METÁFORAS DO ROLEZINHO: preconceito e estranhamento nas representações em redes sobre o #ProtestodosPintas1 METAPHOR OF "ROLEZINHO": estrangement and prejudice in representations networks on "#ProtestodosPintas" Maria das Graças Pinto Coelho 2 Daniel Dantas Lemos3 Resumo: O texto analisa a configuração dos eixos do preconceito, ancorados em elementos discursivos, postos na constituição da representação dos objetos midiáticos no #ProtestodosPintas, em Natal (RN). Foram coletados 340 tweets publicados por 181 usuários de 14 a 31 de dezembro de 2013. A observação rastreia os argumentos dos atores que ocupam a centralidade da rede e busca identificar o fenômeno que os transforma em porta-vozes dos acontecimentos. A sistematização analítica aponta como eixos caracterizadores destes tweets a emergência de nós (hubs) rizomáticos que criam constructos sociais acerca da sociabilidade, gostos e hábitos de grupos juvenis periféricos. A tensão analítica apresenta construções narrativas que se prestam à mediação entre os sujeitos da ação, autoridades e os dispositivos sociotécnicos. Encontramos estes elementos formando categorias simbólicas sobre os múltiplos e complexos espaços de sociabilidades presentes no convívio em redes digitais. Palavras-Chave: Sociabilidade. Análise de Redes Sociais. Representações. Consumo. Abstract: This text analyzes the configuration of two forms of prejudice anchored in the discourse put forth in the representation of media objectives on #ProtestodosPintas, in Natal-RN (Brazil). Three hundred and forty tweets published by 181 users between December 14th and 31st, 2013, were collected. We observed the arguments of the principal actors on Tweeter and tried to identify the phenomenon that made them the spokesmen for the events. Systematic analysis showed creation of root-like hubs which create socially built ideas about socialization, likes and habits of groups of young people from the periphery of society. Analytic tension presents narrative elements that are used as mediation among the subjects of the action authorities, as well as social-technical-mechanism. We found these elements forming symbolic categories regarding the multiple, complex areas of sociability present on the digital networks. Keywords: Sociability. Analysis of Social Networks. Representations. Consumption. 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Sociabilidade do XXIII Encontro Anual da Compós, na Universidade Federal do Pará, Belém, de 27 a 30 de maio de 2014. 2 Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2002). Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia da UFRN. e-mail: [email protected]. 3 Doutorado em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2012). Professor da Universidade Federal do Ceará. e-mail: [email protected]. 1 1. Introdução O #ProtestodosPintas, um protesto ou o grito dos quase excluídos, foi um flash mob da periferia de Natal (RN) realizado em 21 de dezembro de 2013. No caso natalense, o protesto deixou de ser um movimento difuso de diversão e política para se transformar em um fenômeno de divisão social, estranhamento e preconceito radical contra a reinvenção das sociabilidades. Contra um jovem que emerge de um lugar distante do centro, em que habitam jovens da classe média verdadeira. Contra tudo que não represente os valores inseridos na linha do apartheid social brasileiro. Uma demarcação aleatória que privilegia gostos e valores da classe média tradicional. Uma linha invisível que não reconhece os novos espaços de sociabilidades criados pelos jovens de baixa renda. As redes sociais digitais, as mesmas que são usadas pelos jovens para se agruparem, ironicamente motivados pelo encantamento de compartilhar signos de consumo, são transformadas em campo de batalha entre os que apóiam os desclassificados sociais e os que preferem reformar velhas opiniões sobre hábitos de classe e consumo juvenis. No limiar do estranhamento os jovens adeptos dos encontros grupais são denominados de “bárbaros”, porque provocam “arrastões” em shoppings, pelo time que cria