em conjunto para promover a estabilidade social. O
estruturo-funcionalismo foi a perspectiva dominante de antropologistas culturais e sociólogos rurais entre a II Guerra Mundial e a
Guerra do Vietnã. Juntamente com a teoria do conflito e o interacionismo funcionalismo é uma das três principais tradições
sociológicas.
Uma função social é, "a contribuição feita por qualquer fenômeno a um sistema maior do que o que o fenômeno faz
parte" (Hoult 1969: 139) . Esse uso técnico não é o mesmo da idéia popular de função como um "evento/ocasião" ou uma
obrigação, responsabilidade, ou profissão. Uma distinção, primeiramente feita por Robert K. Merton, é feita entre funções
evidentes e funções latentes (Marshall 1994: 190-1) e também entre funções com efeitos positivos (funcionais ou positivamente
funcionais) e negativos (disfuncionais) (Hoult 1969: 139). "Qualquer enunciado que descreva uma instituição como sendo
'funcional' ou 'disfuncional' para os homens[sic] pode ser prontamente traduzido sem perda de significado para um que se diz
'recompensadora' ou 'punitiva'." (Homans 1962:33-4)
Alternativa funcional (também chamada equivalente funcional ou substituto funcional) indica que, "assim como o mesmo ítem
pode ter múltiplas funções, a mesma função também pode ser diversamente representada por ítens alternativos." (Merton 1957:
33-4) O conceito pode servir como um antídoto para "as suposições injustificadas da indispensabilidade funcional de estruturas
sociais particulares." (ibid: 52)
Nos anos 60, o funcionalismo era criticado por ser incapaz de se responsabilizar por mudanças sociais ou contradições
estruturais e conflito e dessa maneira frequentemente chamada teoria do consenso. No entanto, Durkheim usou uma forma
radical de socialismo corporativo juntamente com explicações funcionalistas, o Marxismo reconhece contradições sociais e utiliza
explicações funcionais, e a teoria evolucionária de Parsons descreve os sistemas e subsistemas de diferenciação e reintegração
desse modo causando menos conflito temporário ante a reintegração (ibid). "O fato da análise funcional poder ser vista por
alguns como de natureza conservadora e por outros como de natureza radical sugere que ela pode ser nem uma nem
outra."(Merton 1957: 39)
Críticos mais fortes incluem o argumento epistemológico que diz que o funcionalismo tenta descrever instituições sociais
apenas através de seus efeitos e assim não explica a causa desses efeitos, ou coisa alguma, e o argumento ontológico que a
sociedade não pode ter "necessidades" como os seres humanos, e até que se a sociedade tem necessidades elas não precisam
ser satisfeitas. Anthony Giddens argumenta que explicações funcionalistas podem todas ser reescritas como descrições
históricas de ações e conseqüências humanas individuais. (ibid)
Anterior aos movimentos sociais dos anos 60, o funcionalismo foi a visão dominante no pensamento sociológico; depois daquele
tempo a teoria de conflito desafiou a sociedade corrente, defendida pela teoria funcionalista. Conforme alguns opositores, a
teoria funcionalista sustenta que conflito e disputa pelo status quo é danosa à sociedade, tendendo a ser a visão proeminente
entre os pensadores conservadores.
Jeffrey Alexander (1985) enxerga o funcionalismo como uma ampla escola e não como um método ou sistema
específico, como o de Parson, que é capaz de tomar o equilíbrio (estabilidade) como ponto de referência ao invés de suposição e
trata a diferenciação estrutural como principal forma de mudança social. "O nome 'funcionalismo' implica uma diferença no
método ou interpretação que não existe." (Davis 1967: 401). Isso remove o determinismo criticado acima. Cohen argumenta que
mais do que necessidades, a sociedade tem fatos tendenciais: característica do ambiente social que sustenta a existência de
instituições sociais particulares mas não as causa. (ibid)
Talcott Parsons (1902-1979) foi seguramente o sociólogo norte-americano mais conhecido em todo o mundo. Em geral, seus
críticos entenderam-no como um pensador conservador, preocupado basicamente com o bom ordenamento da sociedade, sem
ter muita tolerância para com a desconformidade ou a dissidência dos que podiam manifestar-se contra ela. Sua obsessão era
determinar a função que os indivíduos desempenhavam na estrutura social visando a excelência das coisas. Era um estudioso
da Estratificação Social não da mudança ou da transformação. Considera-se que a concepção social dele tenha sido influenciada
diretamente pelo antropólogo Bronislaw Malinowski, um funcionalista (*), fortemente marcado pela biologia, daí verem em
Parsons um admirador da organização de um formigueiro, no qual o papel dos indivíduos (das operárias à rainha-mãe) esta
devidamente pré-determinado e ordenado em função da manutenção e aperfeiçoamento de um sistema maior.
