Evangelho segundo S. Mateus 6,1-6.16-18. – cf.par. Lc 11,2-4 «Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles; de outro modo, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está no Céu. Quando, pois, deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-te.» «Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te. «E, quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que o teu jejum não seja conhecido dos homens, mas apenas do teu Pai que está presente no oculto; e o teu Pai, que vê no oculto, há-de recompensar-te.» São Leão Magno (?-c. 461), papa, doutor da Igreja X Homilia para a Quaresma “Rasgai os vossos corações, e não as vossas vestes” (Jl 2, 13) Diz o Senhor: “Não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mt 9, 13). A nenhum cristão é, pois, permitido odiar seja quem for, porque ninguém é salvo senão graças ao perdão dos pecados. […] Que o povo de Deus seja, pois, santo e bom: santo, para se afastar daquilo que é proibido, bom para realizar aquilo que é mandado. Grande coisa é certamente ter fé recta e doutrina sagrada; louvável é reprimir a gula, ter uma doçura e uma castidade irrepreensíveis, mas todas estas virtudes nada são sem a caridade. […] Meus queridos, todos os tempos convêm para se realizar o bem da caridade, mas a Quaresma convida-nos especialmente a fazê-lo. Aqueles que desejam acolher a Páscoa do Senhor com santidade de espírito e de corpo devem esforçar-se, antes de mais, por adquirir esse dom que contém a essência das virtudes e que “cobre a multidão dos pecados” (1 Ped 4, 8). Assim, pois, agora que nos preparamos para celebrar o mistério que ultrapassa todos os outros, aquele pelo qual o Sangue de Cristo apagou as nossas culpas, preparemos antes de mais os sacrifícios da misericórdia. Concedamos àqueles que pecaram contra nós o que a bondade de Deus nos concedeu a nós. Esqueçamos as injustiças, deixemos as culpas sem castigo, e que nenhum daqueles que nos ofenderam receie ser pago da mesma moeda. […] Todos sabemos que somos também pecadores e, a fim de recebermos o perdão pelos nossos pecados, deve alegrar-nos o facto de termos a quem perdoar. Assim, quando dissermos, seguindo o ensinamento do Senhor: “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6, 11), podemos estar seguros de obter a misericórdia de Deus. Santa Teresa Benedita da Cruz [Edith Stein] (1891-1942), carmelita, mártir, co-padroeira da Europa A oração da Igreja “O teu Pai vê o que fazes no segredo” Não se trata de conceber a oração interior, livre de todas as formas tradicionais, como uma piedade simplesmente subjectiva, e de a opor à liturgia, que seria a oração objectiva da Igreja; através de toda a verdadeira oração, alguma coisa se passa na Igreja e é a própria Igreja quem reza, porque é o Espírito Santo que vive nela que, em cada alma única, “intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rom 8, 26). E essa é, justamente, a verdadeira oração, porque “ninguém pode dizer ‘Jesus é o Senhor’ senão por influência do Espírito Santo” (1Cor 12, 3). O que seria a oração da Igreja se não fosse a oferenda daqueles que, ardendo com grande amor, se entregam ao Deus que é amor? O dom de si a Deus, por amor e sem limites, e o dom divino que se recebe em troca, a união plena e constante, é a mais alta elevação do coração que nos é acessível, o mais alto grau da oração. As almas que o atingiram são, na verdade, o coração da Igreja; nelas vive o amor de Jesus, sumo-sacerdote. Escondidas com Cristo em Deus (Col 3, 3), não podem deixar de fazer irradiar para outros corações o amor divino de que estão cheias, concorrendo assim para o cumprimento da unidade perfeita de todos em Deus, como era e continua a ser o grande desejo de Jesus. Santa Teresa Benedita da Cruz [Edith Stein] (1891-1942), carmelita, mártir, co-padroeira da Europa A Oração da Igreja «Quando orares, entra para o quarto mais secreto» Tudo é um para aqueles que chegaram à unidade profunda da vida divina: o descanso e a acção, contemplar e agir, calar e falar, escutar e abrir-se, receber em si o dom de Deus e dar amor em abundância nas acções de graças e no louvor [...] Temos de escutar em silêncio durante horas, deixar a palavra divina dilatar-se em nós, incitando-nos a louvar a Deus na oração e no trabalho. Também as formas tradicionais nos são necessárias e devemos participar no culto público tal como a Igreja o ordena, para que a nossa vida interior desperte, se mantenha no caminho correcto e encontre a expressão que lhe convém. O louvor solene a Deus exige santuários na Terra, para ser celebrado com a perfeição de que os homens são capazes. Daí, em nome da Santa Igreja, subirá aos céus, e agirá sobre todos os seus membros, despertando-lhes a vida interior e estimulando a sua força fraterna. Mas para que tal canto de louvor seja vivificado desde o interior, é preciso também que haja nesses locais de oração tempos reservados ao aprofundamento espiritual no silêncio; se não, tais louvores degenerarão em