MODELAÇÃO DO PROCESSO DE DIGESTÃO ANAERÓBIA DA FORSU À ESCALA INDUSTRIAL Celso Duarte Correia Gonçalves Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia do Ambiente Júri Presidente do Júri: José Manuel de Saldanha Gonçalves Matos, DECivil, IST-UTL Orientador: Professora Doutora Susete Martins Dias, DEQB, IST-UTL Co-Orientador: Professor Doutor Filipe José Gama Freire, DEQB, IST-UTL Vogal: Doutor Tiago Faria, EFACEC, SA Vogal: Doutor Santino Di Berardino, LNEG Outubro de 2012 1 Agradecimentos Quero deixar os meus agradecimentos à Professora Dra.Susete Martins-Dias e ao Professor Dr. Filipe G. Freire por todo o conhecimento e orientação que possibilitaram a realização deste trabalho; ao Doutor Tiago Faria, director da Divisão de Residuos Sólidos da EFACEC Ambiente, pela simpatia, auxílio e meios disponibilizados; às engenheiras Inês Moura e Catarina Rodrigues, pelo constante apoio, troca de experiências e informações indispensáveis para a calibração do modelo. Agradeço também a toda a equipa EFACEC Ambiente, Valorlis e Suldouro pela disponibilidade de realizarem visitas técnicas às Instalações de Valorização Orgânica, que foi uma mais valia para o meu trabalho. Ao Dr.Santino Di-Berardino do LNEG, por me ter aberto novos horizontes no conhecimento cientifico sobre o processo de digestão anaeróbia, que se revelou ser de grande utilidade. Aos estagiários Angelo Crocamo e Rafaelle di-Geovani, pela amizade e experiências trocadas durante o seu estágio nas Instalações do LNEG. À minha familia e amigos pelo apoio e motivação e à Inês Rodrigues, pelo carinho e amizade. A todos os que me ajudaram, me motivaram e tornaram este trabalho possível. Um muitíssimo obrigado. 2 3 “I think and think for months and years. Ninety-nine times, the conclusion is false. The hundredth time I am right." Albert Einstein 4 5 Resumo A complexidade do processo industrial de produção de biogás constitui um obstáculo à sua optimização. A formulação de modelos cinéticos possibilita a compreensão dos fenómenos que ocorrem em reactores, abrindo portas à automação e controlo. Neste trabalho, para melhor compreender o processo de digestão anaeróbio (DA), foi realizada uma revisão bibliográfica do conhecimento científico e tecnológico e foram apresentados os mais recentes métodos de monitorização e controlo, incluindo métodos de cálculo do desempenho da digestão anaeróbia. Seguidamente desenvolveu-se um modelo matemático, que descreve a degradação anaeróbia da fracção orgânica de resíduos sólidos urbanos, em reactores à escala industrial. O estudo tem como base, modelos desenvolvidos por diferentes autores, onde foram incluídos três grupos de microrganismos genéricos, com diferentes parâmetros cinéticos, obtidos da bibliografia. Os fluxos degradativos foram agrupados em três etapas: hidrólise, acidogénese/acetogénese e metanogénese. O modelo simula as principais cinéticas biológicas, como a decomposição de matéria de baixa degradabilidade, formação de ácidos orgânicos voláteis e produção de biogás. O pH e as espécies ionizadas/desionizadas são também calculados num total de 9 balanços de massa e 6 equações de equilíbrio químico. Como principais simplificações, considerou-se um reactor bifásico, gás-líquido, isotérmico a 35ºC, com transferência de massa entre fases homogéneas e perfeitamente agitadas, com 5% de sólidos totais e 50% de sólidos voláteis. Os digestores anaeróbios da Valorlis, caso de estudo, foram modelados, optimizando os objectivos e alterando os parâmetros operatórios. O modelo simula um arranque, com cinéticas coerentes com a bibliografia, atingindo o estado estacionário após 6 meses, tendendo para os valores experimentais observados. Palavras-chave: Digestão Anaeróbia, Escala Industrial, FORSU, Modelação, Monitorização 6 Abstract The industrial complexity of the process of biogas production is often a drawback to the optimization. Kinetic models allowed the understanding of current phenomenon’s in reactors making possible the automation and control. To deepen the knowledge of the process, a bibliographic research of the scientific, technological and monitoring state-of-art of the anaerobic digestion process was made, including performance calculations to find the parameters that best suited for optimization. A mathematical model that describes the general degradation of organic fraction of municipal solid waste in full scale reactors was then developed. The current study is based on models developed by several authors, where it was included the microbial growth kinetics, each one with their own parameters, found in the bibliography. The kinetic flux was divided into three processes: hydrolysis, acidogenic/acetogenic and methanogenic. The model simulates the decomposition of low biodegradable matter in high biodegradable matter, acid formation and production of biogas. It also includes pH calculation and physical-chemical equilibrium relationships among ionized/unionized species. As main simplification, it was considered a biphasic, liquid/gas reactor, isothermal at 35ºC with mass transfer between phases, homogenized and stirred perfectly with 5% of total solids of which 50% are volatile solids. The full scale model was applied to Valorlis reactors, optimizing it by objectives and by changing the operational parameters. The model correctly simulates a start-up in an industrial. The steady state is achieved after 6 months at which time the variable values are in accordance with the experimental values observed. Key-words: Anaerobic Digestion, Modeling, Monitoring, OFMSW, Scale-up 7 Índice 1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 14 1.1 1.1.1 FORSU como substrato da digestão anaeróbia ............................................................. 17 1.1.2 Pré-tratamentos............................................................................................................. 18 1.1.3 Principais tecnologias aplicadas .................................................................................... 18 1.1.4 Descrição do processo da CVO da Valorlis e da CVO da Suldouro ................................ 19 1.1.5 Etapas de processo microbiológico e bioquímico ........................................................... 20 1.1.6 Condições operatórias ................................................................................................... 26 1.2 Variáveis de monitorização .................................................................................................. 30 1.2.1 Indicadores de controlo ................................................................................................. 30 1.2.2 Indicadores de estabilidade ........................................................................................... 32 1.2.3 Modelos matemáticos de digestão anaeróbia ................................................................ 36 1.3 2 Digestão anaeróbia da FORSU ............................................................................................ 16 Objectivos do estudo ............................................................................................................ 39 MATERIAIS E MÉTODOS .......................................................................................................... 41 2.1 Monitorização....................................................................................................................... 41 2.1.1 2.2 3 Parâmetros experimentais de controlo do processo ....................................................... 41 Modelo cinético não-linear.................................................................................................... 43 2.2.1 Considerações gerais .................................................................................................... 43 2.2.2 Metodologia de calibração e validação .......................................................................... 44 RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................................................................... 45 3.1 Análise e discussão dos parâmetros operatórios .................................................................. 45 3.2 Análise da performance dos digestores ................................................................................ 46 3.3 Descrição do formalismo do modelo ..................................................................................... 46 3.3.1 Estrutura do modelo ...................................................................................................... 48 3.3.2 Equações da fase líquida .............................................................................................. 49 3.3.3 Equações da fase gasosa.............................................................................................. 50 3.3.4 Determinação do pH e Alcalinidade ............................................................................... 51 3.4 Implementação do formalismo proposto ............................................................................... 52 4 CONCLUSÕES........................................................................................................................... 57 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 59 8 Anexos ............................................................................................................................................. 65 Anexo A.I – Determinação das características do substrato ........................................................... 67 Anexo A.II – Equações dos parâmetros operatórios e cálculo de performance .............................. 69 Anexo A.III – Equações do Modelo................................................................................................ 71 Anexo A.IV – Medições dos parâmetros operatórios...................................................................... 75 Anexo V – Simulações do Modelo ................................................................................................. 81 9 Índice de Figuras 1 INTRODUÇÃO Figura 1. Biogás Produzido na Europa, em ktep, no ano de 2009 (EUROBSERV’ER, 2010), a partir de biomassa e da fracção orgânica do Resíduo Sólido Urbano (Biomass &FOMSW ) de Lamas de ETAR (Sewage) e em aterro sanitário (Landfill). .......................................................................................... 15 Figura 2. Ranking de produção de Biogás na Europa, em tep/1000 hab, no ano de 2009 (EUROBSERV’ER, 2010).................................................................................................................. 15 Figura 3. Evolução temporal das tecnologias de DA em termos de teor de sólidos, à esquerda, e gamas de temperatura, à direita (Fonte: De Baere, 2006). ................................................................ 17 Figura 4. Esquemas de processos por via seca e semi-seca comercializados pela Dranco (à esquerda), Kompogas (centro) e Valorga (à direita). (Fonte: Vandevivere et al, 2002). ...................... 19 Figura 5. Esquema típico do processo por via húmida e fase única (Vandevivere et al, 2002). .......... 19 Figura 6. Esquema do processo de produção de biogás da CVO da Valorlis ..................................... 20 Figura 7. Esquema do processo de digestão anaeróbia .................................................................... 21 Figura 8. Influência da pressão parcial de hidrogénio na energia livre de Gibbs, durante a acetogénese e formação de metano. Zona viável de produção de metano na área a verde. Ácido acético, 25mM; Propiónico, Butírico, láctico e etanol,10mM; Sulfito, 5mM; Bicarbonato, 20mM; Metano, 0,7atm (Adaptado de Di-Berardino, 2006) ............................................................ 22 Figura 9. Inibição do ácido acético em função do pH. (Fonte: Deublein e Steinhauser, 2008) ............ 25 Figura 10. Relação entre a carga orgânica e a produção de biogás em m 3/ t SV, (MT-metric tonne) (Hartmann e Ahring, 2006), para diferentes gamas de temperatura, concentração de sólidos e prétratamentos, relativo à FORSU (OFMSW) ......................................................................................... 27 Figura 11. Relação inversa entre o teor em lenhina e celulose e a biodegradabilidade (%), da matéria orgânica (Buffiere et al., (2006)) ........................................................................................................ 28 Figura 12. Taxa de crescimento relativa dos microrganismos psicrófilos, mesofílicos e termofílicos (adaptado de Schӧn (2009)).............................................................................................................. 29 Figura 13. Produção de biogás, em unidades de volume de gás por SV vs. TRS, onde a relação entre C.Org e rendimento em biogás é Y=0,84-0,072xC.Org, para regimes termófilos por via húmida e teor de SVinput de 5%=50kg/m3 Hartmann H., Ahring B.K. (2006). ............................................................. 31 Figura 14. Fracções dissociadas e protonadas da amónia, ácido sulfídrico, dióxido de carbono e ácido acético em função do valor de pH. As constantes de equilíbrio e equações químicas usadas para a realização deste gráfico, encontram-se no anexo A.III. ...................................................................... 33 Figura 15. Variação do pH e da Alcalinidade em função dos AGV (adaptado de Cecchi, 2005). Representação da zona de baixo risco, a vermelho, com base no indicador de AGV/ALC e a gama de pH para o qual o processo é estável, representado a azul, no eixo do pH. ........................................ 34 Figura 16. Interdependência entre o pH, o teor em CO2 no gás e a Alcalinidade, a 35ºC (EPA, 1979). ......................................................................................................................................................... 34 10 Figura 17. Taxas relativas de formação de ácidos: acético, propiónico e butírico, em função da concentração de hidrogénio (Gerber e Span, 2008) .......................................................................... 35 Figura 18. Fases do crescimento microbiano: (1) fase de latência, adaptação a substrato; (2) fase de aceleração do crescimento; (3) fase de crescimento exponencial ou fase de crescimento de primeira ordem; (4) fase de abrandamento (5) fase de estacionária e (6) fase de decaimento (Gerber e Span, 2008). ............................................................................................................................................... 