Evangelho segundo S. Mateus 6,1-6.16-18. – cf.par. Lc 11,2-4
«Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por
eles; de outro modo, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está no Céu. Quando,
pois, deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas,
nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: Já
receberam a sua recompensa. Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que
faz a tua direita, a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e teu Pai, que vê o oculto,
há-de premiar-te.» «Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé
nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já
receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e,
fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te.
«E, quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o
rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua
recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que o teu
jejum não seja conhecido dos homens, mas apenas do teu Pai que está presente no oculto; e o
teu Pai, que vê no oculto, há-de recompensar-te.»
São Leão Magno (?-c. 461), papa, doutor da Igreja
X Homilia para a Quaresma
“Rasgai os vossos corações, e não as vossas vestes” (Jl 2, 13)
Diz o Senhor: “Não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mt 9, 13). A nenhum cristão é,
pois, permitido odiar seja quem for, porque ninguém é salvo senão graças ao perdão dos
pecados. […] Que o povo de Deus seja, pois, santo e bom: santo, para se afastar daquilo que é
proibido, bom para realizar aquilo que é mandado. Grande coisa é certamente ter fé recta e
doutrina sagrada; louvável é reprimir a gula, ter uma doçura e uma castidade irrepreensíveis,
mas todas estas virtudes nada são sem a caridade. […]
Meus queridos, todos os tempos convêm para se realizar o bem da caridade, mas a Quaresma
convida-nos especialmente a fazê-lo. Aqueles que desejam acolher a Páscoa do Senhor com
santidade de espírito e de corpo devem esforçar-se, antes de mais, por adquirir esse dom que
contém a essência das virtudes e que “cobre a multidão dos pecados” (1 Ped 4, 8). Assim,
pois, agora que nos preparamos para celebrar o mistério que ultrapassa todos os outros, aquele
pelo qual o Sangue de Cristo apagou as nossas culpas, preparemos antes de mais os sacrifícios
da misericórdia. Concedamos àqueles que pecaram contra nós o que a bondade de Deus nos
concedeu a nós. Esqueçamos as injustiças, deixemos as culpas sem castigo, e que nenhum
daqueles que nos ofenderam receie ser pago da mesma moeda. […]
Todos sabemos que somos também pecadores e, a fim de recebermos o perdão pelos nossos
pecados, deve alegrar-nos o facto de termos a quem perdoar. Assim, quando dissermos,
seguindo o ensinamento do Senhor: “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós
perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6, 11), podemos estar seguros de obter a
misericórdia de Deus.
Santa Teresa Benedita da Cruz [Edith Stein] (1891-1942), carmelita, mártir, co-padroeira da
Europa
A oração da Igreja
“O teu Pai vê o que fazes no segredo”
Não se trata de conceber a oração interior, livre de todas as formas tradicionais, como uma
piedade simplesmente subjectiva, e de a opor à liturgia, que seria a oração objectiva da Igreja;
através de toda a verdadeira oração, alguma coisa se passa na Igreja e é a própria Igreja quem
reza, porque é o Espírito Santo que vive nela que, em cada alma única, “intercede por nós
com gemidos inefáveis” (Rom 8, 26). E essa é, justamente, a verdadeira oração, porque
“ninguém pode dizer ‘Jesus é o Senhor’ senão por influência do Espírito Santo” (1Cor 12, 3).
O que seria a oração da Igreja se não fosse a oferenda daqueles que, ardendo com grande
amor, se entregam ao Deus que é amor?
O dom de si a Deus, por amor e sem limites, e o dom divino que se recebe em troca, a união
plena e constante, é a mais alta elevação do coração que nos é acessível, o mais alto grau da
oração. As almas que o atingiram são, na verdade, o coração da Igreja; nelas vive o amor de
Jesus, sumo-sacerdote. Escondidas com Cristo em Deus (Col 3, 3), não podem deixar de fazer
irradiar para outros corações o amor divino de que estão cheias, concorrendo assim para o
cumprimento da unidade perfeita de todos em Deus, como era e continua a ser o grande
desejo de Jesus.
Santa Teresa Benedita da Cruz [Edith Stein] (1891-1942), carmelita, mártir, co-padroeira da
Europa
A Oração da Igreja
«Quando orares, entra para o quarto mais secreto»
Tudo é um para aqueles que chegaram à unidade profunda da vida divina: o descanso e a
acção, contemplar e agir, calar e falar, escutar e abrir-se, receber em si o dom de Deus e dar
amor em abundância nas acções de graças e no louvor [...] Temos de escutar em silêncio
durante horas, deixar a palavra divina dilatar-se em nós, incitando-nos a louvar a Deus na
oração e no trabalho.
Também as formas tradicionais nos são necessárias e devemos participar no culto público tal
como a Igreja o ordena, para que a nossa vida interior desperte, se mantenha no caminho
correcto e encontre a expressão que lhe convém. O louvor solene a Deus exige santuários na
Terra, para ser celebrado com a perfeição de que os homens são capazes. Daí, em nome da
Santa Igreja, subirá aos céus, e agirá sobre todos os seus membros, despertando-lhes a vida
interior e estimulando a sua força fraterna. Mas para que tal canto de louvor seja vivificado
desde o interior, é preciso também que haja nesses locais de oração tempos reservados ao
aprofundamento espiritual no silêncio; se não, tais louvores degenerarão em meros balbuceios
de lábios, desprovidos de vida. Graças à existência desses centros de vida interior, tal perigo é
afastado: as almas podem aí meditar diante de Deus no silêncio e na solidão, para que, no
coração da Igreja, sejam os cantores do amor que tudo vivifica.
