Victor de Paiva Naves Ataíde Fotografia Documental – Narrativa e representação nas fotografias de Walker Evans do metrô de Nova York Belo Horizonte 2011 Victor de Paiva Naves Ataíde Fotografia Documental – Narrativa e representação nas fotografias de Walker Evans do metrô de Nova York Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para aprovação no curso de Pós-Graduação Lato Sensu Fotografia: Técnica, Linguagem e Mídia, do Centro Universitário UNA. Professora orientadora: Maria Magda de Lima Santiago Belo Horizonte 2011 2 RESUMO O objetivo deste trabalho foi demonstrar que o controle dos recursos da câmera fotográfica permite criar diferentes narrativas visuais para um mesmo tema, representações que conduzem a significados diversos. Buscou-se evidenciar as possibilidades de construção de sentido a partir das noções estéticas e das seleções técnicas de cada fotógrafo. Para isso foi analisada parte da obra do fotógrafo documental Walker Evans, que durante os anos de 1938 e 1945 registrou imagens do metrô de Nova York. A partir das fotografias selecionadas de Evans foram produzidas imagens dos usuários do metrô de Belo Horizonte, numa proposta que privilegiou cenas em movimento buscando expressar a pressa do cotidiano dessas pessoas. PALAVRAS-CHAVE: Fotografia, Fotodocumentarismo, Walker Evans. 3 SUMÁRIO Introdução ............................................................................................................. 5 Capítulo I – Fundamentação Teórica .................................................................... 6 1.1) História do Fotodocumentarismo ........................................................... 6 1.2) O fotógrafo americano Walker Evans .................................................... 8 1.3) Linguagem, técnica e sentido ................................................................ 10 1.3.1) Controles de luz e da aparência da imagem .............................. 10 Capítulo II – Metodologia ...................................................................................... 11 Capítulo III – Análise dos Resultados e Conclusão .............................................. 13 Referências Bibliográficas ..................................................................................... 14 4 INTRODUÇÃO O fotodocumentarismo1 iniciou-se por volta do ano de 1930, até então os fotógrafos registravam retratos por encomenda, como memória da figura anônima, sem qualquer fim de representar uma realidade vivida. O fotojornalismo é um ramo do fotodocumentarismo que não exige tanto tempo de dedicação como o documental, na maioria das vezes a imagem já está na frente do fotógrafo ou o tempo é curto para trabalhar o assunto, que irá compor a matéria em suporte impresso ou na web no mesmo dia. O registro fotográfico documental necessita de um trabalho planejado, o fotógrafo vai aperfeiçoando suas idéias em relação ao tema, colhendo momentos importantes e se sentindo mais à vontade para o desenvolvimento da construção documental. Fotógrafos como John Thomson, Jacob Riis, Dorothea Lange, Walker Evans, entre outros, são conhecidos como os pioneiros da fotografia documental, queriam trazer à tona cenas do cotidiano, problemas sociais e culturais, além de registrar pessoas apresentando uma proposta narrativa. A paixão era tão grande que a fotografia passou a ter outro conceito, outra forma de abordagem e de leitura: através de um conjunto de imagens registradas, uma história era contada, uma realidade mostrada e resultados diferentes de fotógrafo para fotógrafo eram obtidos. É a fotografia documental, onde cada um tem sua narrativa na construção da imagem, que é direcionada pela percepção, delicadeza, inspiração, numa condução técnica e estética que personaliza o olhar. Novos fotodocumentaristas surgiram depois do período pós-guerra, inspirados nos trabalhos realizados pelos seus antecessores. O suíço Robert Frank foi um dos responsáveis pela ruptura do modelo clássico da fotografia documental para um molde mais contemporâneo de registro. A prática fotográfica que tinha um sentido mais linear foi substituída, a partir do trabalho de Frank, pela polissemia, voltada para todos os sentidos possíveis (LOMBARDI, 2008, p.7). Juntamente com Frank, outros fotógrafos de sua geração com linhas de trabalho bastante diversificadas foram responsáveis pela ruptura da primeira linha de trabalhos documentais. 