37 2 MATERIAIS E MÉTODOS Figura 19. Variação do TRH, em dias, e da concentração de ST no digestor 1 da Valorlis, em g/l, durante o ano de 2011. (As medições do digestor 2 encontram-se no Anexo A.IV)............................ 42 Figura 20. Produção de biogás e sua qualidade no digestor 1 da Valorlis, durante o ano de 2011. .... 42 Figura 21. Variação do pH e teor de CO2 no digestor 1 da Valorlis, durante o ano de 2011. .............. 43 Figura 22. Variação da alcalinidade e ácidos orgânicos totais no digestor 1 da Valorlis, durante o ano de 2011. ........................................................................................................................................... 43 Figura 23. Esquema de Calibração e Validação do modelo ............................................................... 44 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Figura 24. Esquema do reactor bifásico perfeitamente agitado com trocas de massa entre fases, usado no modelo proposto. ............................................................................................................... 47 Figura 25. Diagrama do modelo proposto. ......................................................................................... 48 Figura 26. Cálculo iterativo do pH e das espécies iónicas em equilíbrio ............................................. 52 Figura 27. Simulação do modelo para diferentes caudais no tempo...... Error! Bookmark not defined. Figura 28. Simulação da produção de biogás e teor em CH4 (à esquerda) e do pH e AGVt (à direita). ......................................................................................................................................................... 55 Figura 29. Simulação do arranque do digestor, onde é visível à esquerda, a evolução dos SV de entrada e de saída, SVin e SVout. Este último constituído pela soma entre o substrato de baixa e alta biodegradabilidade, Sp e Sh, respectivamente, e biomassa total, em termos de sólidos suspensos totais (SSV). À direita em pormenor, é apresentado o crescimento da biomassa hidrolítica, acidogénica/acetogénica e metanogénica, Xh, Xa e Xm, respectivamente, no tempo. ....................... 55 11 Índice de tabelas 1 INTRODUÇÃO Tabela 1. Comparação entre diferentes poderes caloríficos de vários combustíveis (Abbasi et al., 2012). ............................................................................................................................................... 14 Tabela 2. Exemplos de produtos de fermentação de glucose e amina (adaptado de Boe (2000)). ..... 22 Tabela 3. Energia livre de algumas reacções da acetogénese (Adaptado de Berardino (2006))......... 23 Tabela 4. Reacções de associações sintróficas de bactérias (adaptado de Ferreira (2010)). ............. 23 Tabela 5. Energia livre de algumas reacções da metanogénese (Adaptado de Berardino (2006)) ..... 24 Tabela 6. Condições ambientais óptimas para digestão anaeróbia. (adaptado de Deublein e Steinhauser (2008)). ......................................................................................................................... 26 Tabela 7. pH óptimo em diversos grupos de bactérias (adaptado de Berardino (2006)) ..................... 32 Tabela 8. Potencial de oxidação redução e respiração (adaptado de Gerardi, 2003) ......................... 35 Tabela 9. Alguns dos modelos cinéticos de digestão anaeróbia para a produção de biogás e principais parâmetros incluídos, em reactores homogéneos e perfeitamente agitados (SVB – sólidos voláteis biodegradáveis, XL- fracção de lípidos, XP- fracção de proteínas, HAc- acetato, HPr- propionáto, HBtbutiráto) (adaptado de Gerber e Span (2008)) ................................................................................... 38 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Tabela 10. Condições iniciais e de arranque. .................................................................................... 53 Tabela 11. Parâmetros cinéticos, no modelo proposto (adaptado de Liu et al. (2007)) e constantes cinéticas alteradas, através da optimização por objectivos. ............................................................... 54 Tabela 12. Comparação entre os valores obtidos, pelo modelo e os valores experimentais industriais, em estado estacionário. .................................................................................................................... 55 12 Lista de abreviaturas ALC Alcalinidade AGV Ácido orgânico volátil APOH Bactérias produtoras obrigatórias de hidrogénio Cj Molécula com j carbonos GNC Gás natural comprimido C:N Razão de carbono e azoto CO2e Dióxido de carbono equivalente CQO Carência química de oxigénio CQOs Carência química de oxigénio em solução DA Digestão anaeróbia Eh Potencial de redução e oxidação FORSU Fracção orgânica de resíduo sólido urbano PC Poder calorífico PCI Poder calorífico inferior RSU Resíduo sólido urbano ST Sólidos totais SST Sólidos suspensos totais SV Sólidos voláteis SSV Sólidos suspensos voláteis Tep Tonelada equivalente de petróleo TRH Tempo de retenção hidráulico TRS Tempo de retenção de sólidos 13 1 INTRODUÇÃO O uso do biogás pela humanidade remonta ao séc. X a.C. a povos como os Assírios e Antiga China, cujo domínio da técnica permitia o seu uso para aquecimento de banhos e outros usos domésticos, tal como o aproveitamento do digerido estabilizado anaerobiamente para a agricultura (He, 2010). Desde a 1ª grande crise energética na segunda metade do século XX, com o aumento do preço dos combustíveis fósseis e com o aumento das preocupações ambientais, a União Europeia tem vindo a realizar grandes apostas com a utilização de combustíveis renováveis de baixo custo, estando entre eles o biogás. O biogás, mais especificamente, o biometano é um gás produzido naturalmente quando a matéria orgânica é decomposta em meio húmido e na ausência de oxigénio por microrganismos metabolicamente activos. Na natureza, o metano é formado em corpos de água estagnada como lagos, pântanos e sistemas digestivos de ruminantes. As vantagens da produção de biogás sobre outro tipo de energias renováveis existentes no mercado (Tabela 1), relaciona-se com o facto de conter um poder calorifico da mesma ordem de grandeza da do gás natural, a um menor custo, sendo produzido através de matéria biodegradável considerada como resíduo, contribuindo para a redução de emissão de gases de efeito de estufa para a atmosfera (cerca de 23 vezes menos que o gás natural). Por outro lado, a energia final do biogás pode ser aplicada em diferentes áreas de intervenção, tais como a combustão directa e produção de calor, geração de electricidade e integração na rede de gás natural, utilização como combustíveis para veículos e, em ultima análise, a aplicação em pilhas de combustíveis. O facto de ser produzido localmente, com pouca ou nenhuma dependência de combustíveis fósseis, pode conduzir a menores volumes depositados de orgânicos biodegradáveis em aterros sanitários, com consequente redução da produção de lixiviados, que propiciam a degradação da qualidade da água e do ar (Abbasi et al., 2012). Tabela 1. Poder calorífico de vários combustíveis e respectivas emissões em CO2 equivalente (Abbasi et al., 2012). Combustível Petróleo Gás Natural Gás Natural liquefeito Querosene Diesel GNC Biogás Poder calorífico Factor de emissões indirectas inferior (PC) (kg CO2e/GJ, base PCI) 10800 kcal kg-1 8600 kcal m -3 12,51 5,55 -1 20,00 -1 13,34 -1 14,13 13140 kcal kg 10300 kcal kg 10700 kcal kg 8600 kcal m -3 8,36 5000 kcal m -3 0,246 14 Figura 1. Biogás Produzido na Europa, em ktep, no ano de 2009 (EUROBSERV’ER, 2010), a partir de biomassa e da fracção orgânica do Resíduo Sólido Urbano (Biomass &FOMSW ) de Lamas de ETAR (Sewage) e em aterro sanitário (Landfill). Figura 2. Ranking de produção de Biogás na Europa, em tep/1000 hab, no ano de 2009 (EUROBSERV’ER, 2010) 15 O processo de digestão anaeróbia é, hoje em dia, competitivo no mercado das energias renováveis (Raposo et al, 2011) e encontra-se em expansão por toda a Europa (Figura 1 e Figura 2). A produção média de biogás na Europa atingiu os 16,7 tep/1000 hab em 2009, destacando-se a Alemanha, o maior produtor, com 51,5 tep/1000 hab de energia primária obtida a partir de biogás de resíduos agrícolas, como por exemplo do milho, e da fracção orgânica de resíduos sólidos urbanos (FORSU). Em 2010, Portugal ainda não ultrapassava os 2,2 tep/1000 hab, estando numa fase de crescimento. 1.1 Digestão anaeróbia da FORSU As tecnologias aplicadas à digestão anaeróbia da FORSU diferenciam-se pelo regime hidráulico (contínuo, descontínuo ou semi-contínuo) pelo teor em sólidos no digestor (via húmida e seca) e também pela gama de temperaturas em que ocorre a digestão (mesofílicos e termofílicos).A escolha do tipo de tecnologia depende essencialmente do investimento a realizar e características do resíduo, pois sistemas por via húmida, ou de baixa carga, obrigam ao uso de grandes volumes de reactor para processar grandes quantidades de matéria orgânica, com consequentes custos elevados de tratamento de efluentes. Mas, por outro lado, possibilitam uma maior estabilidade, devido à grande difusão de possíveis inibidores. Tecnologias de alto teor de sólidos, proporciona baixos volumes de reactor, altas cargas orgânicas e menores custos de investimento inicial, mas, em contrapartida requerem equipamentos mais caros (Vandevivere et al, 2002). Até ao início dos anos 90, as tecnologias dominantes eram por via húmida, em regime mesofílico, descritas nos subcapítulos 1.1.6.4 e 1.1.6.6, devido principalmente à sua estabilidade (Figura 3). Com o avanço do conhecimento científico, houve um despoletar destas tecnologias em substituição de sistemas por via seca em regime termofílico. Até 2006, verifica-se que quer em termos de via húmida ou seca quer em termos de regime mesofilo ou termófilo, existe uma estabilização tendencial dos processos. Outro tipo de processos prende-se à utilização de tecnologias de estágios múltiplos, devido ao facto das etapas da degradação anaeróbia serem maioritariamente sequenciais e independentes da etapa seguinte, possibilitando uma maior flexibilidade optimização e controlo cada uma das etapas. Para este tipo de tecnologia, tipicamente são utilizados dois reactores: o primeiro para hidrólise/liquefação e acetogénese e o segundo para a metanogénese. No primeiro reactor, o tempo de retenção é limitado pela taxa de hidrólise da celulose e no segundo pela taxa de crescimento das bactérias metanogénicas (Reichert, 2004). Devido ao facto de a separação de fases ser pouco conhecida, segundo De Baere (2006), mais de 92% da capacidade instalada é realizada em processos de estágio único, em que a metanogénese e a hidrólise/acidogénese ocorrem no mesmo reactor. 16 Figura 3. Evolução temporal das tecnologias de DA em termos de teor de sólidos, à esquerda, e gamas de temperatura, à direita (Fonte: De Baere, 2006). 1.1.1 FORSU como substrato da digestão anaeróbia De forma a tirar partido do máximo de rentabilidade da reutilização e valorização do potencial energético endógeno de resíduos, com o menor risco sanitário e de saúde pública, as instalações de tratamento de resíduos sólidos urbanos (RSU) necessitam de responder aos diferentes estímulos de mercado, quer através de incentivos comunitários, quer por restrições impostas para a deposição de resíduos em aterro (PERSU II, 2007). Na perspectiva da gestão de RSU, quer sejam originados pelas grandes concentrações urbanas ou pela produção agrícola e industrial intensiva, o aproveitamento energético a partir da digestão anaeróbia (ou biogasificação), da FORSU em metano e dióxido de carbono apresenta-se como uma solução adequada sendo uma tecnologia sustentável actualmente e em rápido crescimento (De Baere, 2006), devido essencialmente à dupla produção de energia renovável (biogás) e recuperação de matéria orgânica estabilizada em forma de composto. Por outro lado, os resíduos domésticos putrescíveis, por serem muito húmidos e não terem uma estrutura definida, são preferencialmente mais facilmente degradados anaerobiamente que por compostagem (Kubler et al, 2000). Quer do lado económico, quer do lado ecológico, comparativamente com tecnologias de compostagem “pura”, o processo de digestão anaeróbia pode ter menor consumo de combustíveis fósseis e menor impacte ambiental, consequente da relativa redução de gases de efeito de estufa, comparativamente com tecnologias de tratamento aeróbio (Edelmann et al, 2000). Os RSU são muito variáveis quanto à sua composição, sendo uma mistura heterogénea de macromoléculas biodegradáveis (carbohidratos, proteínas e gorduras), não biodegradáveis, inorgânicos e inertes. A sua composição depende de vários factores tais como o estilo de vida das populações, padrões de consumo ou nível de desenvolvimento económico e tecnológico do país (Cheremisinoff, 2003). A FORSU é descrita como mistura heterogénea de resíduos putrescíveis, capazes de serem degradados por microrganismos, com um teor típico de 40% de humidade (Ferreira, 2010). A variabilidade da sua constituição depende maioritariamente do sistema de recolha utilizado, da sua proveniência ou efeitos de sazonalidade ao longo do ano. O teor em contaminantes, como plásticos, 17 vidros, metais pesados e algumas substâncias químicas, geralmente, estão presentes em menores quantidades em sistemas de recolhas selectivas “porta-à-porta”, apresentando uma maior qualidade em FORSU, com baixos teores em matéria não-biodegradável (Hartmann e Ahring, 2006), tendo influência directa na produção específica de biogás por sólidos alimentados ao digestor e na sua qualidade em metano, devido a menores concentrações de substâncias tóxicas aos microrganismos, não dependendo unicamente da configuração do processo utilizado para maximização da eficiência de produção. 