A "Lei dos Inversos dos Quadrados" e o Áudio
Autor: Fernando A. B. Pinheiro
Uma das primeiras coisas que aprendemos, na Bíblia, é sobre os 10 mandamentos. "Não matarás", "Não
dirás falso testemunho", "Não terás outros deuses". A palavra "Mandamento" é empregada no sentido de
"Lei", algo que tem que ser seguido pelos cristãos.
Na nossa vida cotidiana, há várias leis que devemos obedecer. Algumas, criadas pelos homens (por
exemplo, o Código Penal) nem sempre são seguidas à risca. Outras, leis da Matemática, da Física e da
Química, não têm como serem quebradas (como a "Lei da Gravidade"), e todos os fenômenos
matemáticos, físicos e químicos as seguem. Ainda que, de vez em quando, algum político tente revogálas, sem sucesso.
Som é um fenômeno físico, e como tal segue as leis da Física e da Matemática. Logo, conhecer mais de
Física e Matemática ajuda muito para se conseguir um som de qualidade. Não que seja pré-requisito ser
formado em Engenharia para se trabalhar com sonorização (ao contrário, conheço pessoas com
formação muito deficiente e que fazem excelentes sonorizações), mas se o operador tiver conhecimento
dos fundamentos do áudio, com certeza sua vida será muito mais tranqüila e seu trabalho, mais simples
(menos problemas, menos dor de cabeça) e com melhores resultados.
Assim, todos que trabalham com áudio deveriam conhecer obrigatoriamente a Lei dos Inversos dos
Quadrados. Aliás, todos já conhecem, pois ela é instintiva, talvez apenas não saibam o seu nome.
A Lei dos Inversos dos Quadrados diz que cada vez que dobramos a distância entre a fonte sonora e o
ouvinte, a pressão sonora (o som que ouvimos, medidos em dB SPL) cai 6,0 dB. Ou, se preferirmos,
podemos dizer que se diminuirmos a distância entre o ouvinte e a fonte sonora à metade, o volume de
som aumenta em 6,0 dB.
A origem dessa lei vem lá dos estudos de Geometria de 2º grau. Tem a ver com o estudo dos cones.
Repare na figura:
"Indo logo aos finalmentes" (a demonstração do cálculo é baseada no Teorema de Pitágoras e no cálculo
da área de esferas), a área da base maior (do cone maior - a2, b2, c2) é 4 vezes maior que a área da
base menor (do cone menor - a1, b1, c1). Isso desde que a2 tenha o dobro do tamanho de a1.
E o que isso quer dizer? Imagine que lá na ponta do cone (onde está a letra B) haja um alto-falante ou
uma fonte sonora qualquer (alguém falando, alguém tocando um instrumento musical). O som vai se
espalhar (dispersão sonora) como nesse desenho, de forma esférica. Se um ouvinte estiver situado na
base do cone menor, nessa posição o som se espalhou pouco, logo maior quantidade de som chegará
aos ouvidos. Já para outro ouvinte que esteja situado na base do cone maior, uma maior quantidade de
som já terá se espalhado e menor quantidade de som chegará aos ouvidos. Essa diferença é de 6 dB
(uma diferença de 4 vezes na área da base corresponde a uma diferença de 6 dB, tanto na área quanto
no som que chegará efetivamente nos ouvintes).
Isso pode ser facilmente comprovado com lanterna. No escuro, quando utilizamos uma lanterna, notamos
que quando iluminamos um objeto próximo, a luz se espalha pouco e o objeto fica bem iluminado, incide
muita luz sobre o objeto e pouca sobre o ambiente. Já quando iluminamos um objeto mais longe, a luz já
se espalhou muito pelo ambiente e acaba iluminando pouco o objeto.
Apesar de muitos não conhecerem a lei pelo seu nome, ela é instintiva, natural. Quando não ouvimos um
som, chegamos mais próximos da fonte sonora para podermos percebê-lo melhor. Já quando um som
nos incomoda logo nos afastamos da fonte sonora, para diminuir o seu volume.
Como o cálculo tem a ver com o Teorema de Pitágoras e Área de Esferas, onde os valores são elevados
ao quadrado, e tem a ver com diminuição de intensidade à medida que aumentamos a distância, daí
surgiu o nome da Lei: "dos Inversos dos Quadrados".
FÓRMULA
A fórmula para cálculos gerais de atenuação (diminuição de intensidade) seguindo a Lei dos Inversos dos
Quadrados é esta:
dB SPL (distância X) = db SPL a 1 metro + 20 x log (1 metro / distância X)
É utilizado o valor de 1 metro como referência porque as caixas de som (pelo menos as de marca) são
apresentadas com valores de sensibilidade média medidas a 1 metro de distância. Exemplo: 93 dB/ 1
Watt / 1 metro.
AMBIENTES ABERTOS E FECHADOS
A Lei só tem aplicação plena em ambientes abertos (um campo de futebol, um avião no céu, etc). Em
ambientes fechados, ela se comporta diferente. Até um certo ponto, onde o som projetado ainda não
atingiu nenhuma superfície refletiva, ela se comporta como esperado: 6dB a cada dobra de distância.