constructos sobre as práticas, gostos e apegos simbólicos dos desclassificados. Eles, os jovens, de tal forma como o que acontece em outras capitais brasileiras, são pessoas que se endividam e compram o último modelo de tênis para desfilar suas diferenças ideológicas e de classe nos shoppings centers natalenses. Os rolezinhos, como estão sendo denominadas as incursões grupais de jovens de classes populares em grandes shoppings centers, vêm ocupando pesquisadores de diferentes disciplinas sociais e por enquanto, o que sabemos, é que não entendemos a dinâmica do estado de interregno em que a representação dos objetos midiáticos vai sendo vertiginosamente trocada. Frequentemente estamos hipnotizados com a nova forma de estar juntos – aguardamos sempre uma nova ação, esta que chega traduzida em rapidíssimas imagens veiculadas em mídias digitais. Ou seja: na velocidade dos meios de comunicação, principalmente da mídia individual, em que qualquer pessoa pode produzir e veicular informação, o novo já chega velho. Parafraseando Bauman (2000: 6), podemos acrescentar que os velhos modos de fazer as coisas, a ação social e as formas de lidar com os objetos midiáticos não estão mais funcionando adequadamente, enquanto os novos, que deveriam chegar mais adequados e efetivos, ainda estão sendo procurados, experimentados, testados e rejeitados. Quase não sabemos on- 2 de estamos. Na esquizofrenia social experimentada por nós, enquanto sujeitos, também não sabemos qual o lugar que ocupamos no turbilhão de eventos que acomete as redes tecnosócio-simbólicas no dia a dia. E por não termos clareza sobre os acontecimentos, também não conseguimos ter uma visão confiável sobre o lugar para aonde vamos. O certo é que quase diariamente nos encontramos na cabeça de um furacão de imagens, discursos e narrativas. Tal roteiro do footing cibernético também nos açoda e causa estranhamento. E mesmo que não estejamos pleiteando o lugar de porta-voz dos acontecimentos, já não conseguimos conviver reflexivamente com múltiplos e complexos espaços de sociabilidades que são criados nas infinitas conexões das redes digitais. Se por um lado é possível afirmar que a internet introduz inúmeros atores sociais, os denominados atores-telas, provocando assim a dispersão do monopólio do discurso da fala na mídia coorporativa; por outro lado, surgem novos protagonistas midiáticos, que investem na diferença e conseguem construir o discurso da “autoridade”. Seja por traduzirem enunciados de preconceitos ou estranhamentos diante dos sucessivos acontecimentos que nos paralisam, talvez por serem indecifráveis, seja por continuarem representando e reproduzindo a ordem social vigente, como parte de um constructo de valores que resgata o lugar da produção social da notícia no cotidiano das redes. Essa ambigüidade do papel dos novos atores sociais está relacionada também a complexificação das identificações ou da emergência de novas identidades que surgem nas redes. Latour (2012, p.51) esclarece mais sobre a identidade desse ator-tela quando diz que “a primeira característica do mundo social é o constante empenho de algumas pessoas em desenhar fronteiras que as separem de outras”. A constatação de Latour (2012) também explica o lugar da autoridade que coloca rumo, empresta significados, aos acontecimentos que são relatados nas redes digitais. O papel de interpretação dos acontecimentos sociais normalmente era desempenhado, principalmente, pelos meios de comunicação de massa, quando eles tinham o monopólio da fala. Agora, embora agonizantes, a representação midiática produz rearranjos que, em alguns casos, trazem a antiga narrativa de volta para o centro dos acontecimentos. Transformam-se nos principais elos de circulação de significados e se investem na autoridade que produz imaginários sociais. Além disso, ainda segundo Latour (2012, p.55) “para delinear um grupo, quer seja necessário criá-lo do nada ou simplesmente restaurá-lo, cumpre dispor de ‘porta-vozes’ que ‘falem pela’ existência do grupo”. 