1.1.2 Pré-tratamentos A aplicação de um pré-tratamento, com o intuito de remover potenciais contaminantes, e outros agentes desestabilizadores do processo, ou de dilacerar e hidrolisar termicamente partículas de grande dimensão, como é o caso da FORSU, pode aumentar as condições de solubilização, melhorando as condições de biodegradação ao nível do substrato, contribuindo para que, num determinado tempo de retenção hidráulico, a produção específica de biogás seja optimizada (Carlsson et al, 2012). Embora se considere que com um pré-tratamento se perdem 15 a 25% de sólidos voláteis (SV), o facto de actuar na redução da dimensão das partículas, no aumento da superfície de contacto da matéria orgânica insolúvel biodegradável ou na remoção de partículas que possam vir a afectar o sistema, poderá ser positivo porque potencia condições de solubilização, acelerando a fase hidrolítica e favorecendo as condições biológicas do processo, podendo, em última analise, permitir passar de produções típicas de 220 L CH4/kg SV para produções de 400 L CH4/kg SV (Hartmann et al., 1999. Citado por Ferreira, 2010). 1.1.3 Principais tecnologias aplicadas Para processos cujo design é realizado por via seca e semi-seca, existem no mercado pelo menos três que se mostraram eficazes na produção de biogás (Figura 4). O reactor da tecnologia Dranco (“Dry anaerobic Composting”) é tubular com um escoamento em pistão vertical e pode ser aplicado em regime mesófilo e termófilo, sendo que a mistura dentro do reactor é promovida pela recirculação do digerido, extraído do fundo do reactor e misturado com resíduo fresco, sendo bombeado para o topo. Este simples design é eficiente para tratamentos de resíduos com um teor de ST de 20 a 50% com tempos de retenção de 12 a 18 dias. O reactor da tecnologia da Kompogas é semelhante à da Dranco mas com escoamento em pistão horizontal, aplicado em regime termófilo, descontinuo e com recirculação de inóculo. No reactor da tecnologia Valorga, de design diferente dos anteriores sistemas em escoamento pistão linear, os resíduos alimentados são transportados de forma circular num reactor cilíndrico cuja mistura ocorre por injecção de biogás em alta pressão no fundo do reactor a cada 15 min (Vandevivere et al, 2002; Ferreira, 2010) 18 Figura 4. Esquemas de processos por via seca e semi-seca comercializados pela Dranco (à esquerda), Kompogas (centro) e Valorga (à direita). (Fonte: Vandevivere et al, 2002). Figura 5. Esquema típico do processo por via húmida e fase única (Vandevivere et al, 2002). O processo de digestão anaeróbia por via húmida (Figura 5) é precedido por um pré-tratamento designado pulping, onde é adicionada água para facilitar a hidrólise e transporte do resíduo para o digestor, de uma ou duas fases, por forma a se proceder à biometanização e a mistura da suspensão dentro do digestor, é promovida por sistemas mecânicos ou de bolhas de biogás tornando o processo essencialmente automático. Neste tipo de tecnologia estão incluidos os processos comercializados pela BTA e Linde-KCA (R.W.Beck, 2004). 1.1.4 Descrição do processo da CVO da Valorlis e da CVO da Suldouro O processo industrial de produção de biogás nas Centrais de Valorização Orgânica (CVO) da Valorlis e Suldouro, esquematizado na Figura 6, é realizado em regime mesófilo e por via húmida (5 %ST). Esta tecnologia, é dividida em três etapas. Numa primeira fase, o resíduo putrescível é separado a seco num crivo rotativo de 80mm e armazenado num contentor denominado “bunker”. Ambas as 19 fracções sofrem uma valorização de metais sendo a fracção de maior diâmetro encaminhada para um sistema de triagem para recuperação de plásticos. A fracção de menor diâmetro segue para a ® segunda etapa, patenteada pela BTA Technology, onde ocorre uma remoção, por via húmida, de leves (plásticos e gorduras) e pesados (materiais grosseiros e areias) num sistema sequencial de Pulpers restando uma suspensão aquosa que é posteriormente transferida para um sistema de remoção de areias que se encontrem em suspensão (GRS-Grit Removal System) formando uma suspensão de resíduo putrescível, desintegrado maioritariamente de forma mecânica e com um teor de sólidos na ordem dos 5%. Antes de ser alimentado, em paralelo, aos dois digestores com um 3 volume de 2000 m cada, a suspensão é espessada até cerca de 10%ST e armazenada num tanque 3 arejado com um volume de 500m . Figura 6. Esquema do processo de produção de biogás da CVO da Valorlis 1.1.5 Etapas de processo microbiológico e bioquímico O processo de degradação anaeróbio (Figura 7) é complexo e depende do substrato utilizado, dada as diversas cinéticas de formação e consumo de intermediários de reacção. Os compostos são bioconvertidos por um consórcio de bactérias quimioheterotróficas sensíveis ou até mesmo inibido pela presença de oxigénio. (Botheju e Bakke, 2011). De forma genérica, na primeira etapa degradativa, a matéria orgânica pode ser dividida, de modo grosseiro, em dois grandes grupos, de baixa e alta biodegradabilidade. A de baixa biodegradabilidade é constituída essencialmente por macromoléculas aminadas, lípidos e polímeros de carbohidratos (celulose, hemicelulose e lenhina) e hidrolisados a compostos mais simples e de maior biodegradabilidade como aminoácidos, ácidos gordos de cadeia longa e açúcares, numa primeira etapa do processo de digestão anaeróbia. Na etapa degradativa seguinte, na acidogénese, estes compostos são fermentados por bactérias produtoras de ácidos orgânicos a ácidos de cadeia curta 20 sendo posteriormente consumidos, durante a etapa denominada acetogénese, tendo como produtos acetatos, dióxido de carbono e hidrogénio os quais são transformados, durante a metanogénese, em metano e dióxido de carbono (Berardino, 2006). Figura 7. Esquema do processo de digestão anaeróbia Todavia verifica-se que os diversos grupos de microrganismos especializados que interferem no processo manifestam-se de forma ecológica formando um ecossistema simbiótico heterogéneo e com forte interdependência em que todos os produtos de uma fase metabólica anterior são convertidos para a fase seguinte (Ferreira, 2010). Por outro lado, a diversidade de produtos metabólicos, consequentes de diferentes caminhos degradativos da matéria orgânica, dependem do tipo de microrganismos activos, das condições operatórias e da termodinâmica das reacções de fermentação anaeróbia (Gerardi, 2003). 1.1.5.1 Hidrólise e acidogénese/fermentativa A hidrólise corresponde à primeira fase da degradação anaeróbia da matéria orgânica. Nesta fase substâncias poliméricas, como carbohidratos, proteínas e lípidos, insolúveis e de elevado peso molecular, são fragmentadas das suas ligações covalentes nos seus monómeros correspondentes (açúcares, aminoácidos e ácidos gordos de cadeia longa, respectivamente) por exoenzimas (lipases, celulases, proteases, peptidases, etc) excretadas por bactérias hidrolíticas ou anaeróbias facultativas de forma a poderem atravessar a membrana celular. Por outro lado, o consumo do oxigénio existente do meio possibilita baixar o potencial redox (Eh), necessário para o metabolismo das bactérias anaeróbias obrigatórias. Após a “liquefacção” da matéria orgânica complexa, os monómeros formados são consumidos por diferentes bactérias anaeróbias facultativas e obrigatórias durante a fase de acidogénese transformando-se em ácidos gordos de cadeia curta (C1-C5), como ácido butírico, propiónico e acético, álcoois, hidrogénio e dióxido de carbono (Tabela 2). 21 Tabela 2. Exemplos de produtos de fermentação de glucose e amina (adaptado de Boe (2000)). Acidogénese Equações Simplificadas Acetato Acetato* Propionato + acetato Butirato Lactate Etanol *- degradação de aminoácidos (Gerardi, 2003) 1.1.5.2 Acetogénese Os produtos metabólicos da fase acidogénica servem como substratos a outro grupo de bactérias que os transformam em moléculas de menor peso molecular, mais propriamente em acetato, hidrogénio e dióxido de carbono, por acção de bactérias homoacetogénicas e de bactérias produtoras obrigatórias de hidrogénio (APOH). Do ponto de vista termodinâmico, as transformações acetogénicas realizadas pelas APOH são desfavoráveis em condições normais (Tabela 3), tornando-se exergónicas para concentrações de hidrogénio na ordem inferior de 10-4 atm (Alves e Mota, 2007; Gerardi, 2003), como é visível na Figura 8, permitindo o consumo de ácidos de peso molecular elevado, como propiónico e butírico, não degradados por bactérias produtoras de metano. 1- Oxidação do ácido propiónico a acético 2- Oxidação do ácido butírico a acético 3- Etanol a ácido acético 4- Ácido láctico a acético 5- Respiração acetogénica do bicarbonato (CO2) 6- Respiração metanogénica do bicarbonato (CO2) 7- Respiração do sulfato a sulfídrico 8- Respiração do sulfito a sulfídrico 9- Conversão do ácido acético pelas metanogénica 10- Conversão do ácido acético regulado pelas sulfato-redutoras Figura 8. Influência da pressão parcial de hidrogénio na energia livre de Gibbs, durante a acetogénese e formação de metano. Zona viável de produção de metano na área a verde. Ácido acético, 25mM; Propiónico, Butírico, láctico e etanol,10mM; Sulfito, 5mM; Bicarbonato, 20mM; Metano, 0,7atm (Adaptado de Di-Berardino, 2006) 22 Tabela 3. Energia livre de algumas reacções da acetogénese (Adaptado de Berardino (2006)) Acetogénese Equações Simplificadas ΔGº(kJ/mole) Etanol + 9,6 Propionato + 76,1 ( Butirato ) + 48 O processo de regulação da pressão parcial de hidrogénio é feito através da associação sintrófica das bactérias metanogénicas utilizadoras de hidrogénio, designadas hidrogenofílicas, com as APOH (Tabela 4) de forma a manter os valores de hidrogénio baixos (Coombs, 1990; Berardino, 2006; Ferreira, 2010). Aproximadamente 30% do metano produzido é atribuído à redução do CO2 pelo H2, mas apena 5-6% deve-se ao H2 dissolvido. O fenómeno da eliminação de hidrogénio do meio reaccional pode ser explicado pela associação sintrófica de transferência de hidrogénio entre os grupos de microrganismos sem que haja dissolução no meio (Deublein e Steinhauser, 2008). Tabela 4. Reacções de associações sintróficas de bactérias (adaptado de Ferreira (2010)). APOH + Equações Simplificadas ΔGº(kJ/mole) Metanogénica Etanol -116.2 Lactate -143.4 Butirato -39.3 Proprionato -102.4 1.1.5.3 Metanogénese A metanogénese corresponde à quarta e última etapa da digestão anaeróbia onde maioritariamente acetato, hidrogénio e dióxido de carbono são transformados em metano e dióxido de carbono por bactérias anaeróbias obrigatórias (Tabela 5). Por outro lado, ao captarem estes compostos previnem a acumulação de ácidos e consequente “consumo” de alcalinidade, que poderiam conduzir a uma diminuição do pH e aumento da pressão parcial de hidrogénio. As bactérias produtoras de metano levam a cabo a etapa final do processo de decomposição da matéria orgânica e estabelecem a cadeia final de transferência de electrões entre dadores e 23 receptores (Gerardi, 2003), influenciando fortemente todo o processo de digestão anaeróbia, condicionando a termodinâmica das reacções bioquímicas das etapas anteriores (Berardino, 2006). Devido à grande sensibilidade ao oxigénio, capaz de originar a morte destas bactérias, de forma a manter o normal funcionamento metabólico e condições favoráveis à formação de acetato, o potencia redox necessita de ser menor que -300 mV. Tabela 5. Energia livre de algumas reacções da metanogénese (Adaptado de Berardino (2006)) Metanogénese Equações Simplificadas ΔGº(kJ/mole) Acetoclástica -31 Hidrogénofilica -135,6 (33,9) Metanol -102,5 Metilamina -101,6 Devido ao facto de bactérias produtoras de metano se reproduzirem muito lentamente (Ahring, 2003), na ordem dos 3 a 30 dias e produzirem reduzidas quantidade de lamas, estas necessitam de poucos nutrientes para o seu crescimento, mas em termos de micronutrientes como cobalto, ferro, níquel e enxofre necessitam de duas a cinco vezes mais que a maioria dos microrganismos (Garardi, 2006). As bactérias metanogénicas são mais sensíveis que as bactérias hidrolíticas e acidogénicas a elevadas concentrações de ácidos gordos voláteis (AGV) com consequente redução do pH. Caso ocorram efeitos desestabilizadores, como a súbita alteração do pH ou temperatura, o custo de recuperação dos níveis estacionários pode ser elevado dado que as alterações ambientais diminuem a actividade das espécies de microrganismos aclimatizados e aumentam a competição inter-espécies podendo alterar os caminhos fermentativos existentes e consequente quantidade e qualidade do biogás final. 1.1.5.4 Inibições e efeitos Tóxicos A inibição é a consequência da diminuição de actividade ou até mesmo morte de um microrganismo devida à presença de compostos tóxicos no ambiente. O caso mais comum de inibição do processo de digestão anaeróbia é a acumulação de ácidos gordos voláteis e amónia dentro do reactor. Outros inibidores menos comuns, como ácido sulfídrico, metais alcalino e alcalino-terrosos e outros metais pesados como, crómio, níquel, zinco e cobre, são apontados na bibliografia como possíveis causadores de instabilidade e falhas de sistemas de tratamento anaeróbio. 1.1.5.4.1 Inibições de ácidos Gordos Voláteis Os ácidos orgânicos, produzidos durante a digestão anaeróbia e imprescindíveis para a produção de metano, variam nas suas características químicas, principalmente no comprimento da cadeia de carbonos. As cadeias curtas volatilizam com relativa facilidade à pressão atmosférica, sendo denominados ácidos orgânicos voláteis. Aproximadamente 85% da totalidade dos ácidos existentes 24 no caldo físico-químico é composta por ácido acético (C2) sendo os restantes maioritariamente constituídos por ácido propiónico (C3), butírico (C4), valérico (C5) e capriónico (C6). Estes últimos, devido ao seu peso molecular, não são degradados pelas bactérias metanogénicas acumulando-se caso não sejam degradados a cadeias mais simples (Gerardi, 2003). A acumulação de ácidos no digestor, consequente muitas vezes de desequilíbrios metabólicos, tem um grande impacte na alcalinidade, pH e na sua forma desionizada. Estes ácidos podem penetrar facilmente pela membrana celular e induzir a redução do pH interno, provocando um decréscimo da velocidade metabólica ou a morte celular (Berardino, 2006; Deublein e Steinhauser, 2008). A inibição dos ácidos orgânicos voláteis é intensificada pelo pH e quanto maior a concentração maior é o efeito de inibição potencial na biomassa (Figura 9). De forma a minimizar a inibição, é importante manter a concentração de ácido voláteis baixas, menores que 2g/l de acetato (McCarty e McKinney, 1961) e em valores de pH na ordem de 7,5, no máximo até 6 g/l. Figura 9. Inibição do ácido acético em função do pH. (Fonte: Deublein e Steinhauser, 2008) 1.1.5.4.2 Inibições por amónia A amónia livre encontra-se em equilíbrio com o ião amónio e ambos inibem a digestão anaeróbia, sendo que a primeira exerce um efeito tóxico em concentrações muito mais baixas. Este equilíbrio depende fortemente do pH (Figura 14). A fracção de amónia a pH=7 é de 1% da concentração total e 10% a pH=8, sendo termodinamicamente favorável para pH básico. De entre os 4 grupos de biomassa existente no processo de digestão anaeróbia, é globalmente aceite que as metanogénicas são as mais sensíveis a valores elevados de amónia livre (Gerardi, 2003; Deublein e Steinhauser, 2008). Concentrações totais de amónia de 1,5 a 3 g/l podem ser toleradas, 25 como descrito por McCarty (1964), mas na bibliografia é apontada uma gama considerável de valores onde a produção de metano foi reduzida em 50%, para valores na ordem de 1,7 a 14 g/L, indicando uma dependência externa como tipo de substrato, inóculo, condições ambientais (temperatura, pH) e tempos de aclimatização (Chen et al., 2008). 