Santo [Padre] Pio de Pietrelcina (1887-1968), capuchinho
GF 173; EP 3 (982-983)
“Fecha a porta e reza ao teu Pai que está presente no segredo”
Sê assíduo à oração e à meditação. Disseste-me que já tinhas começado. Isso é um enorme
consolo para um Pai que te ama como Ele te ama! Continua, pois, a progredir nesse exercício
de amor a Deus. Dá todos os dias um passo: de noite, à suave luz da lamparina, entre as
fraquezas e na secura de espírito; ou de dia, na alegria e na luminosidade que deslumbra a
alma […].
Se conseguires, fala ao Senhor na oração, louva-o. Se não conseguires, por não teres ainda
progredido o suficiente na vida espiritual, não te preocupes: fecha-te no teu quarto e põe-te na
presença de Deus. Ele ver-te-á e apreciará a tua presença e o teu silêncio. Depois, pegar-te-á
na mão, falará contigo, dará contigo cem passos pelas veredas do jardim que é a oração, onde
encontrarás consolo. Permanecer na presença de Deus com o simples fito de manifestar a
nossa vontade de nos reconhecermos como seus servidores é um excelente exercício
espiritual, que nos faz progredir no caminho da perfeição.
Quando estiv eres unido a Deus pela oração, examina quem és verdadeiramente; fala com Ele,
se conseguires; se te for impossível, detém-te, permanece diante dele. Em nada mais te
empenhes como nisso.
S. Máximo de Turim (? - cerca 420), bispo
Sermão 28
Quarenta dias que nos conduzem ao baptismo na morte e ressurreição de Cristo
“Ouvi-te no tempo favorável; socorri-te no dia da salvação” (Is 49,8). O apóstolo Paulo
continua a citação com as palavras: “É este o tempo favorável; é este o dia da salvação” (2Co
6,2). Também eu vos tomo por testemunhas, eis os dias da redenção, eis chegado de algum
modo o momento da cura espiritual; podemos aliviar todas as nódoas dos nossos vícios, todas
as feridas dos nossos pecados, se nós rogarmos constantemente ao médico das nossas almas,
se... não negligenciarmos nenhuma das suas prescrições...
O médico é nosso Senhor Jesus, que disse: “Sou eu que faço morrer; sou eu que faço viver”
(Dt 32,39). O Senhor começa por fazer morrer, depois torna a dar a vida. Pelo baptismo, ele
destrói em nós adultérios, homicídios, crimes e roubos; depois ele faz-nos reviver, como
homens novos, na imortalidade eterna. Nós morremos para os nossos pecados, evidentemente
pelo baptismo, retomamos a vida no Espírito da vida... Entreguemo-nos ao nosso médico com
paciência para recuperar a sa úde. Tudo o que ele tiver descoberto em nós de indigno, de
manchado pelo pecado, de corroído pelas úlceras, ele podá-lo-á, cortá-lo-á, retirá-lo-á, por
forma a que, uma vez eliminadas todas as feridas do demónio, só exista em nós o que é de
Deus.
Eis a primeira das suas prescrições: consagrar quarenta dias ao jejum, à oração, às vigílias. O
jejum cura a frouxidão, a oração alimenta a alma religiosa, as vigílias repelem as armadilhas
do diabo. Depois deste tempo consagrado a todas estas observâncias, a alma, purificada e
provada por tantos exercícios, chega ao baptismo. Ela retoma as forças mergulhando nas
águas do Espírito: tudo que tinha sido queimado pelas chamas das doenças renasce pelo
orvalho da graça do céu... Por um novo nascimento, renascemos outros.
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja
2º discurso sobre o Salmo 33
"Quando rezares, retira-te para o fundo da tua casa, fecha a porta e reza ao teu Pai que
vê o coulto"
Entrar no fundo da tua casa, é entrar no teu coração. Felizes os que se alegram por entrar no
seu próprio coração e nele não encontram nada de mal...
São de lamentar aqueles que, ao entrarem em sua casa, podem recear ser dela expulsos por
causa de duras disputas com os seus. Mas muito mais infelizes são aqueles que não ousam
sequer entrar na sua consciência, com medo de ser expulsos pelo remorso dos seus pecados.
Se queres entrar com prazer no teu coração, purifica-o. "Felizes os corações puros, porque
verão Deus" (Mt 5,8). Arranca do teu coração as nódoas da cupidez, as manchas da avareza, a
úlcera da superstição; arranca os sacrilégios, os maus pensamentos, os ódios, não só para com
os teus amigos mas mesmo para com os teus inimigos. Arranca tudo isso; depois, entra no teu
coração e nele serás feliz.
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África), doutor da Igreja
Explicação do sermão da montanha
“Reza a teu Pai em segredo”
“Quando rezardes, disse Jesus, entrai no vosso quarto”. Que quarto é este senão o próprio
coração, como o indica o salmo onde está escrito: “O que dizeis no vosso coração, no vosso
quarto arrependei-vos”? (Sl. 4,5) “E após ter fechado as portas, rezai, diz ele, a vosso Pai em
segredo”. Não chega entrar no seu quarto, se a porta continua aberta aos importunos; por esta
porta introduzem-se subrepticiamente as futilidades do exterior, que invadem o interior. Do
exterior, como dissemos, as realidades passageiras e sensíveis penetram pela porta, nos nossos
pensamentos, quer dizer pelos nossos sentidos e perturbam a nossa oração, por uma multidão
de fantasmas fúteis. Há pois que fechar a porta, o que quer dizer resistir aos sentidos, para que
uma oração toda espiritual suba até ao Pai, que brote do profundo do nosso coração, onde
rezamos ao Pai em segredo.