Com o som se refletindo nas paredes, essa queda pode ser menor.
PRÁTICA
E o que tem isso a ver com sonorização? TUDO (com letra maiúscula mesmo). Vejamos.
Lei dos Inversos dos Quadrados e posicionamento de caixas de som - quanto mais longe o ouvinte
estiver da caixa acústica, menos som ele ouvirá. Quanto mais próximo, mais som ele perceberá.
Precisamos levar a lei em consideração quando formos escolher uma localização para as caixas
acústicas. Veja exemplo:
Observe atentamente a figura. Ela mostra duas posições possíveis para instalação de caixas acústicas,
ST1 e ST2. Na posição ST1, a distância X1 entre a caixa e o ouvinte Ov1 é de 2 metros, e a distância X2
para o ouvinte Ov2 é de 16 metros. Já para a posição ST2, vamos ter que calcular as distâncias através
do Teorema de Pitágoras. Para isso, vamos considerar a altura do lugar de 7 metros. Nesse caso,
teremos:
X3² = 7² (altura) + 2² (distância) => X3² = 49 + 4 => X3² = 53.
Aplicando raiz quadrada em 53, temos que X3 = 7,3 metros.
Para X4, temos:
X4² = 7² + 16² => X4² = 49 + 256 => X4² = 305
Aplicando raiz quadrada em 305, temos que X4 = 17,4 metros
Agora, vamos ver isso em volume de som (dB SPL) que os ouvintes escutam.
Imaginando que a caixa tem sensibilidade de 100dB SPL medido a 1 metro de distância, então quando a
caixa for alimentada com 1 Watt:
- a 2 metros (posição de Ov1), teremos 94 dB SPL
- a 4 metros teremos 88 dB SPL
- a 8 metros teremos 82 dB SPL
- a 16 metros (posição de Ov2) teremos 76 dB SPL.
A diferença de volumes entre Ov1 e Ov2 é de 18 dB. "Traduzindo" isso em termos audíveis, quando Ov1
disser que o volume está bom, Ov2 vai reclamar que está baixo. Quando para Ov2 estiver bom, Ov1
estará reclamando do som muito alto.
Essa situação é extremamente freqüente nas igrejas com caixas de som instaladas dessa forma. Para
minimizar o problema da diferença de volume, é necessário "espalhar" caixas pelo comprimento, de forma
que a distância entre os ouvintes seja diminuida (e consequentemente a perda de volume por causa da
Lei). Mas caixas de som e amplificadores são caros...
Observe que nesses cálculos, as medidas foram apresentadas já em múltiplos (2, 4, 8 e 16 metros), de
forma que nem é necessário fazer muita conta.
Agora, vejamos a situação de caixas instaladas no alto, na posição ST2. Nesse, caso, teremos que
aplicar a fórmula para descobrir qual a (de perda de volume de som). Imaginando que a caixa está
"falando" 100dB a 1 metro e que X3 = 7 metros e X4 = 17 metros (valores arredondados para facilitar)
temos então:
dB SPL em X3 = 100 + 20 x log 1/7 => dB SPL em X3 = 100 + 20 x (-0,85) =>
dB SPL em X3 = 100 + (-17) => dB SPL em X3 = 83 dB
dB SPL em X4 = 100 + 20 x log 1/17 => dB SPL em X4 = 100 + 20 x (-1,23) =>
dB SPL em X4 = 100 + (-24) => dB SPL em X4 = 76 dB
Se não sabe calcular o valor de logaritmos, veja aqui:
http://www.somaovivo.mus.br/artigos.php?id=143
Repare: se antes tivemos uma diferença de 18 dB entre os ouvintes em relação às distâncias X1 e X2,
agora a diferença é de apenas 7 dB entre os ouvintes em relação às distâncias X3 e X4. Isso significa que
haverá diferença de volume, mas ela será encarada de forma muito diferente. Basicamente, quem gostar
de som mais alto vai se sentar mais à frente, e quem gostar de som baixo vai se sentar mais atrás. Não
será necessário comprar mais caixas de som.
Logo, sempre que possível, devemos preferir instalar as caixas no alto, em posição semelhante a ST2.
Mas faça os cálculos antes - cada caso é um caso, cada igreja tem um comprimento e uma altura de pédireito. Se o templo tiver um comprimento muito grande, talvez seja necessário mais um conjunto de
caixas na metade do comprimento (ou dois conjuntos, a 1/3 e 2/3 do comprimento, ou 3 conjuntos, a 1/4,
2/4 e 3/4 do comprimento) para reduzir a atenuação causada pelo aumento da distância.
Às vezes podemos mudar uma situação sem gasto nenhum. Em uma igreja, a tecladista reclamou muito
de volume baixo do retorno. Queria que se aumentasse cada vez mais. A solução foi uma troca de lugar
entre os músicos. A caixa de som de retorno que estava a quatro metros dela passou a estar a apenas
um metro. O volume permaneceu exatamente o mesmo, mas ela parou de reclamar.
