MESA REDONDA DE HOMENAGEM À PROFESSORA TERESA AMBRÓSIO ORGANIZADA PELOS MEMBROS DO ATELIER 34 MCX – «EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO. INTELIGIBILIDADE DAS RELAÇÕES COMPLEXAS.» Texto de apresentação SÁ-CHAVES, Idália (coord.) ([email protected]) Esta mesa-redonda, a fechar os trabalhos do Colóquio da AFIRSE, tem para todos nós um significado muito especial: prestar homenagem à Professora Teresa Ambrósio, pelo facto de ter sido a Professora a pensar e a sugerir a sua temática e que esta Associação, através da sua Secção portuguesa, sabiamente acolheu e desenvolveu. Importa no entanto salientar que o que esse pensar antecipatório da Professora Teresa Ambrósio significa é o esforço de uma vida dedicada à utopia, enquanto convicção e desejo de uma humanidade mais humana, traduzida na sua inabalável crença no poder da Educação e da Formação como instrumentos de desenvolvimento, de emergência da solidariedade e de constituição de Cidadania. Foi nesse esforço, nessa dedicação e nessa crença, que a Professora Teresa se afirmou como Pessoa, como Mulher e como Cidadã e foi por ele, que o País, através do louvor unânime dos seus representantes deputados à Assembleia da República, lhe tributou o seu apreço e reconhecimento nacional. Gesto de louvor, que se multiplicou em múltiplas instâncias e instituições e que se ampliou através de outras formas de reconhecimento internacional, deixando transparecer a importância do seu papel como pensadora no quadro de um humanismo sempre renovado. Daí que, esta homenagem, aqui e agora, constitua nada mais do que um gestosinal, quase íntimo, na sua profunda simplicidade, a juntar a tantos outros, ampliando um inaudível coro no qual a ideia de gratidão constitui a música deste silêncio, que nos ficou e nos convoca. XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana Todo o potencial de pensamento emergente neste Colóquio, ao longo dos três dias, congregando para a reflexão acerca das temáticas, que foram tão caras à Professora, tantos investigadores a nível nacional e internacional, diz bem da actualidade e da pertinência das ideias aqui debatidas e aprofundadas. E diz, sobretudo, muito bem do seu papel como elo de ligação estreita e afectuosa entre culturas num registo de internacionalização que lhe foi também muito próprio e, no qual, a cultura francesa como um dos elementos fundadores e estruturantes da cultura europeia, se reconhece privilegiada e profundamente entretecida. É, aliás, nesta generosidade profunda, que bebe nas ideias de liberdade, de fraternidade e de solidariedade, que insistem em percorrer o tempo, fecundando-o, que persistimos também, vivendo e investigando a procura dos modos sempre novos, com os quais a utopia, em cada dia, se transforme em acto, gesto e palavra. Que o mesmo é dizer: em conhecimento, acção e compromisso. Traduzir este sentir em palavras coube, nesta ocasião, ao Atelier 34. Somos o núcleo português do Grupo Europeu Modelização da Complexidade – Associação do Pensamento Complexo (MCX-APC), liderado por Edgar Morin e Jean Louis Le-Moigne e cuja criação em Portugal ficou também a dever-se à Professora Teresa Ambrósio. A ela se deve a conceptualização dos princípios fundadores que o título do Atelier claramente expressa: “Educação, Formação e Desenvolvimento: inteligibilidade das suas relações complexas”. É, pois, neste processo envolvente e continuado, que o compromisso com uma ideia de bem nos move e nos incita a continuar, mesmo se, insidiosa, a saudade se inscreve de novo no nosso percurso colectivo, tornando-se, concomitantemente, impeditiva e compreensiva numa marca fiel às dificuldades que o complexo sempre comporta, quer na sua ambiguidade, quer na sua exigência. XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana Estar aqui e ser esta voz (e não obstante a sua singeleza) significa apenas que somos um pensamento e uma ideia em expansão e que mais não queremos do que continuar escrevendo e reescrevendo para sempre o texto inicial que nos inquieta e nos percorre. Tal como, tão bem, Ana Viana escreveu, e a quem pedimos as palavras emprestadas para podermos também dizer da nossa perda da nossa mágoa do nosso comprometimento… E eis-nos, Amigos, chegados ao âmago da complexidade. Ou, melhor dito, às zonas onde todo o esforço para dizer se anula no que é verdadeiramente indizível e se espraia num desejo de silêncio que, apenas, procura calar o nosso espanto. Dizem os especialistas que a complexidade tem níveis e que os meandros com que se tece são sempre labirínticos, da ordem ao incerto, do anómico e do imprevisível. Para além da