MESA REDONDA DE HOMENAGEM À PROFESSORA TERESA AMBRÓSIO
ORGANIZADA PELOS MEMBROS DO ATELIER 34 MCX – «EDUCAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO. INTELIGIBILIDADE DAS RELAÇÕES COMPLEXAS.»
Texto de apresentação
SÁ-CHAVES, Idália (coord.) ([email protected])
Esta mesa-redonda, a fechar os trabalhos do Colóquio da AFIRSE, tem para
todos nós um significado muito especial: prestar homenagem à Professora Teresa
Ambrósio, pelo facto de ter sido a Professora a pensar e a sugerir a sua temática e que
esta Associação, através da sua Secção portuguesa, sabiamente acolheu e desenvolveu.
Importa no entanto salientar que o que esse pensar antecipatório da Professora
Teresa Ambrósio significa é o esforço de uma vida dedicada à utopia, enquanto
convicção e desejo de uma humanidade mais humana, traduzida na sua inabalável
crença no poder da Educação e da Formação como instrumentos de desenvolvimento,
de emergência da solidariedade e de constituição de Cidadania.
Foi nesse esforço, nessa dedicação e nessa crença, que a Professora Teresa se
afirmou como Pessoa, como Mulher e como Cidadã e foi por ele, que o País, através do
louvor unânime dos seus representantes deputados à Assembleia da República, lhe
tributou o seu apreço e reconhecimento nacional. Gesto de louvor, que se multiplicou
em múltiplas instâncias e instituições e que se ampliou através de outras formas de
reconhecimento internacional, deixando transparecer a importância do seu papel como
pensadora no quadro de um humanismo sempre renovado.
Daí que, esta homenagem, aqui e agora, constitua nada mais do que um gestosinal, quase íntimo, na sua profunda simplicidade, a juntar a tantos outros, ampliando
um inaudível coro no qual a ideia de gratidão constitui a música deste silêncio, que nos
ficou e nos convoca.
XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação?
Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e
Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.”
SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana
Todo o potencial de pensamento emergente neste Colóquio, ao longo dos três
dias, congregando para a reflexão acerca das temáticas, que foram tão caras à
Professora, tantos investigadores a nível nacional e internacional, diz bem da
actualidade e da pertinência das ideias aqui debatidas e aprofundadas.
E diz, sobretudo, muito bem do seu papel como elo de ligação estreita e
afectuosa entre culturas num registo de internacionalização que lhe foi também muito
próprio e, no qual, a cultura francesa como um dos elementos fundadores e
estruturantes da cultura europeia, se reconhece privilegiada e profundamente
entretecida.
É, aliás, nesta generosidade profunda, que bebe nas ideias de liberdade, de
fraternidade e de solidariedade, que insistem em percorrer o tempo, fecundando-o, que
persistimos também, vivendo e investigando a procura dos modos sempre novos, com
os quais a utopia, em cada dia, se transforme em acto, gesto e palavra.
Que o mesmo é dizer: em conhecimento, acção e compromisso.
Traduzir este sentir em palavras coube, nesta ocasião, ao Atelier 34. Somos o
núcleo português do Grupo Europeu Modelização da Complexidade – Associação do
Pensamento Complexo (MCX-APC), liderado por Edgar Morin e Jean Louis Le-Moigne
e cuja criação em Portugal ficou também a dever-se à Professora Teresa Ambrósio.
A ela se deve a conceptualização dos princípios fundadores que o título do
Atelier claramente expressa: “Educação, Formação e Desenvolvimento: inteligibilidade
das suas relações complexas”.
É, pois, neste processo envolvente e continuado, que o compromisso com uma
ideia de bem nos move e nos incita a continuar, mesmo se, insidiosa, a saudade se
inscreve de novo no nosso percurso colectivo, tornando-se, concomitantemente,
impeditiva e compreensiva numa marca fiel às dificuldades que o complexo sempre
comporta, quer na sua ambiguidade, quer na sua exigência.
XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação?
Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e
Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.”
SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana
Estar aqui e ser esta voz (e não obstante a sua singeleza) significa apenas que
somos um pensamento e uma ideia em expansão e que mais não queremos do que
continuar escrevendo e reescrevendo para sempre o texto inicial que nos inquieta e nos
percorre.
Tal como, tão bem, Ana Viana escreveu, e a quem pedimos as palavras
emprestadas para podermos também dizer
da nossa perda
da nossa mágoa
do nosso comprometimento…
E eis-nos, Amigos, chegados ao âmago da complexidade.