“E vosso Pai, diz ele, que vê no segredo te recompensará”. Esta devia ser a conclusão. O
Senhor não tem aqui a intenção de nos recomendar que rezemos mas de nos ensinar como
rezar; do mesmo modo mais acima não nos recomenda a esmola, mas o espírito no qual é
preciso fazê-lo, porque ele exige a pureza do coração que não se pode obter a não ser por uma
única intenção e sempre orientada para a vida eterna pelo único e puro amor da sabedoria.
Da Biblia Sagrada
S. Leão Magno (? - cerca de 461), papa e doutor da Igreja
Quarto Semão sobre a Quaresma
"É agora o dia favorável, é agora o dia da salvação" (2 Co 6,2)
"Eis que chegou o dia da salvação!" Na verdade, não há nenhum tempo que não esteja cheio
dos dons divinos; a graça de Deus providencia-nos constantemente o acesso à Sua
misericórdia. Contudo, é agora que todos os corações devem ser estimulados com maior ardor
e com mais confiança em ordem ao seu avanço espiritual, porque, ao aproximar-se a sua
comemoração, o dia em que fomos resgatados nos convida a todas as obras espirituais. Desse
modo, celebraremos, com o corpo e a alma purificados, o primeiro de todos os mistérios: o
sacramento da Páscoa do Senhor.
Tais mistérios exigiriam um esforço espiritual indefectível, de modo a que permanecêssemos
sempre, aos olhos de Deus, no estado em que deveria encontrar-nos a festa da Páscoa. Mas
esta virtude só habita num pequeno número de homens; para nós, que vivemos no meio das
actividades deste mundo, e por causa da fraqueza da carne, o zelo esmorece... Para devolver a
pureza às nossas almas, o Senhor preparou o remédio de um treino de quarenta dias, ao longo
dos quais as faltas do passado possam ser
Evangelho segundo S. Mateus 6,7-15.
Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam
que, por muito falarem, serão atendidos. Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste
sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes.» «Rezai, pois, assim:'Pai nosso, que estás
no Céu, santificado seja o teu nome, venha o teu Reino; faça-se a tua vontade, como no Céu,
assim também na terra. Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia; perdoa as nossas ofensas, como
nós perdoámos a quem nos tem ofendido; e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do
Mal.’ Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos
perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai
vos não perdoará as vossas.»
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja
Sermão 83
«Se perdoardes aos homens as suas faltas, vosso Pai celeste também vos perdoará»
Todo o homem é devedor para com Deus e todo o homem tem no seu irmão um devedor. De
facto, quem não tem dívidas para com Deus, à excepção de quem não se encontra em pecado?
E quem não teria o seu irmão por devedor, à excepção do que nunca foi ofendido por
ninguém? Todos os homens são portanto devedores e credores em simultâneo. […] Um
mendigo pede-te esmola e tu, tu és o mendigo de Deus, porque todos somos, quando Lhe
rezamos, os mendigos de Deus. Ficamos, ou melhor, prostramo-nos à porta do nosso Pai de
família (cf Lc 11,5s); suplicamos-Lhe lamentando-nos, desejosos de receber d’Ele uma graça,
e essa graça, é o próprio Deus. Que te pede o mendigo? Pão. E tu, que pedes tu a Deus que
não seja Cristo, Ele que disse: «Eu sou o pão vivo que desceu do céu» (Jo 6,51). Quereis ser
perdoados? Perdoai. «Perdoai, e ser-vos-á perdoado». Quereis receber? «Dai, e ser-vos-á
dado» (Lc 6,37). […]
Estejamos prontos para perdoar todas as faltas que cometerem contra nós, se queremos que
Deus nos perdoe. Sim, verdadeiramente, se considerarmos os nossos pecados e passarmos em
revista as faltas que cometemos, não sei se poderíamos adormecer sem sentir todo o peso da
nossa dívida. Eis porque em cada dia apresentamos a Deus os nossos pedidos, que em cada
dia as orações que fazemos Lhe chegam aos ouvidos, que em cada dia nos prostamos,
dizendo: «Perdoa as nossas dívidas como nós perdoamos a quem nos deve». Que dívidas
queres que te sejam perdoadas? Todas, ou uma parte? Vais responder: todas. Faz portanto o
mesmo para quem te está devedor.
Santa Teresa de Ávila (1515-1582), carmelita, doutora da Igreja
O Caminho da Perfeição
«Seja feita a tua vontade»
«Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu». Ó meu terno Mestre, que alegria para
mim que tu não tenhas feito depender o cumprimento da tua vontade de um querer tão
miserável como o meu!... Como seria infeliz, se tivesses querido que dependesse de mim que
a tua vontade se realizasse ou não. No presente, dou-te livremente a minha, embora seja no
momento em que este dom não é puramente desinteressado, porque uma longa experiência me
fez conhecer as vantagens deste abandono. Que imenso lucro, minhas amigas, mas por outro
lado, que imensa perda, se não realizamos o que oferecemos ao Senhor por este pedido do Pai
Nosso...
