2 SISTEMAS SUPERCONDUTORES 2. Sistemas supercondutores 6 2. Sistemas supercondutores 2.1 Propriedades elementares dos supercondutores A investigação em materiais supercondutores é iniciada em 1911, em Leiden, por Kamerlingh Onnes [11] logo após o sucesso da liquefacção do hélio obtido no mesmo laboratório. Onnes verificou que a resistência eléctrica do mercúrio desaparecia abruptamente abaixo de uma dada temperatura, dita crítica, Tc. Rapidamente, foram testados outros metais da tabela periódica verificando-se que cerca de metade deles apresentava o mesmo fenómeno, embora a temperaturas críticas diferentes. Nenhum dos metais alcalinos e alcalino-terrosos apresentava supercondutividade. A maior temperatura crítica obtida para um elemento foi observada no nióbio com Tc=9,25 K. Uma outra característica observada num supercondutor foi o facto de serem materiais diamagnéticos perfeitos. O diamagnetismo perfeito impede a penetração do fluxo magnético num supercondutor e resulta no aparecimento de uma corrente de blindagem à superfície do material. Similarmente, aplicando uma corrente ao supercondutor, é gerado um campo que não consegue penetrar no material. Este fenómeno é designado por efeito Meissner [12]. 2.1.1 Temperatura crítica e campo crítico Ao aumentar o campo magnético aplicado a um supercondutor maciço, as supercorrentes devem também aumentar. Kamerlingh Onnes, em 1913 [13], verificou que existe um campo crítico, para além do qual as supercorrentes superficiais não conseguem excluir o fluxo magnético do interior, designado por campo crítico termodinâmico, Hc. Para lá deste valor, as supercorrentes entram em colapso e o metal retorna ao estado normal. Verificou-se existir uma relação entre o valor de Hc e o valor de T que se ajustava bem à expressão [14:p.4]: Tc T 2 H c ( T ) ≈ H c (0) 1 − Tc (2.1) em que Hc(0) é definido como o campo crítico extrapolado para 0 K. Os primeiros metais estudados possuíam Hc(0) muito baixo (ver tabela 2.1), tornando inviável qualquer utilidade prática da supercondutividade. Com efeito, um fio supercondutor apresenta uma corrente crítica, Ic, dada pela regra de Silsbee I c = 2πrH c (2.2) em que r é o raio do fio condutor. Sendo Hc muito pequeno, a corrente crítica é necessariamente baixa. Posteriormente, este materiais foram designados supercondutores do tipo I. 7 2. Sistemas supercondutores Após a descoberta da supercondutividade no nióbio e em diversas ligas deste metal, verificou-se que estes materiais tinham um comportamento diferente do acima descrito perante os campos magnéticos. Até ao primeiro campo crítico Hc1, o supercondutor tem diamagnetismo ! ! perfeito, isto é, M = − H . No entanto, à medida que o campo aplicado ultrapassa Hc1, o estado supercondutor permanece ainda até Hc2. Para campos entre Hc1 e Hc2, o supercondutor está num estado diamagnético imperfeito, com penetração de fluxo, designado por estado misto, ocupando quase toda a gama de campos magnéticos aplicáveis. Este segundo campo crítico de alguns materiais é muito elevado (ver tabela 2.1), tornando-os elegíveis para diversas aplicações (supercondutores do tipo II). H H Hc2 estado normal estado normal Hc Estado misto estado supercondutor (efeito Meissner) T Tc Hc1 a) estado supercondutor (efeito Meissner) T Tc b) Figura 2.1 - Diagramas campo magnético - temperatura para supercondutores a) do tipo I e b) do tipo II. As escalas em a) e b) não são idênticas. [15:p.25]. Por exemplo, o Nb3Sn a 4,2 K apresenta Hc1 = 1,59x104 A/m (µoHc1 = 0,020 T) enquanto que Hc2 = 1,75x107 A/m (µoHc2 = 22 T), sendo actualmente aplicado no fabrico de bobinas supercondutoras capazes de fornecer um campo de 7 T [14-17], sete vezes o fornecido por uma bobina de cobre, com núcleo de ferro, com arrefecimento adequado para dissipar o calor libertado por efeito Joule. 8 2. Sistemas supercondutores Tabela 2.1 - Parâmetros críticos de supercondutores metálicos, actualmente designados de “baixa temperatura crítica”. [14:p.7, 15:p.26, 17:p.421] Tc (K) Hc(0) (A/m) 4,15 3,41 7,20 1,20 3,72 9,26 3,02x104 2,25x104 6,39x104 7,88x103 2,43x104 1,58x105 5,69 6,43 5,89x104 6,02x104 9,8 - 10,2 12,5 - 13,5 7,24x103 6,92x103 Material Supercondutores do tipo I Metais Hg In Pb Al Sn Nb Compostos BaBi3 PbTl0,27 Supercondutores do tipo II Al2CMo3 C0,44Mo0,56 Ligas com estrutura A-15* Nb3Ge Nb3Sn Nb3Al V3Ga V3Si 23,2 18,3 18,6 16,5 16,9 4,2x10 5 5,0x105 4,8x104 Hc2 (0) (A/m) 1,24x107 7,84x106 3,0x107 2,3x107 2,6x107 2,1x107 2,0x107 *A estrutura normalmente designada por A-15 é a do Cr3Si [18:p.13] 2.1.2 A profundidade de penetração de London Quando um supercondutor está num campo magnético, o campo induzido no interior do supercondutor, B, não passa bruscamente para zero no interior. A solução da equação de London e Maxwell [17: p.440], ns e 2 B ∇ B = µo m 2 (2.3) em que µo é a permeabilidade do vazio, e a carga do electrão, ns a densidade dos portadores (supercondutores) e m é a massa efectiva dos portadores (electrões ou lacunas), a uma dimensão (y), origina um decaimento exponencial do campo: B(y)=B(0) exp(-y/λL) (2.4) em que B(0) representa o campo induzido na fronteira e o comprimento λL é denominado “profundidade de penetração de London”1: 1 Para os supercondutores cerâmicos, as massas efectivas não são iguais para a condução no plano ab e no plano c, dando origem a mab e a mc, e a λab e λc. O factor Γ=(mc/mab)1/2 é aproximadamente igual a 6 para o YBaCuO e 60 para os sistema BSCCO e TBCCO [19: p.1058]. 9 2. Sistemas supercondutores m λL = 2 µ o n s e 12 (2.5) A profundidade de penetração, λL, varia com o campo e a temperatura de acordo com [19] B λ L = λ Lo 1 − Bc2 −1 2 T 1 − Tc 4 −1 2 (2.6) O parâmetro λL representa a distância de penetração do campo induzido. Como à medida que a temperatura aumenta diminui o número de portadores, ns (supercondutores), a profundidade de penetração aumenta, até que à temperatura crítica, ns=0, o campo atravessa toda a amostra [17: p.441]. 2.1.3 O comprimento de coerência Quando um supercondutor do tipo II está no estado misto, Hc1<H< Hc2, o fluxo aparece distribuído por unidade quânticas denominadas vórtices magnéticos, linhas de fluxo, ou simplesmente fluxóides. Cada fluxóide contém um quantum de fluxo [14: p.23, 17: p.443] 6,6262 x10 −34 h φo = = = 2,068x10 −15 T m − 2 2e 2 x1,6022 x10 −19 (2.7) Um fluxóide consiste num núcleo cilíndrico de fluxo magnético, alinhado com o campo aplicado, com um raio designado por comprimento de coerência, ξ. Este núcleo está rodeado por um cilindro de supercorrentes que fluem num vórtice circular, numa espessura igual à profundidade de penetração λL, gerando o quantum de fluxo φo. Na figura 2.2, mostra-se a influência da ancoragem (pinning) das linhas de fluxo nos defeitos internos e nas imperfeições superficiais, em todos os supercondutores do tipo II, conduzindo à resposta magnética a tracejado. A ancoragem não tem efeito quando H < Hc1, dado que não há fluxo a entrar no supercondutor, mas, para campos magnéticos superiores, a magnetização desvia-se um pouco da linearidade à medida que as linhas de fluxo preenchem a ancoragem superficial e penetram no supercondutor, particularmente nos defeitos internos. A magnetização atinge um mínimo determinado pela força da ancoragem, diminuindo para campos magnéticos superiores. A ancoragem não tem efeito quando H = Hc2, apesar de afectar a forma da curva no estado misto. As linhas de fluxo não são independentes e, sob condições apropriadas, podem interaccionar formando redes de fluxo [18: p.683]. 10 2. Sistemas supercondutores Hc2 M Hc1 Figura 2.2 - Curvas de magnetização (M) em função do campo (H) para um supercondutor do tipo II. A linha a sólido mostra a resposta ideal, formando um vértice no primeiro campo crítico, Hc1. A linha tracejada mostra a variação de M pelo efeito de ancoragem de fluxo [18: p.682]. Próximo de Tc, e desde que l >> ξo, em que l representa o percurso médio livre do electrão (condição habitualmente designada por clean limit), a variação do comprimento de coerência com a temperatura é dada por [19: p.1059] T ξT = 0,7 ξo c Tc − T 12 (2.8) A teoria de Ginzburg-Landau define um parâmetro kG relacionado com o comprimento de coerência e a profundidade de penetração dado por: kG = λL ξ (2.9) O valor de kG determina se um material é do tipo I ( k G < 1 2 ) ou do tipo II ( k G > 1 2 ), e é praticamente independente da temperatura [14: pp.48-56, 17: p.444]. Para os supercondutores do tipo II podemos relacionar a profundidade de penetração com o primeiro campo crítico, Hc1 requerido para iniciar o estado de vórtice. [17: p.443, 16] µ o H c1 = φo (2.10) 2 πλ2L De acordo com a teoria de Werthamer-Helfand-Hohenberg (WHH) [20] para os supercondutores do tipo II, o segundo campo crítico a 0 K, Hc2(0), pode ser estimado por extrapolação, a partir da variação do campo crítico próximo de Tc, usando a relação [16]: dH H c2 (0) = −0,693 Tc c2 dT T = Tc (2.11) O comprimento de coerência relaciona-se com o segundo campo crítico, quando todos os fluxóides são levados aos contacto uns com os outros [16, 17: p.445, 19: p.1059] 11 2. Sistemas supercondutores µo H c 2 = φo (2.12) 2πξ 2 2.2 Os supercondutores de alta temperatura crítica, HTc. Nos estudos efectuados pela equipa de Raveau [21] ao composto BaLa4Cu5O13,4, foi posto em evidência um comportamento metálico entre 170 e 570 K. No entanto, esta equipa não alargou as medidas para temperaturas mais baixas. Só em 1986, Georg Bednorz e K. Alex Müller sintetizaram diversos óxidos da família BaxLa5-xCuO5(3-y), e descobriram que o composto com x=0,75 iniciava uma transição para resistividade nula próxima dos 35 K [22]. A supercondutividade, na amostra, foi posteriormente confirmada pela medição do efeito Meissner [23, 24]. Análises por raios x indicaram que a