Ou, melhor dito, às zonas onde todo o esforço para dizer se anula no que é
verdadeiramente indizível e se espraia num desejo de silêncio que, apenas, procura
calar o nosso espanto.
Dizem os especialistas que a complexidade tem níveis e que os meandros com
que se tece são sempre labirínticos, da ordem ao incerto, do anómico e do imprevisível.
Para além da sofisticação dos sistemas mais complexos e mais ousados na
procura de explicabilidade para os fenómenos do conhecimento e da vida, existe
sempre um outro nível, de ainda mais elevada dificuldade que, no limite da
dramaticidade inerente à condição humana nos cala, nos oprime e nos deixa no limiar
das respostas, nas zonas de inacessibilidade, nas quais, as lógicas triviais de explicação
se revelam impotentes e insuficientes como instrumento de compreensão de um
sentido para a vida.
Talvez ninguém como Garcia Lorca tenha dito tão bem esta impossibilidade de
dizer, esta falta de nome para as coisas, quando a dor atinge cada um de nós no âmago
lá, onde o Poeta diz que “nascem as raízes do grito”.
As perdas definitivas, marcadas como estão pela inexorável lei da
irreversibilidade, atingem em definitivo estas zonas essenciais, também elas
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Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.”
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ilocalizáveis nos mapeamentos onde a cognição e a emoção se cruzam e nas quais o
grito se esvai, cortado na raiz pela surpresa do imprevisto.
Trata-se de um lugar último no entendimento humano, no qual se constata que
compreender e explicar perdem a sua inteligibilidade face aos sistemas em uso, mesmo
os mais complexos.
Há sempre mais complexidade na própria complexidade é o que queremos
dizer.
Tal como nos turbilhões de Da Vinci, quedamo-nos no limiar do espanto à
procura das palavras poucas e parcas com as quais havemos de tentar alguma
explicação que possa mitigar esta radical perplexidade.
É pois difícil para todos nós substituir por palavras este silêncio que, de súbito,
nos tomou e encontrar as mais ajustadas para dar continuidade à tecitura de
conhecimento que Teresa nos desafiou a tecer e a que chamou inteligibilidade que, como
um fio de luz, aqui e ali, ilumina o labirinto.
Tomamos portanto em nossas mãos, o mais importante legado que Teresa
deixou a todos: retomar o desenho, retomar esse fio de luz chamado pensamento e com
ele reinventar a criação.
Partimos, aqui, do último texto da Professora Teresa, a sua lição na Academia
das Ciências, também ele já publicado em França e, a partir dele, falaremos livremente
da nossa relação com ela, de como o seu texto se refaz e reconstrói na sombra das
nossas palavras emocionadas e gratas.
E abriremos no final esta partilha a quem quiser também pegar nos fios e
ampliar a luz.
Obrigada.
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A Educação para a Cidadania – leitura de alguns dos contributos de Teresa
Ambrósio
FREIRE, Isabel ([email protected])
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa
Antes de mais gostaria de situar o meu modesto contributo nesta Mesa
Redonda de homenagem a Teresa Ambrósio. Sou um dos membros mais recentes deste
Atelier e não privei com Teresa Ambrósio, como a maioria dos outros membros. Foi
escasso, mas intenso o tempo de encontro. Ficou-me, para além da imagem pública, a
presença próxima, firme e determinada, de alguém que muito deu à causa da
Educação. Pessoalmente, sinto que o meu contacto com Teresa Ambrósio permitiu-me
expandir o meu modo de pensar a Educação, trazendo-me uma perspectiva mais
aberta e mais integradora de conceber a prática e a teoria da Educação.
Escolhi trazer aqui um pequeno apontamento sobre a abordagem à Educação
para a Cidadania, uma dimensão muito marcante no pensamento educativo da nossa
homenageada.
Destacarei três aspectos, que em meu entender, constituem eixos orientadores
da leitura da mensagem que a Professora Teresa nos deixou relativamente a esta
dimensão da Educação e do Desenvolvimento Humano:
− A abordagem à Educação para a Cidadania numa perspectiva sistémica.
− A importância da escola na Educação para a Cidadania.
− A perspectiva da Educação Intercultural em contextos multiculturais como
estratégia de Educação para a Cidadania.
Quanto ao primeiro aspecto, a leitura da sua obra, designadamente os textos
coligidos em Educação e Desenvolvimento – Contributo para uma mudança reflexiva da
Educação (2001) dá-nos uma clara ideia da abordagem sistémica que faz a esta
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problemática, aliás como noutras análises e reflexões acerca de outras dimensões da
educação e do desenvolvimento humano.