3 E ainda que os protagonistas dos acontecimentos não compartilhem dos significados que a autoridade empresta aos eventos, mesmo assim sujeitos e instituições detentores de capital simbólico, Bourdieu (2006), seguem procurando, a todo custo, definir os acontecimentos recém-revelados em redes sociais. A autoridade da rede, que monopoliza os enunciados e dissemina o preconceito e a estranheza, manipula narrativas que não se articulam a um projeto de ampliar a consciência e o empoderamento dos sujeitos sociais que estão produzindo suas próprias falas no centro dos acontecimentos. As autoridades desviam os nós da rede, as interações nela ocorridas, para estimular um imaginário social retrógado, em que o desejo de reconhecimento dos jovens das classes populares são classificados como sendo expressões de violência e de barbárie, porque totalmente estranhas ao ambiente moldado para o convívio no Shopping Center. O mesmo enunciado de estranheza e preconceitos observa-se no noticiário diário quando trata de classificar jovens de classes populares. Tais agentes, como as autoridades da rede analisada neste trabalho, por exemplo, desconhecem um constructo de valores surgido no Brasil em 2008, denominado de a nova classe média. Esses valores circulam em todos os contextos sociais, embora não representem a distinção de hábitos de consumo na dimensão das classes sociais do termo (BOURDIEU, 2006). A nova classe média entrou no imaginário social brasileiro a partir de uma proposição político-governamental, que classificou o aumento de renda das classes menos favorecidas como conceito. O que para alguns economistas, como Pochmann (2013), é um equívoco. Para ele o fenômeno pode ser observado como sendo o alargamento das classes trabalhadoras impulsionado pela ampliação do setor terciário da economia nacional4, o que produz diferentes formas de consumo de bens materiais e simbólicos. Mas é precisamente esse fenômeno de diferenciação social do consumo, que detona o preconceito em relação ao que Souza (2012) denomina provocativamente de “ralé”. Infere-se que o tema, a nova classe média, por hora centra-se nas editorias de política e economia e não circula em editoriais de cotidiano, cidades e/ou cultura na mídia corporativa brasileira. Essa 4 O consumo dos jovens da periferia é mais que o dobro do que o registrado na região central de São Paulo. A constatação é do Instituto Data Popular, na pesquisa "O rolezinho e os jovens de classe média”. Segundo o levantamento, em 2013, os jovens que vivem nos bairros da periferia gastaram R$ 188,79 bilhões.No mesmo período, os que vivem na região central consumiram R$ 87,54 bilhões, menos da metade. Fonte: DATA Popular Pesquisa. Disponível no link https://www.facebook.com/datapopular?fref=ts - acessado em 23 jan 2014. 4 constatação, paradoxal, é curiosa porque se de fato o constructo existe ele produz diferenças de hábitos e atitudes, e sua representação se adéqua à produção social dos acontecimentos, formando categorias simbólicas na prática da vida cotidiana. Talvez o mapa de significações que orienta as expressões dos jovens da periferia não tenha atentado para o fato de que, ao contrário das teorias que se espelham no cotidiano, é a ação grupal deles em Shopping Center o que reflete o imaginário social sobre a periferia e que permite a compreensão antecipada das práticas cotidianas que, partilhadas, são legitimadas na ordem social. Ainda, segundo Souza (2012, p. 92), “o imaginário social significa o que as pessoas comuns percebem como sendo seu ambiente social”. É exatamente a união das duas pontes - compreensão antecipada das práticas e legitimação social - que buscam jovens que se arriscam a enfrentar o preconceito e o estranhamento dos porta-vozes que os traduzem para o imaginário social. As significações e o imaginário que circulam na mídia tradicional contemporânea, como sendo a estética dessa nova classe média, apontam para a ideologia da meritocracia e não para os gostos dos grupos de periferia. Na mídia tradicional eles ocupam um lugar social em que todos vencem pelo talento individual. Não é exatamente esse o