meros balbuceios de lábios, desprovidos de vida. Graças à existência desses centros de vida interior, tal perigo é afastado: as almas podem aí meditar diante de Deus no silêncio e na solidão, para que, no coração da Igreja, sejam os cantores do amor que tudo vivifica. Santo [Padre] Pio de Pietrelcina (1887-1968), capuchinho GF 173; EP 3 (982-983) “Fecha a porta e reza ao teu Pai que está presente no segredo” Sê assíduo à oração e à meditação. Disseste-me que já tinhas começado. Isso é um enorme consolo para um Pai que te ama como Ele te ama! Continua, pois, a progredir nesse exercício de amor a Deus. Dá todos os dias um passo: de noite, à suave luz da lamparina, entre as fraquezas e na secura de espírito; ou de dia, na alegria e na luminosidade que deslumbra a alma […]. Se conseguires, fala ao Senhor na oração, louva-o. Se não conseguires, por não teres ainda progredido o suficiente na vida espiritual, não te preocupes: fecha-te no teu quarto e põe-te na presença de Deus. Ele ver-te-á e apreciará a tua presença e o teu silêncio. Depois, pegar-te-á na mão, falará contigo, dará contigo cem passos pelas veredas do jardim que é a oração, onde encontrarás consolo. Permanecer na presença de Deus com o simples fito de manifestar a nossa vontade de nos reconhecermos como seus servidores é um excelente exercício espiritual, que nos faz progredir no caminho da perfeição. Quando estiv eres unido a Deus pela oração, examina quem és verdadeiramente; fala com Ele, se conseguires; se te for impossível, detém-te, permanece diante dele. Em nada mais te empenhes como nisso. S. Máximo de Turim (? - cerca 420), bispo Sermão 28 Quarenta dias que nos conduzem ao baptismo na morte e ressurreição de Cristo “Ouvi-te no tempo favorável; socorri-te no dia da salvação” (Is 49,8). O apóstolo Paulo continua a citação com as palavras: “É este o tempo favorável; é este o dia da salvação” (2Co 6,2). Também eu vos tomo por testemunhas, eis os dias da redenção, eis chegado de algum modo o momento da cura espiritual; podemos aliviar todas as nódoas dos nossos vícios, todas as feridas dos nossos pecados, se nós rogarmos constantemente ao médico das nossas almas, se... não negligenciarmos nenhuma das suas prescrições... O médico é nosso Senhor Jesus, que disse: “Sou eu que faço morrer; sou eu que faço viver” (Dt 32,39). O Senhor começa por fazer morrer, depois torna a dar a vida. Pelo baptismo, ele destrói em nós adultérios, homicídios, crimes e roubos; depois ele faz-nos reviver, como homens novos, na imortalidade eterna. Nós morremos para os nossos pecados, evidentemente pelo baptismo, retomamos a vida no Espírito da vida... Entreguemo-nos ao nosso médico com paciência para recuperar a sa úde. Tudo o que ele tiver descoberto em nós de indigno, de manchado pelo pecado, de corroído pelas úlceras, ele podá-lo-á, cortá-lo-á, retirá-lo-á, por forma a que, uma vez eliminadas todas as feridas do demónio, só exista em nós o que é de Deus. Eis a primeira das suas prescrições: consagrar quarenta dias ao jejum, à oração, às vigílias. O jejum cura a frouxidão, a oração alimenta a alma religiosa, as vigílias repelem as armadilhas do diabo. Depois deste tempo consagrado a todas estas observâncias, a alma, purificada e provada por tantos exercícios, chega ao baptismo. Ela retoma as forças mergulhando nas águas do Espírito: tudo que tinha sido queimado pelas chamas das doenças renasce pelo orvalho da graça do céu... Por um novo nascimento, renascemos outros. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja 2º discurso sobre o Salmo 33 "Quando rezares, retira-te para o fundo da tua casa, fecha a porta e reza ao teu Pai que vê o coulto" Entrar no fundo da tua casa, é entrar no teu coração. Felizes os que se alegram por entrar no seu próprio coração e nele não encontram nada de mal... São de lamentar aqueles que, ao entrarem em sua casa, podem recear ser dela expulsos por causa de duras disputas com os seus. Mas muito mais infelizes são aqueles que não ousam sequer entrar na sua consciência, com medo de ser expulsos pelo remorso dos seus pecados. Se queres entrar com prazer no teu coração, purifica-o. "Felizes os corações puros, porque verão Deus" (Mt 5,8). Arranca do teu coração as nódoas da cupidez, as manchas da avareza, a úlcera da superstição; arranca os sacrilégios, os maus pensamentos, os ódios, não só para com os teus amigos mas mesmo para com os teus inimigos. Arranca tudo isso; depois, entra no teu coração e nele serás feliz. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África), doutor da Igreja Explicação do sermão da montanha “Reza a teu Pai em segredo” “Quando rezardes, disse Jesus, entrai no vosso quarto”. Que quarto é este senão o próprio coração, como o indica o salmo onde está escrito: “O que dizeis no vosso coração, no vosso quarto arrependei-vos”? (Sl. 4,5) “E após ter fechado as portas, rezai, diz ele, a vosso Pai em segredo”. Não chega entrar no seu quarto, se a porta continua aberta aos importunos; por esta porta introduzem-se subrepticiamente as futilidades do exterior, que invadem o interior. Do exterior, como dissemos, as realidades passageiras e sensíveis penetram pela porta, nos nossos pensamentos, quer dizer pelos nossos sentidos e perturbam a nossa oração, por uma multidão de fantasmas fúteis. Há pois que fechar a porta, o que quer dizer resistir aos sentidos, para que uma oração toda espiritual suba até ao Pai, que brote do profundo do nosso coração, onde rezamos ao Pai em segredo. “E vosso Pai, diz ele, que vê no segredo te recompensará”. Esta devia ser a conclusão. O Senhor não tem aqui a intenção de nos recomendar que rezemos mas de nos ensinar como rezar; do mesmo modo mais acima não nos recomenda a esmola, mas o espírito no qual é preciso fazê-lo, porque ele exige a pureza do coração que não se pode obter a não ser por uma única intenção e sempre orientada para a vida eterna pelo único e puro amor da sabedoria. Da Biblia Sagrada S. Leão Magno (? - cerca de 461), papa e doutor da Igreja Quarto Semão sobre a Quaresma "É agora o dia favorável, é agora o dia da salvação" (2 Co 6,2) "Eis que chegou o dia da salvação!" Na verdade, não há nenhum tempo que não esteja cheio dos dons divinos; a graça de Deus providencia-nos constantemente o acesso à Sua misericórdia. Contudo, é agora que todos os corações devem ser estimulados com maior ardor e com mais confiança em ordem ao seu avanço espiritual, porque, ao aproximar-se a sua comemoração, o dia em que fomos resgatados nos convida a todas as obras espirituais. Desse modo, celebraremos, com o corpo e a alma purificados, o primeiro de todos os mistérios: o sacramento da Páscoa do Senhor. Tais mistérios exigiriam um esforço espiritual indefectível, de modo a que permanecêssemos sempre, aos olhos de Deus, no estado em que deveria encontrar-nos a festa da Páscoa. Mas esta virtude só habita num pequeno número de homens; para nós, que vivemos no meio das actividades deste mundo, e por causa da fraqueza da carne, o zelo esmorece... Para devolver a pureza às nossas almas, o Senhor preparou o remédio de um treino de quarenta dias, ao longo dos quais as faltas do passado possam ser Evangelho segundo S. Mateus 6,7-15. Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes.» «Rezai, pois, assim:'Pai nosso, que estás no Céu, santificado seja o teu nome, venha o teu Reino; faça-se a tua vontade, como no Céu, assim também na terra. Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia; perdoa as nossas ofensas, como nós perdoámos a quem nos tem ofendido; e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Mal.’ Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas.» Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja Sermão 83 «Se perdoardes aos homens as suas faltas, vosso Pai celeste também vos perdoará» Todo o homem é devedor para com Deus e todo o homem tem no seu irmão um devedor. De facto, quem não tem dívidas para com Deus, à excepção de quem não se encontra em pecado? E quem não teria o seu irmão por devedor, à excepção do que nunca foi ofendido por ninguém? Todos os homens são portanto devedores e credores em simultâneo. […] Um mendigo pede-te esmola e tu, tu és o mendigo de Deus, porque todos somos, quando Lhe rezamos, os mendigos de Deus. Ficamos, ou melhor, prostramo-nos à porta do nosso Pai de família (cf Lc 11,5s); suplicamos-Lhe lamentando-nos, desejosos de receber d’Ele uma graça, e essa graça, é o próprio Deus. Que te pede o mendigo? Pão. E tu, que pedes tu a Deus que não seja Cristo, Ele que disse: «Eu sou o pão vivo que desceu do céu» (Jo 6,51). Quereis ser perdoados? Perdoai. «Perdoai, e ser-vos-á perdoado». Quereis receber? «Dai, e ser-vos-á dado» (Lc 6,37). […] Estejamos prontos para perdoar todas as faltas que cometerem contra nós, se queremos que Deus nos perdoe. Sim, verdadeiramente, se considerarmos os nossos pecados e passarmos em revista as faltas que cometemos, não sei se poderíamos adormecer sem sentir todo o peso da nossa dívida. Eis porque em cada dia apresentamos a Deus os nossos pedidos, que em cada dia as orações que fazemos Lhe chegam aos ouvidos, que em cada dia nos prostamos, dizendo: «Perdoa as nossas dívidas como nós perdoamos a quem nos deve». Que dívidas queres que te sejam perdoadas? Todas, ou uma parte? Vais responder: todas. Faz portanto o mesmo para quem te está devedor. Santa Teresa de Ávila (1515-1582), carmelita, doutora da Igreja O Caminho da Perfeição «Seja feita a tua vontade» «Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu». Ó meu terno Mestre, que alegria para mim que tu não tenhas feito depender o cumprimento da tua vontade de um querer tão miserável como o meu!... Como seria infeliz, se tivesses querido que dependesse de mim que a tua vontade se realizasse ou não. No presente, dou-te livremente a minha, embora seja no momento em que este dom não é puramente desinteressado, porque uma longa experiência me fez conhecer as vantagens deste abandono. Que imenso lucro, minhas amigas, mas por outro