Quero portanto dizer-vos, ou lembrar-vos, qual é esta vontade. Não temam que vos sejam
dadas riquezas, ou prazeres, ou honras, nem todos os bens cá de baixo. Não nos tem assim tão
pouco amor! Leva em grande conta o presente que lhe oferecemos, e propõe-se recompensarvos bem, dado que desde esta vida vos dá o seu Reino... Vede, minhas filhas, o que Deus deu
ao seu Filho que amava acima de tudo; por isso podereis reconhecer qual é a sua vontade.
Sim, esses são os dons que ele nos dá neste mundo. Ele dá em proporção ao amor que tem por
cada um de nós..., tendo também em conta a coragem que vê em cada um e o amor que se tem
por ele. Quem ama muito, ele o reconhece capaz de muito sofrer por ele, e aquele que ama
pouco, de pouco sofrer. Por mim, estou persuadida que a medida da nossa força para levar
uma grande cruz ou uma pequena, é a medida do nosso amor...
Todos os meus conselhos neste livro têm um só objectivo: darmo-nos totalmente ao Criador,
submeter a nossa vontade à sua, desapegarmo-nos das criaturas; deveis ter compreendido a
grande importância, não digo mais nada. Indicarei apenas por que motivo o nosso bom Mestre
formula este pedido do Pai Nosso. É que ele sabe o grande benefício que é para nós fazer esta
vontade ao seu Pai eterno. Por ele nos dispomos a atingir rapidamente o objectivo da nossa
viagem e a refrescarmo-nos nas águas vivas da fonte de que falei. Mas, se não dermos
inteiramente a nossa vontade ao Senhor para que ele próprio cuide de tudo o que a nós se
refere, jamais ele nos permitirá que bebamos dela.
Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI]
Der Gott Jesu Christi
“Vós, porém, rezai assim: ‘Pai Nosso…’”
Sem Jesus, não sabemos verdadeiramente o que é um “Pai”. Foi na sua oração que isso se
tornou claro e esta oração pertence-lhe intrinsecamente. Um Jesus que não estivesse
perpetuamente mergulhado no Pai, ou que não estivesse em permanente comunicação com
Ele, seria um ser totalmente diferente do Jesus da Bíblia e do verdadeiro Jesus da História. A
sua vida parte do núcleo da oração; foi a partir dela que Ele compreendeu Deus, o mundo e os
homens. […]
Surge então uma nova questão: será esta comunicação […] também essencial ao Pai que Ele
invoca, de tal modo que também Ele fosse diferente se não fosse invocado sob este nome? Ou
trata-se de algo que apenas O aflora sem nele penetrar? A resposta é a seguinte: pertence ao
Pai dizer “Filho” como pertence a Jesus dizer “Pai”. Sem esta invocação, Ele próprio também
não seria Ele. Jesus não tem apenas um contacto exterior a Ele; é parte integrante do ser
divino de Deus, enquanto Filho. Antes mesmo de o mundo ser criado, Deus já é o Amor do
Pai e do Filho. E, se pode tornar-se nosso Pai e a medida de toda a paternidade, é porque Ele
próprio é Pai desde toda a eternidade. Na oração de Jesus, é pois a própria interioridade de
Deus que se torna visível; vemos como é Deus; a fé no Deus trinitário não é senão a
explicação daquilo que se passa na oração de Jesus. Nesta oração, a Trindade aparece em toda
a sua clareza. […]
Ser cristão significa, pois: participar na oração de Jesus, entrar no seu modelo de vida, ou seja,
no seu modelo de oração. Ser cristão significa: dizer “Pai” com Ele e tornar-se assim criança,
filho de Deus, na unidade do Espírito que nos faz ser nós próprios, agregando-nos à unidade
de Deus. Ser cristão significa: olhar o mundo a partir deste núcleo, tornando-se assim livre,
cheio de esperança, decidido e confiante.
Jean Tauler (c. 1300-1361), dominicano de Estrasburgo
Sermão 62
“Venha a nós o vosso reino”
Se olharmos com atenção, espantar-nos-á ver até que ponto o homem procura o seu bem
pessoal em todas as coisas, à custa dos outros homens, nas palavras, nas obras, nos dons, nos
serviços. Tem sempre em vista o seu bem pessoal: alegria, utilidade, glória, serviços a
receber, sempre alguma vantagem para si mesmo. Eis o que procuramos e perseguimos nas
criaturas, e mesmo no serviço a Deus. O homem vê apenas as coisas terrestres, à maneira da
mulher curvada de que nos fala o Evangelho, que permanecia inclinada para a terra, incapaz
de olhar as coisas do alto (Lc 13, 11). Nosso Senhor declara que “não podeis servir a dois
senhores, a Deus e às riquezas”, e prossegue: “procurai primeiro”, quer dizer antes de tudo e
acima de tudo, “o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6, 24. 33).
Analisai, pois, as profundezas que em vós se encontram, não procurando senão o Reino de
Deus e a sua justiça – ou seja, procurai apenas a Deus, que é o verdadeiro Reino, o reino que
desejamos e que todos os dias pedimos no Pai Nosso. O Pai Nosso é uma oração elevada e
poderosa; não sabeis o que pedis (Mc 10, 38); Deus é o seu próprio reino, o reino de todas as
criaturas racionais, o termo do seu movimento e das suas inspirações. O Reino que pedimos é
Deus, o próprio Deus, em toda a sua riqueza. […]
Quando o homem persevera nestas disposições, não procurando, não querendo, não desejando
senão a Deus, torna-se ele próprio o Reino de Deus, e Deus reina nele. O trono do seu coração
passa então a ser magnificamente ocupado pelo Rei eterno, que nele manda e o governa; a
sede deste Reino está no mais íntimo do fundo da sua alma.