constructo onde Bourdieu (2006) coloca a centralidade de seu conceito de habitus. Lugar estrutural do conhecimento e saber, que supera os critérios adscritivos de sangue e família. Onde o saber da práxis, enquanto saber prático, se correlaciona com o domínio das estruturas socioeconômicas e define o capital social do sujeito. Bourdieu (2006) lembra que elaboramos visões de mundo e acerca de nós mesmos a partir do espaço social que fazemos parte e do gosto de classe. Para ele, como membros de uma comunidade, todos nós vivemos em constante movimento e ressignificando os modos de estar no mundo, recompondo grupos identitários, à medida que fazemos circular nossos interesses e gostos de classe. No entanto, o que encontramos no corpus analisado foram inúmeras contradições na circulação dos significados que alimentam o processo sóciocultural midiático. 2. O Corpus dos Pintas O #ProtestodosPintas foi marcado para o sábado, 21 de dezembro de 2013, no Midway Mall, localizado no principal entroncamento que liga a periferia ao centro de Natal. Tal manifestação foi motivada pelos relatos de diversos sujeitos em redes sociais de que no sábado anterior, dia 14 de dezembro, os seguranças do mesmo shopping center impediram o acesso 5 às dependências do estabelecimento de jovens negros e vestidos de acordo com o estereótipo dos chamados “pintas”. Em virtude dessa cronologia recortamos como corpus as publicações no twitter entre os dias 14 de dezembro de 2013, quando ocorreram os episódios desencadeadores, e o dia 31 de dezembro de 2013, a fim de podermos abranger a totalidade das manifestações que envolviam os eventos dos dias 14 e 21. São reconhecidos como “pintas" em Natal os jovens negros de periferia, normalmente caracterizados por um ethos que inclui uma vestimenta própria, gosto musical, adereços e modo de andar e dançar. Pinheiro-Machado & Scalco (2012) analisaram o que chamavam de “bondes de marca” na cidade de Porto Alegre, observando com olhar etnográfico os jovens do Morro da Cruz, tida como a maior comunidade de classe baixa da capital gaúcha. Pinheiro-Machado & Scalco (2012, p. 108) descrevem os "bondes de marca" como uma nova forma de sociabilidade juvenil e afirmam que os jovens que deles participam se identificam e se diferenciam entre si adotando símbolos globais de consumo, que são incorporados de uma maneira particular, a fim de marcar território, poder e pertença. E mesmo sendo de uma classe social desvalorizada, completam Pinheiro-Machado & Scalco (2012, p. 108), o uso de marcas originais, sobrevalorizadas pelos seus membros, prevalece. Tal descrição parece corresponder, adequadamente, ao “pinta" no contexto natalense. Foram coletados, para esta pesquisa, 340 tweets publicados. A coleta foi realizada no dia 31 de janeiro de 2014 utilizando como ferramenta de busca e filtragem o próprio sistema da rede social, a partir dos seguintes parâmetros: #ProtestodosPinta, Protesto dos Pinta, #ProtestodosPintas, #ProtestodosPintas, #midwaymall, Midway Mall. Importa considerar a possibilidade de outras postagens no twitter terem tratado do assunto mas sem referir quaisquer dos termos citados, o que impossibilitaria sua presença em nosso corpus. Outra observação a ser feita diz respeito ao fato de que os critérios de busca #midwaymall e Midway Mall indicaram várias publicações sem relação com o nosso objeto de estudo que restaram descartadas pelos pesquisadores. Dos 340 tweets publicados, 143 deles foram classificados como positivos ou neutros a respeito do evento do "#ProtestodosPintas” realizado no dia 21 de dezembro de 2013 no Midway Mall, em Natal. Portanto, outras 197 publicações na rede social naquele período, que rechaçavam a manifestação, foram classificadas como negativas (FIG. 1). 6 42% 58% Positivas Negativas FIGURA 1 – Manifestações no Twitter sobre o #ProtestodosPintas As 340 manifestações no twitter foram publicadas por 181 perfis de usuários da rede social - ou seja, uma média de 1,9 tweets por sujeito. Nesta rede de 181 nós, as suas 84 arestas ligam apenas 98 desses nós. Por sua vez, 83 sujeitos publicaram tweets sobre o tema mas não estabeleceram qualquer tipo de interação com outros nós da rede. Literalmente, falaram sozinhos. 