lado, que imensa perda, se não realizamos o que oferecemos ao Senhor por este pedido do Pai Nosso... Quero portanto dizer-vos, ou lembrar-vos, qual é esta vontade. Não temam que vos sejam dadas riquezas, ou prazeres, ou honras, nem todos os bens cá de baixo. Não nos tem assim tão pouco amor! Leva em grande conta o presente que lhe oferecemos, e propõe-se recompensarvos bem, dado que desde esta vida vos dá o seu Reino... Vede, minhas filhas, o que Deus deu ao seu Filho que amava acima de tudo; por isso podereis reconhecer qual é a sua vontade. Sim, esses são os dons que ele nos dá neste mundo. Ele dá em proporção ao amor que tem por cada um de nós..., tendo também em conta a coragem que vê em cada um e o amor que se tem por ele. Quem ama muito, ele o reconhece capaz de muito sofrer por ele, e aquele que ama pouco, de pouco sofrer. Por mim, estou persuadida que a medida da nossa força para levar uma grande cruz ou uma pequena, é a medida do nosso amor... Todos os meus conselhos neste livro têm um só objectivo: darmo-nos totalmente ao Criador, submeter a nossa vontade à sua, desapegarmo-nos das criaturas; deveis ter compreendido a grande importância, não digo mais nada. Indicarei apenas por que motivo o nosso bom Mestre formula este pedido do Pai Nosso. É que ele sabe o grande benefício que é para nós fazer esta vontade ao seu Pai eterno. Por ele nos dispomos a atingir rapidamente o objectivo da nossa viagem e a refrescarmo-nos nas águas vivas da fonte de que falei. Mas, se não dermos inteiramente a nossa vontade ao Senhor para que ele próprio cuide de tudo o que a nós se refere, jamais ele nos permitirá que bebamos dela. Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI] Der Gott Jesu Christi “Vós, porém, rezai assim: ‘Pai Nosso…’” Sem Jesus, não sabemos verdadeiramente o que é um “Pai”. Foi na sua oração que isso se tornou claro e esta oração pertence-lhe intrinsecamente. Um Jesus que não estivesse perpetuamente mergulhado no Pai, ou que não estivesse em permanente comunicação com Ele, seria um ser totalmente diferente do Jesus da Bíblia e do verdadeiro Jesus da História. A sua vida parte do núcleo da oração; foi a partir dela que Ele compreendeu Deus, o mundo e os homens. […] Surge então uma nova questão: será esta comunicação […] também essencial ao Pai que Ele invoca, de tal modo que também Ele fosse diferente se não fosse invocado sob este nome? Ou trata-se de algo que apenas O aflora sem nele penetrar? A resposta é a seguinte: pertence ao Pai dizer “Filho” como pertence a Jesus dizer “Pai”. Sem esta invocação, Ele próprio também não seria Ele. Jesus não tem apenas um contacto exterior a Ele; é parte integrante do ser divino de Deus, enquanto Filho. Antes mesmo de o mundo ser criado, Deus já é o Amor do Pai e do Filho. E, se pode tornar-se nosso Pai e a medida de toda a paternidade, é porque Ele próprio é Pai desde toda a eternidade. Na oração de Jesus, é pois a própria interioridade de Deus que se torna visível; vemos como é Deus; a fé no Deus trinitário não é senão a explicação daquilo que se passa na oração de Jesus. Nesta oração, a Trindade aparece em toda a sua clareza. […] Ser cristão significa, pois: participar na oração de Jesus, entrar no seu modelo de vida, ou seja, no seu modelo de oração. Ser cristão significa: dizer “Pai” com Ele e tornar-se assim criança, filho de Deus, na unidade do Espírito que nos faz ser nós próprios, agregando-nos à unidade de Deus. Ser cristão significa: olhar o mundo a partir deste núcleo, tornando-se assim livre, cheio de esperança, decidido e confiante. Jean Tauler (c. 1300-1361), dominicano de Estrasburgo Sermão 62 “Venha a nós o vosso reino” Se olharmos com atenção, espantar-nos-á ver até que ponto o homem procura o seu bem pessoal em todas as coisas, à custa dos outros homens, nas palavras, nas obras, nos dons, nos serviços. Tem sempre em vista o seu bem pessoal: alegria, utilidade, glória, serviços a receber, sempre alguma vantagem para si mesmo. Eis o que procuramos e perseguimos nas criaturas, e mesmo no serviço a Deus. O homem vê apenas as coisas terrestres, à maneira da mulher curvada de que nos fala o Evangelho, que permanecia inclinada para a terra, incapaz de olhar as coisas do alto (Lc 13, 11). Nosso Senhor declara que “não podeis servir a dois senhores, a Deus e às riquezas”, e prossegue: “procurai primeiro”, quer dizer antes de tudo e acima de tudo, “o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6, 24. 