amostra era constituída por uma mistura de três fases: CuO, BaxCu5-xO5(3-y) e La2-xBaxCuO4-y. A esta última foi atribuída a transição detectada na resistividade eléctrica [25, 26]. Uma investigação mais detalhada permitiu obter uma temperatura de transição máxima de 37 K, numa amostra com a composição La1,8Sr0,2CuO4-δ [27]. C.W. Chu e seus colaboradores substituiram o La3+ por um ião menor, o Y3+, com vista a aumentar a “pressão cristalográfica” [28] e, em Fevereiro de 1987, verificaram que o sistema Y-Ba-Cu-O apresentava uma temperatura de transição de 94 K, bem acima da temperatura de ebulição do azoto líquido (77 K) [29]. Estudos posteriores permitiram concluir que o composto responsável tinha a fórmula YBa2Cu3O7-x [30] (abreviadamente YBCO), com supercondutividade para x<0,5. A substituição do Ítrio por outra terra rara não produziu alterações apreciáveis em Tc. Os compostos da família (RE)Ba2Cu3O7-x em que RE = Y, Nd, Sm, Dy, Ho, Er, Tm, Yb apresentam Tc entre 90 e 94 K [31]. Ainda em 1987, Michel e colaboradores [32] publicam a descoberta da supercondutividade no sistema Bi-Sr-Cu-O com Tc ≈ 8 K, o que não causou outro impacto para além do facto de este material não conter qualquer terra rara, até que Maeda, em 1988, descobre que a simultânea inclusão de Sr e Ca poderia elevar a temperatura de transição até aos 105 K [33]. Este material possuía uma estrutura diferente do YBCO e mostrava diversas fases supercondutoras. Sinterizando o material a 800°C obtinha-se uma transição a 83 K, mas, sinterizando a 872°C, obtinha-se a transição com início a cerca de 120 K. A composição ideal apontada correspondia a Bi1Sr1Ca1CuyOx. Com y=1 não se obtinham transições supercondutoras; com y>2 permanecia CuO por reagir; com 1<y<2 obtinha-se uma mistura das duas fases; com y=2 formava-se uma maior quantidade da fase com maior Tc. 12 2. Sistemas supercondutores Posteriormente, as duas transições foram atribuídas às fases de composição nominal Bi2Sr2CaCu2O8 (dita fase Bi-2212) e Bi2Sr2Ca2Cu3O10 (fase Bi-2223). Este sistema passou a ser representado pela fórmula genérica Bi2Sr2Can-1CunO2n+4 (com n= 1, 2 ou 3) (abreviadamente BSCCO) e transições com Tc de 10-20 K, 85 K e 110 K respectivamente. O valor de n representa o número de planos de CuO2 intercalados entre os planos de BiO. O sistema BSCCO abriu o campo para investigar outros materiais com estruturas análogas. Ainda em 1988, Sheng e Herman [34] descobrem que o sistema Tl-Ba-Ca-Cu-O apresenta supercondutividade com um Tc máximo de 122 K para a fase Tl-2223. Este material apresenta duas importantes limitações à investigação e utilização: a volatilidade elevada e a toxicidade do Tl2O3 [35]. Em Março de 1993, Putilin [36] descobre a supercondutividade no composto HgBa2CuO4+δ (designado por Hg-1201), com Tc = 94 K, um valor anormalmente elevado, considerando que apresenta apenas um plano de CuO2 entre os planos de HgO. Em Maio de 1993, Schilling [37] apresenta o sistema HgBa2Can-1CunO2n+2+δ (n = 1, 2 ou 3) com Tc = 133 K para n=3. Neste sistema, o mercúrio é ainda mais volátil que o tálio, apesar de ser menos tóxico. Sinterizando o material sob pressões elevadas (15 GPa), foi possível elevar Tc até 153 K, estando publicado um máximo de Tc a 164 K, com síntese a 30 GPa [38]. Em 1992 e 1993, apareceram relatos de supercondutividade com Tc=100 K no sistema Srn+1CunO2n+1+δ [39] e de Tc=110 K no sistema (Ca1-ySry)1-xCuO2-δ [40, 41] após tratamento a pressões elevadas [42, 43]. O sistema Srn+1CunO2n+1+δ estende-se desde n=1 (Sr2CuO3+δ), n=2 (Sr3Cu2O5+δ) até n=∞ na perovesquite SrCuO2+δ. Para este sistema, as fases estáveis à pressão atmosférica, o Sr2CuO3 e o SrCuO2 (e também o cuprato Sr14Cu24O41 embora não pertencendo ao sistema), não possuem planos de condução CuO2, não apresentando supercondutividade. Para o SrCuO2, a aplicação de pressão induz uma transição estrutural para uma forma mais densa, em que os planos de CuO2 estão intercalados por camadas de Sr. A modificação da composição para Sr1-xCuO2+δ, origina supercondutividade com Tc≈100 K [39]. Estes sistemas são designados internacionalmente por Compostos de Número Infinito de Camadas (ILC - Infinite Layer Coompounds) porque as respectivas células cristalográficas apresentam uma sequência com um número infinito de camadas de CuO2, não possuindo camadas de reservatório de carga. 13 2. Sistemas supercondutores 180 HgBa2Ca2Cu3O8+x a 30 GPa 160 HgBa2Ca2Cu3O8+x a 25 GPa HgBa2Ca2Cu3O8+x Tl2Ba2Ca2Cu3O10 a 7 GPa Tl2Ba2Ca2Cu3O10 140 Bi2Sr2Ca2Cu3O10 100 60 20 Nb3Sn 40 Pb Hg Nb NbN (La0.9Ba0.1)2Cu4Oy a 1 GPa Nb3Ge 80 YBa2Cu3O7-x p.eb. N2 (líquido) Nb3(Al,Ge) Tc (K) 120 (Ba,La)5Cu5Oy Nb3Ga 0 1900 1920 1940 1960 1985 1990 1995 Ano Figura 2.3 - Evolução cronológica supercondutores [2]. da temperatura crítica e respectivos sistemas Todos os sistemas anteriores possuem cobre na composição. Nos sistemas sem cobre, destacou-se, desde 1975, o BaBixPb1-xO3, apresentando uma transição supercondutora a 13 K para x=0,25 [44]. Este sistema despertou maior interesse quando Cava relatou que, dopando-o com potássio, Ba1-xKxBiO3, se obtinha supercondutividade até 30 K, para x=0,4 [45]. Este material possui o maior valor de Tc de entre todos os óxidos cerâmicos supercondutores sem o cobre na composição [46]. Na tabela 2.2, listam-se alguns parâmetros característicos de supercondutores cerâmicos do tipo II. É de referir o baixo valor do comprimento de coerência, ξo, que estes materiais apresentam, originando valores de kG>>1. Tabela 2.2 - Parâmetros da supercondutividade de alguns cerâmicos. Composto YBa2Cu3O7-δ YBa2Cu3O7-δ (plano ab) (eixo c) Bi1,7Pb0,3Sr2CaCu2O8 Tl-1234 Tl-2223 Tc (K) 94 92 96 128 105 − dH c2 dT Tc (T/K) 1,65 1,27 1,5 1,8 1,8 Os valores de ξo e λLo referem-se ao plano temperatura ou eixo c). µoHc2(0) (T) kG (eq. 2.9) 89 34 (77K) 57 ≈100 >2000 92 109 85 ξo (nm) (eq. 2.12) 1,75 λLo (nm) (eq. 2.5) 102 Refas 16 47 48 1,2 a 1,6 140 0,15 a 0,3 700 90 2,0 178 16 160 1,4 150 16 130 1,6 136 49 50 (77K) 2,6 (77K) 220 (77K) ab e estão extrapolados para zero kelvin (excepto se indicada outra Os valores de kG dos supercondutores cerâmicos (kG>>1), resultante, simultaneamente, de elevados valores de λL e de baixos valores de ξ, e a elevada anisotropia (o YBCO é o menos 14 2. Sistemas supercondutores anisotrópico) têm diversas consequências. O primeiro campo crítico ocorre a valores muito baixos (eq. 2.10), enquanto que o segundo campo crítico possui valores extremamente elevados (eq. 2.12). A anisotropia associada ao pequeno comprimento de coerência provoca que as fronteiras de grão de ângulo elevado representem ligações fracas. A supercorrente, formada por pares de electrões cuja extensão espacial é ξ (teoria BCS), atravessa a fronteira de grão por efeito Josephson [2], o que impõe uma corrente crítica intergrão muito inferior à intragrão. Esta limitação é comprovada pelo facto dos monocristais apresentarem valores de jc várias ordens de grandeza superiores aos valores das amostras policristalinas. Para superar este problema, é necessário texturar os supercondutores cerâmicos, aumentando assim, drasticamente, o número de fronteiras de grão com baixo ângulo de contacto. 2.3 Estruturas cristalográficas dos supercondutores cerâmicos Nos estudos efectuados ao sistema La2-xMxCuO4 (M=Sr, Ca ou Ba), encontrou-se uma estrutura do tipo Ruddlesden-Popper (R-P) semelhante ao K2NiF4 [50]. A estrutura R-P é constituída por duas células perovesquíticas (ABO3) (designadas por P), uma em cima da outra, sem partilha da face (A–O). A segunda célula P tem uma translação de ½<110> relativamente à primeira (ou a/2+b/2). Esta configuração origina duas faces consecutivas A–O idênticas à estrutura do cloreto de sódio e por esse motivo designadas por RS (figura 2.4 c). [51, 52]. Este empilhamento RS–P–RS–P, de fórmula genérica (AO)(ABO3) ou A2BO4, é o primeiro elemento da série (AO)(ABO3)n. O segundo elemento da série (n=2) possui uma sequência de empilhamento (RS–P–P)– (RS–P–P) e pode ser representada por A3B2O7. Nesta estrutura, duas células P (do tipo da figura 2.4 b) estão entre outras duas células P desviadas de ½<110>, gerando as camadas RS. Nesta fórmula genérica das estruturas R–P a estrutura da perovesquite, P, corresponde a n=∞. Uma característica importante destas estruturas nos compostos supercondutores reside no facto dos planos de CuO2, ditos planos de condução, estarem intercalados por planos A-O que constituem a reserva de carga. Em virtude do número elevado de substituições que podem ocorrer nas estruturas R–P (por exemplo o Sr2+ substitui o La3+ no La2-xSrxCuO4), o estado de oxidação médio do cobre varia entre +2 e +3, ocorrendo lacunas de oxigénio. No Cu2+, com uma configuração electrónica 3d9, as orbitais d estão semipreenchidas, e o ião tende a adoptar uma coordenação octaédrica (CuO6), à qual se associa uma distorção 15 2. Sistemas supercondutores Jahn-Teller [18: p.54]. Devido a este efeito, resultam octaedros alongados, com quatro ligações equatoriais curtas e duas axiais longas. O Cu3+ possui uma configuração electrónica 3d8 adoptando geralmente uma coordenação planar quadrada com quatro ligações equatoriais curtas. Nos cerâmicos supercondutores ocorrem ainda pentaedros alongados com quatro ligações equatoriais curtas e uma axial longa. Bloco P Bloco P Plano RS Bloco RS (a) Bloco P Bloco P (b) c) Figura 2.4 - (a) Estrutura da perovesquite, ABO3, com origem em A; (b) empilhamento de duas células de perovesquite com partilha da face A–O; (c) empilhamento de duas células de perovesquite sem partilha da face e com translação de ½<110> (ou de a/2+b/2) dando origem à estrutura R-P [51]. Nas estruturas R–P deficientes em oxigénio, a coordenação dos iões de cobre muda de octaédrica (6) para piramidal quadrada (5) ou planar