3. Análise de Redes Sociais Preocupa-nos, neste trabalho, analisarmos o papel social de um ou mais indivíduos em uma determinada rede social - em nosso caso, na análise de publicações no twitter acerca do #ProtestodosPintas, realizado em Natal, no dia 21 de dezembro de 2013. Desse modo, na classificação que Recuero (2005, p. 3) sistematiza, aproximamo-nos da análise de uma rede personalizada (ego-centered network). A autora, a partir do que afirma Garton et al. (1997, online, apud RECUERO, 2005, p. 3), explica que a análise de redes sociais procura ir além dos atributos individuais pensando as relações entre os atores sociais e que, por isso, concentra-se em novas ‘unidades de análise’, tais como: relações (caracterizadas por conteúdo, direção e força), laços sociais (que conectam pares de atores através de um ou mais relações), multiplicidade (quanto mais relações um laço social possui, maior a sua 7 multiplicidade) e composição do laço social (derivada dos atributos individuais dos atores envolvidos) (RECUERO, 2005, p. 3). Para auxiliar a análise desta rede utilizamos o software Gephi (2014) para a construção de seus grafos correspondentes. Segundo Melo et al (2014, p. 1), a “utilização de grafos é essencial nesta aplicação pois se demonstra de maneira bem mais simples e interativa, o comportamento de uma aglomeração de objetos”. Desse modo, complementam os autores, podem ser deduzidos e analisados “vários aspectos de uma rede, tais como grau, centralidade, proximidade, intermediação e comunidade” (MELO et al, 2014, p. 1). É do trabalho de Melo et al (2014), por sua objetividade, que retiraremos as definições acerca dos termos mais utilizados na análise de redes a partir dos grafos. Um grafo é uma representação visual do tipo de interação que se estabelece entre dois pontos de uma determinada rede. No caso de redes sociais os pontos que constituem um grafo são sujeitos que interagem e se relacionam. Assim, dizem Melo et al (2014, p. 1), “um grafo é um conjunto de pontos ligados por um conjunto de arcos ou arestas”. Já a noção de grau se refere à quantidade de arestas ligadas a cada um dos nós - ou seja, quanto mais arestas se liguem a um nó mais alto será seu grau. Por sua vez, centralidade diz respeito à distância média entre um nó e outros - sendo mais baixa que os demais, este nó será, efetivamente, mais central na rede formada. Outro tipo de centralidade de nós em uma rede diz respeito à intermediação - ou seja, ao fato de que determinado nó “é utilizado por vários outros nós para chegar a outro ponto do grafo” (MELO et al, 2014, p. 2). Além disso, os hubs têm elevado grau, ou seja, como o dizem Melo et al (2014, p. 2), “são nós com alta taxa de ligações”. Quando as arestas são dirigidas ao hub, ele é chamado de “autoridade” na rede. Caso suas interações partam dele, são conhecidos como distribuidores de informação. Em nossa pesquisa, conforme o grafo a seguir (FIG. 2), dois nós se comportaram como hubs na forma de autoridade na rede. O perfil @tribunadonorte, do jornal diário Tribuna do Norte, tem 23 arestas, nenhuma delas direcionada a partir do perfil, tendo o maior grau de autoridade e nível de centralidade da rede. Em seguida destaca-se o perfil @BlogdoBG, do Blog do BG, com 19 interações diferentes, manifestadas em arestas, sendo apenas uma direcionada a partir de si. 8 FIGURA 2 – Grafo das manifestações sobre #ProtestodosPintas Também nos aproximamos em nossa análise do modelo de redes “sem escalas”, conforme apresentada por Barabási (2003 apud RECUERO, 2005, p. 8), a partir da ideia de que “quanto mais conexões um nó possui, maiores as chances de ele ter mais novas conexões”, como o diz Recuero (2005, p. 8). Nesse formato, a rede não é igualitária uma vez que os dois hubs concentram a maior parte das conexões - ambos têm 42 das 84 arestas de todo sistema, ou seja, 50% de todas as interações se concentram em apenas dois nós. Por suas