Paulo Coelho
Começando aos 70 anos
Embora seja publicado em muitos países do mundo,
gostaria de dedicar esta coluna a um editor em especial: o
português Mário Moura, que no final dos anos 40 teve que sair
de sua pátria pois o seu envolvimento nas lutas estudantis
anti-salazaristas impediam um emprego em qualquer área
oficial, única possibilidade com a sua formação técnica.
Emigrou para Venezuela, Canadá, e em 1953 chega ao
Brasil. Trabalhando de free-lancer para a Fundação Getúlio
Vargas, completava seus rendimentos com traduções, o que o
levou para a atividade editorial; primeiro em duas editoras
de menor porte, depois criando sua própria empresa.
Entretanto, não é fácil ser editor. As dificuldades
são muitas, embora tenha publicado mais de dois mil títulos:
quando um amigo o convida para trabalhar em uma agência de
turismo, ele aceita, voltando 1988 para Portugal.
Mas a edição está em seu sangue. Em 1990 funda a
Editora Pergaminho, que dirige como atividade secundária, já
que a distribuição era tão precária que era impossível fazer
grandes apostas editoriais. Nesta mesma me procura: eu aceito
– afinal, é a minha primeira grande aventura fora do Brasil.
Mas os livros vendem menos de 3 mil cópias por ano.
Em 1994 tem sérios problemas com seu sócio na
agência de turismo. Mario decide romper com ele, e dedicar-se
exclusivamente à edição, embora tenha 70 anos de idade. O
problema de distribuição continua, e as coisas não andam.
Neste momento aparece um anjo na vida de Mário:
Ione França, uma brasileira que resolveu viver em Lisboa. Eu
não me lembro exatamente, mas Mario devia ter umas três ou
quatro pessoas trabalhando para ele, e vivia reclamando do
mercado português.
Ione pergunta: existe alguma outra maneira de
vender livros, além dos canais convencionais?
Mário diz que não. Ione, que costumava ir muito ao
correio, insiste que talvez devam colocar livros ali.
- Correio não vende livro.
- Já tentou?
Mário lhe dá carta branca: e Ione convence os
correios portugueses a dedicar um pequeno espaço para seus
títulos. Para que isso seja possível, investem uma quantidade
imensa de dinheiro em estantes de metal, elegantes e sólidas.
Ione pára para encher o tanque de seu carro em um
posto de gasolina, e volta para Mário:
- Postos de gasolina vendem livros?
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Mário diz que não – exigiria um esforço gigantesco
de distribuição.
- Então compramos carros e distribuímos nós mesmos.
Mais dinheiro em estantes, e uma quantia ainda
maior em dois carros. Ou é a falência completa, ou a
revolução editorial.
A idéia é simples e complexa ao mesmo tempo: já que
as pessoas não freqüentam muito as livrarias, por que não
tentar ir até onde elas estão? Nos anos seguintes, os livros
da Pergaminho passam a ser encontrados em lojas de perfume,
restaurantes de beira de estrada, academias de ginástica,
videoclubes.
Hoje em dia, a editora está vendendo cerca de um
milhão e duzentos mil exemplares por ano. Para fazer face à
demanda crescente, Mario Moura compra outras editoras. Mantem
a qualidade gráfica, e está sempre a um passo adiante do seu
tempo –os carros de distribuição passam a ser equipados do
que há de mais moderno em matéria de programas de computador,
de modo que o vendedor possa repor o estoque praticamente no
mesmo dia.
O que é extraordinário em toda esta história? Em
1990, quando o encontrei pela primeira vez, Mario Moura tinha
72 anos. Hoje...deixemos o cálculo para o leitor desta
coluna. Começou a viver de verdade sua Lenda Pessoal quando
muitos de seus amigos já estavam não apenas aposentados, mas
naquela fase em que reclamam de tudo na vida. Aceitou e
investiu nas idéias “loucas” de Ione, quando grande parte dos
editores se queixa de que ninguém lê.
Não acredita em Deus, mas acredita no ser humano, e
nisso reside a importância de sua história. O exemplo que nos
deu a todos, ao mostrar que nunca é tarde demais para viver
seus sonhos.
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