sofisticação dos sistemas mais complexos e mais ousados na procura de explicabilidade para os fenómenos do conhecimento e da vida, existe sempre um outro nível, de ainda mais elevada dificuldade que, no limite da dramaticidade inerente à condição humana nos cala, nos oprime e nos deixa no limiar das respostas, nas zonas de inacessibilidade, nas quais, as lógicas triviais de explicação se revelam impotentes e insuficientes como instrumento de compreensão de um sentido para a vida. Talvez ninguém como Garcia Lorca tenha dito tão bem esta impossibilidade de dizer, esta falta de nome para as coisas, quando a dor atinge cada um de nós no âmago lá, onde o Poeta diz que “nascem as raízes do grito”. As perdas definitivas, marcadas como estão pela inexorável lei da irreversibilidade, atingem em definitivo estas zonas essenciais, também elas XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana ilocalizáveis nos mapeamentos onde a cognição e a emoção se cruzam e nas quais o grito se esvai, cortado na raiz pela surpresa do imprevisto. Trata-se de um lugar último no entendimento humano, no qual se constata que compreender e explicar perdem a sua inteligibilidade face aos sistemas em uso, mesmo os mais complexos. Há sempre mais complexidade na própria complexidade é o que queremos dizer. Tal como nos turbilhões de Da Vinci, quedamo-nos no limiar do espanto à procura das palavras poucas e parcas com as quais havemos de tentar alguma explicação que possa mitigar esta radical perplexidade. É pois difícil para todos nós substituir por palavras este silêncio que, de súbito, nos tomou e encontrar as mais ajustadas para dar continuidade à tecitura de conhecimento que Teresa nos desafiou a tecer e a que chamou inteligibilidade que, como um fio de luz, aqui e ali, ilumina o labirinto. Tomamos portanto em nossas mãos, o mais importante legado que Teresa deixou a todos: retomar o desenho, retomar esse fio de luz chamado pensamento e com ele reinventar a criação. Partimos, aqui, do último texto da Professora Teresa, a sua lição na Academia das Ciências, também ele já publicado em França e, a partir dele, falaremos livremente da nossa relação com ela, de como o seu texto se refaz e reconstrói na sombra das nossas palavras emocionadas e gratas. E abriremos no final esta partilha a quem quiser também pegar nos fios e ampliar a luz. Obrigada. XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana A Educação para a Cidadania – leitura de alguns dos contributos de Teresa Ambrósio FREIRE, Isabel ([email protected]) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa Antes de mais gostaria de situar o meu modesto contributo nesta Mesa Redonda de homenagem a Teresa Ambrósio. Sou um dos membros mais recentes deste Atelier e não privei com Teresa Ambrósio, como a maioria dos outros membros. Foi escasso, mas intenso o tempo de encontro. Ficou-me, para além da imagem pública, a presença próxima, firme e determinada, de alguém que muito deu à causa da Educação. Pessoalmente, sinto que o meu contacto com Teresa Ambrósio permitiu-me expandir o meu modo de pensar a Educação, trazendo-me uma perspectiva mais aberta e mais integradora de conceber a prática e a teoria da Educação. Escolhi trazer aqui um pequeno apontamento sobre a abordagem à Educação para a Cidadania, uma dimensão muito marcante no pensamento educativo da nossa homenageada. Destacarei três aspectos, que em meu entender, constituem eixos orientadores da leitura da mensagem que a Professora Teresa nos deixou relativamente a esta dimensão da Educação e do Desenvolvimento Humano: − A abordagem à Educação para a Cidadania numa perspectiva sistémica. − A importância da escola na Educação para a Cidadania. − A perspectiva da Educação Intercultural em contextos multiculturais como estratégia de Educação para a Cidadania. Quanto ao primeiro aspecto, a leitura da sua obra, designadamente os textos coligidos em Educação e Desenvolvimento – Contributo para uma mudança reflexiva da Educação (2001) dá-nos uma clara ideia da abordagem sistémica que faz a esta XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana problemática, aliás como noutras análises e reflexões acerca de outras dimensões da educação e do desenvolvimento humano. Dando um forte protagonismo à dimensão educativa, esta surge enquadrada numa visão do desenvolvimento humano na qual se articulam a dimensão económica, social, cultural e política. “A relação entre educação e relações entre diplomas e desenvolvimento humano que democrático sustentado por personalista.” (p. 71) desenvolvimento assenta hoje não apenas nas mercado de trabalho mas