quadrada (4). Como exemplos, podem ser apontados para n=1 a estrutura do Sr2CuO3 na qual a coordenação do cobre é planar quadrada; para n=2 o La2SrCu2O6 com o cobre em coordenação piramidal quadrada; no caso limite de n=∞ ocorre coordenação planar quadrada, com planos de CuO2 separados por átomos de A (normalmente um átomo alcalino-terroso) sem oxigénio [51], numa estrutura em “camada infinita” (IL - infinite layer). A estrutura de quase todos os cupratos supercondutores de alta temperatura crítica (HTSC) resulta da combinação da estrutura R–P (ou R–P deficiente em oxigénio) com camadas extra (habitualmente do tipo RS) inseridas entre as células R–P. A fórmula geral destes compostos é [51] (RO)m[(AO)(MCuO3-δ)n] (2.14) ou, para estruturas R-P deficientes em oxigénio (RO)m[(AO)(MCuO2+δ)n] 16 (2.15) 2. Sistemas supercondutores Desta fórmula geral resulta uma representação dos supercondutores baseada numa letra e quatro números [42, 51]: A - m 2 (n-1) n (2.16) A letra “A” representa a família associada ao elemento do reservatório de carga, sendo habitualmente um elemento de elevado número atómico como o La, Y, Tl, Bi, Hg, Pb, Nd ou ainda o Cu ou o Sr. O primeiro número, m, representa o número de planos A-O em cada reservatório de carga e tem, habitualmente, o valor de 0, 1 ou 2 (raramente 3 o que ocorre na família Cu,Pb-). Sempre que o valor de m for par (0 ou 2), ocorre uma translação de ½<110> na estrutura [51]. O segundo número (2) fornece o número de interfaces no topo e no fundo do bloco P e que contém n camadas de CuO2. Numa estrutura R-P, há duas interfaces do tipo RS, constituídas por átomos como La, Ba ou Sr. O terceiro número representa o número de camadas intercaladas nos planos de CuO2 adjacentes do bloco P. Estas camadas, necessariamente em número (n-1) para blocos de n camadas CuO2, normalmente não têm oxigénio. O metal desta camada é habitualmente Ca (excepcionalmente Sr, Y ou outras terras raras). O quarto número, n, indica o número de planos de CuO2 (IL) dentro do bloco P. Na tabela 2.3, distribuem-se os supercondutores cerâmicos em famílias de acordo com a fórmula básica geral (RO)m[(AO)(MCuO3-δ)n]. Os supercondutores mais frequentemente referidos na literatura são integrados nas diversas famílias, fornecendo-se, igualmente, as temperaturas críticas de transição, Tc, as substituições possíveis nas posições R, A e M e a sequência de empilhamento. Nas estruturas representadas na tabela 2.3 pelas sequências de empilhamento, quando o cobre está coordenado octaedricamente, ou seja, quando há 6 átomos de oxigénio à volta de cada átomo de cobre (octaedro CuO6), adoptou-se, como simbologia, a designação ◊ CuO2. Quando a coordenação do cobre é piramidal quadrada (pirâmide CuO5), adoptou-se a simbologia !CuO2. Quando os átomos de cobre tem coordenação planar quadrada representou-se por !CuO2 (quadrado de CuO4). Para estruturas deficientes em oxigénio (por substituição total ou parcial de átomos trivalentes por átomos divalentes) há diminuição da coordenação do cobre, ocorrendo lacunas de oxigénio. É o caso do sistema YBa2Cu3O7 em que existem planos de cobre com apenas dois átomos de oxigénio, representando-se por !CuO. 17 2. Sistemas supercondutores Tabela 2.3 - As grandes famílias de supercondutores, de acordo com a fórmula básica geral (RO)m[(AO)(MCuO3-δ)n]; temperaturas de transição, notação de quatro números, possíveis substituições e sequências de empilhamento na estrutura [referências gerais: 18: p.487, 42, 51] m Família de compostos n Composto (exemplos) Tc (K) Notação Fórmula básica Possíveis substituições Sequência de empilhamento Ref.ª R-P deficiente em oxigénio 51 Posição Posição Posição 0 A2Can-1CunOy 1 A-02(n-1)n (-)[(SrO)(SrCuO2+δ)n] Sr-0201 (-)[(SrO)(SrCuO2+δ)] R - A M La, La, Ba, Ba, Sr Sr, Ca Sr Sr Sr2CuO3 – La2CuO4 – La-0201 (-)[(LaO)(LaCuO3)] - (La,Ba)2CuO4-δ La2SrCu2O6 38 La-0201 La-0212 (-)[(LaO)(LaCuO3-δ)] (-)[(LaO)(LaCuO3)2] - La, Ba La, Ba La, Sr La, Sr Sr2CaCu2O5+δ Sr-0212 (-)[(SrO)(SrCuO2+δ)2] - Sr, Ca Sr, Ca Sr2Ca2Cu3O7 Sr-0223 (-)[(SrO)(SrCuO2+δ)3] - Sr, Ca Sr, Ca -!CuO-SrO-½<110>SrO-!CuO-SrO- ½<110>SrO-CuO 2 La La R-P - ◊ CuO2-LaO-LaO- ◊ CuO2R-P (idem) -La,Sr-!CuO2-LaO-½<110>LaO-!CuO2-La,Sr- 18: p.487, 51, 53, 54 18: p.487, 51 51, 53 !CuO2-LaO-½<110>LaO-!CuO2-La,Sr -Sr,Ca-!CuO2-SrO-½<110>SrO-!CuO2-Sr,Ca- 51 !CuO2-SrO-½<110>SrO-!CuO2-Sr,Ca 3 -Ca-!CuO2-SrO-½<110>SrO-!CuO2-Ca- 51 !CuO2-Ca-!CuO2-SrO-½<110>SrO--!CuO2Ca4 1 Sr-0234 (-)[(SrO)(SrCuO2+δ)4] ∞ SrCuO2 100 Sr-02∞∞ (-)[(SrO)(SrCuO2+δ) ∞] 110 Sr-02∞∞ R-12(n-1)n (-)[(SrO)(SrCuO2+δ) ∞] (RO)[(AO)(MCuO3-δ)n] 1 (SrxCa1-x)0,9CuO2+δ TlBa2Can-1CunO2n+3 HgBa2Can-1CunO2n+2+δ CuBa2Can-1CunOy (Tl, Bi)Sr2CuO5 50 Tl-1201 (TlO)[(SrO)(SrCuO3-δ)] HgBa2CuO4+δ 94-97 Hg-1201 (HgOδ)[(BaO)(BaCuO3-δ)] TlBa2CuO5 (Tl,Pb)Sr2CuO5 (Tl,Bi)Sr2CuO5 – – 50 Tl-1201 (TlO)[(BaO)(BaCuO3-δ)] RA2Can-1CunOy RA2CuOy Sr2Ca3Cu4O9 1 18 - Sr, Ca Sr, Ca -Ca-!CuO2-SrO-½<110>SrO-!CuO2-Ca- 51 !CuO2-Ca-!CuO2-Ca-!CuO2-SrO-½<110>SrO!CuO2-CaSr, Ca Sr, Ca IL 40, 42, 51, 55 - !CuO2 - Sr - !CuO2 - Sr -!CuO2 - Sr Sr, Ca Sr, Ca IL (idem) 42, 51, 55, 54 Tl,Hg, Ba, Sr Ba, Sr, Ca, Y Cu,Pb, Bi Tl, Hg Ba, Sr Ba, Ca, TlO-SrO- ◊ CuO -SrO-TlO-SrO- ◊ CuO -SrO10, 56 2 2 Sr TlOHg Ba Tl, Pb, Ba, Sr Bi Ba Ba, Sr HgO-BaO- ◊ CuO2-BaO-HgO-BaO- ◊ CuO2-BaOHgOTlO-BaO- ◊ CuO2-BaO-TlO-BaO- ◊ CuO2-BaOTlO- 36, 37, 51, 57 18: p.260, 51 2. Sistemas supercondutores m Família de compostos n Composto (exemplos) Tc (K) Notação Fórmula básica Possíveis substituições Sequência de empilhamento Ref.ª -!CuO-BaO-!CuO2-Y- !CuO2-BaO-!CuO- 18: p.489, 51, 54 18: p.260 Posição Posição Posição 1 RBa2CaCu2Oy RBa2Ca2Cu3Oy 1 2 2 3 YBa2Cu3O7 = CuBa2YCu2O7 TlBa2CaCu2O7 (Tl,Pb)Sr2CaCu2O7 (Tl,Bi)Sr2CaCu2O7 HgBa2CaCu2O6+δ TlBa2Ca2Cu3O9 (Tl,Pb)Sr2Ca2Cu3O9 HgBa2Ca2Cu3O8+δ 95 80 90 90 124 Cu-1212 Y-123(7) Tl-1212 (CuO)[(BaO)(MCuO3-δ)2] Hg-1212 (HgOδ)[(BaO)(MCuO3-δ)2] 4 TlBa2Ca3Cu4O11 115 122 134 (164) 122 Tl-1223 5 TlBa2Ca4Cu5O13 110 Tl-1245 3 CuBa2Ca2Cu3O8+δ 118 Cu-1223 4 CuBa2Ca3Cu4O10+δ 116120 Cu-1234 1 Bi2Sr2Can-1CunO2n+4 Tl2Ba2Can-1CunO2n+4 Bi2Sr2CuO6 10-30 Bi-2201 Tl2Ba2CuO6 90 Tl-2201 Hg-1223 Tl-1234 CuBa2Can-1CunO2n+2+δ R2A2Can-1CunOy (TlO)[(BaO)(MCuO3-δ)2] R Cu A Ba M Y, Ba Tl, Pb, Ba, Sr Ba, Sr, Bi Ca -TlO-BaO-!CuO2-Ca-!CuO2-BaO-TlO- Hg, Ba Ba, Ca -HgO-BaO-!CuO2-Ca-!CuO2-BaO-HgO54 Pb, Bi (TlO)[(BaO)(MCuO3-δ)3] Tl, Pb Ba, Sr Ba, Sr, -TlO-BaO-!CuO2-Ca-!CuO2-Ca- !CuO2-BaO- 7, 18: p.260, 51 Ca TlO37, 38, 51 Hg Ba Ba, Ca -HgO-BaO-!CuO2-Ca-!CuO2-Ca- !CuO2-BaO(HgOδ)[(BaO)(MCuO3-δ)3] HgOTl Ba Ba, Ca -TlO-BaO-!CuO2-Ca-!CuO2-Ca-!CuO2-Ca- 7, 18: p.260, 51 (TlO)[(BaO)(MCuO3-δ)4] !CuO2-BaO-TlOTl Ba Ba, Ca -TlO-BaO-!CuO2-Ca-!CuO2-Ca-!CuO2-Ca 18: p.260 (TlO)[(BaO)(MCuO3-δ)5] !CuO2-Ca-!CuO2-BaO-TlO(Cu)[(BaO)(MCuO3-δ)n] 51, 58 Cu Ba Ba, Ca Cu-BaO-!CuO2-Ca-!CuO2-Ca- !CuO2-BaO(Cu)[(BaO)(MCuO3-δ)3] CuCu Ba Ba, Ca -Cu-BaO-!CuO2-Ca-!CuO2-Ca-!CuO2-Ca10, 51, 59 (Cu)[(BaO)(MCuO3-δ)4] !CuO2-BaO-Cu(RO)2[(AO)(MCuO3-δ)n] Bi, Tl, Sr, Ba Sr, Ba, Pb, Cu Ca Bi Sr, Ca Sr, Ca -BiO-SrO- ◊ CuO -SrO-BiO-1/2<110>BiO-SrO- 18: p.260, 60, (BiO)2[(SrO)(SrCuO3-δ)] 2 61 ◊ CuO2-SrO-BiOTl Ba Ba 51, 62 (TlO)2[(BaO)(BaCuO3-δ)] -TlO-BaO- ◊ CuO -BaO-TlO-1/2<110>TlO-BaO2 ◊ CuO2-BaO-TlO- 2 YBa2Cu4O8 = Cu2Ba2YCu2O8 Cu-2212 (CuO)2[(BaO)(MCuO3-δ)2] Cu Ba Y, Ba Cu-2212 = Cu-1212 + ½<010>Cu-1212 51 Y-!CuO2-BaO-!CuO-½<010>!CuO-BaO!CuO2-Y-!CuO2-BaO-!CuO-½<010>!CuOBaO-!CuO2-Y- Bi2Sr2CaCu2O8 85-90 Bi-2212 (BiO)2[(SrO)(MCuO3-δ)2] Bi, Pb Sr, Ca Sr, Ca -Ca-!CuO2-SrO-BiO-½<110>BiO-SrO-!CuO2Ca-!CuO2-SrO-BiO-½<110>BiO-SrO-!CuO2Ca- 19 18: p.260, 60, 61, 63 2. Sistemas supercondutores m Família de compostos n Composto (exemplos) Tc (K) Notação Fórmula básica Possíveis substituições Sequência de empilhamento Ref.ª -Ca-!CuO2-BaO-TlO-½<110>TlO-BaO-!CuO2- 51, 62 Posição Posição Posição 2 2 Tl2Ba2CaCu2O8 118 Tl-2212 (TlO)2[(BaO)(MCuO3-δ)2] R Tl A Ba M Ba, Ca Ca-!CuO2-BaO-TlO-½<110>TlO-BaO-!CuO2Ca3 Bi2Sr2Ca2Cu3O10 115 Bi-2223 (BiO)2[(SrO)(MCuO3-δ)3] Bi, Pb Sr, Ca Sr, Ca -Ca-!CuO2-SrO-BiO-½<110>BiO-SrO-!CuO2Ca-!CuO2-Ca-!CuO2-SrO-BiO-½<110>BiOSrO-!CuO2-Ca- Tl2Ba2Ca2Cu3O10 128,5 Tl-2223 (TlO)2[(BaO)(MCuO3-δ)3] Tl Ba Ba, Ca -Ca-!CuO2-BaO-TlO-½<110>TlO-BaO-!CuO2- 18: p.260, 60, 61 51, 54, 62 Ca-!CuO2-Ca-!CuO2-BaO-TlO-½<110>TlOBaO-!CuO2-Ca4 Bi2Sr2Ca3Cu4O12 90 Bi-2234 (BiO)2[(SrO)(MCuO3-δ)4] Tl2Ba2Ca3Cu4O12 116 Tl-2234 (TlO)2[(BaO)(MCuO3-δ)4] Bi, Pb Sr, Ca Tl Ba Sr, Ca Ba, Ca -Ca-!CuO2-SrO-BiO-½<110>BiO-SrO-!CuO2Ca-!CuO2-Ca-!CuO2-Ca-!CuO2-SrO-BiO- 18: p.260, 61 ½<110>BiO-SrO-!CuO2-Ca-Ca-!CuO2-BaO-TlO-½<110>TlO-BaO-!CuO2- 62 Ca-!CuO2-Ca-!CuO2-Ca-!CuO2-BaO-TlO- ½<110>TlO-BaO-!CuO2-Ca- 2 CuPbBa2Can-1CunO2n+4+δ Pb-22(n-1)n 2 3 CuPbBaSrYCu2O8 50 Pb-2212 Pb-32(n-1)n Pb, Cu Ba, Sr Ba, Sr, Ca, Y, Nd (Cu)(PbO)[(BaO)(MCuO3-δ)2] Pb, Cu Ba, Sr Ba, Sr, Y 1 CuPb2(Sr,La)2CuO6 32 Pb-3201 Pb, Cu Ba, Sr, Ba, Sr, La La, Y, Ca, Nd (Cu)(PbO)2[(AO)(MCuO3-δ)] Pb, Cu Sr, La Sr, La 2 CuPb2Sr2(Ca,Y,Nd)Cu2O8 70 Pb-3212 (Cu)(PbO)2[(AO)(MCuO3-δ)2] Pb, Cu CuPb2Ba2Can-1CunO2n+6+δ Sr Sr, Ca, Y, Nd -Sr,Y-!CuO2-BaO-PbO-½<110>Cu-BaO- 51, 64 !CuO2-Sr,Y-!CuO2-BaO-Cu-½<110>PbO-BaO!CuO2-Sr,Y- -SrO- ◊ CuO2-SrO-PbO-Cu-PbO-SrO- ◊ CuO2SrO- !CuO2-Y,Ca-!CuO2-SrO-PbO-Cu-PbO-SrO!CuO2-Y,Ca- !CuO2- 51, 64 18: p.497, 51, 53, 64 Legenda: ◊ CuO cobre coordenado octaedricamente pelo oxigénio; 2 !CuO2 cobre com coordenação planar quadrada; !CuO2 cobre com coordenação piramidal quadrada; !CuO cobre com coordenação planar quadrada numa estrutura deficiente em oxigénio. 