características, os perfis @tribunadonorte e @BlogdoBG são “ricos” que tendem a receber sempre mais conexões - inclusive por se tratarem de perfis relacionados a veículos de comunicação possibilitando aos usuários da rede que recebam mais informações, além de, principalmente no caso em análise, estimularem a possibilidade de uma maior repercussão e abrangência dos tweets direcionados aos dois perfis. Outra noção apresentada por Melo et al (2014, p. 3) e que podemos utilizar aqui é o conceito de integração, que consiste na variedade de ligações de nós entre si em uma rede possibilitando que a informação flua mais fácil por ela. O grau de integração da rede formada em torno do #ProtestodosPintas será importante na construção de significação do evento 9 junto à opinião pública, uma vez que, além de os dois nós citados (@tribunadonorte e @BlogdoBG) terem elevado grau de autoridade na rede, as manifestações negativas sobre o evento eram maioria e estavam relativamente bem integradas, como demonstra abaixo o desenho da rede (FIG. 3) que recorta apenas as manifestações negativas pelos sujeitos e nas interações. FIGURA 3 – Grafo das manifestações negativas sobre #ProtestodosPintas Percebemos que os dois hubs permanecem, assim como sua centralidade. Ainda que a maior parte dos sujeitos tenha se manifestado sem que fosse formada qualquer interação, a estrutura da maior parte da rede se estabelece em torno do perfil @tribunadonorte e do perfil @BlogdoBG, que mantém o mesmo destaque com relação à autoridade e centralidade. O perfil @tribunadonorte publicou cinco tweets sobre o tema no período analisado, sendo dois deles considerados positivos. Apesar de uma quantidade relativamente pequena de tweets sobre o tema do #ProtestodosPintas no período, o perfil @tribunadonorte teve 23 interações dirigidas a si por outros usuários do twitter - o perfil não respondeu a nenhum nem citou nenhum usuário em suas postagens. Das 23 interações, dezenove foram consideradas negativas e quatro positivas. Enquanto 40% dos tweets da @tribunadonorte foram classificados como positivos, 17,4 % de suas interações foram assim classificados - o que reforça a 10 percepção de que o sentido construído para o #ProtestodosPintas junto aos usuários do twitter tenham sido de rejeição com a influência dos hubs destacados na rede analisada. Já o perfil @BlogdoBG teve um comportamento diferente, reforçando sua atuação no twitter, o que contribui para ampliação de sua relevância na rede social. Por isso, no mesmo período, publicou doze tweets5 sobre o tema, sendo oito deles dirigindo os usuários à leitura de posts no Blog, três com informações sem links e um no estabelecimento de uma interação direcionada a outra usuária do twitter. Nisso já se demonstra uma diferença com relação à atuação dos dois perfis analisados, uma vez que a @tribunadonorte utiliza seu perfil unicamente para difusão das notícias publicadas pelo site, o que explica, inclusive, o fato de que não há interações que tenham origem no perfil do jornal no corpus analisado. Dentre as doze publicações, três foram consideradas positivas e oito negativas. Os doze tweets do perfil @BlogdoBG foram, na verdade, publicados 24 vezes. A partir deles se estabeleceram 19 interações diferentes com outros usuários do Twitter - sendo apenas uma delas direcionada a partir do perfil do blog. O @BlogdoBG publicou um número de tweets 140% superior que a @tribunadonorte acerca do #ProtestodosPintas no período, revelando sua maior ênfase na atuação nas redes sociais. Das 19 interações do perfil @BlogdoBG, apenas uma foi classificada positiva acerca do Protesto. Destaca-se, logo, que enquanto 25% dos tweets do perfil analisado tenham sido classificados como positivos, apenas 5,3% de suas interações assim o foram - indicando a configuração de um resultado ainda mais negativo do que em relação às interações do perfil @tribunadonorte. Os dados até aqui destacados demonstram a intensidade e o grau de influência e autoridade das manifestações negativas a respeito do #ProtestodosPintas. O contraste entre a integração desta rede formada com as manifestações negativas e aquela que se criou a partir das manifestações de apoio ao Protesto é notável, conforme podemos perceber na figura abaixo (FIG. 4) que reproduz o modelo da rede gerada pelas interações positivas. 