1 O Fotodocumentarismo trata de questões quem envolvem a vida humana de uma forma mais aprofundada. “Deseja conhecer o outro, de saber como o outro vive, o que pensa, como vê o mundo, com o que se importa. As palavras são insuficientes.” (SOUSA, 2004, p.55). 5 Sobre o termo Documentário Imaginário2, expressão que denomina uma forma de documentário contemporâneo, Durand (2002, p. 41) afirma que, sobre essa narrativa fotográfica, atua “a incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social”. A transição do imaginário para a realidade mostra que a fotografia documental narra uma história através de um conjunto de imagens que, como relata KOSSOY (2002, p. 14), “contém em si realidades e ficções”. Assim, além de fazer um breve relato sobre a história do fotodocumentarismo abordamos neste trabalho a linguagem da fotografia, expondo como o controle da técnica pode determinar aspectos na imagem que reforçam pontos de vista, construindo sentidos inscritos no modo como o fotógrafo registra a cena. Foram produzidas quatro fotografias do metrô de Belo Horizonte, em que buscamos mostrar, por meio da técnica do controle do movimento, a pressa que caracteriza o cotidiano dos moradores da cidade num dia de semana. Nos inspiramos em algumas das imagens produzidas pelo fotodocumentarista Walker Evans, que fotografou o metrô de Nova York nos anos de 1938 a 1945. Como diz Kossoy (2002, p.52): “A imagem de qualquer objeto ou situação documentada pode ser dramatizada ou estetizada3, de acordo com a ênfase pretendida pelo fotógrafo em função da finalidade ou aplicação a que se destina.” Capítulo I – Fundamentação Teórica 1.1 – História do Fotodocumentarismo A fotografia documental surgiu a partir dos fotógrafos que retratavam o cotidiano, buscando temas sociais que envolviam a atividade humana em Londres, como uma forma de apenas registrar curiosidades etnográficas em meados do século passado. Foi assim que John Thomson (1837-1921), fotógrafo escocês, ficou conhecido, além de Alexander Gardner (1821-1882), Thimothy O’Sullivan (18401882) e Willian Jackson (1843-1942), como aqueles que fizeram o “inventário do 2 Em francês, Documentaire Imaginaire. Termo utilizado pelo curador canadense Chuck Samuels, do Le Móis de la Photo à Montreal, para classificar o trabalho fotográfico Paisagem Submersa durante o Foto Arte, festival de fotografia realizado em Brasília, em 2004. 3 Entendemos que estetizada no sentido de construída, pensada, conceituada. 6 mundo”. Mesmo percebendo a presença do fotógrafo, porque o equipamento era muito difícil de esconder, Thomson procurou retratar as pessoas do jeito que elas viviam, sem exageros, em fotografias a meia distancia, pouca profundidade de campo e luz dura do sol. Ao fotografar “ao vivo”, visava dar a conhecer, com rigor, mundos sociais, desconhecidos ou que passavam despercebidos no quotidiano – A fidelidade destas imagens consente a abordagem mais próxima que se possa fazer no sentido de pôr o leitor verdadeiramente diante da cena representada (THOMSON, 1998, pag. 54). Na América por volta dos anos trinta, o presidente Roosevelt criou um projeto fotodocumental chamado de Farm Security Administration, que seria uma arma importante para ajudar os agricultores em crise nos Estados Unidos da América, além de despertar a consciência social e retratar os resultados das políticas do New Deal: empréstimos a baixos juros para a compra de terra, desenvolvimento e exploração comunitária. Então, durante os anos de 1935 até 1942 desenvolveu-se o projeto FSA ganhando grande repercussão, cujas imagens foram divulgadas na imprensa. Os primeiros fotógrafos a ingressarem no projeto foram Walker Evans (1903-1975), Dorothea Lange (1895-1965), Russell Lee (1903-1986), Ben Shahn (1898-1969), Carl Mydans (1907-) e Arthur Rothsthein (1915-1985). O arquivo de fotos se encontra na biblioteca do congresso americano e é constituído por cerca de 70 mil tiragens, fora os mais de 170 mil negativos e outras 100 mil fotografias censuradas. Após essa revolução da fotografia, estabeleceram-se grandes motivações para o documentarismo: o desejo de conhecer as pessoas, como vivem e como vêem o mundo. No Brasil, destacaram-se os fotógrafos Mark Ferrez e Augusto Malta, que registraram o crescimento urbano do século XIX e se destacaram no registro fotodocumental no país. Ferrez trouxe para o Brasil diversas inovações tecnológicas, como a utilização do flash de magnésio, para fotografar as minas da região do Morro Velho, Minas Gerais. O fotodocumentarismo era registrado principalmente na cidade do Rio de Janeiro, na época a capital do Brasil, e onde a família imperial morava. 