20 2. Sistemas supercondutores 2.4 Estruturas e defeitos do sistema Bi2Sr2Can-1CunO2n+4 A estrutura do sistema Bi2Sr2Can-1CunO2n+4 (m=2, n=1 a 4) está representada na tabela 2.3, sendo isomorfa do sistema Tl2Ba2Can-1CunO2n+4. Como m=2, existem duas camadas consecutivas de BiO desfazadas de ½<110> minimizando, assim, as repulsões entre os átomos de bismuto. A estrutura é constituída por duas meias células idênticas, sobrepostas, com uma translação de ½<110>. A sequência completa de empilhamento pode ser representada por -BiO-SrO-CuO2(n-1)[Ca-CuO2]-SrO-BiO-½<110>BiO-SrO-CuO2-(n-1)[Ca-CuO2]-SrO-BiO-. A configuração dos átomos de oxigénio em torno dos átomos de cobre varia com o valor de n. Para n=1, fase Bi-2201, o cobre está coordenado com seis átomos de oxigénio, numa configuração octaédrica (CuO6). Para n=2, fase Bi-2212, o cobre está coordenado com cinco átomos de oxigénio, numa configuração em pirâmide de base quadrada (CuO5). Para n=3, fase Bi-2223, os dois átomos de cobre nos extremos de cada meia célula possuem coordenação piramidal (CuO5), mas o terceiro átomo de cobre está coordenado com quatro átomos de oxigénio numa configuração planar quadrada (CuO4) [51, 60, 63]. Chen [62] atribui ao plano CuO2 com o cobre em coordenação piramidal a designação de “plano de CuO2 do tipo I”, enquanto que o plano de CuO2 com o cobre em coordenação planar quadrada é designado por “plano de CuO2 do tipo II”. Inicialmente, os compostos do sistema Bi2Sr2Can-1CunO2n+4, nomeadamente o Bi-2212, foram indexados ao sistema tetragonal I4/mmm (139) [63], mas a estrutura actualmente reconhecida é ortorrômbica, grupo Cccm (66) [60, 65: p.31]. Os refinamentos efectuados, por diversas equipas de investigação, aos resultados da difracção de raios x, ou de neutrões, na análise das estruturas cristalinas com monocristais, não são totalmente concordantes, principalmente devido a diferenças das composições estudadas e diferentes teores de oxigénio. Valores indicativos dos parâmetros de célula são indicados na tabela 2.4. As estruturas acima apresentadas foram tratadas como ideais e estequiométricas. Nestas condições, o estado de oxidação do cobre é (+2) e o do bismuto (+3), não se observando comportamento supercondutor [18: p.493]. A supercondutividade aparece como resultante de uma dopagem do tipo p, ou seja, com lacunas electrónicas, com alguns iões de cobre a adquirir o estado de oxidação (+3) e alguns iões de bismuto no estado (+5)2. Nestas condições, o 2 Também é possível a supercondutividade do tipo n, dopando com terras raras trivalentes que substituem alcalino-terrosos. Um exemplo é o sistema Sr1-xLnxCuO2, com Ln=Nd, La, Gd, Sm, Pr. Para estes compostos, o maior valor de Tc reportado é de 44 K [42]. 21 2. Sistemas supercondutores comprimento da ligação Cu-O varia significativamente [66, 67, 18: p.56]. Medições efectuadas por EXAFS para o sistema Bi2Sr2Can-1CunO2n+4 revelam nitidamente dois comprimentos diferentes para a ligação Cu-O [60]. Para a fase de n=1, há quatro oxigénios equatoriais, [Cu-O(1)], com dCu-O=0,1917 nm e dois oxigénios axiais, [Cu-O(2)], com dCu-O=0,2255 nm. Para n=2, há quatro oxigénios equatoriais, [Cu-O(1)], com dCu-O=0,1895 nm e dois oxigénios axiais, [Cu-O(2)], com dCu-O=0,2478 nm. Para n=3, há dois tipos de cobre, Cu(1) apenas com quatro oxigénios no plano [Cu(1)-O], com dCuO=0,1910 nm, e Cu(2) com quatro oxigénios no plano, [Cu(2)-O(1)], com dCuO=0,1910 nm, e um oxigénio axial, [Cu(2)-O(2)], com dCuO=0,2233 nm. A variação do estado de oxidação do cobre e do bismuto é motivada por [18:p.493, 53, 68]: i) inserção de oxigénio intersticial nas camadas de Bi2O2, com oxidação de alguns iões Bi3+ a Bi5+; ii) deficiências catiónicas nas posições do Bi, Sr ou Ca; iii) substituições parciais de Bi por Sr, de Sr por Bi, ou de Ca por Sr (esta última não afecta o estado de oxidação do cobre ou do bismuto, mas altera a estrutura local). Medidas de difracção de neutrões e de HRTEM indicam a existência de uma modulação incomensurável com a estrutura básica [53, 66, 69, 70: p.275]. Esta modulação correlaciona-se não só com a inserção de oxigénio nas camadas de Bi2O2 [71-73], mas também com o estado de oxidação médio do bismuto e com o comprimento da ligação planar O-Cu-O [67]. A diferença entre as dimensões da ligação O-Bi-O (0,380 nm em óxidos de Bi tetragonais) e da ligação planar O-Cu-O (0,2 a 1,2% maior) é atenuada pela expansão do bloco Bi2O2 com inserção de um oxigénio extra [67]. A superestrutura modelada para a fase Bi-2212 é ortorrômbica de corpo centrado, com as=a=0,54 nm, bs=4,8b=2,6 nm e cs=c=3,08 nm [66, 71, 72]. Outras designações equivalentes são vector q*=0,21b*+c*, de acordo com Zheng [69], ou τ=[τx, 0, 1] (τx=0,2-0,25) de acordo com Beskrovnyi [73]. O valor de bs=4,8 b resulta, provavelmente, de uma combinação entre três supercélulas cristalinas básicas, 5b, 4,5b e 4b [71], podendo variar de acordo com os três factores acima descritos. A incorporação de um oxigénio extra por camada de BiO e por cada 4,76 células básicas corresponde a um valor de δ=0,21 na fórmula Bi2Sr2CaCu2O8+δ, sendo apontado como a estequiometria óptima para o oxigénio [71]. Verifica-se que a modulação subsiste até δ€= –0,16, o que prova que o excesso de oxigénio só por si não a justifica [67]. O período de modulação diminui com o aumento de δ, com a diminuição da valência do bismuto e com o aumento da distância da ligação planar O-Cu-O [67]. 22 2. Sistemas supercondutores As diferentes substituições catiónicas, comportadas por esta superestrutura (tabela 2.3), dão origem às seguintes constatações [70: p.276, 66]: i) a camada RS tem zonas mais ricas em bismuto (apenas ocupadas por iões Bi) e zonas mais pobres (com 20 a 40% dos iões de Bi substituídos por Sr); ii) a camada P tem 10 a 20% dos locais de Sr, próximos das zonas de elevada concentração de Bi, substituídos por Bi; iii) alguns iões de Ca (10 a 20%) são substituídos por Sr. Estas substituições podem ser visualizadas na figura 2.5, que representa um modelo da estrutura cristalina do Bi-2212 baseado nas observações de HRTEM efectuadas por Matsui e Horiuchi [66, 74, 75]. Bi Bi(Sr) Sr(Bi) Ca Ca(Sr) Cu O c/2 Figura 2.5 - Modelo da superestrutura da fase Bi-2212 obtida por simulação de imagens de HRTEM [66, 70: p.276] A introdução de oxigénios intersticiais provoca uma redução do parâmetro c, figura 2.6 [71]. Este valor reveste-se de grande importância pois permite avaliar o grau de oxigenação e consequente dopagem das amostras em estudo. Mitzi et al [76] efectuaram medições num monocristal com a composição Bi2,1Sr1,94Ca0,88Cu2,07O8+δ submetido a oxigénio a 60 atm, tendo concluído que o valor de δ€= 0,29 correspondente a c=3,065 nm. Stoto [71] aponta como dopagem óptima o valor de δ€= 0,21, com c=3,074 nm. Zandbergen [77] indica que para δ€= 0,1 obteve c=3,09 nm, a que corresponde 0,05 lacunas de oxigénio por átomo de Bi, relativamente à estequiometria. 23 2. Sistemas supercondutores 3.090 c (nm) 3.085 3.080 3.075 3.070 3.065 0.10 0.15 0.20 0.25 0.30 δ Figura 2.6 - Correlação entre o parâmetro de malha c e o teor de oxigénio, δ, para a estequiometria Bi2,1Sr1,94Ca0,88Cu2,07O8+δ [76, 71, 77]. A fase Bi-2201 (supercondutora a 20 K e na tabela 2.4 adiante designada por 11905 ou fase de Raveau) também apresenta modulação, com as zonas concentradas de bismuto a formar uma estrutura monoclínica com as=a=0,54 nm, bs=4,8b=2,6 nm, cs=c=2,64 nm e α=111,1° [73]. Estes valores não são totalmente coerentes nos diferentes autores. Matsui [78] e Goncharov [72] apontam cs=2,8 nm e α=116°. Os centros das zonas de alta densidade de bismuto da camada superior estão desfasados de b/4 relativamente à camada inferior [72], sendo a modulação designada por “oblíqua”. A fase Bi-2223 também apresenta modelação incomensurável em duas dimensões com vector q*=0,21b*-0,75c* [79]. Um segundo tipo de defeitos característico do plano basal de cristais de Bi-Sr-Ca-Cu-O são as deslocações com vector de Burgers nas direcções [100] e [010], formando uma rede hexagonal [72]. Uma outra consequência importante dos defeitos de empilhamento entre camadas P e RS são os intercrescimentos de fases com diferentes valores de n, permitindo acomodar gradientes de composição que se podem verificar em amostras da série Bi-22(n-1)n. A análise destes intercrescimentos pode ser efectuada por difracção de raios x com base no modelo proposto por T. Hatano et al [61, 80, 81] e debatida no capítulo 5 deste trabalho. 24 2. Sistemas supercondutores 2.5 Diagramas de equilíbrio de fases do sistema Bi-Sr-Ca-C-O A complexidade do sistema Bi-Sr-Ca-C-O leva a que, mesmo após mais de uma década de investigação, o estudo do correspondente diagrama de equilíbrio se encontra incompleto. Estudos aprofundados têm sido executados pelas equipas de Robert S. Roth [82-86], C. Park [79], A. R. West [87], W. Wong-Ng [88-90] e Strobel [91, 92]. A estes podemos acrescentar os trabalhos publicados por E. Yu. Vstavskaya [93], B. Hong [94], Y. Ikeda [95], R. Müller [96], Chi-Fo Tsang [97] ou, mais recentemente, de N. Medendorp [98]. Para a realização deste trabalho, interessa considerar os campos de estabilidade das fases Bi-22(n-1)n, nomeadamente, e de forma mais directa, para n=1 a n=3, bem como assinalar as fases em equilíbrio com estas. Interessa ainda identificar os efeitos da pressão parcial de O2 na estabilidade daquelas fases, para temperaturas de deposição e de tratamento térmico dos filmes entre 700 e 900°C. Diversas nomenclaturas são adoptadas na literatura para especificar as fases do sistema [99], mas a mais frequente, nas publicações recentes, consiste no uso de 4 algarismos para designar cada fase. Estas designações estão transcritas na primeira coluna da tabela 2.4. A abreviatura com números inteiros corresponde nominalmente à estequiometria (Bi/Sr/Ca/Cu). Quando, por vezes, os diversos autores divergem, por insuficiente caracterização de uma fase, a nomenclatura aplicada à mesma fase varia. A nomenclatura adoptada neste trabalho, resultante dos estudos mais recentes sobre a fase, é escrita a negro. Quando o estrôncio e o cálcio se podem substituir mutuamente, é adoptado o “x” para designar esse facto. De notar que é energeticamente mais favorável substituir o ião Ca2+, mais pequeno, pelo Sr2+, maior, que o oposto [83]. Assim, as soluções sólidas formam-se mais facilmente no lado rico em estrôncio do que no lado rico em cálcio. Na tabela 2.4, apresentam-se, de forma condensada, os principais elementos da revisão bibliográfica do diagrama de equilíbrio de fases do sistema BiO1,5-SrO-CaO-CuO, nomeadamente das fases e soluções sólidas em equilíbrio com Bi-22(n-1)n para n=1, 2 ou 3. 