1.1.6 Condições operatórias A produção de metano depende de vários factores como a composição do substrato, tamanho das partículas, proporção de compostos existentes, degradabilidade da matéria e relação entre os nutrientes essenciais. Para além das características intrínsecas do substrato, existem outras variáveis não menos importantes a ter em conta de forma a manter o processo estável, como as descritas na Tabela 6 e outras como a velocidade das etapas de processo, tempo de retenção hidráulico e de sólidos, carga orgânica e grau de mistura (Deublein e Steinhauser, 2008). Tabela 6. Condições ambientais óptimas para digestão anaeróbia. (adaptado de Deublein e Steinhauser (2008)). Parâmetros Hidrólise/Acidogénese Formação de Metano Temperatura 25-35 ºC Mesofílo:32-42ºC/ Termofílo:50-58ºC pH 5,2-6,3 6,7-7,5 Rácio C:N 10:1 – 45:1 20:1 – 30:1 %ST <40 <30 Eh +400 a -300mV <-300 mV 1.1.6.1 Carga orgânica A carga orgânica (C.Org) máxima mede a capacidade do consórcio microbiano em converter os substratos nos correspondentes produtos e é definida como o quociente entre o caudal mássico de sólidos biodegradáveis alimentados e o volume de reactor. Este caudal mássico é determinado pelo caudal volumétrico da alimentação e pela sua concentração em sólidos biodegradáveis, sendo expressa em unidade de CQO/m 3 ou SV/m3, tal como expresso na equação A.II.3 (vide Anexo A.II). Comparativamente com tecnologias de degradação aeróbia, a C.Org na entrada do reactor é baixa e raramente ultrapassa valores na gama de 1-4 KgSV/dia em sistemas por via húmida (Figura 10). Esta limitação deve-se principalmente ao efeito de inibição resultante da acumulação de AGV’s, consequente da baixa velocidade de crescimento das bactérias metanogénicas. Apesar de em sistemas por via semi-seca e seca serem exequíveis C.Org na gama de 7-15 KgSV/dia, sem acidificação excessiva, as eficiências de produção de metano e de remoção de SV apresentam valores menores na ordem de 140- 314 mL/gSV e 31-48%, respectivamente (Nagao et al., 2012). 26 Figura 10. Relação entre a carga orgânica e a produção de biogás em m3/ t SV, (MT-metric tonne) (Hartmann e Ahring, 2006), para diferentes gamas de temperatura, concentração de sólidos e pré-tratamentos, relativo à FORSU (OFMSW) 1.1.6.2 Biodegradabilidade A digestão anaeróbia pode ser usada para degradar uma vasta gama de resíduos biologicamente degradáveis cuja maioria pode ser dividida em cinco categorias; FORSU, resíduos orgânicos provenientes da indústria alimentar, resíduos agrícolas, chorume e estrumes e lamas provenientes de estações de tratamento de águas residuais (Carlsson M. et al, 2012). As velocidades de degradação dos diferentes compostos orgânicos complexos podem ser muito distintas. Por exemplo, a taxa de degradação da celulose pode demorar semanas sendo que a da hemicelulose e proteínas é mais rápida, podendo demorar alguns dias, e a degradação de pequenas moléculas como açúcares, ácidos orgânicos voláteis e álcoois é ainda mais rápida, podendo demorar algumas horas (Coombs, 1990). Compostos presentes em resíduos vegetais, como a lenhina, não são degradados pela maioria dos sistemas de digestão anaeróbia necessitando de tempo de retenção na ordem dos 250 dias (Benner, 1984). Vários estudos têm sido realizados sobre a influência da composição dos substratos, como a relação inversa entre o teor em lenhina e celulose e a biodegradabilidade do substrato (Figura 11) determinada por Buffiere et al. (2006), tendo sido modelada por Chandler et al. (1980). 27 Figura 11. Relação inversa entre o teor em lenhina e celulose e a biodegradabilidade (%), da matéria orgânica (Buffiere et al., (2006)) Substratos como jornais, dejectos de animais, palha, folhas e outros resíduos agrícolas foram utilizados para o estabelecimento da equação (1), com um coeficiente de correlação de 0,94: ( ) (1) Em que BD, é a fracção biodegradável dos SV (0 <BD <1); , o teor inicial em lenhina, em %SV, (0 < <20%). Por outro lado devido à grande variabilidade no tempo dos substratos, a produção e qualidade do biogás raramente se mantém constante pois, como referido por Chandra et al. (2012), os rendimentos de produção de biogás específica de carbohidratos, lípidos e proteínas apresentam valores na ordem de 886L/ SVremov (com 50% de CH4), 1535l SVremov (com 70% de CH4) e 587 L/SVremov (com 84% de CH4), respectivamente. 1.1.6.3 Razão C:N É globalmente aceite que a relação entre a quantidade de carbono e azoto presente na matéria orgânica é óptima entre 20 e 30, com base no carbono biodegradável. Altos valores de C:N indicam uma deficiência em azoto, diminuindo a formação de nova biomassa, normalmente em concentrações de amónia abaixo de 200 mg/L (McCarty, 1964; Che et al., 2008). Caso ocorra valores baixos de C:N verifica-se que a degradação da matéria orgânica leva à produção excessiva de amónia, inibindo a biomassa metanogénica, com consequente diminuição de produção de metano e possível acumulação de AGV (Che et al., 2008). 1.1.6.4 Teor em sólidos e Tamanho das Partículas O teor de sólidos é considerado um dos parâmetros fundamentais no dimensionamento de um digestor pois permitem optimizar custos por redução do volume do reactor e de consumos de água fresca. No mercado existem três tipos de gamas dominantes para o processamento de FORSU sendo estas caracterizadas por via: húmida (6 a 10%ST); semi-seca (10 a 20%ST); e seca (>20%ST). Para 28 tecnologias por via húmida, os factores de diluição extremos exercem importantes problemas operatórios dado que suspensões muito diluídas promovem o assentamento de partículas sólidas no fundo do digestor. Por outro lado, acima de 10% ST, a eficiência de transferência de massa líquido/gás é comprometida nas zonas mais baixas do reactor (Carlsson et al., 2012). Mas, ao contrário dos métodos de tratamento por via seca, em sistemas por via húmida podem ser atingidas maiores taxas de metanogénese devido ao elevado fluxo de transferência de ácidos produzidos durante a acidogénese e acetogénese conduzindo simultaneamente a elevadas eficiências de remoção de sólidos e altas produções específicas de metano (Nagao et al., 2012). 1.1.6.5 Mistura A mistura permite o aumento da homogeneidade dos constituintes do meio, como a biomassa, substrato e outros nutrientes, e equalização da temperatura no volume do reactor através do aumento mecânico dos fluxos convectivos e difusivos. Desta forma o contacto biomassa/substrato é maior tornando os processos degradativos mais rápidos permitindo tempos de retenção mais baixos e diluição dos efeitos de inibição locais. Por outro lado, impede que, no caso de um reactor de fase líquida, materiais inertes e aglomerados de biomassa precipitem no fundo do reactor causando uma menor eficiência de transferência de massa. 1.1.6.6 Temperatura A temperatura, tal como o pH, exerce uma influência enorme na eficiência do processo de digestão anaeróbia dado que a variação de apenas alguns graus num curto espaço de tempo afecta de forma global a actividade biológica (Figura 12). Figura 12. Taxa de crescimento relativa dos microrganismos psicrófilos, mesofílicos e termofílicos (adaptado de Schӧn (2009)) Por outro lado, dada a grande diversidade de estirpes microbianas, existem diversas gamas de temperatura óptimas sendo que, para os processos anaeróbios, normalmente são consideradas três gamas de temperatura: psicrófila (<20ºC); mesófila (20 e 45ºC); e termófila (>45ºC). As bactérias metanogénicas apresentam um crescimento máximo na gama mesófila, para temperaturas entre 30 e 38ºC, e na gama termófila, entre 49 e 47ºC (Alves e Mota, 2007), com uma variação máxima diária de 2-3ºC e 1ºC, respectivamente (Garardi, 2003). 29 Assim, de forma a manter uma produção estacionária de metano, é necessário que o reactor opere a uma dada temperatura uniforme de forma a prevenir instabilidades prejudiciais a longo prazo. 1.2 Variáveis de monitorização As variáveis usadas na monitorização do processo de digestão anaeróbia são usadas na maioria dos processos biotecnológicos ou químicos sendo as mais relevantes a alcalinidade, caudal de gás, pH, Eh, concentração de hidrogénio, ácido sulfídrico e metano e ácidos orgânicos voláteis (Spanjers e Lier, 2006). Outras variáveis não menos importantes, como a carência química (CQO) e carbono iónico total (TOC), sólidos suspensos totais (SST) e voláteis (SSV) e caudais volumétricos, possibilitam construir um conjunto de indicadores, como eficiências de remoção de sólidos e produção específica do produto de interesse, como é o caso do metano. 1.2.1 Indicadores de controlo A optimização do desempenho da digestão anaeróbia passa pela avaliação da carga orgânica máxima a alimentar aos digestores, ou seja, a massa de sólidos biodegradáveis que entra no reactor por unidade de tempo e por unidade de volume de reactor, a taxa de produção de biogás, o rendimento de produção de metano, ou volume de gás por unidade de massa de sólidos degradados e pela eficiência de remoção de sólidos do digestor, como descritas nas equações AII.3, AII.4, AII.5 e AII.6, respectivamente (vide Anexo A.II). 1.2.1.1 Caudal, rendimento de produção e composição de biogás O caudal de biogás, mais especificamente o metano produzido, constitui um bom indicador do estado metabólico da digestão anaeróbia permitindo avaliar de forma global o desempenho do processo como, por exemplo, caso a produção de metano baixe aquando da ocorrência de inibição por acumulação de AGV na fase líquida. Todavia, o uso isolado deste indicador mostra-se insuficiente na determinação de ocorrências de falha (Moletta, 1998) pois não indica de forma eficaz a origem da perturbação. Em sistemas por via húmida (<5%ST) foram atingidos, segundo a bibliografia, rendimentos de produção de metano na ordem de 364–489 L/kgSV e eficiências de remoção na ordem dos 83-91% para resíduos de alta biodegradabilidade (Cho et al., 1995; Heo et al., 2004; Raposo et al.,2011) e taxas de produção entre 1-5 m3/ m3react/dia (Coombs, 1990). 1.2.1.2 Tempo de retenção hidráulico e de biomassa microbiana O tempo de retenção hidráulico (TRH) é também um dos factores que interfere no processo biológico e que mais directamente condiciona o funcionamento dos reactores anaeróbios. Por outro lado, condiciona igualmente aspectos construtivos, nomeadamente a concepção tridimensional do reactor. O TRH é o tempo médio em que o fluxo líquido afluente fica retido no sistema, sendo a razão entre o volume útil do reactor e o caudal afluente, sendo equacionada unicamente para sistemas líquidos (Ferreira, 2010). Por outro lado, o tempo de retenção de biomassa (TRS) decorre da capacidade do 30 reactor, através de meios mecânicos e físicos, de reter a biomassa microbiana e substrato por períodos maiores que o TRH sem provocar zonas mortas ou caminhos preferenciais dentro do reactor sendo uma variável da extensão das reacções que ocorrem no digestor (Figura 13). Figura 13. Produção de biogás, em unidades de volume de gás por SV vs. TRS, onde a relação entre C.Org e rendimento em biogás é Y=0,84-0,072xC.Org, para regimes termófilos por via húmida e teor de SVinput de 5%=50kg/m3 Hartmann H., Ahring B.K. (2006). No caso da digestão anaeróbia por via seca, dado que os substratos contêm elevados teores de sólidos (30%), verifica-se praticamente sempre a relação TRH=TRS uma vez que a quantidade de afluxo de H2O é muito baixa. O tempo de retenção necessário para que ocorra a decomposição anaeróbia nos reactores varia com as diferentes tecnologias, temperaturas do processo e composição dos resíduos. O tempo de retenção para o tratamento de resíduos em processos mesofílicos e termofílicos varia de 10 a 40 dias e nas zonas termofílicas são requeridos menores TRH. Reactores com alta taxa de sólidos operando em condições termófilas têm normalmente um TRH de 14 dias. 1.2.1.3 Características da matéria orgânica A matéria orgânica ou o teor de SV, em resíduos sólidos, é quantificado pelo resultado da subtracção das cinzas obtidas após combustão completa dos resíduos aos ST secos a 105ºC (vide Anexo A.I). Os SV podem ser subdivididos em sólidos voláteis biodegradáveis (SVB) e sólidos voláteis refractários (SVR). O conhecimento da fracção de SVB ajuda na melhor definição da biodegradabilidade do resíduo em estudo, da produção de biogás, da carga orgânica a fornecer ao sistema e da relação C/N (Reichert, 2004). Apesar do aumento do teor em sólidos indicar uma maior disponibilidade de matéria orgânica residual disponível para a valorização energética, a diminuição de água no processo biológico pode, no limite, conduzir à instabilidade e até inibição (Ferreira, 2010). Por outro lado, o crescimento específico da biomassa metanogénica aumenta linearmente com um factor de 3,5, para valores de humidade entre 65 a 82%, correspondente 35 a 18 %ST (Guendouz et al., 2012). 