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 11
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
O Dicionário de Ciências Sociais define o funcionalismo como: a perspectiva utilizada para analisar a sociedade e seus
componentes característicos enfocando a mutua integração e interconexão deles. O funcionalismo analisa o caminho que o
processo social e os arranjos institucionais contribuem para a efetiva manutenção da estabilidade da sociedade. A perspectiva
fundamental é oposta às maiores mudanças sociais.
Ocorre que Parsons, que também foi tradutor da obra de Max Weber e seu difusor nos Estados Unidos, foi
contemporâneo das linhas de montagem, a Scientific Management, o chamado Gerenciamento Científico, introduzidas por
F.Taylor (1856-1915) e por Henry Ford (1863-1947), cujas espantosas modificações no processo produtivo, verdadeiramente
revolucionárias, foram necessárias à produção em massa. A nova maneira de produzir os manufaturados começou a ser adotada
em larga escala a partir da Primeira Guerra Mundial, difundindo-se de modo impressionante nos anos de 1920 por boa parte do
mundo. Pode-se então dizer que Talcott Parsons foi, antes de tudo, o intelectual orgânico das novas técnicas produtivas
adotadas pelas industrias: o taylorismo e o fordismo.
Agindo então tal como se fora um capataz de fábrica ou um engenheiro de produção, ele naturalmente via qualquer
dissonância, crítica, protesto ou greve, como algo perturbador, como um ―desvio‖, quando não uma expressão da patologia, que
atrapalhava o todo. Para ele o sistema, como qualquer outro corpo biológico, não só era estável como buscava ser harmonioso,
equânime e consensual, tendo manifestado hostilidade à perturbações desencadeadas por ataques de ―bacilos‖.
Desinteressando-se dos aspectos da transformação social sua inclinação deu-se em favor do equilíbrio e do consenso.
Naturalmente que isso o posicionou a entender o indivíduo como expressão das estruturas, as quais ele devia manter e
preservar. Caso isso não ocorresse entravam em ação os mecanismos do Controle Social (moral, ética, sistema jurídico e penal,
etc.), como um instrumento preventivo ou corretivo. O objetivo de qualquer sociedade, pois, como ele defendeu no seu mais
conhecido livro The Social System (O Sistema Social, 1952) era alcançar a homeostasis, a manutenção da estabilidade, do
equilíbrio permanente, fazendo com que só pudéssemos entender uma parte qualquer a ser estudada em função do todo. Se
bem que a organização de formigueiro pudesse atraí-lo, seguramente foi a racionalidade da produção fabril quem determinou a
concepção da Teoria Social dele.
Expressões como ―adaptação‖, ―integração‖, ― manutenção‖, largamente utilizadas por Talcott Parsons, colocam-no
claramente no campo conservador do pensamento sociológico, alguém que via a política apenas como um instrumento de
garantia do bom andar do todo, jamais como instrumento da transformação. O pensamento parsoniano foi visto também como
expressão da sua época, especialmente os Estados Unidos dos anos de 1950-60. Além de ter sido testemunha da revolução
gerencial dos anos 20, ele, atingindo a maturidade intelectual no período do após-guerra, momento em que os Estados Unidos
viviam uma situação de estabilidade e cooperação (resultado do clima patriótico e das necessidades ideológicas da Guerra Fria),
fez por tornar inevitável que sua teoria privilegiasse a coesão, a adaptação, e a estabilidade familiar.