Santa Teresa de Ávila (1515-1582), carmelita, doutora da Igreja
O Caminho da Perfeição
«Quando rezardes, dizei: ‘Pai’» (Lc 11,2)
“Pai nosso que estais nos céus”. Ó meu Senhor, como se vê bem que és o Pai de um Filho
assim, e como o teu Filho manifesta bem que é o Filho de um tal Pai! Bendito sejais para
sempre! Não teria esta frase sido um grande favor, Senhor, se a tivesses colocado no fim desta
oração? Ora, é desde o pricípio que a tua liberalidade é iluminada pelo dom de um tal
benefício. O noso espírito deveria estar tão repleto dele, e a nossa vontade tão impregnada,
que nos seria impossível pronunciar uma palavra. Ó minhas filhas, que este seja o lugar para
vos falar da contemplação perfeita! Como seria justo que a alma entrasse no interior de si
própria para se elevar acima de si mesma e aprender do Filho bendito, onde é esse lugar onde,
segundo a palavra, se encontra o seu Pai que está nos céus! …
Ó Filho de Deus, doce mestre! Desde esta primeira palavra…, tu te humilhas ao ponto de unir
os teus pedidos aos nossos… Não queres tu que o teu Pai nos olhe como seus filhos? … Dado
que é nosso Pai, de ve supotar-nos, apesar da gravidade das nossas ofensas. Ele deve perdoarnos assim que retornarmos a ele como o filho pródigo. Ele deve consolar-nos nas nossas
tribulações. Deve alimentar-nos, como é próprio de um tal Pai, porque ele é forçosamente
melhor que todos os pais que há aqui na terra, uma vez que ele possui necessariamente toda a
perfeição; e, mais do que tudo isto, deve tornar-nos participantes e co-herdeiros contigo, das
suas riquezas …
Ó meu Jesus, bem vejo que falaste como um Filho querido e por ti e por nós… E vós, minhas
filhas, não é então justo que agora, ao pronunciardes esta palavra: “Pai Nosso”, punhais nela
toda a vossa atenção para a compreenderdes, e o vosso coração se parta ao ver um amor assim
tão grande?
Beata Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade
Não há maior amor
A oração dos filhos de Deus
A oração, para ser fecunda, deve vir do coração e poder tocar o coração de Deus. Vê como
Jesus ensinou os discípulos a orar. Cada vez que pronunciamos o "Pai Nosso", Deus, creio eu,
olha para as suas mãos, onde nós estamos gravados: "Eu gravei-te na palma da minha mão (Is
49,16)" Contempla as suas mãos e vê-nos ali, aninhados nelas. Que maravilha a ternura de
Deus!
Rezemos, digamos o "Pai Nosso". Vivamo-lo e então seremos santos. Tudo está nele: Deus,
eu mesmo, o próximo. Se perdoo, posso ser santo, posso rezar. Tudo brota de um coração
humilde: tendo um coração assim, saberemos como amar a Deus, como nos amarmos a nós
mesmos, como amar o nosso próximo (Mt 22,37s). Não há aí nada de complicado e, contudo,
nós complicamos tanto as nossas vidas, agravando-as com tantas sobrecargas. Uma só coisa
conta: ser humilde e rezar. Quanto mais rezardes, melhor rezareis.
Uma criança não encontra qualquer dificuldade em exprimir a sua inteligência cândida em
termos simples que dizem muito. Não fez Jesus compreender a Nicodemos que era preciso
tornar-se como uma criança (Jo 3,3)? Se rezarmos segundo o Evangelho, permitiremos a
Cristo que cresça em nós. Reza, pois, com amor, à maneira das crianças, com o ardente desejo
de muito amar e de tornar amado aquele que o não é.
Santa Teresa Benedita da Cruz, (Edith Stein) (1891-1942), carmelita, mártir, co-padroeira da
Europa
A oração da Igreja
O Pai Nosso e a Eucaristia
Tudo aquilo de que temos necessidade para ser recebidos na comunhão dos espíritos bemaventuradas está resumido nos sete pedidos do Pai Nosso que o Senhor rezou, não em seu
próprio nome, mas para nos servir de exemplo. Nós dizemo-lo antes da sagrada comunhão e,
de cada vez que o rezamos com toda a sinceridade e com todo o nosso coração e recebemos a
sagrada comunhão na disposição duma alma recta, obtemos a satisfação de todos os nossos
pedidos.
Esta comunhão livra-nos do mal porque nos purifica de toda a ofensa cometida e porque nos
dá a paz de coração que arranca o seu aguilhão de todos os outros males. Dá-nos o perdão dos
pecados (veniais) cometidos e fortifica-nos contra as tentações. È ela própria o pão da vida, do
qual temos necessidade em cada dia, para crescer até à nossa entrada na vida eterna. Faz da
nossa vontade um instrumento dócil à vontade de Deus. Por meio dela cria em nós os
fundamentos do reino de Deus e purifica os nossos lábios e o nosso coração para que po
ssamos glorificar o santo Nome de Deus.
S. Cipriano (cerca de 200-258), bispo de Cartago, mártir
A Oração Dominical
“Vós pois, rezai assim: Pai Nosso...”
Antes de tudo, Jesus, o Doutor e Mestre da unidade, não quis que a oração fosse individual e
privada, de modo que ao rezar cada um não pedisse só por si. Não dizemos: “Meu Pai que
estás nos céus”; nem “dá-me o meu pão”. Cada um não pede que a dívida lhe seja descontada
somente a si, e não é só por si próprio que ele pede para não cair em tentação e de ser livrado
do mal. Para nós a oração é pública e comunitária; e quando rezamos, intercedemos não por
um só mas por todo o povo; porque nós, todo o povo, não somos um.