31 1.2.2 Indicadores de estabilidade A metodologia da monitorização tem como base a criação de indicadores de fácil medição que melhor reflictam o estado comportamental do reactor e cujas unidades funcionais sejam de fácil compreensão e universais de forma a serem comparados com valores da bibliografia. Tal como descrito por McCary (1964), devido à grande variabilidade de fenómenos que ocorrem no digestor, os indicadores de estabilidade e controlo não podem ser avaliados de forma independente mas sim de forma uníssona de modo a compreender a tendência da complexa dinâmica do processo. 1.2.2.1 pH A concentração de protões de uma solução, ou seja, o seu pH, afecta os processos de conversão microbiana directamente afectando a actividade enzimática, por alterar a estrutura das proteínas e indirectamente, a toxicidade dos ácidos voláteis, azoto amoniacal, sulfureto de hidrogénio ou a disponibilidade de nutrientes, que se torna muito baixo para pH superiores a 8,3 (Figura 14). A actividade dos grupos de microrganismos intervenientes apresentam sensibilidades diferentes ao pH podendo classificar-se de acordo com a Tabela 7. Tabela 7. pH óptimo em diversos grupos de bactérias intervenientes no processo de digestão anaeróbia (adaptado de Berardino (2006)) Grupo Bacteriano pH óptimo Hidrolíticas 7,2-7,4 Acidogénicas ±6 Acetogénicas 7,0-7,2 Metanogénicas 6,5-7,5 Redutoras de Sulfatos 7,3-7,6 Em tecnologias onde o processo é realizado num único reactor a digestão anaeróbia dá-se numa gama óptima de pH de 6,8 a 7,2. No caso de reactores de duas fases, na fase de hidrólise e fermentação o pH óptimo ronda o intervalo entre 5 e 6,5 e na fase acetogénica e metanogénica 6,8 e 7,4. A utilização isolada do pH como indicador de estabilidade pode revelar-se pouco sensível a variações de acumulações de ácidos caso a capacidade tampão seja suficiente para neutralizar os ácidos produzidos produzindo variações de pH muito lentas e tardias (Boe et al., 2010) sendo útil muitas vezes a monitorização cruzada entre o pH, teor de CO 2 no gás e a alcalinidade, dada a sua forte interdependência, de forma a maximizar a performance dos digestores. 32 Figura 14. Fracções dissociadas e protonadas da amónia, ácido sulfídrico, dióxido de carbono e ácido acético em função do valor de pH. As constantes de equilíbrio e equações químicas usadas para a realização deste gráfico, encontram-se no anexo A.III. 1.2.2.2 Indicador de acidez e alcalinidade Em termos de estabilidade, o rácio de ácidos gordos voláteis e alcalinidade (AGV/ALC) é considerado um satisfatório indicador pois permite avaliar a tamponização do sistema e indica a proporção relativa dos componentes que interferem no pH. A alcalinidade representa a capacidade do reactor neutralizar ácidos formados durante a digestão ou presente no substrato que entra no reactor. A acumulação de AGV reflecte a cinética da produção e consumo destes intermediários por parte da biomassa acidogénica/acetogénica e metanogénica. A acumulação de ácidos tem como consequência problemas como a diminuição da capacidade tampão com consequente diminuição do pH. O AGV/ALC é expresso em equivalentes de ácido acético/equivalentes de carbonado de cálcio, medido com base em técnicas titulométricas (Weichgrebe, 2007). Este indicador expressa o nível de risco do digestor em acidificar tendo uma gama de baixo risco de igual a 0,1 a 0,4. Valores acima do limite máximo indicam que o processo é instável devido ao elevado consumo de alcalinidade por parte dos ácidos e risco de inibição de produção de metano. Contudo, não permite prever o período haverá falha do processo, sendo uma análise tardia, sendo apenas aplicável quando a concentração de ácidos se encontra abaixo da gama de inibição. Por outro lado, foi possível verificar que a gama de baixo risco coincide com a gama de pH para o qual o processo é considerado estável, entre 6.8 e 7.2, como anteriormente referido, para os reactores de fase única, como ilustrado na Figura 15. 33 Figura 15. Variação do pH e da Alcalinidade em função dos AGV (adaptado de Cecchi, 2005). Representação da zona de baixo risco, a vermelho, com base no indicador de AGV/ALC e a gama de pH para o qual o processo é estável, representado a azul, no eixo do pH. 1.2.2.3 Relação pH, CO2 na fase gasosa e Alcalinidade Uma forma alternativa de análise da estabilidade de um reactor é a relação entre o teor em CO2 na fase gasosa, o pH e a alcalinidade. O teor em CO 2 no biogás e o pH do meio estão inter-relacionados (Hansson et al., 2002), como ilustrado na Figura 16, pois as fases líquida e gasosa do CO2 estão em equilíbrio sendo que quando se verifica um aumento do teor em ácidos o ião bicarbonato reage com os ácidos provocando a formação e passagem de CO2 para a fase gasosa de modo a restabelecer o equilíbrio (Di Berardino, 2006). Figura 16. Interdependência entre o pH, o teor em CO 2 no gás e a Alcalinidade, a 35ºC (EPA, 1979). 34 1.2.2.4 Pressão parcial de hidrogénio A pressão parcial de hidrogénio dissolvido é considerada um indicador muito sensível à instabilidade entre os diferentes grupos de microrganismos pois tem uma relação linear com a acumulação de AGV em condições de cargas orgânicas bruscas. Figura 17. Taxas relativas de formação de ácidos: acético, propiónico e butírico, em função da concentração de hidrogénio (Gerber e Span, 2008) Switzenbaum et al., 1990, verificou que o indicador de pressão parcial de hidrogénio é limitado quando avaliado de forma isolada pois, apesar de a concentração de hidrogénio indicar com antecedência uma possível acidificação do processo, não permite avaliar a causa da destabilização do processo. 1.2.2.5 Potencial Redox O Eh constitui um indicador muito importante do estado da digestão anaeróbia e da termodinâmica das reacções que ocorrem no meio pois exprime a capacidade de uma molécula receber ou doar electrões (Gerardi, 2003) possibilitando identificar rapidamente qual o tipo de reacções dominantes (Tabela 8). Tabela 8. Potencial de oxidação redução e respiração (adaptado de Gerardi, 2003) Tipo de respiração Molécula final da cadeia de electrões Eh (mV) Aeróbia ou oxida >50 Anaeróbia ou anóxica +50 a -50 Anaeróbia ou redução-sulfato <-400 Anaeróbia ou fementação de ácido e alcoóis <-100 Anaeróbia ou produção de metano ( ) <-300 35 A sua alteração antecipa a acumulação de ácidos e a variação do pH constituindo o indicador com a resposta mais rápida para o controlo do comportamento do processo (Berardino, 2006). 1.2.3 Modelos matemáticos de digestão anaeróbia Na bibliografia os modelos existentes variam muito respectivamente ao seu objectivo e complexidade desde de modelos simples, como os de Buswell e Mueller (1952), Boyle (1976) (vide equação 2) desenvolvidos exclusivamente para o cálculo da produção máxima de biogás com base nas características teóricas do substrato orgânico, ou modelos, como o de Keymer e Schilcher (2003) e Amon et al. (2007), comparativamente simples de cálculo da produção de biogás incluindo taxas de degradabilidade de diferentes componentes do substrato, pois nem todas têm as mesma taxas de conversão, como é o caso da lignina que tem uma taxa de conversão considerada nula para os tempos de retenção usuais. Este tipo de modelos não permite um controlo dinâmico existindo assim modelos complexos que incluem cinéticas de crescimento microbiano e sua interacção com condições externas. b c 3d e C a H b Oc N d S e a H 2O 4 2 4 2 a b c 3d e a b c 3d e CH 4 CO2 dNH 3 eH 2 S 2 8 4 8 4 2 8 4 8 4 (2) Com a inclusão de cinéticas de crescimento, a actividade microbiana proporciona uma maior variabilidade tendencial do modelo para uma previsão mais aproximada aos valores reais de produção quer dos diferentes intermediários da reacção quer de biogás e qualidade em metano tendo importantes implicações nas decisões estratégicas, como alterações de condições operatórias devido a perturbações ou tentativas de optimização de produção. De forma a compreender o crescimento dos microrganismos, Monod (1949) determinou e dividiu o ciclo de vida do microganismo em 6 fases distintas como mostra a Figura 18 e definiu o crescimento microbiano na fase de estacionária, com base na seguinte equação: (3) ⁄ em que: ⁄ - taxa de crescimento da biomassa X limitado a um substrato, S (kg.kg-1.d-1) -1 - taxa de crescimento máximo específico da biomassa X (d ) - constante de saturação para o substrato limitante S (kg. m -3) 36 Figura 18. Fases do crescimento microbiano: (1) fase de latência, adaptação a substrato; (2) fase de aceleração do crescimento; (3) fase de crescimento exponencial ou fase de crescimento de primeira ordem; (4) fase de abrandamento (5) fase de estacionária e (6) fase de decaimento (Gerber e Span, 2008). Nos últimos 40 anos, com o aumento do conhecimento científico, a modelação dos processos de digestão anaeróbio tem vindo a ganhar novos adeptos sendo que metade dos modelos desenvolvidos referem-se aos últimos 10 anos, contando até 2006 com 750 publicações (Batstone et al., 2006) dos quais se destacam alguns mais citados na bibliografia, principalmente para estado estacionário (Tabela 9), como o Anaerobic Digestion Model 1 (ADM1). O ADM1 da International Water Association (IWA) Anaerobic Digestion Modelling Task Group (Batstone et al, 2002) inclui 8 grupos de bactérias e 11 reacções. Taxas de morte, desintegração e hidrólise são considerados como função do pH, equilíbrio iónico e equilíbrio líquido/gás. Apenas a influência da temperatura e energia para a manutenção da célula são desprezáveis. O modelo desenvolvido é um dos mais complexos e dos mais usados contando com 32 variáveis de estado dinâmicas aumentando significativamente o efeito da validação. O manuseamento de equações diferenciais ordinárias é de grande complexidade mas permite a sua aplicação em escala industrial e metodologias de optimização de estudos científicos e controlo e operação assim como a previsão de falhas de processo (Gerber e Span, 2008). 37 Estado estacionário, seco 1971 HAc, HPr CH4, CO2 ou HBt HAc, HPr x x - - - - 1 1 - x x Temperatura pH e equilíbrio iónico Equilíbrio liquido/gás Inib Taxa de morte Output Grupos de bactérias Lamas de ETAR Input Equações estequiométricas Andrews Tipo de processo Hidrólise Andrews & Graef, Substrato Rendimento de substrato a produto Rendimento de substrato a biomassa Rendimento de substrato a energia Cinética Desintegração Tabela 9. Alguns dos modelos cinéticos de digestão anaeróbia para a produção de biogás e principais parâmetros incluídos, em reactores homogéneos e perfeitamente agitados (SVB – sólidos voláteis biodegradáveis, XL- fracção de lípidos, XP- fracção de proteínas, HAc- acetato, HPr- propionáto, HBt- butiráto) (adaptado de Gerber e Span (2008)) ou HBt Batstone et al, 2002 Primeira ordem, Monod n.s. Estado estacionário, seco CQO CH4, CO2, H2, H2O H2, NH3 x x - x x x 11 8 - x x Bryers, 1985 Primeira ordem, Monod Vários Batch, estado estacionário, seco SVB CH4, CO2, H2 - x x - x - x 6 3 - x x Chen & Hashimot o, Chen & Hashimo Vários Estado estacionário CQO ou SV CH4 - x x - - - - 1 1 - - - Hill, 1982 Andrews Resíduos animais Estado estacionário, seco Orgânico solúvel CH4, CO2 AGV x x - x - x 7 5 x - - Moletta et al, 1986 Andrews Vários Batch Glucose CH4 AGV x x x x - - 2 2 - x - CH4, CO2, H2, H2S H2, x x - x - x 17 12 - x x CH4, CO2, NH3 AGV, x x x x - x 2 3 - x x 1978 eq. Knobel & Lewis, Primeira ordem, Monod Lamas Andrews FORSU, lamas Batch, estado estacionário, seco CH, XL, XP Batch Glucose 2002 Kiely et al., 1996 eq. 1.2.3.1 AGV, H2S NH3 Factores de rendimento O crescimento celular implica consumo de substratos que fornecem matéria-prima e energia para a formação de células novas. Nas culturas de organismos anaeróbios, um determinado nutriente, S, serve, em geral, simultaneamente de fonte de carbono e de energia. Assim, para formar uma quantidade de biomassa, X, é consumida uma quantidade de substrato. Esta relação pode ser expressa em termos de rendimento de consumo de substrato de acordo com a seguinte equação: 38 ⁄ (4) em que: ⁄ - Coeficiente de rendimento, em g(X)/ g(S) - taxa de crescimento da biomassa X (d-1) - taxa de consumo do substrato De forma análoga, o rendimento de formação de produtos metabólicos é considerado neste modelo associado ao crescimento da biomassa. 1.3 Objectivos do estudo A partir de modelos e conhecimento científico existentes na bibliografia, o objectivo final deste trabalho foi o de desenvolver um modelo matemático, com base em modelos numéricos não- lineares, e simular com um grau de elevado pormenor os principais fenómenos físico-químicos. O estudo realizado divide-se assim em três fases: 1. Compreensão dos fundamentos teóricos e técnicos de análise de dados; 2. Enquadramento no processo industrial de produção de biogás na Valorlis e Suldouro, métodos laboratoriais, interpretação dos parâmetros de monitorização e controlo e estudo da performance dos digestores; 3. Identificação, formulação e calibração de um modelo aplicado às condições operatórias à escala industrial com simulação de um start-up. 39 40 2 MATERIAIS E MÉTODOS No presente capítulo são apresentados e descritos os materiais e métodos utilizados para o desenvolvimento do modelo matemático com base na análise e tratamento dos dados cordialmente fornecidos pela EFACEC cujas amostras foram recolhidas e analisadas in situ durante o ano de 2011 pelos respectivos colaboradores. 2.1 Monitorização A monitorização e controlo representam uma estratégia fulcral para a optimização da estabilidade, máximo de rentabilidade e da eficiência do processo de digestão anaeróbia. O controlo da degradação anaeróbia da matéria orgânica passa por assegurar o delicado balanço existente entre os fluxos de hidrólise e metanogénese. Se as cinéticas de hidrólise e acidogénese aumentarem consideravelmente, devido por exemplo ao aumento brusco da carga orgânica, criar-se-á um efeito de acumulação de AGV dentro do reactor, podendo provocar uma acidificação irreversível do sistema (Garardi, 2003; Berardino, 2006). Se, pelo contrário, a carga orgânica for baixa, não existe inibição por excesso de substrato mas sim por falta conduzindo a produções de metano abaixo da produção nominal (Moletta, 1998). Assim, a manutenção da produtividade estacionária depende fortemente do constante controlo de processo através do controlo da carga orgânica e tempo de retenção de forma a maximizar a produção dentro da gama de valores de estabilidade aconselhados na bibliografia. 2.1.1 Parâmetros experimentais de controlo do processo De forma a optimizar o modelo para o processo de digestão anaeróbio em análise, foi necessário proceder à monitorização dos valores experimentais tendo sido criados os indicadores estipulados no anexo A.II e feita a identificação do período de aplicabilidade do modelo. A monitorização do processo das centrais de valorização orgânica da Valorlis e Suldouro seguem a metodologia usual (e.g. Spangers e Lier, 2006) em que as principais medições são o volume e a qualidade do biogás, pH e temperatura, alcalinidade e os AGV, ST e SV de entrada e saída do reactor e N-NH4+. Deste modo foi possível compreender os fenómenos físico-químicos ocorridos durante o ano de 2011 através de uma análise da interdependência de todos os parâmetros. Os valores das medições realizadas à saída dos reactores, como os ST, SV, AGV e N-NH4+, foram usados para a calibração do modelo que, em termos teóricos, quantificam a massa dos diferentes componentes existentes no volume útil de fase líquida e são o resultado do balanço de massa entre a formação, consumo, entradas e saídas do reactor. Os dados experimentais apresentados foram agrupados em intervalos de uma semana havendo em cada grupo 3 a 5 medições, excepto para as medições de CQOs, NH4+ (vide Anexo A.IV) onde estão compreendidas entre 1 a 3 medições. Seguidamente, os dados foram ordenados e, para cada grupo, calculou-se o mínimo, 1ºquartil, mediana, 3º quartil e máximo e criou-se uma whisker box onde a área a vermelho representa os valores compreendidos entre o 1ºquartil e a mediana e a verde os valores 41 compreendidos entre a mediana e o 3ºquartil. As barras de erro representam os valores compreendidos entre os quadrantes e os valores extremos. Na Figura 19 é ilustrado o TRH, correspondente ao caudal alimentado aos dois digestores da Valorlis calculado segundo a equação A.II.1, e à concentração de ST no Digestor 1, calculada assumindo que 1kg de suspensão é aproximadamente igual a 1 litro. Os parâmetros do Digestor 2 (vide Anexo A.IV) 300 60 240 52 ST [g/L] TRH [dias] não foram ilustrados dada a sua semelhança com os parâmetros do Digestor 1. 180 120 60 44 36 28 0 20 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Ano 2011 - Semanas 2.5 80 2 72 Metano[%] Biogás [m3/dia] Figura 19. Variação do TRH, em dias, e da concentração de ST no digestor 1 da Valorlis, em g/l, durante o ano de 2011. (As medições do digestor 2 encontram-se no Anexo A.IV) 1.5 1 64 56 48 0.5 40 0 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Figura 20. Produção de biogás e sua qualidade no digestor 1 da Valorlis, durante o ano de 2011. 42 8.5 42 8.1 34 7.7 pH CO2[%] 50 26 18 7.3 6.9 10 6.5 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas 16 3 12.8 2.4 AGV [gCH3COOH/L] ALC [gCaCO3/L] Figura 21. Variação do pH e teor de CO2 no digestor 1 da Valorlis, durante o ano de 2011. 9.6 6.4 3.2 1.8 1.2 0.6 0 0 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Ano 2011 - Semanas Figura 22. Variação da alcalinidade e ácidos orgânicos totais no digestor 1 da Valorlis, durante o ano de 2011. 2.2 Modelo cinético não-linear A função do Engenheiro como interveniente na análise e optimização de processo requere uma dupla capacidade de utilizar as ferramentas versáteis aprendidas durante a sua formação académica e profissional, quer em engenharia propriamente dita quer nas ferramentas matemáticas. 2.2.1 Considerações gerais Como mencionado anteriormente, a digestão anaeróbia é um processo bioquímico multifásico cujas velocidades cinéticas dependem grandemente do meio reaccional, como o pH, temperatura, condições de alimentação (substratos e intermediários de reacção) e entrada de possíveis inibidores. Em condições dinâmicas, esta complexidade, muitas vezes, impede que o operador compreenda efectivamente as cinéticas reaccionais que ocorrem dentro do digestor. Sem as ferramentas conceptuais necessárias o reactor é muitas vezes considerado um sistema de “caixa negra”. O uso de modelos matemáticos, revela-se uma ferramenta de apoio muito importante pois para além de possibilitarem menores quantidades de dados experimentais para caracterizar, com um rigor aceitável, os fenómenos não-lineares que ocorrem dentro do volume, permitem de igual forma avaliar 43 as consequências de alterações das condições operatórias no tempo sem pôr em causa o processo de produção de biogás contribuindo para um melhor controlo e, indirectamente, a um balanço económico optimizado. A análise do processo utilizando os métodos científicos, como a modelação, teve como primeira abordagem a identificação e formulação do problema e desenvolvimento de procedimentos e critérios para a sua solução. Para isso, procedeu-se a uma simplificação conceptual do processo onde foram isoladas as variáveis de interesse possibilitando uma análise mais cuidada sem colocar em risco a veracidade dos fenómenos decorrentes da produção do biogás e que garantam uma total compreensão da problemática em questão. Quando o processo é composto por uma sequência de reacções, a velocidade global é determinada pela reacção mais lenta. O passo limitante na digestão anaeróbia com suspensão de matéria orgânica é normalmente a liquefacção da matéria particulada, ou hidrólise (Vavilin et al., 2007), mas dada a complexidade do resíduo urbano, substratos de alta degradabilidade podem tornar a metanogenese a fase limitante do processo. 2.2.2 Metodologia de calibração e validação Para que o modelo seja aplicado correctamente às condições operatórias do processo em estudo, é necessário realizar um conjunto de procedimentos de calibração, com posterior validação, de forma a obter um modelo com um rigor previsional aceitável. O procedimento para a calibração de um modelo numérico segue um esquema básico como o ilustrado na Figura 23. Após a construção do modelo são realizadas simulações consecutivas, com a alteração das condições iniciais e outros parâmetros, que são constantemente comparadas com as medições experimentais in situ obtidas na instalação. Caso os valores simulados não se aproximem com um erro aceitável (dependendo do critério especificado pelo utilizador) dos valores experimentais, os parâmetros necessitam de ser ajustados de forma sistemática e iterativa até que sejam satisfeitos os critérios de aceitabilidade. Figura 23. Esquema de Calibração e Validação do modelo 44 3 3.1 RESULTADOS E DISCUSSÃO Análise e discussão dos parâmetros operatórios Para melhor compreender o estado dos digestores e o seu funcionamento operacional, para posterior modelação analisou-se qualitativa e quantitativamente os dados operacionais e construiu-se um conjunto de indicadores indicados no anexo II. Da análise dos parâmetros operatórios, verificou-se que a concentração de ST e de SV no reactor dependem essencialmente do caudal de alimentação. Esta notória relação pode ser observada na Figura 19, onde é ilustrado o tempo de permanência da suspensão no Digestor 1, calculado à custa da equação A.II.1 durante o ano de 2011 e a correspondente concentração de ST, onde se verifica que entre as semanas 20 e 41 o tempo de retenção mediano aumentou progressivamente até um máximo local de aproximadamente igual a 120 dias, correspondendo a uma diminuição de aproximadamente 20% em sólidos, devido essencialmente à baixa reposição de substrato e conversão deste em biogás. Consequentemente, tal variação tem grandes implicações na produção de biogás, pois menores concentrações de substratos conduzem a uma produção menor de metano. De igual forma, grandes oscilações na alimentação, até um terço do ano, tiveram grandes implicações na produção de biogás em igual período, sendo esta claramente instável. Em relação ao pH, verifica-se novamente uma influência da alimentação, até um terço do ano. O valor de pH passa de 7,5 para um valor médio de 7,7 após esse período. Este fenómeno está relacionado com a progressiva diminuição da carga orgânica fornecida aos digestores, com o consequente aumento da alcalinidade e diminuição do teor de CO2 no biogás tal como descrito na bibliografia e ilustrado na Figura 16. Na mesma figura, é possível verificar que para um teor de 35% em CO2, uma alcalinidade de 10 g/l e um pH de 7,7, o digestor opera fora das condições normais de funcionamento. Com este facto poderá estar relacionada, perda média quase de 5% da qualidade em metano desde o início do ano. Outra causa para a diminuição da qualidade em metano poderá estar relacionada com o aumento progressivo dos AGV durante o ano que resulta na inibição por excesso de ácidos, como ilustrado na Figura 22. Mas, ao comparar a evolução dos AGV com a alcalinidade, verifica-se que existe uma tendência crescente dos dois parâmetros, verificando-se uma contradição em relação ao descrito na bibliografia, ou seja, teoricamente, tal como ilustrado na Figura 15, a alcalinidade tem uma correlação negativa com os AGV pois sendo o ião bicarbonato o termo dominante na alcalinidade, um aumento do teor de ácidos promove a desprotonação do ião ao reagir com o ácido provocando a formação e passagem de CO2 para a fase gasosa de modo a restabelecer o equilíbrio. 45 3.2 Análise da performance dos digestores A análise da performance permite ao operador identificar o estado dos digestores em relação aos parâmetros de dimensionamento e compara-los com valores da bibliografia de modo a maximizar ao máximo a produção. Os digestores da Valorlis de volume útil médio total igual a 4000 m 3react,foram alimentados durante o 3 ano de 2011, com um caudal médio de 45 m /dia e uma concentração média de SV 50 Kg/m 3 ( 5%SV). Segundo a equação A.II.3, a carga orgânica correspondente foi de 0,6 Kg SV/ m3react/dia sendo um valor baixo quando comparado ao valor inicialmente esperado, cerca de 4,6 Kg SV/ m 3 react/dia. Consequentemente a %ST atingido revelou-se baixo, aproximadamente igual a 4,4% após o estado estacionário, quando comparado ao valor de 6,2% ST espectável inicialmente. Em termos de rendimento de produção de metano, verifica-se que o valor de biogás diário mediano 3 oscila em torno de 4000 m /dia tendo uma queda abrupta no 4ºtrimestre do ano de 2011. Segundo a 3 equação A.II.4, durante o ano, a taxa de produção de biogás média diária é de 1 m / m 3 react /dia e com uma qualidade em metano de 60% e, segundo a equação A.II.5, o rendimento de produção de biogás foi de 0,8m3 biogás/KgSVinput. Por outro lado, em estado estacionário, o teor de SV médio foi de 20g/l. Deste modo verifica-se que, segundo a equação AI.6, a eficiência de remoção de SV é de aproximadamente 52%. Desta forma verificou-se que a produção se encontrava aproximadamente a metade e que o rendimento em biogás foi superior, possivelmente devido ao elevado tempo de retenção de 90 dias, ao comparar com os valores de dimensionamento iguais a 2,2 m3/ m3react /dia, 0,49m3 CH4/KgSVinput e TRH de 17 dias. 3.3 Descrição do formalismo do modelo Pequenas desregulações imprevisíveis como acção activa da concentração de inibidores, oscilações da concentração de nutrientes e de substratos intermédios ou e diferentes TRH, tornam o balanço entre o crescimento e morte de biomassa viável muito variável. Consequentemente, um perfeito estado estacionário raramente é atingido e sua simulação muito difícil devido ao facto de ser necessário vastas quantidades de informação no tempo, para poder obter um erro previsional relativamente aceitável. Assim, por forma a poder dar resposta ao problema de falta de informação, como as características elementares do substrato, quantidade de diferentes subprodutos, como diferentes ácidos orgânicos e populações microbianas existentes no reactor, é necessário proceder a um conjunto de simplificações que tornem o exercício de modelação viável em termos de caracterização dos fenómenos globais ocorrentes. O entendimento do exercício de optimização por objectivos, ou seja, a calibração do modelo por métodos minimização da diferença entre os valores experimentais e os valores simulados para condições de estado estacionário, numa primeira fase, obrigou à identificação dos períodos onde o processo industrial se mantinha em estado estacionário de forma a minimizar o número de variáveis, 46 como o caudal e a temperatura do reactor. Verificou-se que os valores operatórios do caudal de alimentação e temperatura e volume útil dos reactores correspondentes às semanas 20 - 37 do ano de 2011 assumiam um valor constante e aproximadamente igual a 50m 3d-1, 35ºC e 4000m3, respectivamente. O processo de desenvolvimento do modelo matemático presente neste trabalho agrega modelos desenvolvidos por diversos autores (Moletta et al., 1986; Kiely et al., 1996; (Markel e Krauth,1999; Keshkar et al., 2001; Liu et al., 2007). A descrição dos processos de digestão anaeróbia num reactor contínuo em regime transiente é complexa e por isso, como é frequente (Markel e Krauth,1999), dividimo-lo em três subsistemas interdependentes que envolvem a degradação biológica (1), os equilíbrios físico-químicos (2) e a transferência de massa entre fase líquida e gasosa (3). Consideraram-se ainda as seguintes simplificações: o digestor é um reactor bifásico, gás/líquido, isotérmico a 35ºC, sem acumulação de sólidos precipitados no fundo; as fases, líquida e gasosa, estão perfeitamente agitadas e a operação é isotérmica dada a presença de elevados fluxos de recirculação quer da fase líquida como da fase gasosa e devido ao baixo teor em ST. Contudo foram consideradas as trocas de massa entre as duas fases, como ilustrado no esquema da Figura 24. Figura 24. Esquema do reactor bifásico perfeitamente agitado com trocas de massa entre fases, usado no modelo proposto. Quanto aos processos de conversão admite-se que ocorrem unicamente em fase líquida pois o metano não reage nem é consumido na fase gasosa. A fase líquida contém essencialmente uma mistura de matéria particulada complexa em suspensão, matéria hidrolisada, ácidos orgânicos e biomassa. Inertes e outros materiais orgânicos não biodegradáveis não foram considerados neste modelo pois não interferem directamente nos balanços de massa assumidos. De modo a descrever de forma global as cinéticas existentes no volume de fase líquida, consideraram-se três grupos de microrganismos genéricos com diferentes parâmetros cinéticos usados para calcular os fluxos degradatativos dos diferentes substratos correspondentes às etapas sequenciais degradativas consideradas: (1) hidrólise, (2) acidogénese/acetogénese e (3) metanogénese. Por outro lado, os parâmetros cinéticos considerados descrevem o crescimento da 47 biomassa em descontínuo não podem ser transcritos para processos em contínuo sem que seja realizado um controlo e ajustamento. A influência do hidrogénio no controlo das vias degradativas dos ácidos não foi considerada pois admitiu-se que a produção e consumo de hidrogénio ocorrem instantaneamente (Kiely et al., 1996) e a concentração deste não varia substancialmente durante as fases estacionárias do processo anaeróbio, tal como descrito por Di-Berardino (2006). Os diferentes ácidos formados no digestor foram agrupados e avaliados em termos de ácido acético pois em processo reais 80% dos AGV é ácido acético, em situações onde não existe inibição. No total foram implementados 7 balanços de massa na fase líquida, 2 em fase gasosa e 6 equações de equilíbrio químico, incluindo o pH e fracções dissociadas/não dissociadas das diferentes espécies consideradas. 