Dando um forte protagonismo à dimensão educativa, esta surge enquadrada
numa visão do desenvolvimento humano na qual se articulam a dimensão económica,
social, cultural e política.
“A relação entre educação e
relações entre diplomas e
desenvolvimento humano que
democrático sustentado por
personalista.” (p. 71)
desenvolvimento assenta hoje não apenas nas
mercado de trabalho mas no conceito de
é desenvolvimento económico, social, cultural,
uma educação de dimensão humanista e
A Educação para a Cidadania é assim entendida em íntima ligação com as
questões económicas, sociais e culturais, ou seja, com a luta por uma sociedade mais
justa, mais compreensiva e mais participada, incompatível com a existência da
pobreza, da exclusão social, da intolerância ou da autocracia. Por isso, sublinha a
perspectiva universal da construção de uma efectiva Cidadania, que se consubstancia
no acesso aos “saberes primordiais, competências pessoais e sociais, valores e atitudes que a
todos garantam a igualdade de oportunidades de inserção na vida activa e de participação na
vida democrática, a possibilidade de desenvolvimento pessoal, nomeadamente pela capacidade de
aprender a aprender ao longo da vida e a exercer efectivamente a cidadania” (p.69). Colocandonos deste modo, enquanto educadores e responsáveis pela educação aos mais diversos
níveis, perante o desafio de através da nossa acção contribuirmos decisiva e
decididamente para “o desenvolvimento da capacidade de cada pessoa ser sujeito da sua
própria história” do qual nenhum humano deve ser excluído.
Neste sentido, a sua perspectiva de Educação para a Cidadania remete para
uma reflexão muito séria sobre o papel do Estado no que diz respeito não só às suas
responsabilidades no interior do sistema educativo, mas também no interior dos outros
sistemas que com este se articulam, pondo o “dedo na ferida” sobre as íntimas relações,
muitas vezes esquecidas ou negligenciadas, entre o desenvolvimento económico-social
e cultural e a educação. A Educação para a Cidadania é uma tarefa do Estado, mas
também da cidade, da vila ou da aldeia, da família e da escola; é responsabilidade de
todos nós.
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Todavia, Teresa Ambrósio não deixa de assinalar a importância do papel da
escola, atribuindo-lhe mesmo um papel central.
Apelamos aqui às suas próprias palavras:
“… a escola continua a ser a instituição de formação para a Cidadania por
excelência e deve dar a todos as capacidades necessárias para participar
realmente na vida pública”.
Como tantas vezes sublinhou, Teresa Ambrósio não está aqui a falar de
uma escola cujo papel se confina à educação de crianças, adolescentes e jovens. A
educação formal, designadamente a escolar, tem um papel cada vez mais central
na educação de todos os cidadãos ao longo da vida. Esta meta, que se torna cada
vez mais uma realidade, através do desenvolvimento de redes institucionais e
interinstitucionais entre escolas, universidades, centros, associações civis,
empresas, entidades regionais e locais, “reforça a responsabilidade individual e a
consciência dos direitos efectivos de Cidadania”, mas também a responsabilidade
colectiva, pois que, como afirma Ambrósio, a Cidadania “é uma construção histórica
do próprio indivíduo e da sociedade”.
Para além de acometer à escola e aos sistemas educativos uma
responsabilidade nuclear nesta tarefa da sociedade global que é a da Educação
para a Cidadania, Teresa Ambrósio vai mais longe, destacando-a como um
indicador de referência para a avaliação dos próprios sistemas e das próprias
escolas, uma vez que, na sociedade do conhecimento e da participação, que todos
pretendemos construir hoje, a missão fundamental dos sistemas educativos é
verdadeiramente a de contribuírem para o desenvolvimento de cidadãos
participativos, críticos e capazes de actualizar permanentemente os seus saberes,
não se restringindo nessa missão à formação das elites, mas alargando a sua acção
a todos os seres humanos, no sentido em que a todos seja proporcionada uma
formação de base de qualidade. Voltando às palavras de Teresa Ambrósio:
A forma como realizamos a Educação para a Cidadania, (…), é um dos marcos
referenciais, um dos indicadores de avaliação da qualidade das nossas Políticas
Educativas e dos nossos Sistemas escolares nesta Sociedade do Conhecimento e
da Globalização, como o foram em décadas anteriores a comparação dos modelos
organizacionais e de acesso e sucesso do ensino” (p.88).
