ACESSO E IMPACTO ECONÔMICO DAS TERAPIAS-ALVO BEVACIZUMABE E CETUXIMABE NO TRATAMENTO DO CÂNCER CÓLON-RETAL METASTÁTICO EM UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO Andrea Queiróz Ungari1, Leonardo Régis Leira Pereira2, Fernanda Maris Peria1 1 Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP 2 Autor correspondente: A. Q. Ungari. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Campus Universitário, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected] Justificativa O câncer é um importante problema de saúde pública, sendo responsável por mais de seis milhões de óbitos a cada ano, representando aproximadamente 12% de todas as causas de morte no mundo. O câncer do cólon-retal configura-se como o terceiro tipo de câncer mais comum entre os homens e para o sexo feminino, essa neoplasia é a segunda, com 570 mil casos novos no mundo. Para o Brasil, no ano de 2012, esperam-se 14.180 casos novos de câncer do cólon-retal em homens e 15.960 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 15 casos novos a cada 100 mil homens e 16 a cada 100 mil mulheres Na última década, melhorias significativas foram feitas nas taxas de resposta, sobrevida livre de progressão (SLP) e sobrevida global (SG) no tratamento do câncer cólon-retal metastático. Essas melhorias significativas são, principalmente, resultado do desenvolvimento de novas combinações de quimioterapia padrão com novos agentes terapêuticos alvo envolvidos na carcinogênese colónretal. Dentre estes agentes destacam-se o bevacizumabe e o cetuximabe. O bevacizumabe é um anticorpo monoclonal humanizado recombinante que se liga e bloqueia a atividade de todas as isoformas do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF). A neutralização da atividade biológica do VEGF reduz a vascularização de tumores, inibindo o crescimento tumoral. O cetuximabe é um anticorpo monoclonal quimérico IgG1 que se liga à porção extra-celular do receptor para o fator de crescimento epidérmico (EGFR). Essa ligação inibe a fosforilação do EGFR e a conseqüente cadeia de eventos bioquímicos que resultariam em estímulo à proliferação celular. A introdução dessas terapias-alvo no tratamento do câncer cólon-retal metastático tem sido associada com ganho em sobrevida, tempo de recidiva, qualidade de vida e controle de sintomas. Tal processo na prática clinica oncológica ocasionou importante aumento das sentenças judiciais para aquisição destas, com impacto significativo nas finanças públicas. Os gastos federais com tratamentos ambulatoriais e hospitalares de câncer têm crescido ano a ano. O somatório dos tratamentos ambulatoriais e hospitalares atingiu o montante de R$ 1,48 bilhão em 2008, passou a R$ 1,69 bilhão em 2009 e superou R$ 1,92 bilhão em 2010. Um dos aspectos da assistência médica que mais tem sido alvo das ações judiciais é a assistência farmacêutica, ou seja, a garantia do acesso a medicamentos não disponíveis nos serviços públicos, em razão de preços abusivos praticados pelos fabricantes ou de falta de estoque, padronização do uso, registro no país e comprovação científica de eficácia. Consequentemente, a proposta do Sistema de Pedido Administrativo teve como objetivo criar alternativas ao crescente processo de judicialização da Saúde que assola os cofres públicos e agilizar o fornecimento de medicamentos à população que procura a Defensoria Pública com demandas desta natureza. Como alternativa e segundo protocolos clínicos estabelecidos, estes medicamentos passaram a ser fornecidos pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) através de Pedido Administrativo. Considerando a relevância epidemiológica do câncer colón-retal no Brasil, o alto custo destas terapias e que os recursos disponíveis para a atenção à saúde estão cada vez mais limitados, torna-se necessário maximizar os benefícios e otimizar a abrangência para o maior número de pacientes possível. Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar o acesso e o impacto econômico da introdução das terapias-alvo bevacizumabe e cetuximabe no tratamento do câncer cólon-retal metastático em um hospital universitário. Metodologia Desenho do estudo Foi realizado um estudo retrospectivo descritivo, destinado a avaliar a ampliação do acesso e o impacto econômico de todos os Pedidos Administrativos encaminhados à SES-SP, de janeiro de 2010 a junho de 2012, referente aos pacientes portadores de câncer colón-retal metastático em seguimento no Serviço de Oncologia Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). Característica do serviço de saúde onde se realizou o estudo O HCFMRP-USP é um hospital universitário terciário afiliado ao Sistema Único de Saúde (SUS) e trata pacientes com doenças de alta complexidade, considerado como Centro de Assistência em Alta Complexidade em Oncologia (CACON). Os Cacons são hospitais que apresentam condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos humanos apropriados para a prestação de assistência especializada de alta complexidade, que