Lei dos Inversos dos Quadrados e escolha de caixas de som
No ano 2000, um Físico estrangeiro desenvolveu uma caixa acústica cujas ondas não são mais
propagadas de forma esférica (que se expandem na horizontal e na vertical), mas sim ondas que se
expandem apenas na horizontal. É o chamado "Sistema V-DOSC".
Surgiu aí uma enorme revolução dos sistemas de caixas acústicas, por um motivo simples. A nova forma
de propagação reduziu as perdas com a distância a 3dB, em vez dos 6dB. A Lei dos Inversos dos
Quadrados não foi invalidada, mas descobriram como contorná-la.
O sistema V-DOSC tem sido adotado com sucesso em locais com grande comprimento, gerando grande
economia, pois utiliza menos caixas e menos potência do que seria necessário para sonorizar um local
com o sistema tradicional.
A Revista Áudio, Música e Tecnologia publicou uma reportagem excelente sobre isso. Veja:
http://www.musitec.com.br/revista_artigo.asp?revistaID=1&edicaoID=114&navID=1218
Lei dos Inversos dos Quadrados na captação de microfones
Quanto mais longe estiver o microfone da fonte sonora, menos som o microfone captará, mais volume
teremos que dar e mais risco de microfonia existirá.
Na minha igreja, havia um diácono (já faleceu) que quando ia usar um microfone de mão para falar,
colocava o mesmo na frente da barriga! Devia haver uns 30cm ou mais entre a sua boca (a fonte sonora)
e o microfone. O volume de som sempre era baixo, e quando o operador tentava aumentar, quase
sempre dava microfonia.
Cansado da situação e de falar com ele dezenas de vezes e ele nunca lembrar de aproximar o microfone,
orientei os operadores a não aumentar o volume. "Microfonia é problema do operador, usar o microfone
errado é problema do usuário. Ensinamos, mas ele não quer aprender, então não vai ter som". Com o
passar do tempo, as próprias pessoas próximas o ajudavam a "lembrar" de usar o microfone da forma
correta.
Na minha denominação, utilizamos muito microfones de lapela, tipo o LeSon ML-70, o mais comum de ser
encontrado. São incríveis as "barbaridades" que fazem com o microfone. Já vi gente que utilizava o
microfone praticamente no colarinho do paletó (apontado para o teto), outros que colocam o microfone na
barriga. Sempre oriento a colocar o microfone na gravata, logo abaixo do nó, de forma que a distância
entre a fonte sonora (a boca) e o microfone seja a mínima possível. Menor distância, maior captação,
menos volume na mesa de som, menos microfonia.
Daí surge uma regra: sempre que possível, mantenha o microfone o mais próximo possível da fonte
sonora! É pura aplicação da Lei dos Inversos dos Quadrados.
Lei dos Inversos dos Quadrados e Acústica
Já notou como os antigos teatros (de antes da eletricidade) eram projetados? Os arquitetos conheciam a
Lei, privilegiando a largura e altura em relação ao comprimento.
É basicamente o mesmo princípio utilizado ao colocarmos a caixa acústica em posição alta. Só que em
vez disso, colocava-se a fonte sonora mais baixo (o palco) e o que ficava em posição alta é uma parte da
platéia. Se o teatro fosse construído com pouca largura/altura e grande comprimento, o som
provavelmente seria insuficiente.
A Lei dos Inversos dos Quadrados é conhecida desde a Antiguidade, como comprova essas ruínas de um
teatro grego.
Outras aplicações e curiosidades
A Lei dos Inversos dos Quadrados não serve apenas para som, mas para tudo o que for baseado em
ondas. Sinais de rádio, TV e celular seguem o mesmo princípio. Quando dobramos a distância, a
recepção fica 4 vezes pior. E como já vimos no exemplo da lanterna, serve para luz (que nada mais são
que ondas luminosas) também. O planeta Vênus está à metade da distância entre o Sol e a Terra, por
isso recebe 4x mais energia solar do que nosso planeta. As coisas são bem quentes por lá.
Esses dias "salvei" o casamento de um amigo. Ele disse que a esposa estava reclamando muito dos
roncos dele, mas ele não queria entrar "na faca" (fazer cirurgia). Orientei a ele dormir de ponta cabeça em
relação a ela (ela com cabeça para um lado da cama, ele com cabeça para outro lado da cama). Falei
imaginando que com os dois deitados na mesma posição a distância entre eles seja de 50 cm, logo com
um deles invertido a distância deve ser de pelo menos 1,50 metro, ou seja, 12dB de ronco a menos. Ele
garantiu que funcionou, que ela reclama muito menos.
CONCLUSÃO
Cientes dessa Lei, vamos passar a ver com outros olhos algo tão simples, que é a distância entre as
coisas. Pequenas mudanças podem ser implementadas sem custo algum (ou baixo custo), apenas
alterando-se o lugar dos microfones, das caixas de som, dos músicos e até do público.
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