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Como dissemos no início desta intervenção, uma outra dimensão que se
destaca na concepção de Teresa Ambrósio acerca da Educação para a Cidadania,
na passagem do século XX para o século XXI, é a sua íntima e profunda ligação
com a Educação Intercultural em contextos multiculturais, dadas as características
demográficas e de grande mobilidade que caracterizam hoje as sociedades
humanas e particularmente as sociedades europeias.
Da leitura dos seus escritos poderemos dizer, sem corrermos o risco de
exagerar, que faz um forte apelo à descoberta do potencial educativo que tem a
diversidade cultural, no sentido de os educadores entenderem a Educação
Intercultural em contextos multiculturais como uma verdadeira estratégia de
Educação para a Cidadania. É essa a mensagem que está bem patente neste
extracto, ao afirmar:
“Para lá da tolerância básica, cívica e democrática, a educação intercultural pede
o reconhecimento da multiculturalidade (…) aprender pelo confronto (…)
resolvendo os conflitos reais com justiça e solidariedade. Isto é viver em
multiculturalidade exercendo a Cidadania”.
As reflexões de Teresa Ambrósio acerca desta problemática espelham um
pensamento sócio-educativo de certa forma visionário que, como ela própria
afirmou na Conferência de abertura do Seminário “Educação Intercultural e
Cidadania”, em Setembro de 2000, apresenta contornos utópicos, se bem que
ancorado num conhecimento único da realidade social e educativa, que lhe
proporcionou a sua riquíssima participação nos mais diversos fóruns de discussão
de políticas educativas e sociais, a nível nacional e internacional. Como ela própria
escreveu “o que desejaríamos é (…) tornar a nossa reflexão sobre a realidade um exercício
de realismo utópico”. Felizmente utópico direi eu, porque a Utopia foi, é e será
também uma marca no pensamento de Pedagogos e Educadores decisiva para a
construção da História da Educação e porque não, da História da Humanidade.
Para terminar votemos às palavras de Teresa Ambrósio:
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Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.”
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“Até onde poderemos ir, cientes de que podemos ir juntos muito mais além e de
que é possível, pelo debate construtivo, transportar para as práticas, para a
intervenção educativa, objectivos que hoje não podemos já rejeitar porque aceites
pela nossa consciência de educadores responsáveis”.
Referência bibliográfica
AMBRÓSIO, Teresa (2001). Educação e Desenvolvimento. Contributo para uma
mudança reflexiva da Educação. Lisboa: Unidade de Investigação, Educação e
Desenvolvimento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
Nova de Lisboa.
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Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.”
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Educação e complexidade – para a construção de um Humano mais Humano
CAETANO, Ana Paula Viana ([email protected])
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa
Un point à la fin d’un chemin
au dedans l’ouvert d’un autre commencement
apparente rupture du saut de ligne
quand le texte est un
repris en chaque autre
Não quisemos que esta homenagem fosse um requiem, mesmo que belo, às
memórias de alguém que já partiu. Quisemos que ela fosse um hino à vida. Manter
vivo o pensamento e a acção de alguém é dar-lhe continuidade, retomando-os e
transformando-os. Juntarmo-nos aqui todos, nestes três dias e, em particular, nesta
tarde, é dar continuidade à acção que tantas vezes foi iniciativa de Teresa Ambrósio, de
juntar e de em conjunto reflectir, interrogar-se, interpelar, debater. Retomar o seu
pensamento foi intenção desta mesa redonda, ao trazer para análise e debate o seu
último texto, apresentado publicamente na Academia das Ciências em Maio de 2006.
Retomar e transformar, porque nenhuma de nós seria capaz, ou desejaria sequer,
reproduzir o seu pensamento sem fazer a sua interpretação pessoal e sem questionar e
aprofundar tantas das “pontas” que são aí levantadas, deixadas em aberto no texto, e
retomadas agora - porque o texto é “um só, que se refaz em cada outro”
Num discurso onde constantemente se contrapõem movimentos de controle e
inovação, de eficácia e expressão, de estandardização e reflexividade local, de
desenvolvimento tecnocrático e de humanismo, emerge, no pensamento de Teresa
Ambrósio, um sentido positivo e construtivo, onde o conhecimento se vai
enriquecendo pelas novas abordagens e vai permitindo uma adaptação complexa
permanente, à medida que se vão infiltrando nas várias instâncias sociais de decisão,
mas também no quotidiano dos indivíduos.