25 2. Sistemas supercondutores Tabela 2.4- Revisão das fases principais do diagrama BiO1,5-SrO-CaO-CuO. Os símbolos usados neste trabalho estão a negro. Estes e os outros símbolos foram usados pelos autores indicados na coluna das referências. Símbolo Bi-2201 Fórmula química Bi2Sr2CuO6 Bi2Sr2-xCaxCuOy Bi-2212 Bi2+xSr2-x-yCa1+yCu2O8+δ Bi-2223 Bi2+pSr2-p-xCa2+xCu3Oy 11900 Bi2+xSr2-xO5+δ 119x0 Bi2+x(Sr,Ca)2-xO5+δ 11905 a) Bi11-xSr9+xCu5Oz b) Bi2,2+xSr1,8-xCu1+yOz c) Bi2Sr2-xCuOy 119x5 Bi2,2+xSr1,8-x-yCayCu1±x/2Oz Bi11Sr9-xCaxCu5Oy (Sr1-xCax)2CuO3 02x1 0x21 01x2 Notas sobre a fase Não supercondutora. Apenas comporta uma pequena deficiência em estrôncio relativamente à composição nominal. B.Hong [94] sugere Bi17Sr16Cu7Oy e denomina-a 2201(NSC). Pode conter algum cálcio a substituir estrôncio. Ver figura 2.8. Solução sólida com 0<x<0,2 e 0<y<0,5. Ver figura 2.9. Solução sólida com 0≤ p ≤0,3 ; 0 ≤x ≤0,4; x+p≤0,4. Parâmetros cristalográficos Ortorrômbico, grupo Amaa (Cccm) (66), a=0,536 nm; b=0,547 nm; c=2,46 nm Ortorrômbica, grupo Cccm(66) ou Fmmm(69), a=0,540 nm, b=0,541 nm, c=3,08 nm Ortorrômbica, grupo Cccm(66), a=0,541 nm, b=0,541 nm, c=3,72 nm Solução sólida, 0<x<0,28 estável entre 765°C e 940°C Tetragonal, grupo I4/m(87), a=1,3239 nm; c=0,4257 nm (x=0,28); ou entre 930°C e 990°C (x=0). ou Também designada por fase γ [109]. grupo I4/mmm(139), a=1,3221 nm; c=0,4249 nm Extensão da fase 11900 com substituição de algum estrôncio Nota: há uma fase com composição Bi1+xCa1-xO2,5+δ por cálcio. A composição típica parece ser BiSr0,39Ca0,45O3-δ e estrutura cúbica, grupo Im3m(229), a=0,4236 nm [112] que poderá resultar duma maior simetria da [111] tetragonal 11900. Solução sólida denominada fase de Raveau. a) Para x=0,13 → Monoclínica, A2/a (C2/c) (15), Estabilidade para a=0,5365 nm; b=0,5370 nm; c=2,462 nm; β=89,8° a) 0≤x≤0,4; [88] b) 0,1<x<0,6; 0<y<x/2; Tetragonal, a=0,539 nm; c=2,462 nm C2(5) c) 0,1≤x≤0,25. b) Para x=0→monoclínica, grupo a=2,6889 nm; b=0,5384 nm; c=2,6933 nm; Supercondutora para a) x=0,4; b) x<0,13; c) 0,1≤x≤0,25 β=113,67° Extensão da fase de Raveau 0<x<0,5, com substituição de parte de estrôncio por cálcio. Designada abreviadamente por 2/1; solução sólida em todo o Ortorrômbica, grupo Immm(71) Para x=0 → a=1,268 nm; b=0,3906 nm; c=0,3496 nm intervalo de composições (0≤x≤1). Referências 18: p.506, 88, 93, 94, 99, 100 18: p.506, 101-105 18: p.506, 79, 106-108 82, 84, 88, 94, 109, 110 111, 112 73, 82: p.139, 88, 93-95, 113 82: p.139, 88, 90, 99 85, 114, 115 Para x=0,5 → a=1,232 nm; b=0,3807 nm; c=0,3306 nm Para x=1 → a=1,223 nm; b=0,3777 nm; c=0,3257 nm (Sr1-xCax)Cu2O3 Designada abreviadamente por 1/2. O composto CaCu2O3 existe apenas entre 950 e 1030°C [85]. 26 Para CaCu2O3→ Ortorrômbica, grupo Pmmn(59) 85, 91, 92, 116, 117 a=0,9942 nm; b=0,40786 nm; c=0,34590 nm 2. Sistemas supercondutores Símbolo 01x1 0x11’ 0x11 Fórmula química Sr1-xCaxCuO2 Notas sobre a fase Designada abreviadamente por 1/1, segundo W. Wong-Ng [90, 118] exibe duas estruturas: Estrutura 0x11’→ Ortorrômbica, com solução sólida extensa (0≤x≤0,75). Estrutura 0x11→ Tetragonal, com composições com excesso de cálcio. Exemplo: Ca0,91Sr0,69CuO2 Nota: O composto CaCuO2 é menos estável que a mistura Ca2CuO3+CuO, pelo que a composição com x>0,75 é termodinamicamente instável [85]. Parâmetros cristalográficos Referências 0x11’: Ortorrômbica, grupo Cmcm(63) 82: p.144, 85, 88, Para x=0 → a=0,357 nm; b=1,633 nm; c=0,3912 nm 90, 118-122 Para x=0,4 → a=0,347 nm; b=1,615 nm; c=0,388 nm Para x=0,7 → a=0,399 nm; b=1,6037 nm; c=0,3853 nm 0x11: Tetragonal, grupo P4/mmm(123) , a=0,3851 nm, b=0,31997 nm O composto CaCuO2 é ortorrômbico, grupo Cmca(64), a=1,0588 nm, b=0,28122 nm, c=0,63245 nm 4805 48x5 Bi4(Sr,Ca)8Cu5Ox A razão Bi/(Sr+Ca) é muito próxima de 4/8 com um teor de cálcio máximo de 6-10% [99]. Ortorrômbica, grupo Fmmm(69), a=3,399 nm; b=2,4095 nm; c=0,5368 nm [123] a=3,4035 nm; b=2,405 nm; c=0,5389 nm [95] 16 14x0 16770 2110 8250 Bi16(Sr,Ca)14O38 Monoclínica, grupo c2/m(12) a=2,1764 nm; b=0,43850 nm; β=102,72° 91150 2310 3430 Bi9Sr11Ca5Ox Bi1,4Sr2-xCa0,6+xO6-δ 014x24 07724 (Sr1-xCax)14Cu24O41 Solução sólida Bi16Sr7-xCa7+xO38 com 0<x<2 ou ainda Bi14Sr6-xCa6+xO38 com 0<x<1 A nomenclatura 16 14x0 é aqui adoptada após o trabalho de caracterização da fase efectuado por W. Wong-Ng e R. Roth [89]. As designações 2110 e 8250 são as mais frequentes na literatura. Segundo Rawn [83 ] possui duas estruturas diferentes: uma monoclínica, a T>640°C, e uma ortorrômbica a T<640°C. Mais recentemente Luhrs [125] indica uma solução sólida de fórmula Bi1,4Sr2-xCa0,6+xO6-δ com 0<x<0,5 e duas estruturas. Para 0,4<δ<0,7 uma solução sólida reduzida com estrutura monoclínica; para δ=0 uma solução sólida oxidada com estrutura pseudo-ortorrômbica (grupo P21/n). Designada abreviadamente por 14/24; solução sólida extensa (0≤x≤0,5) 2300 Bi2Sr3O6 Estável entre 700°C e 1210°C. Funde incongruentemente a 1210°C dando líquido e SrO. 2210 23x0 Bi2Sr2-xCa1-yO6 2200 Bi2Sr2O5 Solução sólida com estabilidade 0,15<x<0; 0,09<y<0. Segundo Driscoll [128] resulta da decomposição das fases supercondutoras 2212 e 2223. Estável até 925-932°C convertendo-se na 11900 27 88, 95, 99, 123 83, 88, 89, 94, 96, c=1,2905 nm; 124 Fase de alta temperatura: Monoclínica, grupo Pc(7), 83, 88, 96, 124, ou P21/c(14); a=1,1224 nm; b=0,59064 nm; 125 c=2,0049 nm; β=101,78 nm Fase de baixa temperatura: Ortorrômbica, Grupo Pmmm(47), a=0,59979 nm; b=0,58966 nm; c=0,83907 nm Ortorrômbica, grupo Fmmm(69) 54, 85, 93, 126 Para x=0 → a=1,147 nm; b=1,339 nm; c=0,3946 nm Para x=0,5 → a=1,138 nm; b=1,297 nm; c=0,3913 nm Romboédrica, grupo R 3m (166) a=1,25269 nm; 84, 127 c=1,8331 nm Driscoll [128] refere uma estrutura hexagonal 128 (Romboédrica) com a=1,2282 nm; c=1,8106 nm, idêntica à da fase 2300. Ortorrômbica, grupo Cmcm(63), a=0,3826 nm; 84, 109, 129 b=1,431 nm; c=0,6172 nm 2. Sistemas supercondutores Símbolo β-Rhss Fórmula química Bi1-x(Sr1-yCay)xOz Notas sobre a fase Solução sólida romboédrica, rica em bismuto 0,1<x<0,28. Pode ter uma transição β2-β1 próximo de 740°C. Para y=0 tem fusão congruente a 955°C com x=0,26. Estável até 830°C com fusão incongruente 2100 Bi2SrO4 2302 Bi2Sr3Cu2Ox CaO CuO CaO CuO Subsistem dúvidas relativamente à sua estabilidade. E. Vstavskaya [93] prova que esta fase não é estável. Composto puro Composto puro Cu2O Cu2O Composto puro Bi,Pb-3221 (Bi,Pb)3(Sr,Ca)4CuOx Também referida como fase “451” dopada com Bi [118]. O bismuto apresenta pequena solubilidade nesta fase. Exemplo Bi0,5Pb3Sr2Ca2CuOz Bi,Pb-1x20 Pb(Ca,Sr)2O4 Pode formar uma solução sólida em toda a extensão 28 Parâmetros cristalográficos Romboédrica, grupo R 3m (166) Para y=0 → a=0,397 nm; c=2,85 nm Para y=1, x=0,2 → a=0,398 nm; c=2,787 nm C2/m(12), a=1,93 nm; Monoclínica, grupo b=0,436 nm; c=0,610 nm; β=94,8° Monoclínica, grupo C2/m(12), a=2,4937 nm; b=0,5395 nm; c=1,9094 nm, β=96,97° Cúbica, grupo Fm3m(225), a=0,48106 nm Monoclínica, grupo C2/c(15), a=0,4685 nm; b=0,3423 nm; c=0,5132 nm, β=99,52° Cúbica, grupo Pn 3 m (224), a=0,42696 nm A composição Pb2,03Sr3Cu0,73O7,70 revela uma estrutura pseudo-perovesquítica com a=0,4128 nm ou, em alternativa, estrutura hexagonal com a=1,011 nm e c=0,711 nm. Ortorrômbica, grupo Pbam(55) Para Ca2PbO4 → a=0,5836 nm, b=0,9745 nm, c=0,3381 nm Referências 82: p.141, 84, 109, 124, 130 109, 131, 132 93, 94, 133 134 135 136 90, 118, 119 90, 118, 119, 137 2. Sistemas supercondutores Na figura 2.7 é apresentado um diagrama de fases quaternário com a localização das fases principais do sistema. Neste diagrama é de salientar i) o plano SrO-CaO-CuO contendo as soluções sólidas dos cupratos 014x24, 0x11’ e 02x1; ii) o plano 2200-CuO-CaO que contém a linha definida pelas fases 2201-2212-2223-0011’ correspondente às composições da série Bi2Sr2Can-1CunO2n+4 desde n=1 até n=∞. Esta linha será explorada na figura 2.14. CaO 0011 16 14x0 2223 BiO1,5 2212 91150 11900 2200 4805 2201 SrO 02x1 CuO 014x24 0x11' 11905(Raveau) Figura 2.7 - Diagrama de fases do sistema BiO1,5-SrO-CaO-CuO mostrando a localização das principais fases e soluções sólidas. 2.5.1 Campo de estabilidade da fase Bi-2201 Salienta-se o facto de, na série Bi-22(n-1)n, para n=1 existirem duas fases. A primeira, mais pobre em bismuto, é designada por Bi-2201. B. Hong [94] designou-a por Bi-2201 (NSC) indicando que não apresenta supercondutividade. O campo de estabilidade desta fase comporta uma pequena variação do teor de bismuto relativamente à composição nominal [82: p.139] e até 5% de substituição de estrôncio por cálcio [99]. A razão Bi/(Bi+Sr+Ca) deverá estar compreendida entre 47-52%[99]. Esta fase está em equilíbrio com as fases 2300, 4805, 2302, 2200, 014024 e a solução sólida 11905. 29 2. Sistemas supercondutores A segunda fase, mais rica em bismuto, é designada por fase de Raveau, com um Tc máximo de 22 K. Esta fase é uma solução sólida, com várias fórmulas dadas por diversos autores [88, 94, 95], sendo notada por 11905 em virtude dos estudos de Saggio [138] que indicou a fórmula Bi11-xSr9+xCu5Oz com 0≤x≤0,4. As composições desta solução sólida estão limitadas aproximadamente a um triângulo de vértices a)Bi2,17Sr1,83CuO6+δ b)Bi2,45Sr1,76CuO6+δ e c)Bi2,19Sr1,39CuO6+δ [82]. De acordo com Driscoll, a razão Bi/(Bi+Sr+Ca) deverá estar compreendida entre 52-59%, com substituição, até 9%, de estrôncio por cálcio [99]. As fases em equilíbrio com a 11905 são CuO, a solução sólida romboédrica β-Rhss, Bi-2201, 014024, a fase monoclínica 2100 e a solução sólida tetragonal 11900. Estas relações de equilíbrio estão representadas na figura 2.8. Figura 2.8 - Diagrama de fases do sistema BiO1,5-SrO-CuO mostrando os equilíbrios das fases 2201 e 11905 entre 875°C e 925°C [82: p.139 e referências citadas na tabela 2.4 nas fases respectivas]. 