3.3.1 Estrutura do modelo Os substratos e intermediários foram agrupados em variáveis globais dado que o tipo de dados industriais recolhidos ao longo do tempo, da acumulação dos vários constituintes da matéria orgânica biodegradável e diferentes ácidos gordos voláteis que entram e saem do reactor, apenas dão uma indicação global em termos de SV, Alcalinidade e AGVt. Figura 25. Diagrama do modelo proposto. A matéria orgânica de baixa degradabilidade, como carbohidratos, proteínas e lípidos, foram agrupados numa variável denominada sólidos particulados (Sp). Matéria orgânica hidrolisada, como açúcares, aminoácidos e ácidos de cadeia longa, são representados numa variável como sólidos 48 hidrolisados (Sh). Os ácidos produzidos, essencialmente ácido propiónico e butírico e ácido acético, são englobados em termos de AGVt, tal como esquematizado na Figura 25. Apesar de se considerar que as três componentes da matéria orgânica têm cinéticas de hidrólise diferentes, a globalização destas numa variável causa uma diminuição da sensibilidade do modelo à alteração das fracções biodegradáveis (Feng et al., 2006). Aproximações semelhantes têm sido realizadas em modelos mais complexos como o ADM1 dado que a fracção particulada da FORSU é muitas vezes composta por estruturas celulósicas (Bollon, 2011). 3.3.2 Equações da fase líquida Tradicionalmente, a hidrólise é considerada como uma reacção de primeira ordem (Eastman e Ferguson, 1981), como por exemplo no modelo ADM1 (Batstone, 2002). Mas esta simplificação aparenta não abranger todos os processos que ocorrem durante a hidrólise verificando-se uma possível dependência, pela biomassa ou uma outra actividade enzimática, da reacção de degradação da matéria particulada (Vavilin et al., 2008), tendo sido considerada uma cinética de Monod, (equação 1), desenvolvida em 1940 (Gerber e Span, 2008), com afinidade a um dado substrato limitante. A morte celular foi modelada segundo um decaimento de primeira ordem (equação 5). (5) “em que: - taxa de morte da biomassa (kg.kg-1.d-1) - constante de morte da biomassa - concentração da biomassa (d-1) (kg. m-3) Os balanços de massa considerados neste modelo têm como forma geral a equação 6. ( ) ∑ ⁄ (6) “em que: 3 -1 - caudal volumétrico da fase líquida (m d ) - volume da fase líquida (m 3) - rendimento, definido como a razão entre a velocidade de crescimento da biomassa e a velocidade de conversão do substrato [kg(Xi)/ kg(Si)]” De forma a contabilizar efeitos de inibição, Andrews (1968) propôs a adição de um termo de inibição não competitiva equação de Monod, correspondente ao somatório dos efeitos tóxicos infligidos no microrganismos (equação 7). 49 (7) ⁄ ∑ “em que: Ki - concentração de substrato ao qual o crescimento do microrganismo é reduzido em 50% -3 (kg m ). No modelo, foram incorporados efeitos de inibição por ácidos nas equações de biomassa acidogénica e metanogénica, sendo apenas incorporada nesta última inibição por amónia (Kiely et al.,1996). No balanço à amónia considerou-se que a sua produção ocorre durante a hidrólise (Berardino, 2006) com um rendimento igual a 0,183 g(NH3)/g(Xh) (Keshtkar et al., 2001) e que, apesar de ser consumida pela biomassa para criação de novas células, por simplificação considerou-se desprezável face ao que era produzido e ao que era arrastado da fase líquida para fora do reactor. Dado que a quantidade de sólidos suspensos voláteis (SSV) constituem na prática uma primeira aproximação da biomassa em suspensão (Spanjers e Lier., 2006), as massas dos três grupos de microrganismos modelados foram somadas para simular a quantidade total de biomassa no reactor. 3.3.3 Equações da fase gasosa As espécies consideradas na fase gasosa foram unicamente metano e CO2 produzidos na fase líquida. Com uma solubilidade relativamente baixa à temperatura de 35ºC, considerou-se que o metano produzido no volume líquido não é solúvel nas condições operatórias existentes e seria rapidamente transportado para a fase gasosa sendo que as equações de transferência de massa entre fases coincidem. Tendo o CO2 uma solubilidade 1000 vezes superior, este encontra-se em equilíbrio com a fase líquida não podendo ser desprezada a resistência da transferência de massa de CO2 entre fases. O fluxo de CO2 para fase gasosa pode ser calculado através da dinâmica da transferência de massa gás-líquido (equação 8). ( () ) (8) “em que: - fluxo molar da transferência de líquido-gás (kmol m-3d-1) , - coeficiente de transferência de massa volumétrico (d-1) ( ) - concentração do gás dissolvido (kmol m-3) , - pressão parcial do gás i (bar) - constante de Henry (bar kmol-1m-3)” Devido à variação dos fluxos de transferência de massa para a fase gasosa, a pressão parcial dos gases, no volume de gás, variam no tempo de acordo com a equação 9. Esta equação representa a variação da pressão parcial de CO2 e CH4 dada pela diferença entre o que é transferido para o gás e 50 o volume de gás que sai do reactor (Kiely et al., 1996) respeitando igualmente a lei dos gases perfeitos. ( ) (9) “em que: - volume de gás no reactor,(m 3) -1 -1 R - constante dos gases perfeitos, (bar K kmol ) T, - temperatura no reactor (K) - caudal volumétrico total de gases (m 3 d-1)” Para o cálculo da transferência de CO2 considerou-se um -1 de 100 d (Graef e Andrews, 1973) e uma constante de Henry igual a 28,43 bar/(mol/ l) (Markel e Krauth,1999) estando este em equilíbrio com o CO2 dissolvido. Por fim, o caudal de biogás resulta do somatório dos volumes de gás transferidos da fase líquida, no tempo, mais especificamente o metano e CO 2, como descrito na equação 10: (∑ ) (10) 3.3.4 Determinação do pH e Alcalinidade Devida à produção de dióxido de carbono no meio reaccional, de ácidos e amónia, e de estes estarem em equilíbrio com as suas espécies ionizadas, considerou-se importante o cálculo do pH (equação 11). Este é calculado com base no balanço de cargas das espécies intervenientes simultaneamente com o balanço de massa tendo em consideração que a cinética do balanço de cargas é muito mais rápida que a cinética dos processos bioquímicos (Batstone, 2002). Em termos de cálculo, a concentração das espécies iónicas foram definidas em termos das concentrações molares totais (vide Anexo A.III), para o mesmo volume, mais especificamente, em termos de amónia, ácidos orgânicos e carbono iónico (CI) totais (Smith e Chen, 2006). (11) Apenas os sistemas tampão da amónia ( ), ácidos orgânicos totais ( ) e dissociação da água ( carbónico iónico total ( ), fracções do ) foram considerados (Markel e Krauth, 1999) pois admite-se que o somatório de cargas de outras espécies catiónicas e aniónicas ( ), como , , ou , é nula. Sendo o sistema considerado bifásico, o carbono iónico total não se mantém constante no tempo, dentro do volume, estando o dióxido de carbono em solução em equilíbrio com a sua fase gasosa tornando o cálculo do pH muito difícil devido à constante alteração do equilíbrio. 51 Figura 26. Cálculo iterativo do pH e das espécies iónicas em equilíbrio A resolução deste problema baseou-se no facto de se considerar que durante o espaço temporal, Δt, a concentração das espécies iónicas mantem-se constante, ou seja, por cada intervalo de tempo o sistema é fechado e as espécies encontram-se em equilíbrio. A alcalinidade foi igualmente calculada para cada intervalo de tempo, devido ao facto de este indicador representar a sensibilidade do pH à acumulação de ácidos voláteis sendo representada pela equação 11 em CaCO3. (12) O consequente efeito tampão, para valores entre 6 e 7,7, é quase exclusivamente dado pela dissociação do ácido carbónico (Figura 14) sendo desprezável o efeito do amoníaco e dos ácidos gordos voláteis (Di Berardino, 2006). 3.4 Implementação do formalismo proposto Com base nas equações de velocidade, foi construído um mecanismo reaccional global de todo o processo bioquímico em que se estabeleceram as influências do pH, dos produtos intermédios da reacção denominados por sólidos hidrolisados e ácidos gordos totais com base em parâmetros cinéticos referidos na bibliografia. A integração do sistema de equações diferenciais foi realizada por métodos numéricos de RungeKutta de 4ª ordem usando o MatLab como plataforma de cálculo. Estendeu-se a resolução até um tempo suficientemente longo, próximo de uma situação estacionária. As condições iniciais utilizadas correspondem a uma situação de arranque industrial em que a concentração de sólidos no reactor é aproximadamente nula e com uma quantidade não nula de biomassa, como indicados na Tabela 10. 52 Tabela 10. Condições iniciais e de arranque. Por simplificação, considera-se que SV input input corresponde à soma de Sp e Sh input , tendo sido considerado igual a 49g/l e 1g/l, respectivamente, para o mesmo volume dado que o valor mediano de entrada de SV é aproximadamente igual a 50 g/l. Para o cálculo do parâmetro de SVoutput, assumiu-se de forma grosseira, dado o nível de rigor existente, que este correspondia à soma entre a matéria biodegradável disponível e o total de biomassa formada dentro do reactor, desprezando a biomassa inactiva ou morta. Na fase gasosa, considerou-se que os dois digestores, com características semelhantes e com um volume de gás igual a 100 m 3, produziram iguais quantidades de biogás aproximadamente igual a 0,81 m3/ m3react/d e com uma qualidade, em CH4, de 60%. Por fim, resolveram-se, em simultâneo, os balanços de massa de cada uma das espécies e procedeu-se ao cálculo iterativo do pH, em estado transiente, tendo em conta as trocas de massa entre as fases, líquida e gasosa, de forma caracterizar, o mais possível, os digestores industriais recorrendo a uma optimização por objectivos através da comparação do modelo em estado estacionário com os dados industriais de biogás produzido e respectivos teores em metano, CO2, amónia, AGVt, pH e alcalinidade dentro do reactor. Os resultados da primeira simulação não foram satisfatórios dado que os valores dos parâmetros cinéticos recolhidos conduziram a valores incoerentes quando comparados com os parâmetros operatórios industriais. De forma a obter uma performance optimizada do sistema foi necessário alterar diferentes parâmetros (Tabela 11) com base no esquema de calibração da Figura 23 sem causar perda de rigor em relação à modelação dos fenómenos, tal como descrito na bibliografia. Por outro lado comparou-se alguns parâmetros obtidos com valores de referência da bibliografia. Dado que o modelo reproduzia concentrações de biomassa hidrolítica nulos, foi necessário alterar o parâmetro de crescimento específico pois este assumia um valor inferior à correspondente taxa de morte. Em relação aos parâmetros da biomassa produtora de ácidos, foi realizada uma alteração na constante Ks, pois a concentração de AGVt assumia valores baixos quando comparados com os valores experimentais. Devido à incapacidade dos parâmetros da biomassa metanogénica, inicialmente admitidos, simularem correctamente a produção de metano, correspondente aos valores observados nos digestores industriais, procedeu-se a uma alteração quase generalizada dos parâmetros de forma a melhor caracterizar os fenómenos observados. 53 Tabela 11. Parâmetros cinéticos, no modelo proposto (adaptado de Liu et al. (2007)) e constantes cinéticas alteradas, através da optimização por objectivos. Constantes cinéticas Hidrólise Acidogénese/ Acetogénese Metanogénese Produção de CO2 Produção de Metano [d-1] -1 Kd [d ] Ks [g(Si)/l] Ycons [g(Xi)/ g(Si)] Yprod [g(Xi)/ g(Si)] Ki [g(Si)/l] 0,03 (0,18) 0,06 10 0,2 0,4 0,04 0,26 (0,66) 0,188 0,6 0,016 (0,003) 0,003 (1,1) 0,08 (0,7) - 0,0208 - 0,22 2,65 - 0,08 32 (0,013) - 0,059 max - * * ** 0,02 0,04 /0,12 (0,5)* (0,4)*/ 0,12** ()-valores alterados; *-inibição por ácidos;**- inibição por amónia * De forma a avaliar a coerência do modelo em termos de estabilidade, realizou-se um conjunto vasto de testes dos quais se destaca apenas neste trabalho a alteração do caudal de alimentação mantendo todas as outras condições iniciais inalteradas. Para isso, criaram-se duas equações de caudal variáveis no tempo, com característica sinusoidal e hiperbólica, como descritas e ilustradas na Figura 27. Os outputs resultantes das simulações podem ser consultados no Anexo A.V. As alterações realizadas e optimizadas por objectivos possibilitaram a simulação do processo, como mostram as Figura 27 e Figura 28, verificando-se uma tendência do modelo para os valores dos parâmetros operatórios (Tabela 12) correspondentes ao período avaliado, 180 dias (6 meses) após o início da simulação, indicado a tracejado na vertical, assumindo um erro inferior a 10%. 54 Tabela 12. Comparação entre os valores obtidos, pelo modelo e os valores experimentais industriais, em estado estacionário. Modelo (est. estacionário) CVO da Valorlis (g/L) 17 18±2 ALC (g CaCO3/L) 13 10±2 VFAt (g CH3COOH/L) 0,06 1,1±0,4 pH 7,6 7,69±0,12 1,5 1,4±0,6 Biogás (m /m /dia) 0,85 0,81±0,14 %Metano 60 58±6 out SV (g/L) 3 3 Figura 27. Simulação da produção de biogás e teor em CH4 (à esquerda) e do pH e AGVt (à direita). Figura 28. Simulação do arranque do digestor, onde é visível à esquerda, a evolução dos SV de entrada e de saída, SVin e SVout. Este último constituído pela soma entre o substrato de baixa e alta biodegradabilidade, Sp e Sh, respectivamente, e biomassa total, em termos de sólidos suspensos totais (SSV). À direita em pormenor, é apresentado o crescimento da biomassa hidrolítica, acidogénica/acetogénica e metanogénica, Xh, Xa e Xm, respectivamente, no tempo. 