Esquema da visão funcionalista da sociedade
Adaptação (base material)
Integração (sistema educacional)
Objetivos a alcançar (sistema político)
Manutenção pela educação dos modelos culturais
(na família/pela elite do poder)
Talcott Parsons e o funcionalismo estrutural - As partes e o todo
As raízes mais remotas do funcionalismo nos remetem aos trabalhos do sociólogo inglês Herbert Spencer (18821903) e a do francês Emile Durkheim (1855-1917). Spencer, fortemente influenciado pela notável emergência das ciências
naturais, comparou as sociedades aos organismos vivos, tal como ocorre num organismo biológico qualquer, a ação de um só
parte do sistema social termina por alterar as outras partes do organismo social na sua totalidade. Para os funcionalistas, a
sociedade está constituída por subsistemas (estruturas) que operam (funcionam) de modo interdependente.Cada um dos
componentes do sistema, suas partes, tal como uma peça qualquer em relação a uma máquina, desempenham papéis que
visam contribuir para estabilidade e ordem social, por isso tal abordagem ou teoria é chamada de funcionalismo-estrutural. A
partir dessa visão totalizadora da sociedade, o passo seguinte é determinar os seus componentes básicos formados pela
economia, o sistema político, a família e o sistema educativo em geral, com seus valores e crenças bem definidos.
Elas todas são interdependentes e agem no sentido de preservar a sobrevivência do todo, não havendo
necessariamente uma hierarquia entre elas (para os marxistas por exemplo, o fator econômico é predominante) Para os
funcionalistas estes componentes atuam por interação, tendo capacidade de adaptação para enfrentar os imprevistos e as
exigências de mudanças que surgem aqui e acolá. Se por uma razão qualquer o sistema não apresentar a elasticidade
necessária, a qualidade de adaptar-se ao movimento, o sistema tornar-se-ia disfuncional (expressão criada por Robert Merton),
do mesmo modo que uma peça desgastada ou defeituosa põe em perigo o desempenho de um motor.
Síntese do Funcionalismo
O Sistema Social:
1. As peças que o compõem são mutuamente dependentes
2. Elas contribuem para o bom funcionar do sistema
3. eequilíbrio, ainda que sempre em movimento; o distúrbio induz a uma contra-reação para manter o equilíbrio manter o
equilíbrio
Propriedades do sistema a que as peças contribuem:
1. Adaptação (economia)
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 12
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
2. Integração (cortes de justiça; polícias; lei)
3. Manutenção do teste padrão e gerência da tensão (família; instrução; a cultura contribui ao para o compromisso do papel da
socialização)
4. Realização de objetivo (política)
A estratificação social é definida como:
"classificação diferenciada dos indivíduos humanos que compõem um sistema social dado e seu tratamento como superior ou
inferior relativo a um outro em determinadas situações sociais importantes"
(Parsons, Aproximação Analítica ao Estrato Social, p. 69)
Linha central fundamental da estratificação: atribuições versus realização:
1. O status atribuído: resultados do nascimento ou das qualidades biológicas hereditárias (por exemplo idade, sexo)
2. O status alcançado: resultado das ações pessoais (esforço, trabalho duro, talento)
Avaliação Moral
Expectativa feita na base da avaliação moral, tendo por resultado graus de respeito ou de desaprovação (status)
Seis bases da avaliação moral diferencial:
1. Sociedade na unidade do parentesco (pelo nascimento, pela união)
2. Qualidades pessoais (sexo, idade, beleza pessoal, valor e força da inteligência)
3. Realizações (resultado de ações do indivíduo)
4. Possessões (coisas materiais e não-materiais que pertencem a um individual e pode ser transferida)
5. Autoridade (reconhecimento institucional, direito legítimo para poder influenciar as ações de outras)
6. Poder (habilidade de influenciar outros e fixar possessões que não sancionadas institucionalmente)
Grupos de parentesco como unidades de estratificação
"o status da classe de um indivíduo é a sua classificação no sistema do estratificação. O que pode lhe ser atribuído em virtude
daqueles de seus laços de parentesco que o ligam a uma unidade na estrutura da classe" (77-8)
Dois aspectos dominantes da estratificação americana:
1. Ocupação: critérios universais; status conseguido; não determinado pelo nascimento; igualdade de oportunidade
2. Parentesco: status atribuído a alguém determinado pelo nascimento
Contradição entre a ocupação e o parentesco:
Parsons: "No sistema americano de estratificação, não permitia-se às mulheres competirem nos mesmos fundamentos de
igualdade para trabalhar como o que rege o dos homens; se não, isto ameaçaria a estabilidade da família, e da própria
sociedade" (esta observação de Talcott Parsons entende-se como feita antes do movimento feminista dos anos 60 iniciar a sua
luta pela aprovação da Emenda da Igualdade).