2.5.2 Campo de estabilidade da fase Bi-2212 Sinclair [101, 139] definiu a composição da solução sólida denominada Bi-2212 como sendo Bi2+xSr2-x-yCa1+yCu2O8+δ com 0<x<0,2 e 0<y<0,5. A representação gráfica da figura 2.9 pormenoriza a área de composições onde se obtém apenas uma fase, o parâmetro de rede c obtido para as várias composições e o tempo e temperatura de processamento das diversas amostras. 30 2. Sistemas supercondutores Observa-se que a solução sólida existe para x e y positivos e que o parâmetro de rede c diminui com o aumento de x (aumento da razão Bi/Sr), e com o aumento de y (substituição de estrôncio por cálcio). As temperaturas de fusão diminuem à medida que x e y aumentam, pelo que estas amostras são processadas a temperaturas menores. 0.6 0.5 y 0.4 0.3 0.2 0.1 0.0 2d 3,073 3,066 ias a8 20 ºC 4d ias a 3,079 5 d 840 º ias C a8 50 ºC 5d ias a 8 3,083 60 ºC -0.1 0.0 3,062 3,074 3,071 0.1 0.2 0.3 x Figura 2.9 - Área da solução sólida Bi2+xSr2-x-yCa1+yCu2O8+δ, parâmetro de rede c (nm) e tempo de formação da fase para as diversas composições [101, 139]. 2.5.3 Tetraedros de compatibilidade com a fase Bi-2212 Actualmente, ainda não há um completo acordo relativamente às fases que estão em equilíbrio com a Bi-2212. Uma das maiores dificuldades reside na detecção das diversas fases que nem sempre pode ser efectuada por difracção de raios x. As fases isentas de bismuto são dificilmente detectáveis por esta técnica, devido às respectivas difracções serem bastante filtradas pelas fases ricas em bismuto [99]. Num trabalho recente, W. Wong-Ng [88] estabeleceu experimentalmente, e por comparação com resultados previamente publicados, que entre 800 e 850°C as fases em equilíbrio com a Bi-2212 são Bi-2201, CaO, CuO, 0x21, e 014x24. Para além destas, aponta como provável o equilíbrio com a 119x5 (ou 11900). Para temperaturas abaixo de 830°C, aponta o equilíbrio com a 16 14x0 (dita 2110 ou 8250). Para temperaturas acima de 830°C, menciona a fase 4805. Há alguma polémica acerca do equilíbrio desta fase com a 2212 para temperaturas inferiores a 830°C, considerando-se que a fase 4805 poderá resultar da sinterização via fase líquida, sendo um subproduto [96]. Driscoll [99] prova que esta fase está em equilíbrio com a 2212 para temperaturas entre 790° e 850°C. 31 2. Sistemas supercondutores Driscoll [99] compilou alguns dos trabalhos executados na definição dos tetraedros de compatibilidade, nomeadamente por Hong [94] e Müller [96], e acrescentou diversos resultados experimentais de difracção de raios x e microsonda (EPMA), definindo os equilíbrios da fase Bi-2212 em ar (tabela 2.5). Conseguiu verificar experimentalmente dez tetraedros e prever a ocorrência de 12, num total de 22 tetraedros em que um dos vértices contém a fase 2212. A maior parte destes equilíbrios já tinha sido postulada por Hong, por Müller ou por ambos. Subsistem por vezes algumas discrepâncias menores como sejam a fase 119x5 em vez da 2201, ou a 01x1’ em vez da 014x24. Tabela 2.5 - Tetraedros de equilíbrio contendo a fase Bi-2212, entre 725°C e 830°C, ao ar [99]. Foram verificados experimentalmente dez tetraedros de equilíbrio, sendo os outros doze previstos. Estas previsões assumem que os equilíbrios se efectuam sempre entre quatro fases e partem de triângulos conjugados confirmados experimentalmente. É efectuada a comparação com os resultados anteriores de Hong [94] e Müller[96], assinalando na coluna de referências quando o tetraedro foi igualmente apontado por estes autores. A nomenclatura dos diversos autores foi convertida para a da tabela 2.4. Refas [99 e] Nº 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 Equilíbrios verificados experimentalmente 2212 91150 014x24 2212 91150 014x24 2212 119x5 014x24 2212 16 14x0 014x24 2212 16 14x0 CaO 2212 CuO 014x24 2212 16 14x0 CuO 2212 91150 4805 2212 16 14x0 119x5 2212 CaO 119x5 Equilíbrios previstos 2212 91150 4805 2212 119x5 014x24 2212 4805 2201 2212 91150 16 14x0 2212 91150 02x1 2212 119x5 2201 2212 CaO 014x24 2212 16 14x0 014x24 2212 CaO 014x24 2212 16 14x0 11905 2212 CaO 11905 2212 91150 16 14x0 * apenas confirma a existência de três das quatro fases 2201 (Hong 119x5) 02x1 CuO 01x1’ 02x1 02x1 02x1 01x1’ CuO 01x1’ 94, 96 94, 96 94, 96 2201 (Müller 119x5) 2201 01x1’ CaO CaO 01x1’ 01x1’ 4805 4805 4805 4805 01x1’ 96 96 94 94, 96 94, 96 94, 96 94, 96 94, 96 96* 96* 96* 96* 2.5.4 Influência da pressão parcial de oxigénio na estabilidade da fase 2212 Um factor que influencia bastante a estabilidade da fase Bi-2212, nomeadamente a temperatura de decomposição, é a pressão parcial de oxigénio [98, 99, 128]. A determinação da linha solidus tem sido efectuada por diversos autores, mas as diferentes estequiometrias usadas, 32 2. Sistemas supercondutores as diferentes condições experimentais de obtenção de equilíbrio (velocidade de aquecimento) e, até os diversos aparelhos usados conduziram a resultados um pouco diferentes. Na figura 2.10 apresenta-se um diagrama de Van’t Hoff, representando o logaritmo da pressão parcial de oxigénio em função do recíproco da temperatura para a decomposição da fase Bi-2212. Driscoll [128] detectou quatro reacções de decomposição, de acordo com as pressões parciais de oxigénio: A: Bi-2212 → 2210 + Cu2O + O2 para pO2<40 Pa (2.17) B: Bi-2212 → líq + 02x1 para 40 < pO2<6100 Pa (2.18) C: Bi-2212 → líq + 2210 + 01x1 para 6100 < pO2<50800 Pa (2.19) D: Bi-2212 → líq + 014x24 + 2210 para pO2> 50800 Pa (2.20) 1200 10 1150 900 D 10 2 pO (Pa) 10 10 1100 1050 1000 T (K) 6 850 800 750 Driscoll [99] Medendorp Jr. [98] Driscoll [128] 5 4 T (ºC) C Bi-2212 (estável) 3 B 10 10 10 2 linha solidus 1 A 0 8,5 9,0 9,5 10,0 4 10 /T(K) Figura 2.10 - Diagrama de Van’t Hoff da linha solidus para a fase Bi-2212 [98, 99, 128]. As reacções de decomposição para as zonas A a D estão de acordo com as equações 2.17 a 2.20. As propriedades supercondutoras do Bi2Sr2CaCu2O8+δ estão correlacionadas com o valor de δ, pelo que se torna importante determinar a relação entre δ, a pressão parcial de oxigénio e a temperatura, o que foi recentemente efectuado por Medendorp Jr., para amostras deficientes em 33 2. Sistemas supercondutores estrôncio, Bi2Sr1,8CaCu2O8+δ [98] (figura 2.11). A determinação do oxigénio foi efectuada por análises termogravimétricas (ATG) em atmosfera redutora, segundo a equação Bi2Sr2CaCu2O8+δ + (5+δ)H2 → 2Bi + 2Cu + CaO + 2SrO + (5+δ)H2O (2.21) Na figura 2.11, incluem-se as várias fases resultantes da decomposição da Bi-2212 à medida que se aumenta a temperatura, de acordo com o esquema indicado por Medendorp Jr.: 2212+01x1 A C D B → 2212+01x1+0x21 → 01x1+0x21+01x2+L1 → 01x1+0x21+L2 → L3 (eq. 2.22) As transformações A, B, C e D estão representadas na figura 2.11. 1300 1200 5 1000 1100 900 800 1000 900 700 T (K) 800 600 500 700 T (ºC) 10 0,20 4 10 2 pO (Pa) 21 kPa 0,18 0,14 3 10 D 0,12 0,19 0.16 0,13 decomposição iso-δ C BA 2 10 8 9 10 11 12 13 14 4 10 /T(K) Figura 2.11 - Diagrama de estabilidade completo para a fase Bi-2212 indicando a estequiometria de oxigénio, δ, e as regiões de decomposição [98]. Para a pressão de oxigénio de 21 kPa as temperaturas de decomposição da fase Bi-2212 são B) 876°C; C) 881°C; D) 960°C. Estas sucessivas decomposições estão de acordo com o esquema da equação 2.22. A temperatura crítica da fase Bi-2212 está relacionada com o valor de δ. Jian Ma [140] representou graficamente os valores de Tc obtidos em filmes da fase Bi-2212 produzido por vaporização catódica a diferentes pressões parciais de oxigénio, em relação ao valor de δ, concluindo como óptimo o valor de δ=0,22 (figura 2.12). De acordo com o diagrama da figura 2.11, este valor apenas poderá ser obtido com elevadas pressões parciais de oxigénio e a temperaturas inferiores a 500°C. Os valores de Tc foram obtidos por medidas de susceptibilidade 34 2. Sistemas supercondutores AC, sendo a largura de transição (10-90% do efeito Meissner) de 2 K, praticamente independente do valor de Tc, indicando distribuição homogénea do oxigénio. Sinclair [101, 139] estabeleceu que o máximo valor de Tc(início)=92 K é obtido para um valor de δ=0,175. Este valor afigura-se mais realista, podendo ser obtido, de acordo com a figura 2.11, a T=650°C e pO2=21 kPa. 100 90 Tc (K) 80 70 60 50 40 30 0.05 0.10 0.15 0.20 0.25 0.30 0.35 δ Figura 2.12 - Variação do Tc em função da estequiometria de oxigénio, para filmes da fase Bi2Sr2CaCu2O8+δ depositados por vaporização catódica [140]. 