33). Analisai, pois, as profundezas que em vós se encontram, não procurando senão o Reino de Deus e a sua justiça – ou seja, procurai apenas a Deus, que é o verdadeiro Reino, o reino que desejamos e que todos os dias pedimos no Pai Nosso. O Pai Nosso é uma oração elevada e poderosa; não sabeis o que pedis (Mc 10, 38); Deus é o seu próprio reino, o reino de todas as criaturas racionais, o termo do seu movimento e das suas inspirações. O Reino que pedimos é Deus, o próprio Deus, em toda a sua riqueza. […] Quando o homem persevera nestas disposições, não procurando, não querendo, não desejando senão a Deus, torna-se ele próprio o Reino de Deus, e Deus reina nele. O trono do seu coração passa então a ser magnificamente ocupado pelo Rei eterno, que nele manda e o governa; a sede deste Reino está no mais íntimo do fundo da sua alma. Santa Teresa de Ávila (1515-1582), carmelita, doutora da Igreja O Caminho da Perfeição «Quando rezardes, dizei: ‘Pai’» (Lc 11,2) “Pai nosso que estais nos céus”. Ó meu Senhor, como se vê bem que és o Pai de um Filho assim, e como o teu Filho manifesta bem que é o Filho de um tal Pai! Bendito sejais para sempre! Não teria esta frase sido um grande favor, Senhor, se a tivesses colocado no fim desta oração? Ora, é desde o pricípio que a tua liberalidade é iluminada pelo dom de um tal benefício. O noso espírito deveria estar tão repleto dele, e a nossa vontade tão impregnada, que nos seria impossível pronunciar uma palavra. Ó minhas filhas, que este seja o lugar para vos falar da contemplação perfeita! Como seria justo que a alma entrasse no interior de si própria para se elevar acima de si mesma e aprender do Filho bendito, onde é esse lugar onde, segundo a palavra, se encontra o seu Pai que está nos céus! … Ó Filho de Deus, doce mestre! Desde esta primeira palavra…, tu te humilhas ao ponto de unir os teus pedidos aos nossos… Não queres tu que o teu Pai nos olhe como seus filhos? … Dado que é nosso Pai, de ve supotar-nos, apesar da gravidade das nossas ofensas. Ele deve perdoarnos assim que retornarmos a ele como o filho pródigo. Ele deve consolar-nos nas nossas tribulações. Deve alimentar-nos, como é próprio de um tal Pai, porque ele é forçosamente melhor que todos os pais que há aqui na terra, uma vez que ele possui necessariamente toda a perfeição; e, mais do que tudo isto, deve tornar-nos participantes e co-herdeiros contigo, das suas riquezas … Ó meu Jesus, bem vejo que falaste como um Filho querido e por ti e por nós… E vós, minhas filhas, não é então justo que agora, ao pronunciardes esta palavra: “Pai Nosso”, punhais nela toda a vossa atenção para a compreenderdes, e o vosso coração se parta ao ver um amor assim tão grande? Beata Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade Não há maior amor A oração dos filhos de Deus A oração, para ser fecunda, deve vir do coração e poder tocar o coração de Deus. Vê como Jesus ensinou os discípulos a orar. Cada vez que pronunciamos o "Pai Nosso", Deus, creio eu, olha para as suas mãos, onde nós estamos gravados: "Eu gravei-te na palma da minha mão (Is 49,16)" Contempla as suas mãos e vê-nos ali, aninhados nelas. Que maravilha a ternura de Deus! Rezemos, digamos o "Pai Nosso". Vivamo-lo e então seremos santos. Tudo está nele: Deus, eu mesmo, o próximo. Se perdoo, posso ser santo, posso rezar. Tudo brota de um coração humilde: tendo um coração assim, saberemos como amar a Deus, como nos amarmos a nós mesmos, como amar o nosso próximo (Mt 22,37s). Não há aí nada de complicado e, contudo, nós complicamos tanto as nossas vidas, agravando-as com tantas sobrecargas. Uma só coisa conta: ser humilde e rezar. Quanto mais rezardes, melhor rezareis. Uma criança não encontra qualquer dificuldade em exprimir a sua inteligência cândida em termos simples que dizem muito. Não fez Jesus compreender a Nicodemos que era preciso tornar-se como uma criança (Jo 3,3)? Se rezarmos segundo o Evangelho, permitiremos a Cristo que cresça em nós. Reza, pois, com amor, à maneira das crianças, com o ardente desejo de muito amar e de tornar amado aquele que o não é. Santa Teresa Benedita da Cruz, (Edith Stein) (1891-1942), carmelita, mártir, co-padroeira da Europa A oração da Igreja O Pai Nosso e a Eucaristia Tudo aquilo de que temos necessidade para ser recebidos na comunhão dos espíritos bemaventuradas está resumido nos sete pedidos do Pai Nosso que o Senhor rezou, não em seu próprio nome, mas para nos servir de exemplo. Nós dizemo-lo antes da sagrada comunhão e, de cada vez que o rezamos com toda a sinceridade e com todo o nosso coração e recebemos a sagrada comunhão na disposição duma alma recta, obtemos a satisfação de todos os nossos pedidos. Esta comunhão livra-nos do mal porque nos purifica de toda a ofensa cometida e porque nos dá a paz de coração que arranca o seu aguilhão de todos os outros males. Dá-nos o perdão dos pecados (veniais) cometidos e fortifica-nos contra as tentações. È ela própria o pão da vida, do qual temos necessidade em cada dia, para crescer até à nossa entrada na vida eterna. Faz da nossa vontade um instrumento dócil à vontade de Deus. Por meio dela cria em nós os fundamentos do reino de Deus e purifica os nossos lábios e o nosso coração para que po ssamos glorificar o santo Nome de Deus. S. Cipriano (cerca de 200-258), bispo de Cartago, mártir A Oração Dominical “Vós pois, rezai assim: Pai Nosso...” Antes de tudo, Jesus, o Doutor e Mestre da unidade, não quis que a oração fosse individual e privada, de modo que ao rezar cada um não