no conceito de é desenvolvimento económico, social, cultural, uma educação de dimensão humanista e A Educação para a Cidadania é assim entendida em íntima ligação com as questões económicas, sociais e culturais, ou seja, com a luta por uma sociedade mais justa, mais compreensiva e mais participada, incompatível com a existência da pobreza, da exclusão social, da intolerância ou da autocracia. Por isso, sublinha a perspectiva universal da construção de uma efectiva Cidadania, que se consubstancia no acesso aos “saberes primordiais, competências pessoais e sociais, valores e atitudes que a todos garantam a igualdade de oportunidades de inserção na vida activa e de participação na vida democrática, a possibilidade de desenvolvimento pessoal, nomeadamente pela capacidade de aprender a aprender ao longo da vida e a exercer efectivamente a cidadania” (p.69). Colocandonos deste modo, enquanto educadores e responsáveis pela educação aos mais diversos níveis, perante o desafio de através da nossa acção contribuirmos decisiva e decididamente para “o desenvolvimento da capacidade de cada pessoa ser sujeito da sua própria história” do qual nenhum humano deve ser excluído. Neste sentido, a sua perspectiva de Educação para a Cidadania remete para uma reflexão muito séria sobre o papel do Estado no que diz respeito não só às suas responsabilidades no interior do sistema educativo, mas também no interior dos outros sistemas que com este se articulam, pondo o “dedo na ferida” sobre as íntimas relações, muitas vezes esquecidas ou negligenciadas, entre o desenvolvimento económico-social e cultural e a educação. A Educação para a Cidadania é uma tarefa do Estado, mas também da cidade, da vila ou da aldeia, da família e da escola; é responsabilidade de todos nós. XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana Todavia, Teresa Ambrósio não deixa de assinalar a importância do papel da escola, atribuindo-lhe mesmo um papel central. Apelamos aqui às suas próprias palavras: “… a escola continua a ser a instituição de formação para a Cidadania por excelência e deve dar a todos as capacidades necessárias para participar realmente na vida pública”. Como tantas vezes sublinhou, Teresa Ambrósio não está aqui a falar de uma escola cujo papel se confina à educação de crianças, adolescentes e jovens. A educação formal, designadamente a escolar, tem um papel cada vez mais central na educação de todos os cidadãos ao longo da vida. Esta meta, que se torna cada vez mais uma realidade, através do desenvolvimento de redes institucionais e interinstitucionais entre escolas, universidades, centros, associações civis, empresas, entidades regionais e locais, “reforça a responsabilidade individual e a consciência dos direitos efectivos de Cidadania”, mas também a responsabilidade colectiva, pois que, como afirma Ambrósio, a Cidadania “é uma construção histórica do próprio indivíduo e da sociedade”. Para além de acometer à escola e aos sistemas educativos uma responsabilidade nuclear nesta tarefa da sociedade global que é a da Educação para a Cidadania, Teresa Ambrósio vai mais longe, destacando-a como um indicador de referência para a avaliação dos próprios sistemas e das próprias escolas, uma vez que, na sociedade do conhecimento e da participação, que todos pretendemos construir hoje, a missão fundamental dos sistemas educativos é verdadeiramente a de contribuírem para o desenvolvimento de cidadãos participativos, críticos e capazes de actualizar permanentemente os seus saberes, não se restringindo nessa missão à formação das elites, mas alargando a sua acção a todos os seres humanos, no sentido em que a todos seja proporcionada uma formação de base de qualidade. Voltando às palavras de Teresa Ambrósio: A forma como realizamos a Educação para a Cidadania, (…), é um dos marcos referenciais, um dos indicadores de avaliação da qualidade das nossas Políticas Educativas e dos nossos Sistemas escolares nesta Sociedade do Conhecimento e da Globalização, como o foram em décadas anteriores a comparação dos modelos organizacionais e de acesso e sucesso do ensino” (p.88). XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana Como dissemos no início desta intervenção, uma outra dimensão que se destaca na concepção de Teresa Ambrósio acerca da Educação para a Cidadania, na passagem do século XX para o século XXI, é a sua íntima e profunda ligação com a Educação Intercultural em contextos multiculturais, dadas as características demográficas e de grande mobilidade que caracterizam hoje as sociedades humanas e particularmente as sociedades europeias. Da leitura dos seus escritos poderemos dizer, sem corrermos o risco de exagerar, que faz um forte apelo à descoberta do potencial educativo que tem a diversidade cultural, no sentido de os educadores entenderem a Educação Intercultural em contextos multiculturais como uma verdadeira estratégia de Educação para a Cidadania. É essa a mensagem que está bem patente neste extracto, ao afirmar: “Para lá da tolerância básica, cívica e democrática, a educação intercultural pede o reconhecimento da multiculturalidade (…) aprender pelo confronto (…) resolvendo os conflitos reais com justiça e solidariedade. Isto é viver em multiculturalidade exercendo a Cidadania”. As reflexões de Teresa Ambrósio acerca desta problemática espelham um pensamento sócio-educativo de certa forma visionário que, como ela própria afirmou na Conferência de abertura do Seminário “Educação Intercultural e Cidadania”, em Setembro de 2000, apresenta contornos utópicos, se bem que ancorado num conhecimento único da realidade social e educativa, que lhe proporcionou a sua riquíssima participação nos mais diversos fóruns de discussão de políticas educativas e sociais, a nível nacional e internacional. Como ela própria escreveu “o que desejaríamos é (…) tornar a nossa reflexão sobre a realidade um exercício de realismo utópico”. Felizmente utópico direi eu, porque a Utopia foi, é e será também uma marca no pensamento de Pedagogos e Educadores decisiva para a construção da História da Educação e porque não, da História da Humanidade. Para terminar votemos às palavras de Teresa Ambrósio: XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana “Até onde poderemos ir, cientes de que podemos ir juntos muito mais além e de que é possível, pelo debate construtivo, transportar para as práticas, para a intervenção educativa, objectivos que hoje não podemos já rejeitar porque aceites pela nossa consciência de educadores responsáveis”. Referência bibliográfica AMBRÓSIO, Teresa (2001). Educação e Desenvolvimento. Contributo para uma mudança reflexiva da Educação. Lisboa: Unidade de Investigação, Educação e Desenvolvimento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana Educação e complexidade – para a construção de um Humano mais Humano CAETANO, Ana Paula Viana ([email protected]) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa Un point à la fin d’un chemin au dedans l’ouvert d’un autre commencement apparente rupture du saut de ligne quand le texte est un repris en chaque autre Não quisemos que esta homenagem fosse um requiem, mesmo que belo, às memórias de alguém que já partiu. Quisemos que ela fosse um hino à vida. Manter vivo o pensamento e a acção de alguém é dar-lhe continuidade, retomando-os e transformando-os. Juntarmo-nos aqui todos, nestes três dias e, em particular, nesta tarde, é dar continuidade à acção que tantas vezes foi iniciativa de Teresa Ambrósio, de juntar e de em conjunto reflectir, interrogar-se, interpelar, debater. Retomar o seu pensamento foi intenção desta mesa redonda, ao trazer para análise e debate o seu último texto, apresentado publicamente na Academia das Ciências em Maio de 2006. Retomar e transformar, porque nenhuma de nós seria capaz, ou desejaria sequer, reproduzir o seu pensamento sem fazer a sua interpretação pessoal e sem questionar e aprofundar tantas das “pontas” que são aí levantadas, deixadas em aberto no texto, e retomadas agora - porque o texto é “um só, que se refaz em cada outro” Num discurso onde constantemente se contrapõem movimentos de controle e inovação, de eficácia e expressão, de estandardização e reflexividade local, de desenvolvimento tecnocrático e de humanismo, emerge, no pensamento de Teresa Ambrósio, um sentido positivo e construtivo, onde o conhecimento se vai enriquecendo pelas novas abordagens e vai permitindo uma adaptação complexa permanente, à medida que se vão infiltrando nas várias instâncias sociais de decisão, mas também no quotidiano dos indivíduos. XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana Este é também um sentido positivo da educação, entendida como uma educação emancipadora, suporte do desenvolvimento da pessoa e dos colectivos. Aqui emerge como central o conceito de lifelong learning, que remete para um novo paradigma, centrado no sujeito activo, que se apropria da sua própria vida e que a constrói e reconstrói pela experiência, que assim se torna formativa. É preciso, no entanto, que a recuperação da experiência não redunde numa mera instrumentalização ao serviço de um sentido utilitário e contabilístico dos percursos de vida, que certificasse apenas as competências técnicas e práticas que servem ao sistema económico, que institucionalizasse a mediocridade e a expandisse, que induzisse ao afrouxamento de um desenvolvimento permanente. É preciso que se promova a singularidade das trajectórias e a criatividade, o que não passa só pela escola mas que se alarga a todas as áreas da vida. A educação formal, não formal e informal, a hetero e a auto-formação, através de múltiplas instituições e redes públicas e privadas, de natureza mais ou menos global, mais ou menos local, mas não se circunscrevendo a estas, terão aqui um papel fundamental. Os conceitos de responsabilidade social e de auto-regulação social surgem como centrais, entrecruzando-se em organizações onde o social, o ético, o individual, o político, o económico, o cultural e o educativo se impõem como dimensões em articulação, operacionalizando-se em projectos participados e redes complexas e alargadas. A regulação e a emancipação – dois conceitos por vezes entendidos de forma dicotómica, são aqui religados, como dois movimentos que se alimentam mutuamente – num movimento único de autonomização que os processos educativos, no sentido mais amplo, ajudam a desenvolver. Uma visão sócio-antropocêntrica da educação, como um processo de aprendizagem ao longo da vida, poderá ser, e cito Teresa Ambrósio “uma via que permita a cada indivíduo o acesso a novas trajectórias profissionais e sociais, ao exercício da cidadania, ao empowerment ou à capacidade de ser sujeito da sua própria história” (p.8), podendo ser também “um meio de combate à exclusão, um meio de resposta à diversidade multicultural e um caminho de aprofundamento da democracia participativa” (p.9). XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana A abordagem da complexidade é convocada como desejável para a modelização dos processos e para o questionamento epistemológico do conhecimento, com vista (e passo a citar) “a interrogar e compreender as relações dinâmicas, as trajectórias de desenvolvimento da Pessoa e da Sociedade onde ela se integra, na sua diversidade (p. 13). As teorias da auto-organização e os conceitos associados, como os de intencionalidade, projecto e reflexividade são mobilizados para uma compreensão das dialógicas entre o pessoal e o colectivo (e novamente cito Teresa Ambrósio) “A interacção entre as partes autónomas e vivas – as pessoas -, num contexto tão dinâmico, aberto e social, produz um comportamento, uma acção e uma situação final que interfere e integra recursivamente as pessoas e os grupos em confronto” (p.17). Também aqui relevo o conceito de projecto, pela organização de sentidos e finalidades, a projectar-nos no futuro, promotor de singularidades e da construção de identidades, a ser considerado em articulação com o conceitos de experiência e emergência, que nos mantém no presente e actualiza a nossa história, dando sentido às nossas subjectividades. Uma experiência onde a reflexividade é caminho de integração e de onde emerge a consciência, sendo, no entanto, urgente não esquecer e não cercear dimensões que vão para além da informação, da cognição e do conhecimento, pois as dimensões éticas, emocionais, afectivas, intuitivas e espirituais fazem parte do projecto humano e precisam ser revalorizadas, para expandir essa mesma consciência. Trata-se de desenvolver uma auto-organização que se pretende complexificante, potencialmente capaz de gerar saltos qualitativos, pela participação na evolução imaginária das sociedades, e no sentido ainda mais amplo, da humanidade (p.18). A reabilitação da política em projectos da sociedade, pela participação democrática, pela ética da discussão e pelo exercício de uma cidadania concreta, e a reabilitação da educação, como “domínio de recriação dos homens e de cultura num tempo e num espaço projectados para o futuro” são duas das notas finais deste texto, que não cessa de apelar para uma “racionalidade aberta, para a recreação dos sentidos, para a reavaliação permanente das convicções duradouras e históricas das comunidades” (p.19). XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana Trata-se, enfim, de uma educação para a complexidade da vida, perspectivada segundo a abordagem da complexidade. Esta pode ser entendida como uma abordagem meta-investigativa, facilitadora do diálogo entre diversas disciplinas científicas e entre as diversas áreas e teorias que emergem dentro de cada uma delas, bem como nas suas zonas de fronteira, ao propor um olhar multidimensional e um conjunto de princípios e de conceitos que facilitam a compreensão dos múltiplos fenómenos que se propõe estudar. Não querendo negar a especificidade dos campos e