7 1.2 – O fotógrafo americano Walker Evans Nascido em Saint Louis (EUA), Walker Evans (1903-1975) estudou na Phillips Academy, em Andover, Massachusetts, em 1922. Evans tinha intenção de se tornar um escritor mas descobriu a paixão pela fotografia nos anos 20. Sua visão penetrante, além de tudo um intelectual refinado, mudou completamente a fotografia documental durante o tempo em que esteve na Farm Security Administration. Em 1938, após concluir o trabalho na FSA, no qual registrou a grande miséria em que viviam os agricultores americanos, o Museu de Arte Moderna dos Estados Unidos honrou Evans com uma exposição dedicada à sua profissão. Além disso, Evans se aprofundou em outros trabalhos, além de publicar livros, catálogos, revistas e exposições. Aqui nos interessamos pelas fotografias que fez dos usuários do metrô em Nova York. Evans começa uma experiência radical, fotografar com a máquina no colo, com o casaco por cima e usar um disparador escondido na mão, isso para registrar as pessoas dentro do metrô sem elas saberem. Algumas das imagens que mais nos chamaram a atenção estão relacionadas abaixo, retratando o cotidiano de pessoas que usavam o metrô como meio de transporte. O período que os usuários ficavam dentro dos vagões era o tempo necessário para Evans captar essas cenas. Walker Evans (1938-1945) 8 Walker Evans (1938-1945) Walker Evans (1938-1945) Walker Evans (1938-1945) 9 1.3 – Linguagem, técnica, sentido A linguagem representada nas imagens mostra que Evans tinha total domínio da técnica fotográfica, além de possuir conhecimento sobre o tema a documentar. O fotógrafo usava uma câmera Contax de 35mm, ajustava o diafragma para uma boa profundidade de campo e o obturador em média velocidade para ganhar alguns pontos de luz. O que chama mais atenção nas fotos é que mesmo sendo tiradas debaixo de um casaco, conseguem narrar uma história, como disse Kossoy: “Toda e qualquer imagem fotográfica contém em si, oculta e internamente, uma história: é a sua realidade interior, abrangente e complexa, invisível fotograficamente e inacessível fisicamente” (KOSSOY, 1999, p.36). Evans conseguiu retratar uma realidade única em cada fotografia, ele apreciava o ar pensativo e intelectual das pessoas. Evans queria mostrar como as pessoas são naturalmente, sem qualquer interferência de resistência, sorrisos fantasiados e expressões falsas. Existe uma corrente que diz que a fotografia é o objetivo, representa uma realidade, nem mais nem menos. Ela é imparcial e mostra a realidade total. Não é verdade. Isso é a maior mentira do mundo. Você não fotografa com a sua máquina. É a coisa mais subjetiva que existe. Você fotografa com toda a sua cultura, os seus condicionamentos ideológicos. Você aumenta, diminui, deforma, deixa de mostrar [...] (SALGADO apud VASQUEZ, 1986, p.68). 1.3.1 Controles de luz e da aparência da imagem O controle do obturador permite paralisar ou obter um efeito borrado do objeto/pessoa em movimento. Como é responsável pelo tempo de exposição à luz, usando-se velocidade de obturação baixa (em fotos noturnas) ou média (em fotos diurnas) consegue-se expressar o movimento por meio de um borrão. Ao usar velocidades altas paralisa-se o movimento, gerando diferentes construções imagéticas. O fotógrafo efetua seleções técnicas que atuam na aparência da imagem resultante, como explica Kossoy “o dado ficcional é, pois, inerente à imagem, na medida em que a fotografia é um testemunho que se materializa a partir de um processo criação, isto é, construção. Nessa construção reside a estética de representação” (KOSSOY, 2007, p.54). 