envolva o diagnóstico e o tratamento de todos os tipos de câncer. Ademais, os Cacons devem, obrigatoriamente, contar com serviços de cirurgia oncológica, oncologia clínica, radioterapia e hematologia. Coleta de dados A coleta dos dados foi realizada pelos integrantes do grupo de pesquisa, sendo também assegurado o sigilo absoluto acerca de todas as informações coletadas que possam identificar os pacientes e os prescritores. Será resguardada também a privacidade na apresentação dos resultados, uma vez que a proposta de pesquisa não é baseada em dados individuais, importando o conjunto das informações. Para a coleta de dados, utilizou-se uma Planilha Excel, composta pelas seguintes informações: - nome do paciente; - número do registro hospitalar; - data da solicitação do Pedido Administrativo; - data do recebimento do medicamento pelo HCFMRP-USP; - data da primeira administração do medicamento após o recebimento; - valor total gasto em Reais R$. Portanto, foi avaliado o número de pacientes atendidos; o tempo médio entre a solicitação, a avaliação pela SES-SP e o recebimento dos medicamentos; o intervalo médio de tempo entre início de uso do medicamento após seu recebimento; gasto financeiro total e o gasto financeiro médio por paciente. Ressalta-se que a presente pesquisa consiste no levantamento de dados estatísticos, não havendo qualquer influência sobre o diagnóstico, tratamento e prognóstico médico ao paciente e tampouco contato com os mesmos. Fonte dos dados Os dados para avaliação das ações judiciais foram obtidos através dos Sistemas SCodes. A Coordenação das Demandas Estratégicas do SUS (Codes), responsável pela gestão das demandas judiciais, preocupada com o volume crescente das ações e buscando uma ferramenta de auxílio à gestão, desenvolveu e utiliza, desde 2005, um sistema informatizado que cadastra todas as ações judiciais impetradas contra o gestor estadual do SUS, o Sistema de Controle Jurídico (SCJ). O SCodes, sistema implantado em todo o Estado de São Paulo em 2010, para o cadastramento de todas as ações ativas impetradas contra a Secretaria da Saúde, à exceção daquelas envolvendo o tratamento em saúde mental, permitiu conhecer em detalhes os diferentes dados que permeiam a questão, implantar mecanismos de apoio às áreas responsáveis pela aquisição e dispensação dos medicamentos e materiais Os dados das solicitações administrativas foram obtidos através da revisão dos Pedidos Administrativos dos pacientes com indicação de uso de bevacizumabe e cetuximabe e Sistema Gestão de Materiais do HC para verificação da data de recebimento, data da primeira administração do medicamento e custo direto dos medicamentos. Resultados Em relação às ações judiciais foram encontradas 31 ações impetradas e em vigência na Direção Regional de Saúde XIII – Ribeirão Preto, requerendo o fornecimento de bevacizumabe e apenas 2 ações requerendo o fornecimento de cetuximabe. Ressaltamos que 35,5% das solicitações de ação judicial contemplam indicações que estão inseridas no Sistema de Pedido Administrativo. Evidenciamos no Gráfico 1, a doença principal através da Classificação Internacional de Doenças – CID10 para bevacizumabe e para cetuximabe, as ações judiciais foram 01 para neoplasia maligna da junção retossigmóide (C19) e 01 para neoplasia maligna do lábio (C00). Gráfico 1 - Distribuição das patologias para quais as ações judiciais de bevacizumabe foram geradas. 14 12 12 10 8 6 4 2 0 5 4 2 2 2 1 1 1 1 Em Oncologia, o financiamento dos medicamentos através de Pedido Administrativo se dá a nível estadual e até o momento compõe um elenco de seis medicamentos, incluindo-se o bevacizumabe e o cetuximabe, os quais estão definidos nas seguintes indicações clínicas, conforme a Tabela 1. Tabela 1 – Indicações clínicas dos medicamentos bevacizumabe e cetuximabe através de Pedido Administrativo da SES-SP Medicamentos Indicações Clínicas Câncer de cólon Bevacizumabe Estadio IV, na primeira linha associado a Irinotecano, 5FU e leucovorin Câncer de cólon K-ras selvagem Cetuximabe Tratamento paliativo, terceira linha em tumores K-ras selvagem Na Tabela 2 apresentam-se os resultados das variáveis estudadas relacionados aos Pedidos Administrativos dos medicamentos bevacizumabe e cetuximabe durante o período de janeiro 2010 e junho de 2012 no HCFMRP-USP. Tabela 2 – Distribuição das características estudadas relacionadas aos Pedidos Administrativos de Bevacizumabe e Cetuximabe – HCFMRP-USP Bevacizumabe (Avastin®) Cetuximabe (Erbitux®) Número de pacientes atendidos 28 30 Tempo médio solicitação/avaliação/entrega medicamento (dias) 42 44 Intervalo de tempo início do uso medicamento após seu recebimento (data 1ª quimioterapia) 14 14 R$ 41.337.31 R$ 37.071,03 R$ 1.157.444,69 R$ 1.112.145,09 Características Valor médio total por paciente Valor total gasto Discussão e Conclusões O financiamento da atenção oncológica no âmbito do Plano Plurianual (PPA) 2008-2011 é realizado por meio do Programa 1220 Assistência Ambulatorial e Hospitalar Especializada, que tem como objetivo de governo “promover o acesso com qualidade à Seguridade Social, sob a perspectiva da universalidade e da equidade, assegurando-se o seu caráter democrático e a descentralização” e como objetivo setorial “ampliar o acesso da população aos serviços de que necessita e promover a qualidade e a humanização na atenção à saúde”. Alternativas como o Sistema de Pedido Administrativo merecem ser estudadas a fim de que possamos discutir sua formulação e avaliar sua efetividade. Este Sistema é ainda bastante “jovem” e encontra-se em fase de franca implementação. Apresentamos abaixo o fluxograma de solicitação de Pedido Administrativo adotado pela SES-SP, conforme Figura 1. Figura 1 – Fluxograma de solicitação de Pedido Administrativo Médico solicitante Preenche todos os campos do Formulário de Solicitação de Pedido Administrativo, assina e carimba Anexa as cópias dos exames que justifiquem a necessidade do medicamento Farmácia de Quimiot. Confere documentos e Formulários e encaminha á Diretoria Clínica Responde à Instituição por email para a Diretoria Clínica/Farmácia Câmara Técnica emite parecer técnico Encaminha a documentação para SES-SP para avaliação pela Câmara Técnica Diretoria Clínica Medicamento Farmácia encaminha email para DRS XIII providenciar transporte DRS XIII Providencia transporte do medicamento em SP Farmácia HC O tempo médio entre a solicitação, avaliação e entrega do medicamento (dias) contempla toda a logística existente atualmente instituída no Sistema de Pedido Administrativo. Uma das principais dificuldades encontradas nesta etapa são os freqüentes atrasos na retirada dos medicamentos em São Paulo e consequentemente, o efetivo recebimento do medicamento no hospital devido à falta de estrutura de transporte. As planilhas mensais são liberadas sempre no início de cada mês e a partir de então, procede-se a retirada dos medicamentos constantes na mesma em São Paulo, o que corrobora para o atraso do recebimento dos medicamentos. Somando-se o tempo (dias) entre a solicitação, avaliação e entrega do medicamento até o início do uso do mesmo, ou seja, a data da primeira sessão de quimioterapia, tem-se respectivamente para o bevacizumabe e cetuximabe, um intervalo de tempo médio entre 46 e 48 dias. De fato, os tempos de espera dos doentes de câncer no Brasil estão bem distantes dos padrões internacionais, os quais preconizam um prazo máximo de 30 dias para o início do tratamento, seja quimioterápico ou radioterápico, após o diagnóstico. No Brasil, os bancos de dados que armazenam informações sobre os casos de câncer não vêm sendo utilizados para o cálculo da tempestividade para o início dos tratamentos. Ressalta-se que mesmo com os problemas de logística que ainda permeiam todo este ciclo, é nítida a ampliação do acesso dos pacientes às duas terapias-alvo para o tratamento do câncer colónretal metastático. Assim, sugerimos a implantação de indicadores de desempenho para monitoramento destas ações com o intuito de acompanhamento deste processo e consequente, sugestão de melhorias contínuas. Em relação ao valor total gasto, informamos que os preços dos medicamentos foram calculados através do valor pago registrado nas ATAS de Registro de Preço vigentes. Esse contexto de aumento progressivo da demanda por diagnósticos e tratamentos torna especialmente importante que a rede de assistência oncológica esteja adequadamente estruturada e que seja capaz de possibilitar a ampliação da cobertura do atendimento, de forma a assegurar a universalidade, equidade e integralidade da atenção oncológica aos pacientes de que dela necessitam. O presente estudo é uma iniciativa que objetiva conscientizar os vários atores do sistema para a importância do custo na tomada de decisão em saúde, contribuindo para melhor alocação dos recursos escassos, maior acesso da população aos serviços de saúde e melhor qualidade da assistência aos pacientes oncológicos. Portanto, concluímos que houve um aumento do acesso dos pacientes aos tratamentos em questão, porém, para garantia do uso seguro e racional destes medicamentos, estudos de seguimento farmacoterapêutico devem ser instituídos para a avaliação da efetividade destes tratamentos. Ainda, chama a atenção o número de ações judiciais requerendo o medicamento bevacizumabe para tratamento oftalmológico, pois a aplicação intraocular não está aprovada no Brasil, caracterizandose em um uso off label. Assim sendo, torna-se de extrema relevância, analisar a viabilidade destas novas terapias através de um estudo não apenas com informações sobre custos (econômicos), mas incluindo-se juntamente com desfechos clínicos, como taxa de resposta ao tratamento, sobrevida livre de progressão da doença, sobrevida global e medidas de qualidade de vida, para que possam trazer subsídios para a prática clínica, contribuindo na tomada de decisão dos gestores e provedores de saúde quanto à possibilidade de incorporação de novas tecnologias em saúde no âmbito do SUS.