O Deus da paz e o Mestre da concórdia, que ensinou a unidade, quis que um só rezasse por
todos, tal como ele próprio sozinho tomou em si todos os homens. Os três jovens Hebreus
presos na fornalha ardente observaram esta lei da oração (cf Dan 3,15). Os apóstolos e os
discípulos, depois da Ascensão do Senhor rezaram deste modo. “Todos num mesmo coração
perseveravam na oração, com as mulheres, com Maria mãe de Jesus, e com os seus irmãos”
(Ac 1,14). Num mesmo coração, eles perseveravam na oração; pelo seu fervor e pelo seu
amor mutuo, testemunhavam que Deus, que faz os homens unânimes habitar numa mesma
casa, só admite na sua morada eterna aqueles cuja oração traduz a união das almas (cf Sl
67,7).
Irmãos bem amados, desde que chamamos Deus “Pai”, devemos saber e recordarmos que
devemos agir como filhos de Deus; se nos regozijamos de ter Deus por Pai, que ele se
regozije de nos ter por filhos.
S. Francisco de Assis (1182-1226), fundador dos Frades Menores
Paráfrase do Pai Nosso
"Senhor, ensina-nos a rezar" (Lc 11,1)
"Pai nosso", fonte de santidade,
nosso Criador, nosso Redentor, nosso Salvador e nosso Consolador.
"Que estás nos céus",
nos anjos e nos santos, iluminando-os para que eles te conheçam, porque Tu, Senhor, és a luz;
inflamando-os para que eles te amem, porque Tu, Senhor, és o amor;
habitando neles e enchendo-os da tua divindade para que eles tenham a felicidade, porque Tu,
Senhor, és o bem soberamo, o bem eterno, do qual vem todo o bem, sem o qual não há
qualquer bem.
"Santificado seja o teu nome":
que se torna cada dia mais luminoso em nós o conhecimento que temos de Ti,
a fim de que possamos medir a largura dos Teus benefícios, o comprimento das Tuas
promessas, a altura da Tua majestade, a profundidade dos Teus juízos (Ef 3, 18).
"Venha a nós o teu reino":
Reina em nós, desde já, pela graça:
introduz-nos um dia no Teu Reino,
onde Te veremos enfim sem qualquer véu,
onde se tornará perfeito o nosso amor por Ti,
onde será feliz a nossa união contigo e eterno o nosso gozo de Ti.
"Seja feita a tua vontade, assim na terra como no Céu":
Que nós Te amemos (Mc 12,30)
com todo o nosso coração, pensando sempre em ti,
com toda a nossa alma, desejando-te sempre,
com todo o nosso espírito, dirigindo para Ti todos os nossos anseios e procurando sempre e
apenas a Tua glória,
com todas as nossas forças, gastando todas as nossas energias e todos os sentidos da nossa
alma e do nosso corpo ao serviço do Teu amor e só do Teu amor.
Que nós amemos o próximo como a nós mesmos,
atraindo-os todos ao Teu amor, com todas as nossas forças,
partilhando a sua felicidade como se fosse a nossa,
ajudando-os a suportar as suas infelicidades
e não lhes fazendo nenhuma ofensa.
Evangelho segundo S. Mateus 6,19-23.
«Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões
arrombam os muros, a fim de os roubar. Acumulai tesouros no Céu, onde a traça e a ferrugem
não corroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois, onde estiver o teu tesouro, aí
estará também o teu coração. A lâmpada do corpo são os olhos; se os teus olhos estiverem
sãos, todo o teu corpo andará iluminado. Se, porém, os teus olhos estiverem doentes, todo o
teu corpo andará em trevas. Portanto, se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão
essas trevas!
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja
Sermão 123
“Arrecadai tesouros no céu”
Tu, o que és? Rico ou pobre? Muitos me dizem: eu sou pobre, e dizem a verdade. Vejo pobres
que possuem alguma coisa; vejo alguns que são completamente indigentes. Mas aqui está um
em cuja casa abunda o ouro e a prata – oh! se ele soubesse como é pobre! Reconhecê-lo-ia se
olhasse o pobre que está perto dele. Aliás, seja qual for a tua opulência, tu que és rico, não
passas de um mendigo à porta de Deus.
Eis a hora da oração… Fazes os pedidos; o pedido não é ele uma confissão da tua pobreza?
Com efeito, tu dizes: “O pão-nosso de cada dia nos dai hoje”. Portanto, tu que pedes o teu pão
quotidiano, és tu rico ou pobre? E contudo, Cristo não tem medo de dizer: “Dá-me o que eu te
dei. De facto, que é que tu trouxeste ao vir a este mundo? Tudo o que encontraste na criação,
fui eu que o criei. Tu não trouxeste nada, não levarás nada. Porque não me dás o que é meu?
Tu estás na abundância e o pobre na necessidade, mas remonta ao início da vossa existência:
ambos nasceram completamente nus. Mesmo tu, tu nasceste nu. Em seguida tu encontraste
aqui em baixo grandes bens; mas trouxeste por acaso alguma coisa contigo? Peço pois o que
dei; dá e eu restituir-te-ei”.