2.5.5 Campo de estabilidade da fase Bi-2223 A fase Bi-2223 pura é muito difícil de obter por reacção em estado sólido a partir das misturas de óxidos e carbonatos. As composições próximas da estequiometria Bi2Sr2-xCa2+xCu4Oy (0<x<0,4) promovem a formação desta fase, mas mesmo com tempos de tratamento térmico superiores a 100 horas é possível detectar quantidades apreciáveis da fase Bi-2212, quer por difracção de raios x, quer por medidas de resistividade, ou susceptibilidade [33, 141, 142]. Sastry e West [143] referem que, pela técnica convencional, obtiveram um máximo de 40% da fase Bi-2223, após 50 dias de tratamento térmico. Para obter apenas a fase 2223 duma maneira mais rápida substitui-se algum bismuto por chumbo, obtendo-se a fase Bi,Pb-2223 para razões Bi/Pb entre 1,8/0,2 e 1,6/0,4 com temperaturas de tratamento térmico próximas dos 850°C [90, 142, 144]. A substituição de parte do Bi3+(0,93Å) por Pb2+(1,2Å) estabiliza a fase 2223. O maior raio iónico do Pb2+ aumenta o tamanho do bloco RS, reduzindo a tensão entre este e o bloco P [143]. Majewski [145] estudou esta substituição sob o ponto de vista termodinâmico, tendo encontrado uma região apertada de estabilidade entre 750 e 880°C (figura 2.13). É de salientar a 35 2. Sistemas supercondutores maior zona de estabilidade a 850°C, correspondente a uma maior solubilidade do Pb. Esta solubilidade diminui, quer para temperaturas superiores quer inferiores, sendo praticamente nula a 750°C. A esta temperatura não é possível sintetizar a fase Bi,Pb-2223, ocorrendo decomposição. Wen Zhu [146] sugere como composição ideal para preparar a fase Bi,Pb-2223 a estequiometria Bi1,84Pb0,34Sr1,91Ca2,03Cu3,06Oz. 880 T (ºC) 840 800 760 0,1 0,2 1,8 1,9 2,0 2,1 2,2 0,4 0,3 yPb xBi Figura 2.13 - Representação tridimensional da região monofásica Bi,Pb-2223, relativamente à temperatura e conteúdo de bismuto e chumbo na equação BixPbySr2Ca2Cu3O10+δ [145]. A introdução do chumbo aumenta a complexidade do diagrama de fases do sistema. Ao todo foram identificados 29 espaços de equilíbrio entre quatro fases diferentes e a fase Bi,Pb-2223, representados na tabela 2.6 [90, 119]. Algumas das fases já anteriormente mencionadas poderão, agora, conter chumbo na sua composição, por substituição do bismuto, o que é denotado por Bi,Pb-. As fases (ou soluções sólidas) em equilíbrio com a solução sólida Bi,Pb-2223 são Bi,Pb-2212, 014x24, 02x1, Bi,Pb-91150, Bi,Pb-119x5 (ou Bi,Pb-2201), 0x11(rica em Ca), 0x11’(pobre em Ca), Bi,Pb-4805, CaO, CuO e as novas fases Pb(Sr1-xCax)2O4 (x≈0,95) designada por Bi,Pb-12x0, e Bi0,5Pb3Sr2Ca2CuOz designada por Bi,Pb-3221 (cf. tabela 2.4) [90, 119]. 36 2. Sistemas supercondutores Tabela 2.6- Espaços de equilíbrio contendo a fase Bi,Pb-2223 (resultados obtidos a pO2=7,6 kPa) [90, 119]. 2223-2212-12x1-119x5-91150 2223-2212-12x1-91150-CaO 2223-2212-0x21-12x1-CuO 2223-2212-12x1-0x11-3221 2223-2212-12x1-CuO-0x11 2223-2212-3221-CaO-91150 2223-12x1-0x11’-CuO-0x11 2223-12x1-CuO-0x21-014x24 2223-12x1-CaO-0x11’-91150 2223-12x1-CaO-0x11’-3221 2223-2212-014x24-12x1-119x5 2223-2212-014x24-119x5-3221 2223-2212-014x24-119x5-CuO 2223-2212-014x24-0x21-12x1 2223-2212-3221-CaO-12x1 2223-0x11’-91150-0x11-119x5 2223-0x11’-014x24-119x5-CuO 2223-12x1-CuO-0x11’-014x24 2223-12x1-91150-014x24-0x11’ 2223-0x11’-CaO-91150-0x11 2223-2212-0x11-91150-119x5 2223-2212-119x5-0x11-CuO 2223-2212-0x21-014x24-CuO 2223-2212-0x11-0x11’-CuO 2223-2212-0x11-0x11’-91150 2223-0x11’-91150-119x5-014x24 2223-0x11’-CaO-0x11-3221 2223-91150-3221-CaO-0x11 2223-12x1-0x11’-3221-0x11 Strobel e Tolédano [91, 92] elaboraram um diagrama de fases pseudobinário ao longo da linha representada na figura 2.7 que une as fases Bi,Pb-2201 e 0011 (figura 2.14). Esta linha corresponde à ligação entre as fases de n=1 e n=∞, para a composição Bi1,6Pb0,4Sr2Can-1CunOx, contendo as fases supercondutoras Bi,Pb-2201, Bi,Pb-2212 e Bi,Pb-2223. São de realçar algumas características deste diagrama: revela uma grande complexidade de domínios de estabilidade e de linhas de transformação; a linha solidus é praticamente uma isotérmica, principalmente entre n=1,3 e n=3, com Ts≈857°C; a linha liquidus varia entre 900°C (para n=1) e mais de 1000°C (para n=∞), com a ocorrência de um ponto invariante para n=2 e 930°C. Na verdade, acima desta temperatura há o aparecimento de dois líquidos imiscíveis e de viscosidades diferentes. No arrefecimento, verificou-se que o líquido mais viscoso cristaliza na fase 02x1 entre 965-950°C e o menos viscoso na fase Bi,Pb-2201 por volta dos 860°C. Strobel refere a existência de uma solução sólida (Sr1-xCax)Cu2O3, ou seja a fase 01x2, estável apenas entre 930 e 1030°C [85, 147]. A fase (Sr1-xCax)2PbO4 (x≈0,95) designada por Bi,Pb-12x0, está em equilíbrio com a Bi,Pb-2223 e Bi,Pb-2212 [90], mas não é mencionada no diagrama de Strobel. Segundo Chen [148] esta fase funde incongruentemente aos 827°C dando origem a líquido e CaO e, de acordo com Changkang [149: p.35], funde incongruentemente aos 822°C3, questionando a existência da isotérmica da linha solidus a 857°C. De salientar que, para sistemas sem Pb, como já foi referido anteriormente (figuras 2.10 e 2.11), para pO2=21 kPa a linha solidus da fase Bi-2212 se encontra a 876°C. 3 Há alguma controvérsia sobre este facto, não estando de acordo com o diagrama PbO-CaO publicado [82: p.133, 150] que menciona a fusão incongruente do composto Ca2PbO4 apenas a 980-985°C. A fusão incongruente a 827°C parece ocorrer apenas para pO2 próximas de 2 kPa [150]. 37 2. Sistemas supercondutores 1025 1000 (a) 2223+02x1+líq (b) 2223+02x1+CuO+líq (c) 2201+2212+02x1+líq (d) 2212+02x1+líq líq1+líq2 975 02x1+01x2+líq1+líq2 950 014x24+líq1+líq2 930ºC 014x24+líq T (ºC) 925 02x1+01x2+líq 02x1+CuO+líq líquido 014x24+0x21+líq 900 2201+líq 2201+02x1+líq 2201+02x1 +CuO+líq 876ºC 875 (d) (c) 2212+2223 +líq (a) 857ºC (b) 870ºC 850 2223+02x1+CuO 835ºC 2201+2212 825 02x1+CuO 2212+2223 2212+02x1+CuO 800 1 2 n 3 4 ∞ Figura 2.14 - Diagrama de fases pseudobinário correspondente à ligação entre as fases de n=1 e n=∞, para a composição Bi1,6Pb0,4Sr2Can-1CunOx. Esta linha contém as fases supercondutoras Bi,Pb-2201, Bi,Pb-2212 e Bi,Pb-2223. As fases indicadas estão identificadas na tabela 2.4. A linha solidus e as linhas de n=2 e n=3 estão realçadas. As linhas a tracejado reflectem apenas um tentativa de desenho, mas não foram verificadas experimentalmente [91, 92]. Sastry e West [87, 106] desenvolveram um esquema de reacção alternativo à adição do chumbo para produzir a fase Bi-2223. De acordo com a reacção genérica 38 2. Sistemas supercondutores Bi2CuO4 + 2 (SrCaCuO3) → Bi2Sr2Ca2Cu3O10 (2.23) é possível preparar um largo número de amostras monofásicas com composições Bi2+pSr2-p-xCa2+xCu3Oy (-0,2≤ p ≤0,5; -0,4 ≤x ≤0,6), uma vez que existe uma solução sólida completa para (Sr1-xCax)2CuO3 (fase 02x1) com 0≤x≤1 [79, 85, 151]. Para preparar a composição Bi2Sr1,9Ca2,1Cu3O10+δ, por este procedimento, uma mistura de estequiometria Bi2CuO4 foi aquecida inicialmente a 650°C por 12 horas, seguida de moagem, prensagem e aquecimento a 740°C por 12 horas. Outra mistura de estequiometria Sr0,95Ca1,05CuO3 foi preparada a 900°C por 24 horas, seguida de 36-48 horas a 960-990°C. A amostra de Bi-2223 foi preparada por aquecimento de uma mistura estequiométrica de Bi2CuO4 e de Sr0,95Ca1,05CuO3, com tratamentos térmicos sucessivos desde 860°C até 880°C, durante 24 horas, com moagens e prensagens intermédias, até completa formação da fase Bi-2223, o que se detectou pela inalteração do difractograma de raios x [79]. A temperatura de tratamento final (para esta composição os autores indicam 880°C) deve ser de apenas 3-5°C inferior à temperatura de início da fusão. Este tratamento poderá demorar entre 15 e 30 dias, com as composições ricas em Ca a requerer menores tempos e temperaturas ligeiramente inferiores [106]. Outro esquema reaccional alternativo que apresenta menores tempos de tratamento resulta da mistura dos precursores 2100 com 01x1 (com x=0,66), ou seja, de acordo com Bi2SrO4 + 3(Sr0,33Ca0,66CuO2) → Bi2Sr2Ca2Cu3O10 (2.24) formando 100% da fase Bi-2223 em apenas 9 dias, com valores de Tc, determinados pela susceptibilidade magnética, de 107 a 109 K [143]. Estudos efectuados por difracção de raios x de alta temperatura indicam que a fase Bi-2223 desaparece a 890°C dando origem às fases 014x24 e 02x1 [79]. Isto é confirmado por observações em SEM/EDS que também revelam a existência da fase Bi-2201 ou 119x5 (por SEM/EDS não é possível distinguir entre as duas). Estes resultados estão próximos dos apresentados por Strobel no diagrama de fases da figura 2.14 [91]. A temperatura da linha solidus é superior em cerca de 25°C à referida por Strobel, mas este diagrama reflecte a influência da adição de chumbo, o que contribui para uma abaixamento generalizado das temperaturas de início de fusão. Sastry e West indicam que a fase 2223 é uma solução sólida em que é possível variar, independente e simultaneamente, as razões Ca/Sr e Bi/(Sr+Ca) [106]. Pode obter-se a fase Bi-2223, sem fases secundárias, a partir de composições deficientes em estrôncio e ricas em 39 2. Sistemas supercondutores bismuto e cálcio, desde que a razão Bi/(Sr+Ca) seja igual ou superior a 0,54. Referem também que o Bi pode substituir o Ca e o Sr, que o Sr e o Ca se podem substituir mutuamente, mas que o Sr ou o Ca não podem substituir o Bi. Na figura 2.15, estão representadas as composições estudadas na fórmula genérica Bi2+pSr2-p-xCa2+xCu3Oy, com os círculos a cheio representando as que resultaram na fase 2223 pura, e os círculos abertos as que resultaram numa mistura de fases. O aumento do valor de p traduz uma substituição de estrôncio (+2) por bismuto (+3), ou seja uma diminuição do número de lacunas electrónicas. Um aumento do valor de x traduz uma substituição de estrôncio por cálcio, o que não altera o número de lacunas, mas apenas a estrutura local. 