10 A profundidade de campo é trabalhada no diafragma da objetiva, permitindo mostrar ou esconder informações dos planos da imagem registrada, de acordo com uma abertura maior ou menor, que varia de acordo com a luz. Portanto, a regulagem dos dois controles de luz da câmera, obturador e diafragma, permite obter resultados diferenciados, construções de sentido alinhadas à proposta de cada narrativa. Segundo Kossoy: "a tecnologia empregada, a atuação do fotógrafo, considerado um filtro cultural, as casas editoriais, os receptores das imagens, entre outros. Estes fatores influenciam no reconhecimento do significado da fotografia". (KOSSOY, 1980, p.38). Capítulo II – Metodologia Victor Ataíde (2011) Victor Ataíde (2011) 11 Victor Ataíde (2011) Victor Ataíde (2011) Essas fotografias foram produzidas no dia 01 de abril de 2011, na estação Central e na estação 1° de Maio do metrô de Belo Horizonte. A técnica utilizada foi diferente da técnica que Walker Evans usou em suas fotos do metrô, a câmera fotográfica não ficou escondida. Além disso Evans não utilizou o borrão do movimento, que conseguimos disparando na chegada ou na partida do metrô. A abertura total do diafragma na terceira e na quarta fotografias e uma velocidade média foram ideais para não usar luz auxiliar artificial, o que deixou o ambiente mais natural sem gerar desconforto para os usuários do metrô, nos permitindo uma postura discreta, produzindo o efeito borrado do movimento, nossa intenção principal. 12 Capítulo III – Análise dos Resultados e Conclusão Evans trabalhou na maioria das suas fotos o retrato, em ângulos fechados, com poucas pessoas em cena, personalizando uma identidade única, lembrando que as fotos tiradas eram escondidas, deixando o retratado sereno. As fotos produzidas neste trabalho contam com ângulos mais abertos, abrangendo um maior número de pessoas para compor a cena. As fotos foram tratadas em preto e branco para remeter às fotos de Evans, seguindo a mesma identidade e tema mas se diferenciando pelo momento dos disparos, que ocorreram em sua maioria nas cenas com movimento. O instante do disparo é crucial em qualquer fotografia e acreditamos que teve uma escolha criteriosa tanto na nossa série de imagens quanto na de Evans. Também a seleção do referente atua na construção de sentido do leitor da imagem: no nosso caso um homem dormindo, na série de Evans um homem lendo o jornal. Confirmamos que o controle da técnica pelo fotógrafo permite recriar as cenas de modos diferentes. Os retratos das cenas paradas de Evans remetem a um cotidiano que indica um contexto mais pausado, menos agitado. Na série de fotografias que produzimos a opção por fazer a captura nos momentos de movimento das pessoas nos permitiu expressar a pressa cotidiana dos dias de hoje e o cansaço das pessoas. Acreditamos ter demonstrado que documentários fotográficos com o mesmo tema podem resultar em impressões diferentes, plenos de signos de um instante recortado do real, representado na narrativa de cada fotógrafo. 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: Introdução à arquetipologia geral. São Paulo: Martins Fontes, 2002. KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia: Ateliê Editorial, 2002. KOSSOY, Boris. Construção e desmontagem da imagem fotográfica: Relembrando influências, revisitando conceitos IN: Os tempos da fotogafia: O efêmero e o perpétuo. Cotia: Ateliê Editorial, 2007. LOMBARDI, Kátia. Documentário Imaginário: Reflexões sobre a fotografia documental contemporânea. Discursos Fotográficos, Vol. 4, Nº 4, 2008. MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e história – interfaces. Tempo, Rio de Janeiro, Vol. 1, N° 2, p.73-98, 1996. SALES, Filipe. Breve história da fotografia. http://www.mnemocine.art.br – Acesso em: 15 de nov. de 2011. Disponível em: Rubens Fernandes Junior, O olhar incomum de Walker Evans, Disponível em: http://www.iconica.com.br/?p=284 – Acesso em: 20 de nov. de 2011. SOUSA, Jorge Pedro, Uma história crítica do fotojornalismo ocidental, Editora Letras Contemporâneas e Argos/UNOESC, Capítulo 5, 2000. SALVADOR, Rafael de Castro. Os conceitos de realidade de Kossoy à prática fotográfica. Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2008. 14