pedisse só por si. Não dizemos: “Meu Pai que estás nos céus”; nem “dá-me o meu pão”. Cada um não pede que a dívida lhe seja descontada somente a si, e não é só por si próprio que ele pede para não cair em tentação e de ser livrado do mal. Para nós a oração é pública e comunitária; e quando rezamos, intercedemos não por um só mas por todo o povo; porque nós, todo o povo, não somos um. O Deus da paz e o Mestre da concórdia, que ensinou a unidade, quis que um só rezasse por todos, tal como ele próprio sozinho tomou em si todos os homens. Os três jovens Hebreus presos na fornalha ardente observaram esta lei da oração (cf Dan 3,15). Os apóstolos e os discípulos, depois da Ascensão do Senhor rezaram deste modo. “Todos num mesmo coração perseveravam na oração, com as mulheres, com Maria mãe de Jesus, e com os seus irmãos” (Ac 1,14). Num mesmo coração, eles perseveravam na oração; pelo seu fervor e pelo seu amor mutuo, testemunhavam que Deus, que faz os homens unânimes habitar numa mesma casa, só admite na sua morada eterna aqueles cuja oração traduz a união das almas (cf Sl 67,7). Irmãos bem amados, desde que chamamos Deus “Pai”, devemos saber e recordarmos que devemos agir como filhos de Deus; se nos regozijamos de ter Deus por Pai, que ele se regozije de nos ter por filhos. S. Francisco de Assis (1182-1226), fundador dos Frades Menores Paráfrase do Pai Nosso "Senhor, ensina-nos a rezar" (Lc 11,1) "Pai nosso", fonte de santidade, nosso Criador, nosso Redentor, nosso Salvador e nosso Consolador. "Que estás nos céus", nos anjos e nos santos, iluminando-os para que eles te conheçam, porque Tu, Senhor, és a luz; inflamando-os para que eles te amem, porque Tu, Senhor, és o amor; habitando neles e enchendo-os da tua divindade para que eles tenham a felicidade, porque Tu, Senhor, és o bem soberamo, o bem eterno, do qual vem todo o bem, sem o qual não há qualquer bem. "Santificado seja o teu nome": que se torna cada dia mais luminoso em nós o conhecimento que temos de Ti, a fim de que possamos medir a largura dos Teus benefícios, o comprimento das Tuas promessas, a altura da Tua majestade, a profundidade dos Teus juízos (Ef 3, 18). "Venha a nós o teu reino": Reina em nós, desde já, pela graça: introduz-nos um dia no Teu Reino, onde Te veremos enfim sem qualquer véu, onde se tornará perfeito o nosso amor por Ti, onde será feliz a nossa união contigo e eterno o nosso gozo de Ti. "Seja feita a tua vontade, assim na terra como no Céu": Que nós Te amemos (Mc 12,30) com todo o nosso coração, pensando sempre em ti, com toda a nossa alma, desejando-te sempre, com todo o nosso espírito, dirigindo para Ti todos os nossos anseios e procurando sempre e apenas a Tua glória, com todas as nossas forças, gastando todas as nossas energias e todos os sentidos da nossa alma e do nosso corpo ao serviço do Teu amor e só do Teu amor. Que nós amemos o próximo como a nós mesmos, atraindo-os todos ao Teu amor, com todas as nossas forças, partilhando a sua felicidade como se fosse a nossa, ajudando-os a suportar as suas infelicidades e não lhes fazendo nenhuma ofensa. Evangelho segundo S. Mateus 6,19-23. «Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões arrombam os muros, a fim de os roubar. Acumulai tesouros no Céu, onde a traça e a ferrugem não corroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois, onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração. A lâmpada do corpo são os olhos; se os teus olhos estiverem sãos, todo o teu corpo andará iluminado. Se, porém, os teus olhos estiverem doentes, todo o teu corpo andará em trevas. Portanto, se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão essas trevas! Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja Sermão 123 “Arrecadai tesouros no céu” Tu, o que és? Rico ou pobre? Muitos me dizem: eu sou pobre, e dizem a verdade. Vejo pobres que possuem alguma coisa; vejo alguns que são completamente indigentes. Mas aqui está um em cuja casa abunda o ouro e a prata – oh! se ele soubesse como é pobre! Reconhecê-lo-ia se olhasse o pobre que está perto dele. Aliás, seja qual for a tua opulência, tu que és rico, não passas de um mendigo à porta de Deus. Eis a hora da oração… Fazes os pedidos; o pedido não é ele uma confissão da tua pobreza? Com efeito, tu dizes: “O pão-nosso de cada dia nos dai hoje”. Portanto, tu que pedes o teu pão quotidiano, és tu rico ou pobre? E contudo, Cristo não tem medo de dizer: “Dá-me o que eu te dei. De facto, que é que tu trouxeste ao vir a este mundo? Tudo o que encontraste na criação, fui eu que o criei. Tu não trouxeste nada, não levarás nada. Porque não me dás o que é meu? Tu estás na abundância e o pobre na necessidade, mas remonta ao início da vossa existência: ambos nasceram completamente nus. Mesmo tu, tu nasceste nu. Em seguida tu encontraste aqui em baixo grandes bens; mas trouxeste por acaso alguma coisa contigo? Peço pois o que dei; dá e eu restituir-te-ei”. “Tu tens-me por benfeitor; torna-me o teu devedor, a uma taxa elevada… Dás-me pouco, restituir-te-ei muito. Tu dás-me os bens deste mundo, eu dar-te-ei os tesouros do céu. Tu dásme riquezas temporais, eu instar-te-ei sobre as posses eternas. Dar-te-ei a ti, quando eu tiver tomado posse de ti”. Santo Ambrósio ( c. 