Instrumental contra papéis expressivos:
para Parsons tudo iria pelo melhor dos mundos se os papéis desempenhados pelo marido e pela mulher fossem adequados,
respeitando cada um sua esfera de atuação.
Assim:
1. Papéis instrumentais = homens = atuam pela família na parte externa; mundo ocupacional (trabalho, profissão); adaptação da
sociedade
2. Papéis expressivos = mulheres = atuam no interior da família: gerência da tensão na família; socialização das crianças.
Principais obras de T.Parsons
Structure of Social Action (1937)Social System (1952); Structure and Process in Modern Societies (1960); Sociological Theory
and Modern Society (1968); Politics and Social Structure (1969).
Pierre Bourdieu
Dados biográficos
1930: nascimento em Denguin (Pyrénées-Atlantiques) em 1º de agosto, de pai funcionário. Estudou em Pau, depois em
Paris (Louis-le-Grand e Escola Normal Superior). Graduado em Filosofia.
1955: estréia na carreira de professor, no liceu de Moulins, depois em faculdades de Argel, Paris e Lille.
A partir de 1964: diretor de Estudos da Escola Prática de Altos Estudos.
A partir de 1968: depois de pertencer à unidade de pesquisas dirigida por Raymond Aron, cria o Centro de Sociologia da
Educação e da Cultura, laboratório associado ao CNRS, que dirigirá até 1988.
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 13
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS – PROFESSOR RONALDO
A partir de 1975: diretor da revista "Actes de la recherche en sciences sociales".
A partir de 1981: titular da cátedra de Sociologia do Collège de France.
1993: Medalha de ouro do CNRS.
1995: apóia os grevistas de dezembro contra o "plano econômico Juppé". A partir daí, assume posições políticas com freqüência,
em textos publicados notadamente por sua editora, Líber/Raison d‘Agir.
A partir de 1996: preside, em 24 de novembro, em Paris, os "états généraux du mouvement social" [debates em defesa
da união das forças críticas e progressistas européias].
Pierre Bourdieu morre na noite do dia 23 de Janeiro, num hospital de Paris, em conseqüência de um cancro, aos 71 anos de
idade.
Um pequeno esboço de sua produção Sociologica
Um dos pontos mais originais da obra de Bourdieu reside na vontade de superar que ele chamava de "falsas
antinomias" da tradição sociológica – entre interpretação e, estrutura e história, liberdade e determinismo, indivíduo e sociedade,
objetivismo e subjetivismo. Pierre Bourdieu não era apenas um pesquisador excepcional, reconhecido pela comunidade
acadêmica internacional, mas um intelectual empenhado nas lutas sociais e no debate público, por meio de improváveis
conversões e mudanças bastante sinuosas, ancorou-se em um fiel compromisso com a ciência, com o institution-building
intelectual e com a justiça social. De um ponto de vista sociológico e acadêmico, Bourdieu teve uma trajetória improvável. Como
Raymond Aron gentilmente lembrou, Bourdieu foi uma exceção às leis de transmissão do capital cultural que ele mesmo
estabeleceu em seus livros iniciais (com Jean-Claude Passeron), Les héritiers: les étudiants et la culture (1964) e La
reproduction: élements pour une théorie du système d‘enseignement (1970; 1975): neto e filho de agricultores de uma província
periférica, ele chegou ao ápice da pirâmide cultural francesa e tornou-se o mais citado cientista social do mundo. Treinado para
juntar-se à alta casta dos filósofos, a espécie intelectual suprema na França da pós-Segunda Guerra, ele abraçou, ao contrário, a
Sociologia, uma disciplina então inferior e moribunda, ajudando a revitalizá-la e a renová-la, e cuja influência na esfera pública