fenómenos diversos, nem anular as linguagens próprias de cada área científica, propõe que se introduza um processo de tradução criativa, não mecanicista, onde os aprioris estão em constante revisão. Aparentemente contra um movimento de especialização e compartimentação disciplinar e contra um movimento de fragmentação, desconstrução e localização do conhecimento, ela não deve estar contra nenhum deles. O desafio é o da não exclusão, apesar da oposição, é o de criar pontes que proponham a emergência de novas inteligibilidades. A abordagem da complexidade, assente na procura de padrões que ligam, não pode fechar-se sobre si própria, numa linguagem hermética que a separe do mundo em torno. É preciso um esforço permanente, porque permanentemente o caminho se refaz e permanentemente se corre o risco de se inverter ou mesmo desfazer, o seu sentido. Um caminho e um sentido de abertura, de flexibilidade, de diálogo, de auto-regulação e de mudança, para que os conceitos que lhe são basilares se manifestem e actualizem nas suas práticas (de investigação e intervenção) e para que se cumpram dia-a-dia, passo-a-passo, os seus desígnios de constantemente religar e redesenhar a inteligência da vida. E é essa inteligência da vida, um inteligência simultaneamente cognitiva, emocional e espiritual, uma inteligência de religação, que constitui um dos traços dominantes de Teresa Ambrósio, e que pautou o seu pensamento e a sua acção em tantas esferas do humano. A sua vida foi um exemplo vivo dessa procura incessante de articular o educativo e o político, o social e o individual, o macro e o micro. Tendo tido o privilégio de pertencer a um grupo de reflexão e investigação por ela coordenado – o atelier 34 do MCX – foram muitas as oportunidades que tive de ser por ela interpelada, estimulada e apoiada, compreendida na minha singularidade e incluída num colectivo que foi construído por todos nós, de forma verdadeiramente participada e paritária. Um colectivo que se incluía num outro colectivo – o RIC- XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana Reseaux International de la Complexité – e no qual encontrei tantos que, como nós, mantém acesa a chama, o desejo da religação, do diálogo, da construção colectiva de um Humano mais Humano. - Valorização do conhecimento e do reconhecimento - Sentido positivo da evolução humana, pela auto-regulação Cerne do texto – objectivos Eixo formação al Longo da Vida e desenvolvimento HUMANO Regulação social – auto-organização Conceitos base: Formação ao Longo da Vida – Experiência – auto-formação – processos sociais de construção Auto-regulação social – autonomia – auto-organização – emergência – interacção Articulação político-económico-educativo – projectos políticos – redes – democracia participativa – cidadania Projecto (individual e social) – identidade – singularidade – sentido Causalidades múltiplas – causalidade circular Reflexividade pessoal e social – reflexividade dialógica – consciência individual e social – ética de discussão Grupo ATELIER 34 – articulação de ideias das complexidade Implicações para a prática -dimensão política, política da educação, educação forma e não formação Hetero e auto-formação Risco Reavaliação permanente Imprevisibilidade Racionalidade aberta XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação? Mesa Redonda de Homenagem à Professora Teresa Ambrósio Organizada pelos Membros do Atelier 34 MCX – “Educação e Desenvolvimento. Inteligibilidade das Relações Complexas.” SÁ-CHAVES, Idália, FREIRE, Isabel & CAETANO, Ana Paula Viana Questões em aberto Conceitos de auto-regulação (individual e social) e de emancipação – por vezes entendidos de forma dicotómica, é preciso religá-los como dois movimentos que se podem reforçar mutuamente Conceito de projecto (pessoal e social), pela organização de sentidos e finalidades, a projectar-nos no futuro, promotor de singularidades e da construção de e identidades, a ser considerado em articulação com o conceitos de experiência e emergência, que nos mantém no presente e que dá sentido às nossas subjectividades Desenvolvimento Humano como Construção da pessoa e do colectivo, por processos de auto-formação e heteroformação, Relação entre reflexividade e consciência – mas é preciso não perder dimensões para além da informação e do conhecimento – preciso valorizar dimensões éticas, emocionais e espirituais Formação ao longo da vida não é uma panaceia que conseguiria por si só articular o económico, cultural e político, o social e o pessoal Nota final – educação formação para complexidade da vida – autonomia e redes, interdisciplinaridade