0.4 p 0.3 0.2 0.1 0.0 -0.1 0.0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 x Figura 2.15 – Composições que resultam na fase 2223 pura (círculos a cheio) e numa mistura de fases (círculos abertos) em Bi2+pSr2-p-xCa2+xCu3Oy [87, 106]. Para as amostras com p = 0, os valores de Tc (obtidos por medidas de susceptibilidade magnética AC) foram praticamente independentes da razão Ca/Sr (ou seja do valor de x). Verificaram também que o valor de Tc decresceu com o aumento da razão Bi/(Sr+Ca) (ou seja do valor de p). Os resultados mostraram que o valor de Tc da fase Bi-2223 (105-115 K) é menos dependente da composição e das condições de tratamento térmico que o das fases Bi-2201 e Bi-2212. O valor de Tc da fase Bi-2201 pode variar entre 0 K (semicondutor) e 40 K, enquanto que para a fase Bi-2212 pode variar entre 70 K e 95 K. Uma das explicações possíveis reside na diferença de coordenação do cobre pelo oxigénio. Na fase Bi-2201, o cobre está coordenado octaedricamente, na fase Bi-2212, a coordenação é piramidal e, na fase Bi-2223, existe cobre com 4 De notar que na fórmula Bi2+pSr2-p-xCa2+xCu3Oy a razão 2+ p Bi = ≥ 0,5 ⇒ p ≥ 0 Sr + Ca 4 − p 40 2. Sistemas supercondutores coordenação planar quadrada e cobre com coordenação piramidal. O conteúdo em oxigénio das fases Bi-2201 e Bi-2212 pode variar bastante de acordo com a composição e o tipo de tratamento térmico, o que não parece acontecer tão acentuadamente com a fase Bi-2223. 2.5.6 Influência da pressão parcial de oxigénio, pO2, na formação e estabilidade das fases Bi-2223 e Bi,Pb-2223 Na figura 2.16, apresenta-se o diagrama de Van’t Hoff de estabilidade das fases Bi-2223 e Bi,Pb-2223 [128]. De acordo com a pressão parcial de oxigénio podem ocorrer diferentes reacções de decomposição. i) Zona E (pO2 < 25 Pa): Para a fase sem chumbo a reacção de decomposição é Bi-2223 → Bi-2212 + 02x1 + Cu2O + O2 (2.25) Na decomposição da fase com chumbo, verifica-se que a fase Bi,Pb-2212 não é estável. As reacção envolvidas são Bi,Pb-2223 → Bi,Pb-2212 + Bi,Pb-2201 + CaO + Cu2O + O2 (2.26) Bi,Pb-2212 → Bi,Pb-23x0 + Cu2O + O2 (2.27) Bi,Pb-2201 + CaO → Bi,Pb-23x0 + CaO + Cu2O + O2 (2.28) Sendo a reacção global Bi,Pb-2223 → Bi,Pb-23x0 + CaO + Cu2O + O2 (2.29) ii) Zona F (25 < pO2 < 20000 Pa): Nesta zona, a adição de chumbo tem pouco efeito na decomposição da fase Bi,(Pb)-2223, cuja equação se assemelha à da decomposição da fase Bi-2212 na zona B (figura 2.10): Bi,(Pb)-2223 → líq. + 02x1 + O2 (2.30) Quando as amostras são arrefecidas rapidamente a partir desta região, o líquido cristaliza na fase Bi,(Pb)-2201, numa composição intermédia entre n=1 e n=2 (figura 2.14). iii) Zona G (pO2 > 20000 Pa) Há diversas transições de fase nesta zona do diagrama. Para além da fase líquida, ocorrem cristais das fases 02x1 e 01x1. No arrefecimento rápido, o líquido também cristaliza na fase Bi,(Pb)-2201. 41 2. Sistemas supercondutores 1150 10 1100 1050 1000 5 850 800 750 T (K) 950 700 T (ºC) G pO (Pa) 10 3 2 10 4 10 10 F 2 Bi222 Bi,P 3 b-2 223 1 E 10 0 9,0 9,5 10,0 10,5 4 10 /T(K) Figura 2.16 - Diagrama de Van’t Hoff para as fases Bi-2223 e Bi,Pb-2223 [128]. As reacções de decomposição para as zonas E, F e G estão de acordo com as equações 2.25 a 2.30. Nos estudos cinéticos efectuados por Wen Zhu [144, 146], concluiu-se que a formação da fase Bi,Pb-2223 depende quer da temperatura quer da pressão parcial de oxigénio (figura 2.17). À pressão de 21 kPa a fase Bi,Pb-2223 apenas se forma entre 850 e 870°C. A pressão parcial de O2 para formação da fase Bi,Pb-2223 que ocorre mais frequentemente citada na literatura situa-se por volta de 7,8 kPa (aproximadamente 1/13 atm), conjugando uma maior estabilidade termodinâmica com uma cinética mais rápida [144, 146, 152]. A linha solidus definida por Wen Zhu está de acordo com a linha de decomposição do diagrama da figura 2.16. 42 2. Sistemas supercondutores 1160 1140 880 1120 860 1100 T (K) 1080 820 T (ºC) 800 840 pO (Pa) 21 kPa 10 Fase Bi,Pb-2223 não se forma zona ideal 2 10 4 Decomposição da Bi,Pb-2223 Formação da fase Bi,Pb-2223 3 Linha solidus 8,6 8,7 8,8 8,9 9,0 9,1 9,2 9,3 4 10 /T(K) Figura 2.17 - Diagrama de estabilidade para a fase Bi,Pb-2223 em função da temperatura e pressão parcial de oxigénio, segundo os estudos cinéticos de Wen Zhu [144, 146]. 2.6 Cinéticas de formação das fases A grande dificuldade de fabrico da fase Bi-2223 resulta, não só da apertada estabilidade termodinâmica da fase mas, essencialmente, da cinética lenta de formação. Num estudo cinético da formação da fase Bi,Pb-2223, para pO2 entre 0,01 e 0,35 atm, aplicando a teoria de Avrami5, obtiveram-se expoentes n da ordem de 0,63 a 1,08, o que para uma geometria em placa com crescimento em diâmetro indica um controle por difusão [144, 153]. Recentemente, foi publicado um estudo cinético sobre a formação das fases Bi-2212, Bi-2223 (isenta de Pb), 01x1’, 014x24 e 02x1, em tratamentos térmicos de fibras geradas por fusão de zona com laser, com composição nominal 2224 [151]. A formação das fases Bi-2212, 02x1 e 014x24 mostrou uma dependência parabólica relativamente ao tempo, de acordo com a equação (∆f)2 = [ko exp(-EA/RT)]t (2.31) em que ∆f = f - fo representa a quantidade de fase formada no tempo t, R=8,314 J mol-1 K-1, ko o factor pré-exponencial e EA a energia de activação. 5 De acordo com a equação f=1-exp(-ktn), em que f é a fracção da fase 2223, t o tempo de tratamento térmico, k a constante de velocidade e n o expoente de Avrami. Para uma representação gráfica, usa-se a forma linearizada como ln[-ln(1-f)]=lnk - nlnt. Confrontar, por exemplo, os estudos de J. Frade [154], ou de Beretka [155]. 43 2. Sistemas supercondutores A equação (2.31) traduz um processo controlado por difusão, para geometria plana, em que a espessura da fase formada aumenta segundo a raiz quadrada do tempo. As energias de activação obtidas são indicadas na tabela 2.7. Tabela 2.7 - Energias de activação EA e respectivo desvio padrão (σp) para a formação das fases, em tratamentos térmicos de fibras geradas por fusão de zona com laser [151] a pO2=21 kPa. Fase Bi-2212 Bi-2223 014x24 02x1 Gama de temperaturas (°C) 800 – 830 850 – 870 830 – 870 800 – 850 EA (kJ mol-1) 230 1500 410 170 ±σp (kJ mol-1) 30 300 30 20 A energia de activação da fase Bi-2223 é muito superior à das outras fases, o que justifica os tempos muito longos necessários à sua formação. Um aspecto importante a considerar, nesta análise, reside no efeito da pressão parcial de oxigénio na energia de activação da fase 2223 (com ou sem Pb). Y.E. High [156] refere uma energia de activação de 1500 kJ mol-1 para a formação da Bi,Pb-2223 a pO2=21 kPa, referindo que para pO2=7,5 kPa a cinética é mais rápida, não indicando, todavia, qual o respectivo valor da energia de activação. Aplicando-se a equação (2.31) aos dados publicados nos artigos de Wen Zhu, para o sistema Bi,Pb-2223 (tabela 2.8) [144, 146], calcularam-se as energias de activação para as diferentes pressões parciais de oxigénio (figura 2.18). A fracção da fase Bi,Pb-2223 inicial, fo, foi tomada nos gráficos como sendo nula, fo = 0. Os cálculos foram efectuados para dois dos tempos de tratamento térmico, 24 e 48 horas. Tabela 2.8 - Fracções f da fase Bi,Pb-2223 formadas para diferentes condições de trabalho. Resultados de Wen Zhu [144]. pO2 (atm) t (hr) T (°C) 810 820 830 840 850 860 870 0,01 24 0,207 0,313 0,601 48 0,399 0,677 0,861 0,08 24 0,074 0,173 0,377 0,817 48 0,131 0,263 0,653 0,986 0,21 24 0,029 0,207 0,601 48 0,065 0,377 0,817 0,35 24 0,002 0,044 0,222 48 0,004 0,095 0,523 44 2. Sistemas supercondutores 870 860 850 840 830 810T (ºC) 820 -11 pO = 1 kPa 2 -12 EA=457±61 kJ mol -1 2 ln ((f-fo) /t) -13 -14 pO = 8,1 kPa 2 -15 EA=764±60 kJ mol pO = 21 kPa -1 2 EA=1456±157 kJ mol -16 -1 -17 pO = 35,5 kPa 2 -1 -18 EA=2635±245 kJ mol 8,7 8,8 8,9 9,0 9,1 9,2 9,3 4 10 /T(K) Figura 2.18 - Cálculo das energias de activação para a fase Bi,Pb-2223, para diferentes pressões parciais de oxigénio. Gráfico elaborado a partir dos dados da tabela 2.8. De salientar que, para 21 kPa, a energia de activação ronda os 1500 kJ mol-1, ou seja, é igual à determinada por Y.E. High [156] para a fase Bi,Pb-2223 e por F.M. Costa [151] para Bi-2223. Neste trabalho, a fase Bi-2223 cresceu à custa da decomposição da fase 01x1’, enquanto que no sistema Bi,Pb-2223 a fase cresce à custa da decomposição de Ca2PbO4 na presença de pequena quantidade de fase líquida [144, 156]. Uma representação gráfica da raiz quadrada das energias de activação em função das pressões parciais de oxigénio permitiu obter uma dependência linear simples (figura 2.19). 60 Y=A+B*X P. Valor Erro -------------------------------------------A 20,56 0,28 B 8,571E-4 1,91E-5 -------------------------------------------- 55 (EA) 1/2 (kJ mol ) -1 1/2 50 45 2 40 R = 0,99901 35 30 25 20 15 0 5 10 15 20 25 30 35 pO (kPa) 2 Figura 2.19 - Dependência da raiz quadrada da energia de activação relativamente à pressão parcial de oxigénio. 45 2. Sistemas supercondutores A dependência da energia de activação relativamente à pressão parcial de oxigénio encontra uma possível explicação no mecanismo que controla a formação da fase Bi,Pb-2223 e que foi discutido por W. Zhu, com base na reacção entre as fases Bi,Pb-2212, Ca2PbO4 e CuO [146]: Bi1,84PbxSr1,91Ca(1,35+2x)Cu2,06O(8,08+3x) + (0,34-x)Ca2PbO4+CuO → Bi1,84Pb0,34Sr1,91Ca2,03Cu3,06O10,10 + (0,17-x/2)O2 (x<0,34) (2.32) A libertação do oxigénio deve-se ao facto do chumbo se reduzir de Pb4+ no Ca2PbO4 para Pb2+ na fase Bi,Pb-2223. A constante de equilíbrio da reacção 2.32 é uma função da pressão parcial de oxigénio, dada por Kp = pO2 (0,17-x/2) (2.33) pelo que, se se mantiver baixa a pressão parcial de O2, o equilíbrio deslocar-se-á no sentido da formação da fase Bi,Pb-2223. Assim, uma rápida difusão do oxigénio desde a interface reaccional poderá acelerar a formação da fase Bi,Pb-2223, desde que este seja o passo limitante. De acordo com Suzuki [150], para pO2=2 kPa e a 827°C ocorre um equilíbrio invariante entre as fases líquido, CaO, PbO e PbCa2O4. Para pressões de oxigénio inferiores, ocorre a decomposição do PbCa2O4 de acordo com as reacções PbCa2O4 → 2CaO + PbO + ½O2 → líq. (2.34) No entanto, um outro mecanismo, por exemplo a difusão dos catiões para a interface de reacção, poderá limitar o processo. Este segundo mecanismo poderá ser muito importante na formação da fase Bi-2223, isenta de Pb, uma vez que a velocidade de difusão dos catiões é aqui substancialmente menor. 46