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Este é também um sentido positivo da educação, entendida como uma
educação emancipadora, suporte do desenvolvimento da pessoa e dos colectivos. Aqui
emerge como central o conceito de lifelong learning, que remete para um novo
paradigma, centrado no sujeito activo, que se apropria da sua própria vida e que a
constrói e reconstrói pela experiência, que assim se torna formativa. É preciso, no
entanto, que a recuperação da experiência não redunde numa mera instrumentalização
ao serviço de um sentido utilitário e contabilístico dos percursos de vida, que
certificasse apenas as competências técnicas e práticas que servem ao sistema
económico, que institucionalizasse a mediocridade e a expandisse, que induzisse ao
afrouxamento de um desenvolvimento permanente. É preciso que se promova a
singularidade das trajectórias e a criatividade, o que não passa só pela escola mas que
se alarga a todas as áreas da vida. A educação formal, não formal e informal, a hetero e
a auto-formação, através de múltiplas instituições e redes públicas e privadas, de
natureza mais ou menos global, mais ou menos local, mas não se circunscrevendo a
estas, terão aqui um papel fundamental.
Os conceitos de responsabilidade social e de auto-regulação social surgem como
centrais, entrecruzando-se em organizações onde o social, o ético, o individual, o
político, o económico, o cultural e o educativo se impõem como dimensões em
articulação, operacionalizando-se em projectos participados e redes complexas e
alargadas.
A regulação e a emancipação – dois conceitos por vezes entendidos de forma
dicotómica, são aqui religados, como dois movimentos que se alimentam mutuamente
– num movimento único de autonomização que os processos educativos, no sentido
mais amplo, ajudam a desenvolver.
Uma visão sócio-antropocêntrica da educação, como um processo de
aprendizagem ao longo da vida, poderá ser, e cito Teresa Ambrósio “uma via que
permita a cada indivíduo o acesso a novas trajectórias profissionais e sociais, ao
exercício da cidadania, ao empowerment ou à capacidade de ser sujeito da sua própria
história” (p.8), podendo ser também “um meio de combate à exclusão, um meio de
resposta à diversidade multicultural e um caminho de aprofundamento da democracia
participativa” (p.9).
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A abordagem da complexidade é convocada como desejável para a
modelização dos processos e para o questionamento epistemológico do conhecimento,
com vista (e passo a citar) “a interrogar e compreender as relações dinâmicas, as
trajectórias de desenvolvimento da Pessoa e da Sociedade onde ela se integra, na sua
diversidade (p. 13). As teorias da auto-organização e os conceitos associados, como os
de intencionalidade, projecto e reflexividade são mobilizados para uma compreensão
das dialógicas entre o pessoal e o colectivo (e novamente cito Teresa Ambrósio) “A
interacção entre as partes autónomas e vivas – as pessoas -, num contexto tão
dinâmico, aberto e social, produz um comportamento, uma acção e uma situação final
que interfere e integra recursivamente as pessoas e os grupos em confronto” (p.17).
Também aqui relevo o conceito de projecto, pela organização de sentidos e
finalidades, a projectar-nos no futuro, promotor de singularidades e da construção de
identidades, a ser considerado em articulação com o conceitos de experiência e
emergência, que nos mantém no presente e actualiza a nossa história, dando sentido às
nossas subjectividades.
Uma experiência onde a reflexividade é caminho de integração e de onde
emerge a consciência, sendo, no entanto, urgente não esquecer e não cercear dimensões
que vão para além da informação, da cognição e do conhecimento, pois as dimensões
éticas, emocionais, afectivas, intuitivas e espirituais fazem parte do projecto humano e
precisam ser revalorizadas, para expandir essa mesma consciência.
Trata-se
de
desenvolver
uma
auto-organização
que
se
pretende
complexificante, potencialmente capaz de gerar saltos qualitativos, pela participação na
evolução imaginária das sociedades, e no sentido ainda mais amplo, da humanidade
(p.18).
A reabilitação da política em projectos da sociedade, pela participação
democrática, pela ética da discussão e pelo exercício de uma cidadania concreta, e a
reabilitação da educação, como “domínio de recriação dos homens e de cultura num
tempo e num espaço projectados para o futuro” são duas das notas finais deste texto,
que não cessa de apelar para uma “racionalidade aberta, para a recreação dos sentidos,
para a reavaliação permanente das convicções duradouras e históricas das
comunidades” (p.19).