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja Sur Nabaoth «Não acumuleis tesouros na terra;... acumulai tesouros no céu» Tu que escondes o teu ouro na terra (Mt 25, 25), és o seu servo, não o senhor. Lá onde estiver o teu tesouro, está também o teu coração. Nesse ouro, foi portanto o teu coração que enterraste. Vende antes o ouro e compra a tua salvação; vende o mineral e adquire o Reino de Deus, vende o campo e volta a comprar para ti a vida eterna. Dizendo isto, digo a verdade, pois me apoio na própria palavra dAquele que é a Verdade: «Se queres ser perfeito, vende tudo quanto possuis e dá o dinheiro aos pobres. Construirás assim um tesouro no céu» (Mt 19,21). Não te entristeças de ouvir estas palavras, com medo que te seja dita a mesma palavra que ao jovem rico: « Como é difícil àqueles que possuem alguns bens entrar no Reino de Deus» (Mt 19,23). Considera antes, ao leres esta frase, que a morte pode arrancar-te esses bens, que a violência de um poderoso pode roubar-tos. No fim de contas só terás tido em vista bens minúsculos em vez de grandes riquezas; são só tesouros de dinheiro em vez d e tesouros de graça. Por isso mesmo, são corruptíveis, em lugar de permanecerem para sempre. S. Vicente de Paulo (1581-1660), fundador de comunidades religiosas Conferência sobre a indiferença, 16 de Maio 1659 «Onde está o teu tesouro, aí está o teu coração» Onde está o coração amante? Nas coisas que ele ama – por conseguinte, onde está o nosso amor, está cativo o nosso coração. Não pode sair, não pode elevar-se mais alto, não pode ir para a esquerda nem para a direita; está parado. Onde está o tesouro do avarento, aí está o seu coração; e onde está o nosso coração, aí está o nosso tesouro. E um nada, uma imaginação, uma palavra seca que nos disseram, uma falta de acolhimento caloroso, uma pequena recusa, apenas o pensamento de que não nos têm em grande conta – tudo isso nos fere e nos indispõe de um modo que não podemos vencer! O amor próprio nos liga a essas feridas imaginárias, que não saberíamos tirar, estão sempre presentes, e porquê? É porque se está cativo dessa paixão. Que é que nos prende? Estamos nós na «liberdade dos filhos de Deus»? (Rom 8,21) Ou estamos ligados aos bens, aos caprichos, ás honras? Ó Salvador, abriste-nos a porta da liberdade, ensinaste-nos a encontrá-la. Faz-nos conhecer a importância deste privilégio, faz-nos recorrer a vós para aí chegarmos. Ilumina-nos, meu Salvador, para ver a que é que estamos apegados, e põe-nos, se for do teu agrado, na liberdade dos filhos de Deus. Evangelho segundo S. Mateus 6,24-34. – cf.par. Lc 16,13; 12,22-32 Ninguém pode servir a dois senhores: ou não gostará de um deles e estimará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.» «Por isso vos digo: Não vos inquieteis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer ou beber, nem quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir. Porventura não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestido? Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai celeste alimenta-as. Não valeis vós mais do que elas? Qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida? Porque vos preocupais com o vestuário? Olhai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam! Pois Eu vos digo: Nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã será lançada ao fogo, como não fará muito mais por vós, homens de pouca fé? Não vos preocupeis, dizendo: 'Que comeremos, que beberemos, ou que vestiremos?’ Os pagãos, esses sim, afadigam-se com tais coisas; porém, o vosso Pai celeste bem sabe que tendes necessidade de tudo isso. Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo. Não vos preocupeis, portanto, com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã já terá as suas preocupações. Basta a cada dia o seu problema.» São Siluane (1866-1938), monge ortodoxo Escritos «Não vos inquieteis quanto à vossa vida» O Senhor disse aos seus discípulos: «Dou-vos a Minha paz» (Jo 14, 27). É a Deus que temos de pedir esta paz de Cristo, e o Senhor a dará a quem Lha pedir. E, quando a recebermos, devemos velar santamente por ela, e fazê-la crescer. Aquele que, nas suas aflições, não se abandona à vontade de Deus não poderá conhecer a misericórdia de Deus. Se fores atingido pela infelicidade, não te deixes abater; recorda-te de que o Senhor te olha com bondade. Não admitas este pensamento: «Poderá o Senhor olhar para mim, agora que O ofendi?», porque o Senhor é a bondade por natureza. Mas volta-te com fé para Deus, e diz-Lhe o que diz o filho pródigo do Evangelho: «Já não mereço ser chamado teu filho» (Lc 15, 21). Verás então quão querido és pelo Pai, e a tua alma conhecerá uma alegria indescritível. Catecismo da Igreja Católica § 