“Tu tens-me por benfeitor; torna-me o teu devedor, a uma taxa elevada… Dás-me pouco,
restituir-te-ei muito. Tu dás-me os bens deste mundo, eu dar-te-ei os tesouros do céu. Tu dásme riquezas temporais, eu instar-te-ei sobre as posses eternas. Dar-te-ei a ti, quando eu tiver
tomado posse de ti”.
Santo Ambrósio ( c. 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja
Sur Nabaoth
«Não acumuleis tesouros na terra;... acumulai tesouros no céu»
Tu que escondes o teu ouro na terra (Mt 25, 25), és o seu servo, não o senhor. Lá onde estiver
o teu tesouro, está também o teu coração. Nesse ouro, foi portanto o teu coração que
enterraste. Vende antes o ouro e compra a tua salvação; vende o mineral e adquire o Reino de
Deus, vende o campo e volta a comprar para ti a vida eterna.
Dizendo isto, digo a verdade, pois me apoio na própria palavra dAquele que é a Verdade: «Se
queres ser perfeito, vende tudo quanto possuis e dá o dinheiro aos pobres. Construirás assim
um tesouro no céu» (Mt 19,21). Não te entristeças de ouvir estas palavras, com medo que te
seja dita a mesma palavra que ao jovem rico: « Como é difícil àqueles que possuem alguns
bens entrar no Reino de Deus» (Mt 19,23).
Considera antes, ao leres esta frase, que a morte pode arrancar-te esses bens, que a violência
de um poderoso pode roubar-tos. No fim de contas só terás tido em vista bens minúsculos em
vez de grandes riquezas; são só tesouros de dinheiro em vez d e tesouros de graça. Por isso
mesmo, são corruptíveis, em lugar de permanecerem para sempre.
S. Vicente de Paulo (1581-1660), fundador de comunidades religiosas
Conferência sobre a indiferença, 16 de Maio 1659
«Onde está o teu tesouro, aí está o teu coração»
Onde está o coração amante? Nas coisas que ele ama – por conseguinte, onde está o nosso
amor, está cativo o nosso coração. Não pode sair, não pode elevar-se mais alto, não pode ir
para a esquerda nem para a direita; está parado. Onde está o tesouro do avarento, aí está o seu
coração; e onde está o nosso coração, aí está o nosso tesouro.
E um nada, uma imaginação, uma palavra seca que nos disseram, uma falta de acolhimento
caloroso, uma pequena recusa, apenas o pensamento de que não nos têm em grande conta –
tudo isso nos fere e nos indispõe de um modo que não podemos vencer! O amor próprio nos
liga a essas feridas imaginárias, que não saberíamos tirar, estão sempre presentes, e porquê? É
porque se está cativo dessa paixão. Que é que nos prende? Estamos nós na «liberdade dos
filhos de Deus»? (Rom 8,21) Ou estamos ligados aos bens, aos caprichos, ás honras?
Ó Salvador, abriste-nos a porta da liberdade, ensinaste-nos a encontrá-la. Faz-nos conhecer a
importância deste privilégio, faz-nos recorrer a vós para aí chegarmos. Ilumina-nos, meu
Salvador, para ver a que é que estamos apegados, e põe-nos, se for do teu agrado, na liberdade
dos filhos de Deus.
Evangelho segundo S. Mateus 6,24-34. – cf.par. Lc 16,13; 12,22-32
Ninguém pode servir a dois senhores: ou não gostará de um deles e estimará o outro, ou se
dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.» «Por isso vos
digo: Não vos inquieteis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer ou beber, nem
quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir. Porventura não é a vida mais do que o
alimento, e o corpo mais do que o vestido? Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam
nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai celeste alimenta-as. Não valeis vós mais do que
elas? Qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração de sua
vida? Porque vos preocupais com o vestuário? Olhai como crescem os lírios do campo: não
trabalham nem fiam! Pois Eu vos digo: Nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu
como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã
será lançada ao fogo, como não fará muito mais por vós, homens de pouca fé? Não vos
preocupeis, dizendo: 'Que comeremos, que beberemos, ou que vestiremos?’ Os pagãos, esses
sim, afadigam-se com tais coisas; porém, o vosso Pai celeste bem sabe que tendes necessidade
de tudo isso. Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por
acréscimo. Não vos preocupeis, portanto, com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã já terá
as suas preocupações. Basta a cada dia o seu problema.»
São Siluane (1866-1938), monge ortodoxo
Escritos
«Não vos inquieteis quanto à vossa vida»
O Senhor disse aos seus discípulos: «Dou-vos a Minha paz» (Jo 14, 27). É a Deus que temos
de pedir esta paz de Cristo, e o Senhor a dará a quem Lha pedir. E, quando a recebermos,
devemos velar santamente por ela, e fazê-la crescer.
Aquele que, nas suas aflições, não se abandona à vontade de Deus não poderá conhecer a
misericórdia de Deus. Se fores atingido pela infelicidade, não te deixes abater; recorda-te de
que o Senhor te olha com bondade. Não admitas este pensamento: «Poderá o Senhor olhar
para mim, agora que O ofendi?», porque o Senhor é a bondade por natureza. Mas volta-te com
fé para Deus, e diz-Lhe o que diz o filho pródigo do Evangelho: «Já não mereço ser chamado
teu filho» (Lc 15, 21). Verás então quão querido és pelo Pai, e a tua alma conhecerá uma
alegria indescritível.
Catecismo da Igreja Católica
§ 302-305
"Não vos preocupeis tanto com a vossa vida"
A criação tem a sua bondade e a sua perfeição próprias, mas não saiu totalmente
acabada das mãos do Criador. Foi criada «em estado de caminho» («in statu viae»)
para uma perfeição última ainda a atingir e a que Deus a destinou. Chamamos divina
Providência às disposições pelas quais Deus conduz a sua criação em ordem a essa
perfeição...
É unânime, a este respeito, o testemunho da Escritura: a solicitude da divina
Providência é concreta e imediata, cuida de tudo, desde os mais insignificantes
pormenores até aos grandes acontecimentos do mundo e da história. Os livros santos
afirmam, com veemência, a soberania absoluta de Deus no decurso dos
acontecimentos: «Tudo quanto Lhe aprouve, o nosso Deus o fez, no céu e na terra»
(Sl 115, 3); e de Cristo se diz: «que abre e ninguém fecha, e fecha e ninguém abre»
(Ap 3, 7); «há muitos projectos no coração do homem, mas é a vontade do Senhor
que prevalece» (Pr 19, 21)...
Jesus reclama um abandono filial à Providência do Pai celeste, que cuida das mais
pequenas necessidades dos seus filhos: «Não vos inquieteis, dizendo: Que havemos
de comer? Que havemos de beber? [...] Bem sabe o vosso Pai celeste que precisais de
tudo isso. Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e tudo o mais vos será
dado por acréscimo» (Mt 6, 31-33).
„Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça“ - Mt 6,33
1. Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça / e tudo mais vos será acrescentado /
aleluia, aleluia!
2. Não só de pão o homem viverá, / mas de toda palavra que procede da boca de Deus /
aleluia, aleluia!
3. Se vos perseguem por causa de Mim, / não esqueçais o porquê / não é o servo maior
que o Senhor / aleluia, aleluia!
M. Frankreich - Cantemos ….. n° 444
S. Serafim de Sarov (1759-1833), monge russo
Conversa com Motovilov
"Procurai primerio o seu Reino e a sua justiça e tudo o mais vos será dado por
acréscimo"
[S. Serafim e Molovilov encontram-se mergulhados numa grande luz e numa grande
suavidade. Serafim diz-lhe:] Meu amigo, os homens foram criados para que a graça divina
habite no mais profundo de nós, no nosso coração. O Senhor disse: "O Reino dos céus está
dentro de vós" (Lc 17,21). Por Reino dos céus, Ele entende a graça do Espírito Santo; esse
Reino de Deus está em nós dois neste momento. O Espírito Santo ilumina-nos e aquece-nos;
enche o ar com os seus perfumes, alegra os nossos sentidos e inunda os nossos corações com
uma alegria inefável. Experimentamos o que diz o apóstolo Paulo: "O Reino de Deus não é o
comer e o beber, mas a justiça, a paz e a alegria, pelo Espírito Santo" (Rm 14,17)... Vê, amigo
de Deus, que alegria incomparável se dignou conceder-nos o Senhor. Vê o que é estar "na
plenitude do Espírito Santo"... Humildes como somos, o Senhor encheu-nos com a plenitude
do Seu Espírito. Parece-me que, a partir de agora, já não me interrogarás mais acerca da forma
como se manifesta no homem a presença da graça do Espírito Santo...
Quanto aos nossos estados diferentes, de monge e de leigo, não te preocupes. Deus procura
antes de tudo um coração cheio de fé n'Ele e no seu Filho único, em resposta à qual Ele envia
do alto a graça do Espírito Santo. O Senhor procura um coração cheio de amor para com Ele e
para com o próximo - esse é o trono em que Ele gosta de se sentar e onde aparece na plenitude
da sua glória. "Filho, dá-me o teu coração, e o resto dar-te-ei por acréscimo" (Pr 23,26). O
coração do homem é capaz de conter o Reino dos Céus. "Procurai primeiro o Reino dos Céus
e a sua verdade, diz o Senhor aos seus discípulos, e o resto ser-vos-á dado por acréscimo,
porque Deus vosso Pai sabe que disso tendes necessidade".
Santo Inácio de Loyola (1491-1556), fundador dos Jesuitas
Exercícios Espirituais
Tudo o mais vos será dado por acréscimo
Contemplação para obter o amor:
É bom notar, antes de mais, que o amor consiste numa comunicação mútua. Quer dizer, que o
amante dá e comunica ao amado o seu bem...; e vice-versa, o amado ao amante...
Como preâmbulo, pedir o que quero será aqui pedir um conhecimento interior de todo o bem
recebido, para que, reconhecendo-o plenamente, eu possa amar em tudo a Sua divina
Majestade.
O primeiro ponto é rememorar todos os bens recebidos: criação, redenção e dons particulares.
Pesar com muito amor quanto Deus Nosso Senhor fez por mim, quanto Ele me deu do que
tem; em seguida, quanto o Senhor deseja dar-me de Si próprio a mim, dentro do que pode de
acordo com o Seu projecto divino. Reflectir então em mim próprio e considerar o que com
toda a razão e justiça devo, pelo meu lado, oferecer e dar à Sua divina Majestade todos os
meus bens, e eu com eles, como qualquer um que faz uma oferenda num grande amor:
«Toma, Senhor, e recebe toda a minha liberdade, a minha memória, a minha inteligência, e
toda a minha vontade, tudo o que tenho, tudo o que possuo. Tu deste-mo; a Ti o restituo. Tudo
é Teu; dispõe de tudo segundo a Tua inteira vontade. Dá-me o Teu amor e a Tua graça; é
quanto basta para mim.»
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Evangelho segundo S. Mateus 6,1-6.16-18.