5 Dentre os doze tweets coletados, seis foram repetidos. Para os fins de nossa pesquisa tais publicações serão consideradas apenas uma vez. 11 FIGURA 4 – Grafo das manifestações positivas sobre #ProtestodosPintas A rede é visivelmente desarticulada e desintegrada. Alguns poucos nós possuem algumas poucas interações, com destaque, novamente para as quatro ligações do perfil @tribunadonorte6. Uma primeira conclusão a que podemos chegar é que, além de serem em menor número as manifestações positivas a respeito do #ProtestodosPintas, a rede de apoiadores aparece desarticulada e, portanto, sem poder de mobilização, contribuindo em muito pouco para a construção de significado do evento junto à opinião pública. Por outro lado, além de serem em maior número os tweets negativos sobre o evento, sua rede é claramente melhor articulada, influenciando decisivamente na construção de significado do protesto - ao menos no twitter. A partir disso já podemos antecipar a observação, com uma outra conclusão, de que o #ProtestodosPintas, ao contrário de outros protestos recentes em Natal (RN)7, não obteve apoio nem foi visto majoritariamente de uma perspectiva positiva no twitter - o que implica, 6 Além do perfil @tribunadonorte, outros dois perfis (@taciocavalcanti e @youtube) aparecem com três ligações. No entanto, podem deixar de ser considerados relevantes diante do quadro geral, no qual não se destacam. 7 Destaque-se nesse caso o movimento #ForaMicarla, a #RevoltadoBusao e os protestos de Junho de 2013, objetos de outras observações dos autores (COELHO & LEMOS, 2013; COELHO & DANTAS, 2013). 12 necessariamente, no questionamento acerca dos possíveis motivos para que tal situação tenha se estabelecido. Podemos depreender de Mizruchi (2006, p. 79) que a análise de redes pode explicar a articulação de sujeitos em torno de sua identidade de posicionamentos políticos e ideológicos, como fica evidenciado em nosso caso. Diz Mizruchi (2006, p. 79) que “a teoria das redes pode explicar por que, dado que os amigos de uma pessoa sejam liberais do ponto de vista político, a pessoa em questão também tende a apresentar posições liberais”. Assim, a articulação em torno dos dois hubs de nossa rede pode ser compreendida também pelo fato de que os usuários que ali se manifestaram compartilharem os pontos de vista políticos e ideológicos expressos pelo perfil @tribunadonorte e pelo perfil @BlogdoBG, o que, por fim, fortalece a construção de uma mesma visão, negativa, sobre o evento do #ProtestodosPintas a partir do twitter. 4. Considerações finais Segundo Bourdieu (2006), somos nós quem elaboramos um saber sobre nós mesmos. As disciplinas, ou campos distintos de conhecimento – “pretensas ciências” -, como o enunciado dos porta-vozes da manifestação, possibilitam olhares, ou constroem discursos diferentes sobre o nosso presente. O que se constitui em “jogos de verdade”. Tal representação sobre os “Pintas” pode ser vista nos tweets das autoridades analisados se os relacionarmos ao constructo que circula sobre os jovens da periferia que emergem da nova classe média. Ainda segundo Foucault (1996), o discurso, no caso o das autoridades, deve ser analisado à luz da relação de poder entre os imaginários sociais e as representações que fazemos de nós mesmo, pois assim colocaríamos técnicas específicas, utilizadas pelos homens para compreenderem aquilo que são. A técnica narrativa utilizada pelas autoridades que monopolizam os hubs, ou o dispositivo sociotécnico utilizado para apresentar o constructo da nova classe média, não permite essa constatação. Foucault (1996) exemplifica a compreensão dos sujeitos sobre si mesmos em quatro dimensões8. Nesse artigo nos interessa as técnicas de 8 Segundo Foucault (1996, p. 2), as técnicas se dividem em quatro grupos e, cada grupo representa uma matriz da razão prática, assim definidas: [...] 1) as técnicas de produção graças as quais podemos produzir, transformar e manipular objetos; 2) as técnicas de sistemas de signos, que permitem a utilização de signos, de sentidos, de símbolos ou de significação; 3) as técnicas de poder, que determinam a conduta dos indivíduos, submetendo-os a certos fins ou à dominação, objetivando o sujeito; 4) as técnicas de si, que permitem aos indivíduos efetuarem, sozinhos ou com a ajuda de outros, um certo número de operações sobre seus corpos e suas almas, seus pensa- 13 poder e as técnicas de si. A forma como os jovens agrupados no #ProtestodosPintas interpretam a si mesmos na rede social analisada e como o preconceito é disseminado pelas autoridades que detêm o monopólio da fala. As técnicas de poder parecem remeter aos discursos da mídia tradicional corporativa pelos quais circulam narrativas sobre o cotidiano da periferia, que não traduzem exatamente a representação que os jovens agrupados fazem deles mesmos. Uma vez que as técnicas de poder utilizadas pelos detentores da fala objetivam o sujeito e visam determinar condutas, modos de ser dos indivíduos e conduzi-los a determinados fins ou à dominação do imaginário simbólico: aquele construído pela mídia tradicional sobre a representação que circula no imaginário social para classificar os jovens, mesmo que eles estejam agindo para mostrar diferentes sociabilidades e formas de consumo. Essas questões restaram evidenciadas em nossa análise que destacou como o funcionamento da rede analisada, as manifestações dos sujeitos e as suas interações serviram, prioritariamente, para a construção de uma perspectiva negativa do evento do #ProtestodosPintas, representando os sentidos discursivos das representações a respeito desse grupo nas mídias tradicionais - a rede funcionou, em outras palavras, para reforçar o estranhamento e a visão negativa acerca dos Pintas e seu protesto. A presença das mídias na vida das pessoas em sociedade é basilar para a discussão e análise das relações estabelecidas pelos grupos sociais e os artefatos da mídia postos em circulação. Mais, o conhecimento e o imaginário permitidos na veiculação, circulação de sentidos, são suportes para as práticas sociais contemporâneas. Entender que a linguagem e a circulação dos imaginários é parte essencial do discurso e das práticas discursivas, sendo esse um conceito construído por Foucault (1996), como constitutivo do pensamento humano, do sentido dado às coisas, à experiência e ao mundo, é essencial para entender os estranhamentos do mundo vivido, chancelados e veiculados pelas autoridades da rede. O trabalho também evidenciou como interagem e influenciam, como hubs, os perfis @tribunadonorte e @BlogdoBG, ainda que este último tenha uma inserção muito mais intensa no twitter enquanto o primeiro atua a fim de conduzir leitores para o seu site, o que, também, induz a leitura do jornal veiculado off-line. mentos, suas condutas, seus modos de ser; de transformarem-se a fim de atender um certo estado de felicidade, de pureza, de sabedoria, de perfeição ou de imortalidade. 14 Foucault muito nos disse sobre a forma de historicizar o mundo de forma crítica e contínua. Somos nós que construímos os discursos e as narrativas. As próprias descrições dos pesquisadores são puras interpretações de documentos. Os resultados de pesquisa são construídos a partir, não apenas dos fatos da realidade objetiva, mas sim, e principalmente, da interpretação social dos fatos. Referências BAUMAN, Zigmunt. Liquid modernity. Cambridge: Polity Press, 2000. BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2006. COELHO, Maria das Graças Pinto & DANTAS, Daniel. “Relatos locais de atores-telas: reflexividade cognitiva para pensar os rearranjos da política no Século 21” in HEBERLÊ, Antônio Luiz O., FAUSTO NETO, Antonio e VERÓN, Eliseu (orgs). Pentálogo III: Internet viagens no espaço e no tempo. Pelotas (RS): Editoria Cópias Santa Cruz, 2013. ______& LEMOS, Daniel Dantas. 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