302-305 "Não vos preocupeis tanto com a vossa vida" A criação tem a sua bondade e a sua perfeição próprias, mas não saiu totalmente acabada das mãos do Criador. Foi criada «em estado de caminho» («in statu viae») para uma perfeição última ainda a atingir e a que Deus a destinou. Chamamos divina Providência às disposições pelas quais Deus conduz a sua criação em ordem a essa perfeição... É unânime, a este respeito, o testemunho da Escritura: a solicitude da divina Providência é concreta e imediata, cuida de tudo, desde os mais insignificantes pormenores até aos grandes acontecimentos do mundo e da história. Os livros santos afirmam, com veemência, a soberania absoluta de Deus no decurso dos acontecimentos: «Tudo quanto Lhe aprouve, o nosso Deus o fez, no céu e na terra» (Sl 115, 3); e de Cristo se diz: «que abre e ninguém fecha, e fecha e ninguém abre» (Ap 3, 7); «há muitos projectos no coração do homem, mas é a vontade do Senhor que prevalece» (Pr 19, 21)... Jesus reclama um abandono filial à Providência do Pai celeste, que cuida das mais pequenas necessidades dos seus filhos: «Não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? Que havemos de beber? [...] Bem sabe o vosso Pai celeste que precisais de tudo isso. Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo» (Mt 6, 31-33). „Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça“ - Mt 6,33 1. Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça / e tudo mais vos será acrescentado / aleluia, aleluia! 2. Não só de pão o homem viverá, / mas de toda palavra que procede da boca de Deus / aleluia, aleluia! 3. Se vos perseguem por causa de Mim, / não esqueçais o porquê / não é o servo maior que o Senhor / aleluia, aleluia! M. Frankreich - Cantemos ….. n° 444 S. Serafim de Sarov (1759-1833), monge russo Conversa com Motovilov "Procurai primerio o seu Reino e a sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo" [S. Serafim e Molovilov encontram-se mergulhados numa grande luz e numa grande suavidade. Serafim diz-lhe:] Meu amigo, os homens foram criados para que a graça divina habite no mais profundo de nós, no nosso coração. O Senhor disse: "O Reino dos céus está dentro de vós" (Lc 17,21). Por Reino dos céus, Ele entende a graça do Espírito Santo; esse Reino de Deus está em nós dois neste momento. O Espírito Santo ilumina-nos e aquece-nos; enche o ar com os seus perfumes, alegra os nossos sentidos e inunda os nossos corações com uma alegria inefável. Experimentamos o que diz o apóstolo Paulo: "O Reino de Deus não é o comer e o beber, mas a justiça, a paz e a alegria, pelo Espírito Santo" (Rm 14,17)... Vê, amigo de Deus, que alegria incomparável se dignou conceder-nos o Senhor. Vê o que é estar "na plenitude do Espírito Santo"... Humildes como somos, o Senhor encheu-nos com a plenitude do Seu Espírito. Parece-me que, a partir de agora, já não me interrogarás mais acerca da forma como se manifesta no homem a presença da graça do Espírito Santo... Quanto aos nossos estados diferentes, de monge e de leigo, não te preocupes. Deus procura antes de tudo um coração cheio de fé n'Ele e no seu Filho único, em resposta à qual Ele envia do alto a graça do Espírito Santo. O Senhor procura um coração cheio de amor para com Ele e para com o próximo - esse é o trono em que Ele gosta de se sentar e onde aparece na plenitude da sua glória. "Filho, dá-me o teu coração, e o resto dar-te-ei por acréscimo" (Pr 23,26). O coração do homem é capaz de conter o Reino dos Céus. "Procurai primeiro o Reino dos Céus e a sua verdade, diz o Senhor aos seus discípulos, e o resto ser-vos-á dado por acréscimo, porque Deus vosso Pai sabe que disso tendes necessidade". Santo Inácio de Loyola (1491-1556), fundador dos Jesuitas Exercícios Espirituais Tudo o mais vos será dado por acréscimo Contemplação para obter o amor: É bom notar, antes de mais, que o amor consiste numa comunicação mútua. Quer dizer, que o amante dá e comunica ao amado o seu bem...; e vice-versa, o amado ao amante... Como preâmbulo, pedir o que quero será aqui pedir um conhecimento interior de todo o bem recebido, para que, reconhecendo-o plenamente, eu possa amar em tudo a Sua divina Majestade. O primeiro ponto é rememorar todos os bens recebidos: criação, redenção e dons particulares. Pesar com muito amor quanto Deus Nosso Senhor fez por mim, quanto Ele me deu do que tem; em seguida, quanto o Senhor deseja dar-me de Si próprio a mim, dentro do que pode de acordo com o Seu projecto divino. Reflectir então em mim próprio e considerar o que com toda a razão e justiça devo, pelo meu lado, oferecer e dar à Sua divina Majestade todos os meus bens, e eu com eles, como qualquer um que faz uma oferenda num grande amor: «Toma, Senhor, e recebe toda a minha liberdade, a minha memória, a minha inteligência, e toda a minha vontade, tudo o que tenho, tudo o que possuo. Tu deste-mo; a Ti o restituo. Tudo é Teu; dispõe de tudo segundo a Tua inteira vontade. Dá-me o Teu amor e a Tua graça; é quanto basta para mim.»