ele propagou como ninguém. Bourdieu, além disso, também incorporou muitos de seus ensinamentos e de suas notáveis
inovações teóricas em sua própria prática de pesquisa e em sua produção científica. Sua perspectiva de que a ação social é
governada por disposições adquiridas pela imersão contínua em jogos sociais encontrou expressão em sua insistência e
habilidade para fundir trabalho teórico de alto nível com atividades prosaicas de investigação. Seu brado por uma ciência social
reflexiva capaz de controlar seus próprios vieses, bem como se manter independente de ―ritos de instituições‖ é exemplificado
em sua Leçon sur La leçon (1982; 1988b), uma vivisseção de sua aula , inaugural no Collège de France, e em Homo
academicus (1984), uma análise impiedosa dos determinantes sociais da produção intelectual da universidade francesa – e
portanto dele mesmo, como um acadêmico. Sua convicção de que o racionalismo é plenamente compatível com o historicismo e
dota a Sociologia de uma indispensável missão social é materializada nos variados, mas convergentes, escritos publicados nos
últimos anos, como nos livros Méditations pascaliennes: éléments pour une philosophie négative (1997a; 2001e) e Science de
la science ET reflexivité (2001c). Seu engajamento pessoal nas lutas sociais contra a globalização neoliberal e na defesa da
autonomia intelectual, dos desempregados, dos desabrigados e dos imigrantes ilegais pode ser lido em seus ensaios políticos
reunidos em Contre-feux (1 (1998a; 1998e) e 2 (2001b; 2001d)). Seu compromisso com o ―corporativismo do universal‖ é
amplamente manifesto em seus incansáveis esforços para disseminar os instrumentos do pensamento crítico e para criar um
―intelectual coletivo‖ capaz de fazer avançar uma Realpolitik transnacional da razão.
Os meios de Comunicação
Um dos principais alvos de crítica de Bourdieu, nos seus últimos anos de vida, foram os meios de comunicação, que
estariam, segundo ele, cada vez mais submetidos a uma lógica comercial inimiga da palavra, da verdade e dos significados reais
da vida. Era um crítico feroz do lixo cultural produzido pela média contemporânea. Na sua obra Questions aux vrais maîtres du
monde, afirmou: ―Esse poder simbólico que, na grande maioria das sociedades, era distinto do poder político ou econômico, hoje
está concentrado nas mãos das mesmas pessoas que detêm o controle dos grandes grupos de comunicação, quer dizer, que
controlam o conjunto dos instrumentos de produção e de difusão dos bens culturais."
Obras principais
1958: Sociologie de l'Algérie (Sociologia da Argélia)
1963: Travail et travailleurs en Algérie (Trabalho e trabalhadores na Argélia)
1964: Le Déracinement et Les Héritiers (O desenraizamento e Os herdeiros)
1966: L'Amour de l'art (O amor à arte)
1968: Le Métier de sociologue (O ofício de sociólogo)
1972: Théorie de la pratique (Teoria da prática)
1979: La Distinction (A Distinção – Crítica Social do Julgamento)
1982 : Ce que parler veut dire (O que falar quer dizer)
1984: Homo Academicus
1988: L'Ontologie politique de Martin Heidegger (A ontologia política de Martin Heidegger)
1989: La Noblesse d'Etat (A nobreza do Estado)
1993: La Misère du monde (A miséria do mundo)
1997: Méditations pascaliennes (Meditações pascalianas)
1998: Contre-feux (Raison d'agir éditions) e La Domination masculine (Contrafogos [Jorge Zahar] e A dominação masculina
[Editora Bertrand]
2000: Les Structures sociales de l'économie (As estruturas sociais da economia)
COLÉGIO ANGLO DE SETE LAGOAS : (31) 2106-1750
PROFESSOR RONALDO
Página 14
Download

Sociologia 1° Ano EM - 2° Semestre