55 Na Figura 27 é apresentada uma simulação da produção de biogás e sua qualidade, em teor de metano e dióxido de carbono, para uma carga orgânica constante e igual a 1.25 kg/m 3react/dia. O modelo indica uma ligeira diminuição da produção nos primeiros dias, após o arranque, devido à condição inicial de CI considerada poder ser elevada. De igual forma, é interessante verificar na Figura 27, uma acidificação do meio líquido, no arranque, devido ao baixo poder tampão existente e devido à limitada quantidade de biomassa metanogénica havendo um claro efeito desfavorável na estabilização do pH, tal como descrito na bibliografia. Após restabelecido o balanço de carbono iónico a produção de biogás aumentou exponencialmente durante a fase de arranque, primeiramente com teor em CO2 dominante devido ao elevado crescimento da biomassa hidrolítica e acidogénica, com a consequente produção excessiva de ácidos (Figura 27) devido ao baixo crescimento das metanogénicas, tal como referido na bibliografia. Este aumento brusco de ácidos provocou um efeito estimulador sobre a biomassa metanogénica tendo consequências na produção de CH4, como se pode observar no pico de produção no dia 130, 3 estabilizando, após algum tempo, num valor de 0,85 m / m 3 react/dia e com uma qualidade em metano de 60% (Figura 28). Em termos de tendência, é interessante notar uma enorme semelhança entre o modelo aqui descrito e modelos complexos como o de Keshtkar (2003), mostrando que o modelo interpreta correctamente os processos físicos e bioquímicos simulados por outros modelos. 56 4 CONCLUSÕES O modelo proposto considera-se válido para a análise de tendências dos fenómenos bioquímicos e físico-químicos que ocorrem no processo de digestão anaeróbia nas condições operatórias admitidas inicialmente, com um ajustamento aceitável das cinéticas existentes no reactor industrial e tendendo para os valores experimentais em condições de estado estacionário com um erro inferior a 10%. Apesar do bom ajustamento realizado, a necessidade de alteração das constantes cinéticas intrínsecas ao comportamento dos diferentes grupos de microrganismos pode não responder de forma eficaz a alterações que ocorram no processo industrial, como por exemplo grandes flutuações na alimentação, que podem produzir ou excesso ou défice de substrato, interferindo na cadeia de degradação anaeróbia e levar a um estado estacionário diferente do previsto dado que o sistema não é linear e tal como as características da biomassa podem variar no tempo alterando as cinéticas reais ocorridas no reactor. Relativamente ao desempenho do digestor durante o ano de 2011, a análise aos parâmetros de monitorização e operação dos reactores mostrou que estes se encontram fora dos limites normais de funcionamento devido ao facto do pH se encontrar acima dos valores aconselhados na bibliografia, consequência da elevada alcalinidade. Este aumento, por outro lado, é devido ao aumento progressivo do tempo de retenção. Com base na bibliografia conclui-se ainda que existe uma contradição na correlação positiva entre os valores medidos dos ácidos orgânicos voláteis e a alcalinidade pois, teoricamente, esta deveria ser negativa não sendo possível tirar qualquer ilação dos valores medidos de AGV. O presente trabalho leva a admitir que é importante estudar outras cinéticas existentes na bibliografia, aprofundar a avaliação do formalismo proposto, como a criação de cenários de excesso de carga orgânica, alterações dos tempos de retenção, ou até incorporação de cinéticas de degradação de ácidos de cadeias maiores que C2, por forma a validar a robustez do modelo a diferentes perturbações. Será igualmente importante validar o modelo em diferentes reactores industriais, em contínuo, com semelhanças no substrato e tipo de processo, como é o caso da estação de valorização orgânica da Suldouro. Em suma, apesar de o modelo mecanístico interpretar correctamente os processos de digestão anaeróbia para condições de estado estacionário, este pode se tornar um pouco rígido em cenários onde as simplificações consideradas não podem ser desprezadas. Mas a sua formulação apresenta uma oportunidade de optimizar os métodos de monitorização utilizados, eficiência do processo operacional e pode constituir uma ferramenta de apoio importante na análise estratégica do processo. 57 58 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abbasi T., Tauseef S.M., Abbasi S.A. (2012). Anaerobic digestion for global warming control and energy generation - an overview. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 16, 3228 – 3242. Ahring B.K. (2003). Perspectives for Anaerobic Digestion. In Scheper T. (Eds), Advances in Biochemical Engineering/ Biotechnology, 81(4). Springer-Verlag, Berlin. Alves M., Mota M. (2007). Reactores para tratamento anaeróbio. In Fonseca M.M., Teixeira J.A. (Eds), Reactores Biológicos. 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FOS/TAC, Herkunft, Methode und Anwendbarkeit, Vortrag: Wasserwirtschaftliches Kolloquium Leibniz Universität Hannover 64 Anexos 65 66 Anexo A.I – Determinação das características do substrato As características globais do substrato que é alimentado aos digestores são definidas em termos dos sólidos totais (ST), a matéria degradável, também denominado sólidos voláteis (SV), carência química de oxigénio (CQO) e carência bioquímica de oxigénio, em cinco dias (CBO5). Determinação dos ST (matéria orgânica e inertes) O teor de sólidos totais resulta da evaporação da água livre e da evaporação, total ou parcial, da água oclusa e da água de cristalização dos sais. Resumo do método Uma quantidade conhecida de resíduo orgânico é sujeita a secagem em estufa, à temperatura de 105ºC. O resíduo da secagem é pesado, calculando-se o teor de sólidos totais. Determinação dos SV (ou matéria orgânica) O teor de sólidos voláteis não permite distinguir com precisão os compostos orgânicos dos compostos inorgânicos porque a volatilização total dos compostos orgânicos é acompanhada da decomposição e da volatilização de certos sais minerais. Permite, no entanto, na maior parte dos casos, uma avaliação grosseira do teor de matéria orgânica da amostra. Resumo do método A determinar o teor de sólidos voláteis, é seguida da determinação dos ST, e leva-se os sólidos resultantes da secagem, à mufla uma temperatura de 550ºC, durante meia hora. Calcula-se o teor de sólidos voláteis após pesagem. Determinação de CQO A carência química de oxigénio (CQO) é a quantidade de oxigénio, expressa em miligrama, que é consumida pela matéria, oxidável nas condições do ensaio, contida num litro de amostra. Resumo do método A matéria orgânica e a inorgânica oxidável presentes na amostra são oxidadas por um excesso de dicromato de potássio (K2Cr2O7) em meio ácido, à temperatura de ebulição, na presença de sulfato de prata (catalizador da oxidação) e de sulfato de mercúrio (agente complexante dos cloretos). O excesso de dicromato é determinado por titulação com uma solução de sulfato de ferro (II) e de amónio de título conhecido. 67 68 Anexo A.II – Equações dos parâmetros operatórios e cálculo de performance a) Tempo de retenção hidráulico médio (A.II.1) ∑ em que , tempo de retenção hidráulico médio, no período de n dias, [dia]; , volume útil do reactor, [m3]; , caudal afluente diário, [m3/dia]; n, número de dias b) Tempo de retenção de sólidos (ou idade das lamas) (A.II.2) ∑ em que , tempo de retenção hidráulico médio, no período de n dias, [dia]; , caudal efluente diário, [m 3/dia]; 3 , concentração média de biomassa dentro do reactor (kgSV/m ) , concentração média de biomassa na corrente de saída (kgSV/m3) Caso o sistema for perfeitamente agitado e com um volume útil constante, e . Fica então que TRH=TRS. c) Carga orgânica volumétrica ∑ (A.II.3) em que , carga orgânica volumétrica média, no período de n dias, [kgSV/dia/m 3 react]; , concentração média de substrato na corrente de entrada (kgSV/m3) 69 d) Taxa de produção de Biogás (A.II.4) em que , taxa de produção de biogás por unidade de volume de reactor, em condições normais [Nm 3/dia/m3react]; , caudal volumétrico de biogás, em condições normais [Nm 3/dia]. e) Rendimento de produção de metano (ou produção específica de metano) ( ) (A.II.5) em que , produção específica de metano por unidade de matéria orgânica alimentada ao digestor [Nm3/ kgSV].; e) Rendimento de produção de metano (ou produção específica de metano) f) Eficiência de remoção de Sólidos (A.II.6) em que , eficiência de remoção da matéria orgânica S; , massa de ST, SV ou CQO na corrente de entrada; , massa de ST, SV ou CQO na corrente de saída; 70 Anexo A.III – Equações do Modelo No corrente anexo são demonstradas as equações de equilíbrio químico do CO2, H2S, AGV e NH3. São igualmente apresentadas as equações usadas no formalismo proposto para o Modelo de Digestão Anaeróbia. Equações de equilíbrio químico Dinâmica do dióxido de carbono dissolvido DC CO 2 LÍQUIDO H 2 CO3 DC1 HCO3 DC2 CO3 K K DC H 2 CO 3 CO 2 LÍQUIDO K HCO H K DC 1 K K DC 2 H 2 CO 3 CO H HCO 2 3 CI CO 2 LÍQUIDO HCO3 2 CO 3 3 2 3 Resolvendo o anterior sistema de equações, determinou-se as fracções dissociadas do CO2: CO 2 LÍQUIDO HCO K CI , K DC 1 K DC 1 K DC 2 1 H H 2 CO K 2 3 DC 1 3 K DC 2 H 2 DC 1 H CI K K K 1 DC 1 DC 1 2DC 2 H H CI K K K 1 DC 1 DC 1 2DC 2 H H Dinâmica do ácido sulfídrico dissolvido H 2 S DS1 HS DS2 S 2 K K DS 1 HS H S H HS 2 K DS 2 H 2 S K SI H 2 S HS S 2 Resolvendo o anterior sistema de equações, determinou-se as fracções dissociadas do H2S: H 2 S HS K K SIK K H 1 H H SI , K DS 1 K DS 1 K DS 2 1 H H 2 S K 2 DS 1 DS 1 DS 1 K DS 2 H 2 DS 1 , DS 2 2 SI K K K 1 DS 1 DS 1 2DS 2 H H 71 Dinâmica dos ácidos orgânicos voláteis totais AOV desionizado a AOVdissociado H K AOVT AOVdissociado AOVdesionizado Ka 1 AOV desionizado AOV dissociado H AOV desionizado Ka AOVT 1 MM H a Dinâmica da amónia N NH 4 NH 3 H NH 4 KN K T NH 4 NH 3 NH 3 H NH 4 H NH 3 1 MM N K N 1 NH 4 T Tabela A.III.1. Constantes de equilíbrio das espécies dióxido de carbono, ácido sulfídrico, amónia e ácido acético (Bibliografia) Constante de Equilíbrio Valor 72 Equações da fase líquida Hidrólise d Q X S p V S p 0 S p H H , dt VL YconsH H H Max S p K sH S p d Q X H V X H 0 X H H X H kdH X H dt VL Q X d NH 4 T V NH 4 T 0 NH 4 T H H dt VL YNH3 Acidogénese/acetogénese d Q X X Sh V Sh 0 Sh H H A A , dt VL Y prodH YconsA A A Max 1 K sA AOVdesionizado Sh K iaAOV d Q X A V X A0 X A A X A kdA X A dt VL Metanogénese d Q XA X AOVT V AOVT 0 AOVT A M M dt VL Y prodA YconsM d Q X M V X M 0 X M M X M kdM X M dt VL M M Max 1 K sM AOVdesionizado NH 3 AOVdesionizado K imAOV K imNH3 73 Carbono Iónico total d CI dt QV VL CI 0 CI M XM MM bac Y CO2 A XA R CO 2 MM bac Y CO2 Equações da Fase Gasosa pCO 2 GÁS R CO2 K la CO 2 LÍQUIDO HeCO2 R CH 4 d dt d dt AOV desionizado K imet XM Y Me tan o K m AOV desionizado K imet AOV desionizado pCH 4 pCO 2 V mol V L VG V mol V L VG RCH 4 pCH 4 Q G RCO2 pCO 2 Q G pCO pCH 4 2 QG V L V L He He CO 2 CH 4 VL VG VL VG V mol V L Tabela A.III.2. Constantes assumidas na formulação do modelo (excepto constantes cinéticas) Constantes do Modelo *- Valor Unidade ( ) ( ) =massa molar da fórmula geral da bactéria (C5H7O2N) 74 Anexo A.IV – Medições dos parâmetros operatórios No seguinte anexo são apresentadas medições de parâmetros realizados à saída do suspension buffer, dos quais resumem-se a ST, SV. São apresentados posteriormente os parâmetros do caudal volumétrico de entrada nos digestores e de biogás total produzido, seguindo-se as medições realizadas na recirculação de cada digestor como ST, SV, temperatura, pH, qualidade em metano e dióxido de carbono, ALC, AGV, CQOs, NH4+ e H2S. 140 120 116 96 SB - SV [g/L] SB - ST [g/L] Suspension Buffer 92 68 44 72 48 24 20 0 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Ano 2011 - Semanas Acumulação de suspensão [m3/dia] 9 SB - CO2 [%] 8.4 7.8 7.2 6.6 6 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas 500 400 300 200 100 0 -100 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas 75 2.5 200 2 150 100 50 0 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Biogás Total [m3/dia] Caudalentrada Total [m3/dia] 250 1.5 1 0.5 0 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Ano 2011 - Semanas 60 40 52 32 SV [g/L] ST [g/L] Digestor 1 44 36 28 24 16 8 20 0 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas 47 8.5 43 8.1 39 7.7 pH Temperatura [oC] Ano 2011 - Semanas 35 31 7.3 6.9 27 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas 6.5 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas 76 50 72 42 CO2[%] Metano[%] 80 64 34 56 26 48 18 40 10 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas 16 3 12.8 2.4 AGV [gCH3COOH/L] ALC [gCaCO3/L] Ano 2011 - Semanas 9.6 6.4 3.2 1.2 0.6 0 0 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Ano 2011 - Semanas 8 3 6.4 2.4 NH4+[g/L] CQOs [gO2/L] 1.8 4.8 3.2 1.6 1.8 1.2 0.6 0 0 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Ano 2011 - Semanas 77 60 40 52 32 SV [g/L] ST [g/L] Digestor 2 44 36 16 8 28 0 20 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Ano 2011 - Semanas 45 8.5 41 8.1 pH Temperatura [oC] 24 37 7.7 33 7.3 29 6.9 25 6.5 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas 80 50 72 42 CO2[%] Metano [%] Ano 2011 - Semanas 64 56 48 34 26 18 40 10 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Ano 2011 - Semanas 78 3 AGV [gCH3COOH/L] ALC [gCaCO3/L] 16 12.8 9.6 6.4 3.2 1.8 1.2 0.6 0 0 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Ano 2011 - Semanas 8 3 6.4 2.4 NH4+[g/L] CQOs [gO2/L] 2.4 4.8 3.2 1.6 1.8 1.2 0.6 0 0 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Ano 2011 - Semanas Valores de H2S nos dois Digestores em 2011 2000 Digestor 2- H2S [ppm] Didestor 1 - H2S [ppm] 2000 1600 1200 800 400 0 1600 1200 800 400 0 Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas Sem Sem Sem Sem Sem Sem 1 11 21 31 41 51 Ano 2011 - Semanas 79 80 Anexo V – Simulações do Modelo Simulação com um caudal com tendência sinusoidal Simulação com um caudal com tendência hiperbólica 81