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Trata-se, enfim, de uma educação para a complexidade da vida, perspectivada
segundo a abordagem da complexidade. Esta pode ser entendida como uma
abordagem meta-investigativa, facilitadora do diálogo entre diversas disciplinas
científicas e entre as diversas áreas e teorias que emergem dentro de cada uma delas,
bem como nas suas zonas de fronteira, ao propor um olhar multidimensional e um
conjunto de princípios e de conceitos que facilitam a compreensão dos múltiplos
fenómenos que se propõe estudar. Não querendo negar a especificidade dos campos e
fenómenos diversos, nem anular as linguagens próprias de cada área científica, propõe
que se introduza um processo de tradução criativa, não mecanicista, onde os aprioris
estão em constante revisão. Aparentemente contra um movimento de especialização e
compartimentação disciplinar e contra um movimento de fragmentação, desconstrução
e localização do conhecimento, ela não deve estar contra nenhum deles. O desafio é o
da não exclusão, apesar da oposição, é o de criar pontes que proponham a emergência
de novas inteligibilidades. A abordagem da complexidade, assente na procura de
padrões que ligam, não pode fechar-se sobre si própria, numa linguagem hermética
que a separe do mundo em torno.
É preciso um esforço permanente, porque
permanentemente o caminho se refaz e permanentemente se corre o risco de se inverter
ou mesmo desfazer, o seu sentido. Um caminho e um sentido de abertura, de
flexibilidade, de diálogo, de auto-regulação e de mudança, para que os conceitos que
lhe são basilares se manifestem e actualizem nas suas práticas (de investigação e
intervenção) e para que se cumpram dia-a-dia, passo-a-passo, os seus desígnios de
constantemente religar e redesenhar a inteligência da vida.
E é essa inteligência da vida, um inteligência simultaneamente cognitiva,
emocional e espiritual, uma inteligência de religação, que constitui um dos traços
dominantes de Teresa Ambrósio, e que pautou o seu pensamento e a sua acção em
tantas esferas do humano. A sua vida foi um exemplo vivo dessa procura incessante de
articular o educativo e o político, o social e o individual, o macro e o micro.
Tendo tido o privilégio de pertencer a um grupo de reflexão e investigação por
ela coordenado – o atelier 34 do MCX – foram muitas as oportunidades que tive de ser
por ela interpelada, estimulada e apoiada, compreendida na minha singularidade e
incluída num colectivo que foi construído por todos nós, de forma verdadeiramente
participada e paritária. Um colectivo que se incluía num outro colectivo – o RIC-
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Reseaux International de la Complexité – e no qual encontrei tantos que, como nós,
mantém acesa a chama, o desejo da religação, do diálogo, da construção colectiva de
um Humano mais Humano.
- Valorização do conhecimento e do reconhecimento
- Sentido positivo da evolução humana, pela auto-regulação
Cerne do texto – objectivos
Eixo formação al Longo da Vida e desenvolvimento HUMANO
Regulação social – auto-organização
Conceitos base:
Formação ao Longo da Vida – Experiência – auto-formação – processos sociais de
construção
Auto-regulação social – autonomia – auto-organização – emergência – interacção
Articulação político-económico-educativo – projectos políticos – redes – democracia
participativa – cidadania
Projecto (individual e social) – identidade – singularidade – sentido
Causalidades múltiplas – causalidade circular
Reflexividade pessoal e social – reflexividade dialógica – consciência individual e social
– ética de discussão
Grupo ATELIER 34 – articulação de ideias das complexidade
Implicações para a prática
-dimensão política, política da educação, educação forma e não formação
Hetero e auto-formação
Risco
Reavaliação permanente
Imprevisibilidade
Racionalidade aberta
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Questões em aberto
Conceitos de auto-regulação (individual e social) e de emancipação – por vezes
entendidos de forma dicotómica, é preciso religá-los como dois movimentos que se
podem reforçar mutuamente
Conceito de projecto (pessoal e social), pela organização de sentidos e finalidades, a
projectar-nos no futuro, promotor de singularidades e da construção de e identidades,
a ser considerado em articulação com o conceitos de experiência e emergência, que nos
mantém no presente e que dá sentido às nossas subjectividades
Desenvolvimento Humano como Construção da pessoa e do colectivo, por processos
de auto-formação e heteroformação,
Relação entre reflexividade e consciência – mas é preciso não perder dimensões para
além da informação e do conhecimento – preciso valorizar dimensões éticas,
emocionais e espirituais
Formação ao longo da vida não é uma panaceia que conseguiria por si só articular o
económico, cultural e político, o social e o pessoal
Nota final – educação formação para complexidade da vida – autonomia e redes,
interdisciplinaridade
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Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações