O saber teológico como caminhos para
aprender e ensinar acerca da Dignidade
Humana
Marli Wandermurem
Diretora do Centro de Pesquisas e Extensão da Faculdade Batista Brasileira. [Salvador]. E-mail: [email protected]
Resumo
Discorre que o estudo coloca a Teologia como campo de saber científico, que tem como
objeto de estudo a Fé. No entanto, estudar sobre a fé é andar em caminhos complicados, pois
ela pertence a um campo fenomenológico que se irrompe em meio a experiências que
pertence a uma esfera de dimensão além-mundo. Além da complexidade de seu objeto de
estudo, a Teologia trabalha com outro espaço onde se situa a pessoa na sua existência de vidamorte. Como não se aprende a lidar bem com a morte, no Ocidente, precisa-se da vida em sua
plenitude, e aí entra a questão fundamental que é viver a vida com a dignidade que todo ser
humano precisa e merece, e o merecimento não é pela bondade ou maldade, mas pelo fato de
ser humano. É, assim, que a Teologia encontra seu grande espaço de discussão, pois apresenta
um caminho possível para se viver bem a relação entre as pessoas, mediada pela presença do
sagrado, que faz com que os seres humanos aprendam a viver mais a solidariedade, onde
justiça e direito se beijam e a Xalom, seja de fato, a verdade para todos e todas.
Palavras-chave: Teologia. Fé. Saber. Dignidade humana. Vida.
The theological knowledge as ways to learn and teach about human dignity
Abstract
It discusses the study puts the Theology as a field of scientific knowledge, which has as its
object of study the Faith. However, to study on the faith and walk in paths are complicated,
because it belongs to a field phenomenology that bursts forth in the midst of the experiences
that belongs to a sphere of dimension beyond-the-world. In addition to the complexity of its
object of study, the Theology is working with another area where the person in his life and
death. How Can we not learn to cope well with the death, in the West, it needs to be the life in
its fullness, and there shall enter the fundamental issue that is living a life with the dignity
that every human being needs and deserves, and the merit is not by the goodness or evil, but
by the fact of being human. IT IS, therefore, that Theology is its large area of discussion,
because it presents a possible way to live well the relationship between people, mediated by
the presence of the sacred, which makes the human beings learn to live more solidarity,
where justice and right kissing and Xalom, is in fact, the truth for all and all.
Keywords: Theology. Faith. Knowing. Human Dignity. Life.
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INTRODUÇÃO
Começo meu texto colocando a Teologia como espaço de sabedoria e graça, onde o
aprender e o ensinar se constituem em caminhos para a construção da dignidade da pessoa
humana. Se a Teologia é espaço de construção de saber, como se dá o fazer teológico? Há
certo consenso entre a pesquisa no campo dos estudos teológicos de que o objeto de seu
estudo é a fé. É nisto que se culmina em desafios para todas as pessoas que se aventuram
neste campo de saber, pois vão ter que lidar com a complexidade da natureza da fé.
Teologizar é perguntar pela epistemologia da fé e como ela se relaciona com outras
formas de conhecimento. Implica entender que o fazer teológico lida com o campo
fenomenológico, uma vez que o objeto “fé” é transcendental e situa-se numa dimensão além
mundo. A pesquisa, nesta área, trabalha com um objeto de estudo que vem mediado pela
revelação/experiência hierofânicas entre o humano e o sagrado, mas a grande importância
deste estudo é que a fé é um fenômeno universal, pois todas as pessoas vivem em função de
alguma fé e é ela que promove caminhos e conduzem a pessoa naquilo que ela constrói como
verdade. Se a fé é algo imensurável na vida do ser humano, então, a Teologia tem um campo
vasto de estudo e cabe a ela construir respostas que a humanidade tanto precisa para a vida
flua, mesmo em meio a tantos contextos conturbados que a sociedade veio e vem gerando ao
longo da história.
No Brasil, a Teologia começou a conquistar seu espaço no mundo acadêmico, como um
saber científico regulamentado pelo Ministério de Educação e Cultura, no início do Século
XXI. A sua regulação, como um campo de conhecimento, a coloca, também, como ciência
responsável pela construção epistemológica de saber que precisa responder à sociedade
naquilo que ela necessita, acerca de temas cruciais como a vida e a morte.
Responder é tarefa da ciência, desde a modernidade. Como ser cientificista-tecnológico
que somos, confiamos na ciência para construir nossa verdade. É com este perfil que a
Teologia conquista o lugar no mundo acadêmico, para construir respostas para este contexto
conturbado do mundo ocidental, especialmente depois da efervescência religiosa que marcou
o Ocidente, a partir dos anos 60, do século passado e, que vem construindo muitas faces de
religiões onde a experiência com o sagrado não se encontra com fronteiras bem delineadas. O
que significa que o mundo em trânsito também conquistou os espaços religiosos. Neste
mundo, Deus é importante e a fé se torna o espaço de muita relevância, na vida das pessoas.
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Estamos a afirmar que a fé, na atual sociedade, é necessária para se viver a vida;
pontuamos uma fala interessante de Kunrath (2008, p. 203), “[...] vida e esperança se
entrelaçam mutuamente, a tal ponto que não há vida se não houver esperança.” É por isso que
trago a contribuição do saber teológico como caminhos para aprender e ensinar acerca da
Dignidade Humana, uma vez que a degradação do ser humano constitui-se num pecado para a
Teologia, assim, a busca pela vida plena e dignidade da pessoa torna-se o grande desafio à
teologia cristã.
Para chegar a uma conclusão acerca da importância da Teologia para a vida das pessoas,
foi construído o estudo, partindo da elaboração da fé como o objeto do fazer teológico; em
seguida foi pontuado o valor do ser humano para a Teologia, para entender como a
degradação da pessoa humana é o que se pode qualificar como um dos piores pecado
praticado; e por último, foi analisado a Dignidade Humana como um desafio para a Teologia
como ciência.
A FÉ HUMANA COMO OBJETO DO FAZER TEOLÓGICO
A fé é o objeto de estudo da Teologia. Pela etimologia da palavra Teo+logia há, no
termo, o que seria o estudo de Deus, mas o Theo = Deus não pode ser o objeto de estudo, uma
vez que só se pode estudá-lo por meio de uma experiência vivenciada num espaço
transcendente por meio de uma hierofania.1 Rudolf Otto (2007) um grande pesquisador do
sagrado, fala do elemento não-racional da relação do ser humano com o divino e do elemento
racional que é o que organiza a experiência privada, transformando o individual e o
institucional. O autor conceitua o sagrado como um elemento irracional em contraposição
com o racional e cria um termo para designar o sagrado, chama-o numinoso, termo que deriva
do latim numen que significa Deus. Segundo Otto (2007), há um elemento exterior ao ser
humano que vive uma relação transcendental, é esse numem que faz emudecer, temer e
tremer, que só pode ser algo irracional. O numinoso é o totalmente outro que se vivência
apenas na experiência religiosa e foge totalmente às percepções do racional (OTTO, 2007, p. 17).
A experiência fenomenológica precisa ser comunicada em discurso racional, por meio
da interpretação da experiência, transformando-a em código compreensível para ser
transmitida. O que significa que uma experiência vivida numa dimensão que foge às
percepções do racional necessita ser trazida para um nível racional e ser comunicada ao
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coletivo. Carvalho (2008, p. 59) afirma que “[...] o divino é a realidade mais elevada, mais
poderosa, melhor, mais bela e mais querida, coroamento de tudo o que o ser humano pode
conceber. Deus é, em si mesmo, uma essência à parte.”
Portanto, a epistemologia teológica estuda pressupostos e princípios, critérios e normas
lógicos do saber teológico nos quais o exercício da Teologia torna-se objeto da própria
reflexão. A Teologia encontra seu princípio formal no exercício da inteligência da fé, a
suposta verdade divina recebida na fé (ALEJANDRO, 2003, p. 73). Haight (2004, p. 41)
afirma que a reciprocidade entre a fé e afirmação teológica significa, igualmente, que uma
compreensão da natureza da fé também provê princípios para a interpretação do significado
das afirmações que derivam da fé. “A fé lança-se e apega-se a alguma coisa que seja
transcendente, situada para além da finitude deste mundo e de tudo que nele existe tomado em
conjunto.”
Entre a experiência vivida e a construção da face de Deus está a fé, isto é, a fé é a crença
que valida à experiência vivida. Acreditar é construir espaços de verdade. Tillich (1976)
afirma que a verdade religiosa é uma verdade existencial que não pode ser separada da práxis.
Em sua construção teológica, coloca a verdade em oposição ao dogma, pois segundo ele,
se a verdade fosse uma doutrina, teriam razão os zombadores que perguntam pelo que é
verdade. Pois, toda doutrina pode ser contradita, e o será. Todas têm seu tempo e então
passarão. Outras virão em lugar delas. É interessante a ideia do autor quando afirma que as
pessoas que buscam a verdade em uma doutrina, ainda não se elevaram realmente por sobre
aquilo que é transitório, ainda não sabem do que é eterno. Segundo o autor, a verdade não é
doutrina, mas vida; a verdade não pode ser apenas uma coisa, pois é no movimento que a
verdade se solidifica e fica sempre mais rica. Por isto, entende-se que a verdade é esse
movimento eternamente renovado, nunca parado. Tillich (1976) diz que só há uma única
verdade, que não existem várias verdades, duas, três ou sete, que se poderia receitar, mas uma
única verdade que se deve viver.
Se a verdade é vida, como bem afirmou Paul Tillich, então verdade e vida se entrelaçam.
A morte e toda a lógica da morte se opõem a verdade e a vida. Kunrath (2008, p. 204) diz que
a morte não é penetrável e nem inteligível pela razão humana. “É a face misteriosa da morte
que causa angústia, por isso que as religiões têm relação com o sentido e o não-sentido da
vida, isto é, vida e morte.”
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Já que a morte é tão angustiante, é preciso amar e proteger a vida, cultivá-la e explorála. Por isso que todo ser humano tem direito a uma vida digna, protegida, vivida em sua
plenitude para que a angústia da morte não se faça tão percebível àqueles que têm a vida
sempre agredida, violada em seus mais elevados graus.
Assim, diante da Teologia está o desafio de pensar caminhos para a nossa sociedade.
Pois, o papel da Teologia é fazer conhecer as realidades que agridem os seres humanos e
transformá-las. E quais são as realidades acerca da degradação do ser humano que estamos
vendo e que precisam ser transformada? Estudiosos e estudiosas da Teologia são chamados a
ver realidades! E que precisam ver? Não se podem fechar os olhos para um campo de
conhecimento que constituiu ideologicamente a ética sobre a qual se baseia a crença e fé
ocidental.
O VALOR DO SER HUMANO NA TEOLOGIA CRISTÃ
É de Sartre (2005) a afirmação de que somos todos cristãos (ãs); quer queiramos ou não,
a sociedade ocidental e suas culturas são modeladas pelo cristianismo. Buscando as raízes
cristãs, pode-se ver nelas, que a dignidade da pessoa humana é que faz da religião popular e
marginalizada que surgiu dentro do judaísmo, no início do primeiro século; um movimento
forte. É com o nascimento do cristianismo que se constitui a novidade que vai revolucionar o
mundo: o ser humano é superior a todas as coisas, especialmente às normas e regras
institucionais. E que elas só têm valor se estiverem a serviço das pessoas.
A prática religiosa cristã, não era uma novidade dentro da religião judaica, pois muitos
movimentos populares vinculados aos profetas do oitavo século a.C., também trouxeram para
a discussão, a dignidade da pessoa humana. É importante salientar que há na proposta de
estudos de Karl Jaspers (apud ARMONSTRONG, 2008) um entendimento que a profecia de
Israel faz parte da Era Axial,2 o ser humano foi colocado como o bem supremo a ser
respeitado, conclamando para as instâncias estatais as necessidades de observâncias de leis
que estivessem resguardando esse direito. A voz profética torna-se crítica da realidade que
transforma o ser humano em coisa.
A voz crítica profética faz entender que a Teologia é lugar de acesso ao espaço de
construção intelectual crítica e, pelo reconhecimento como sujeitos criadores (as) de
paradigmas de convivência social que sustentam a dignidade humana e a integridade da
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criação. A Teologia precisa estar apta para fazer críticas da ideologia a partir de seu campo de
saber. Especialmente aos aspectos como organização hierárquica de instituições religiosas, o
“poder” exagerado de sacerdote sobre leigos, especialmente, a função da religião a respeito da
legitimação de regimes políticos, ou a divinização da cultura como mandamentos divinos,
como formas dogmatizadas de construir exclusões sociais.
Rubem Alves (1992, p. 24) diz em uma frase que a reverência pela vida é a forma mais
alta de oração e que a vida é pulsação do sagrado, por isso, ela deve ser respeitada. O saber
teológico tem como objeto de estudo a fé que a pessoa constrói na direção da sua vida, por
meio de uma relação que se estabelece no sagrado. Não se trata de uma relação qualquer, mas
algo que se define a partir de uma experiência de vida, isto é, do sitz im leben.3 A Teologia
tem a ver com a vida, e isto implica com os direitos de cidadania. Por ser um campo de saber
que lida com a fé que é algo dimensionalmente humano, uma vez que o sagrado só se
experimenta na mais profunda humanidade.
Os textos do Primeiro Testamento têm, na vida do povo israelita, o espaço gerador do
livro sagrado. Para Von Goethe (apud MAGALHÃES, 2000, p. 95).
A grande reverência de muitos povos e gêneros da terra outorgada à Bíblia
se deve ao seu valor interno. Ela não é somente, por assim dizer, um livro
do povo, mas o livro dos povos, porque ela coloca o destino de um único
povo como símbolo dos demais, liga a história deste povo ao início do
mundo e a conduz através de uma série de níveis de progressos mundanos e
espirituais, acontecimentos necessários e ocasionais até as longínquas
regiões das mais profundas eternidades.
No livro Deus no espelho das palavras Magalhães (2000, p. 97), diz que as narrativas
bíblicas se tornaram paradigmas tanto da invasão dos opressores quanto da rebeldia de
movimentos emancipadores; seus códigos de ética se tornaram base do rigor de conservadores
e de suporte da moral dos liberais. Suas normas de comportamento influenciam,
decisivamente, relações familiares, sociais e políticos. O autor diz que “[...] a Bíblia é o livro
por excelência da civilização ocidental, como nenhum outro conseguiu se tornar, mesmo
levando em conta a criatividade e a vastidão literária dos países ocidentais.” (MAGALHÃES,
2000, p. 97). Por isso que a Bíblia não pode ser encarada como um livro qualquer, nele reside
à seriedade de toda uma civilização, os fundamentos éticos e religiosos de diferentes culturas.
Um dos pensamentos mais importantes que dá todo um elo das escrituras é a idéia de
Israel ser povo caracterizado como ’ami = filhos de Deus; isto acontece mediante dois
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elementos fundamentais: o primeiro passa por uma relação exclusiva com o Deus de
libertação em oposição ao Deus de opressão, representado pelo modelo instalado em Babel,
onde um grupo de pessoas sobe ao poder por meio de alianças políticas entre “os poderosos” e
a grande multidão sofre debaixo desse tipo de poder humano divinizado conforme relata os
capítulos de Gênesis 10-11. Israel experimentou este tipo de opressão no modelo de poder
babélico que era o tipo estruturado no Egito na época da formação da nação de Israel. Ao
experimentar o governo dos deuses humanos, que se fazem conhecidos pelas suas opressões e
degradação do ser humano, Israel conhecia a diferença que há entre o seu Deus, o que liberta
os seres humanos de debaixo das dores e das opressões, com os deuses humanos que se
organizam em torna da opressão e degradação dos outros seres humanos.
O outro elemento que caracteriza o ’ami é o valor que é dado ao ser humano dentro da
comunidade de irmãos. Xalom deve ser a forma de vida, isto é, uma harmonia social que
resulta de uma sociedade justa e que respeitam direitos e vive a heseg = solidariedade. A este
modelo de vida Israel deu o nome de mispath. Uma vida mediada pelo Mispath é uma vida
em xalom.
Israel perdeu a vida em Xalom quando quis ser igual ao povo de Canaã. O povo que foi
chamado para ser diferente e viver num modelo de governo libertador resolve ser igual, isto é,
instalar dentro dele o modelo de estado, centralizador de poder nas mãos de reis, que são
deuses humanos. O mispath morre, a injustiça reina e o direito vira amargura. Contra esta
situação, se levanta a profecia do oitavo século a.C., num apelo desesperado que chama Israel
para a conversão, o profeta deseja que a justiça corra como ribeiro impetuoso, que a
solidariedade supere os sacrifícios e que o direito seja restaurado. Só assim Israel tornaria a
ser novamente o ’ami.
Segundo a profecia, a melhor forma de viver bem a vida é a sociedade ser conduzida
pelo Mispath. Teologia tem que impregnar o mundo do mispath: a vida conduzida pela
justiça, pelo respeito aos direitos, da prática da solidariedade para que haja Xalom, o
equilíbrio e a harmonia na sociedade. Segundo Jung Mo Sung (1995), num contexto social
como o nosso, onde quase um terço da humanidade vive numa pobreza extrema e o
desemprego tem crescido a cada dia, a mensagem de evangelização não pode ser abstrata e
genérica. Precisa estar concretamente articulada com o contexto histórico. O que significa que
o anúncio da Boa-Nova é pela defesa da dignidade e da vida de todos os seres humanos.
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A dignidade provoca a exigência de respeito das pessoas, o respeito às pessoas é apenas
a conseqüência de sua dignidade. A idéia de dignidade é prévia à idéia do respeito e visa
responder a pergunta por que devemos respeitar as pessoas. A noção de dignidade humana faz
referência a uma qualidade inseparavelmente ligada à essência do ser humano, o que explica
que ela seja a mesma para todos, não admitindo graduações. Esta noção retorna, então, à idéia
de que as coisas são devidas ao ser humano exclusivamente pelo fato de que ele é humano.
Isto quer dizer que um respeito incondicional é devido a todos os indivíduos, independente de
sua idade, sexo, saúde física ou mental, religião, condição social ou origem étnica.
A DEGRADAÇÃO DA PESSOA HUMANA CONSTITUI-SE EM PECADO PARA A
TEOLOGIA
No Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, 1948) encontra-se a seguinte afirmação: “Considerando que o
reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus
direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.” No
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, 1966), também há o seguinte enunciado: “[...] se reconhece o ideal do
ser humano livre, liberto do temor e da miséria [...]”; e na Convenção Internacional Para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS, 1965) diz: “[...] a necessidade de eliminar rapidamente a discriminação racial
através do mundo em todas as suas formas e manifestações e de assegurar a compreensão e o
respeito à dignidade da pessoa humana.”
Pelas declarações, pode-se perceber que a existência de barreiras raciais repugna os
ideais de qualquer sociedade humana, bem como, a miséria, a injustiça e a falta de liberdade,
como fatores que degradam a dignidade da pessoa humana.
Os Direitos Humanos tem como base o amor, a solidariedade e a tolerância, entre as
pessoas, consideradas como imagem e semelhando de Deus, filhos e filhas de Deus, tido e
criado pelos cristãos, como criador do Céu e da Terra. Todos iguais sem distinção, com
igualdade para a liberdade e fraternidade que foram os valores éticos que formaram o tripé da
Revolução Francesa, em 1789. Tais valores objetivavam a construção de uma sociedade mais
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justa. A igualdade torna-se o Direito Fundamental que provêm da humanidade e que define a
dignidade da pessoa humana. Relembrando o pensamento de Hobbes (2006), no Leviatã, onde
afirma que a natureza fez os homens tão iguais na capacidade física e intelectual. Todos nós
temos a igual satisfação das necessidades fundamentais, os Direitos Humanos são os desejos
da humanidade.
O não respeito pela pessoa humana, pela lei brasileira é crime, mas para a Teologia
constitui-se em pecado. É esse tipo de pecado que veio sendo denunciado desde o nascimento
da Teologia, em Israel. É no texto de Gn 4 1-7 que há, pela primeira vez na Bíblia, a idéia de
pecado, elaborado como a prática do mal. É onde Caim usa sua força para eliminar Abel e
ainda diz para o Divino, talvez num tom sarcástico, que não é responsável pelo irmão. Mas a
pergunta do Divino pelo paradeiro do irmão deixa claro, que devemos saber o que está
acontecendo com os irmãos.
A profecia de Israel nasce para enfrentar o mal em Israel, aliás, é por causa da
degradação da pessoa humano que a profecia foi convocada a lançar sua voz. Ela vem
anunciar, denunciar e exortar, acerca desse pecado que está ferindo os princípios divinos do
Mispaht. E a quebra do Mispath implica em violações dos direitos humanos e afronta
agressivamente o divino.
Os grandes profetas surgem, a partir das contradições que começam a existir na
formação do Estado, onde o Mispath não mais é parâmetro de condução da organização
estatal tributária; as leis morais tribais, que estavam firmadas nas leis de solidariedade não
servem para o Estado, onde a pessoa humana deixa de ser respeitada; a justiça, o direito e a
solidariedade não são mais valores de condução da sociedade. Assim, Amós, profeta social,
deseja “[...] que o direito corra como a água e a justiça como um rio perene [...]” (Am 5,24), e
diz que o Estado transformou o Direito em veneno e atirou a justiça por terra (Am 5,7). Ele
indica os responsáveis pelas injustiças; e expõe injustiça que cometem e indica as vítimas que
sofrem a injustiça.
Eles odeiam os que defendem o justo no tribunal e têm horror de quem fala
a verdade, porque esmagam o fraco, cobrando dele o imposto de trigo [...]
deitam em camas de marfim, esparramam-se em cima de sofás, comendo
carneiros do rebanho e novilhos cevados em estábulos; cantarolam ao som
de lira, bebem canecões de vinho. Usam os mais caros perfumes, sem se
importar com a ruína dos pobres. (AMÓS 5,1-14).
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Os profetas conclamam ao povo o retorno ao projeto original, onde o ser humano
ocupava o espaço central, e a solidariedade era o valor que movia o povo. Agora, endurecidos
pela busca de prazer próprio, são chamados a conversão e a eles se reapresenta o projeto para
solucionar a questão social: “Procurai o bem e não o mal para que possais viver.” (Am 5,14);
Tenho que gritar, tenho que arriscar, aí de mim se não faço, como escapar de ti, como calar, se
tua voz arde em meu peito?” (Jr. 1,4-10). E eles denunciam todas as injustiças cometidas
pelos poderosos.
Em meio à denuncia, está a crítica contra os ricos gananciosos, os comerciantes, os
juízes, os donos de escravos, o desprezo pelos órfãos e as viúvas. E, Jesus de Nazaré,
retomando o projeto da profecia desperta o sentido da dignidade humana; as pessoas são mais
importantes que as instituições (Mc 2,27). A exclusão não é permitida no Reino de Deus.
Aprendemos com a profecia bíblica e com os profetas do século XX: M. Luter King,
Mandela, Gandhi, que teologizar sobre o tema da dignidade da pessoa humana implica em
falar também de violências e violações. Um dos espaços de violações se encontra no modo
político e econômico de organização do mundo. João Sayad (apud SUNG, 1995), economista
brasileiro, sintetiza o drama de nossa sociedade e da nossa civilização ocidental e como ela
tem desfocado o ser humano e por isso, é causa das violações contra a dignidade da pessoa
humana:
Há trezentos anos que o capitalismo transforma todas as coisas à nossa volta
em quantidade - dólares, francos ou reais. Não sabemos bem quem somos,
mas sabemos quanto valemos: somos carro, a lancha, a casa ou os quadros
que temos. A economia capitalista focaliza tudo em torno de cifrões. Em
compensação embaraça tudo o mais. Cada vez nos tornamos mais eficientes
e mais produtivos. Sobram produtos agrícolas que são jogados nos rios ou
estragam nos armazéns. Sobra mão-de-obra porque gente custa salário. Não
podemos gastar dinheiro com os ineficientes, com os aposentados ou com
os mais pobres. Sabemos quanto custa cada coisa e cada decisão. Tudo é
muito nítido e claro em reais ou dólares. Mas não temos tempo de nos
perguntar sobre o sentido de tudo isso, por isso, o mundo nos parece
embaraçado e fora do foco. (SAYAD, apud SUNG, 1995, p. 48).
O valor das pessoas precisa transcender o valor econômico e revelar um sentido de vida
que seja muito mais humano e profundo que simplesmente acumular riquezas e ostentar bens
de consumo. É esse modelo proposto que tem construído as maiores violações da humanidade
e requerido das pessoas uma conscientizações e luta pelos Direitos da pessoa humana,
elaborando leis que vigiem e protejam as pessoas, barrando as formas diversas de violações.
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Susin (2007) diz que toda violência precisa de uma justificativa sagrada. Para ter licença
de violar e matar é necessário revestir-se de sagrado, de indulgência e perdão prévios. Boff
(2008) diz que por detrás das violências funcionam poderosas estruturas. Mas a inteligência
nos foi dada também para colocar limites a essa violência e conferir-lhe um sentido
construtivo. Ao lado de estruturas de agressividade, temos capacidade de afetividade,
compaixão, solidariedade e amor. Hoje, é urgente que desentranhemos tais forças para
conceder-nos um rumo mais positivo à história. Toda demora é insensata.
Martin Heidegger (apud SUNG, 1995), resgatando uma antiga tradição vê no cuidado a
essência do ser humano. Sem cuidado ele não vive nem sobrevive. Tudo precisa de cuidado
para continuar existindo. Cuidado representa uma relação amorosa com a realidade. Onde
rege o cuidado de uns para com os outros, desaparece o medo, origem secreta de toda
violência. Essa é uma proposta da fundação do cristianismo, especificamente no exemplo do
bom samaritano.
A DIGNIDADE HUMANA COMO UM DESAFIO A TEOLOGIA
Na teologia cristã, Deus é apresentado como o doador da vida; por isso o cristianismo
sempre ensinou que a vida é o maior dom que recebemos de Deus. Na tradição bíblica, a
contradição fundamental não é o da alma versus a do corpo, mas a da vida versus a da morte.
É por isso que Jesus diz: "Eu vim para que todos tenham a vida, e a tenham em abundância."
(Jo 10,10). Não há vida sem comida, bebida, roupa, casa, saúde, educação, liberdade e
afeto/acolhimento. E, esses Direitos são fundamentais; a base da dignidade da pessoa humana.
Por isso é que o evangelho de Mateus (Mt 25, 31-46) ensina que as coisas que
possibilita a vida, é o ponto chave no nosso juízo perante Deus. Os que são movidos pelo
Espírito de Deus são capazes desse tipo de gratuidade. Os que dedicam sua vida a defender a
vida e a dignidade humana dos "pequenos" conhecem a Deus que é Amor, mesmo que não
tenham a consciência disso. A produção, distribuição e consumo de bens materiais é o campo
da economia. Sendo assim, na concepção bíblica de Deus, não há contradição entre teologia e
economia. Muito pelo contrário, quem conhece o Deus da Vida, defende a vida ameaçada
pelas forças da morte e se "intromete" na economia, em nome da fé, para que ela esteja a
serviço dos seres humanos.
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Os teólogos e as teólogas cristãos/cristãs precisam enfrentar os desafios colocados pela
nova fase da humanidade. Um grande desafio é a questão da justiça social. E como a
Teologia, uma ciência humana, poderá ser inserir neste problema e apontar soluções? Será
possível, ou a Teologia deve se esquivar desses problemas e tratar somente das “coisas
celestiais”?
Vivemos um tempo muito difícil. Os problemas sociais aumentam, e a insensibilidade
das pessoas também. Parece que o cinismo é marca do nosso tempo. Até muitas comunidades
cristãs estão caindo na mesma tentação dos discípulos por ocasião da multiplicação dos pães.
Diante de uma multidão com fome, que "[...] estavam como ovelhas sem pastor [...]", (Mc
6,34), os discípulos sugerem para Jesus: "[...] despede-os para que vão aos campos e
povoados vizinhos e comprem para si o que comer [...]" (Mc 6,36). E eles tinham acabado de
ouvir o Sermão do Monte onde Jesus, o Senhor do Reino, tinha dito que o seu Reino é ativo
na terra e ele supre a necessidade das pessoas. Agora, diante da necessidade da multidão
faminta, os discípulos não entendem a forma de ser do Reino de Deus e nem sabem que eles
são os que ativam o reino e por isso precisam alimentar aquela multidão. Veja que eles ainda
estão na lógica do mundo e vendo apenas no dinheiro a solução para a fome. Jesus os olha e
diz: “[...] o meu reino sacia a fome, dá-lhes vós mesmos de comer [...].” E olhos são abertos
para a proposta do reino, e para a solidariedade dos que têm aberto para partir e repartir com
os que precisam. Logo a fome foi saciada e o Reino deixou sua grande lição.
Portanto, quanto mais se avança a exploração do capital, mais se afirma a importância e
a necessidade da Teologia na defesa da dignidade da pessoa. Nunca, na História da
Humanidade, a escravização e a exclusão econômica e social foram concomitantemente tão
cruéis quanto em nossos tempos.
Não se pode falar hoje de justiça social sem destacar a pobreza, onde a fome tem-se
constituído uns dos maiores agravantes da dignidade da pessoa humana. Mas devemos
entender que a fome é uma construção social, do mesmo modo que a riqueza e a pobreza.
Nem a escassez nem a ausência de soluções técnicas justificam a existência da fome, pois
tanto no nível da produção material quanto do estoque de conhecimento técnico-científico há
um acúmulo de condições para debelá-la.
A máxima dos Direitos Humanos ou a cláusula pétrea mais importante em nossas
Declarações e Constituição Federal já tinham sido escritas nos Evangelhos, nas palavras de
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Jesus de Nazaré e sempre foi consagrada pela humanidade como verdade de todos os tempos,
gerações ou dimensões; trata-se do respeito pela pessoa humana.
O fundamento dos Direitos e Deveres Humanos é o respeito à pessoa humana e à sua
dignidade que está no Art. 1º, inc. III da CF/88, ante os deveres e responsabilidades sociais,
impostos pela ética suprema do valor moral espiritual, pelo caráter e pela virtude de cada um
de nós, sem qualquer tipo ou espécie de discriminação.
Lieve Troch (2005), teóloga holandesa, diz que a Teologia enquanto saber tem como
objetivo transformar realidades. Significa equipar-se, através da educação, para o trabalho
pela justiça, para o Direito e a Solidariedade. Com estratégias poéticas, narrativas e metáforas,
o processo do pensamento teológico cooperativo busca proporcionar novos símbolos,
conceitos e teorias, assim como articular visões e valores comunitários alternativos. O
objetivo é reimaginar o Divino e o sagrado no trabalho em prol da justiça, do Direito e da
Solidariedade para que a paz seja presente:
A Teologia deve procurar articular as visões e os valores comunitários
alternativos para a comunidade humana que está à beira da aniquilação
nuclear [...]. E primordialmente uma reflexão crítica sobre práticas
sóciocultural-políticas nas quais comunidades religiosas estavam e ainda
estão inseridas e com as quais contribuem. (SCHUSSLER-FIORENZA,
1989, p. 34).
Para a fé cristã que acredita que Jesus, o crucificado, ressuscitou, entende que a ordem
social estabelecida e os detentores do poder não são justos e nem representam a vontade de
Deus. A fé move o cristão e a cristã para serem testemunhas da ressurreição de Jesus de um
único modo possível: defendendo a vida e a dignidade humana dos pobres e pequenos. Porque
ele decidiu se concretizar assim na terra.
É hora de re-encantar o mundo. Depois que Weber expressou o desencantado, outros
autores começam a trabalhar a idéia de re-encanto. E todos/as que trabalham com esta idéia
têm, em comum, a proposta de superação do paradigma mecanicista e fragmentário da
modernidade. O re-encantamento passa por uma nova forma de ver a vida e a realidade que
nos cerca. Nessa idéia, está uma crítica à redução da vida ao cálculo econômico que nega um
sentido a dignidade da pessoa humana para além desses números. A busca de um reencantamento pode ser espaço de produção de sentido à vida que seja muito mais humano do
que a busca obsessiva por mais consumo e mais acumulação. Outra idéia é a associação da
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noção de re-encantamento com a noção de solidariedade, com uma nova postura éticopolítica.
Na narração da criação, que situa o aparecimento progressivo das diversas espécies ao
ritmo da semana litúrgica de Israel, a criação do humano é situada no último dia, como
plenitude de todo um processo, resumo do sentido de todas as outras criaturas, a abrir para a
contemplação do dia sagrado, dia do silêncio de Deus e para Deus. O humano aparece aí
como a razão de ser de toda a criação e a fonte do seu sentido. Quando se esquece a dignidade
da pessoa humana, tudo, tanto no universo como na história, deixa de ter sentido, pois só o
homem é capaz de dar sentido às coisas (SUSIN, 2007).
A justiça é o reconhecimento, a defesa e a promoção da dignidade fundamental do ser
humano. No sentido bíblico, repor a justiça significa reconduzir o ser humano e a harmonia da
comunidade humana à sua qualidade original de “imagem de Deus”. É por isso que a justiça é
elemento constitutivo da construção da paz e elemento essencial de todo o progresso humano,
em ordem à edificação da harmonia da sociedade. A perfeição da justiça coincide com o
conceito cristão de santidade.
As concretizações desta dignidade fundamental do ser humano, criado “à imagem de
Deus”, são a sua liberdade, que supõe a capacidade de conhecimento e de discernimento
crítico e a dimensão relacional, em que o homem se reconhece, interagindo com outros
homens seus semelhantes.
É por isso que Jesus vai confirmar o que já havia dito os profetas, que a Misericórdia é o
que ele quer e não sacrifício. Afirmar o Reino de Deus como horizonte que nos dá sentido
para a nossa vida é a nossa luta contra sistemas de opressão e exclusão. Isso deve ser
testemunhada através da nossa solidariedade na defesa da vida. Cristãs e cristãos têm
obrigação de seguir os passos de Jesus e empreender projetos que promovam à dignidade da
vida de todos, mas em particular, é necessário proteger a vida dos e das "pequenos/as". Para
isso, nossos projetos precisam estar em diversos níveis. Em ações imediatas de solidariedade
e defesa da vida; em ações de médio e longo prazo visando à construção de uma ordem
econômico-social mais justa e humana. A caminhada não é fácil, mas é gratificante. Pois na
solidariedade, no repartir do "pão", experimenta-se a presença de Jesus ressuscitado que
caminha junto na luta pela dignidade da pessoa humana.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Teologia, enquanto saber, precisa se preocupar com o esmagamento e a eliminação do
frágil. A situação de violência incumbe pessoalmente a todos/as, sem que ninguém deva dizer:
“não fui eu, não me responsabilizo”. A pessoa cristã não foi educada para se expressar apenas
como um ser, porque em “ser” está embutido o dever-ser. Ao tornar-se discípulo, recebe a
missão de fazer algo neste mundo, não somente para si, mais especificamente para o\outro\a.
Dever-ser implica em viver uma ética que sempre reflete acerca das situações levando em
conta a vida como parâmetro único de julgamento. A ética cristã não é LEI, é LIBERDADE!
E nossa vocação é se colocar como sujeito capaz de decidir, não pelo moldes do hedonismo
moderno, ou pós-moderno, mais pelos princípios cristãos. Viver os princípios cristãos é viver
em Liberdade. Ser livre para decidir segundo a missão de discípulo, não para ser adestrado
pelo modismo da era em que se vive. Liberdade é a capacidade que o ser tem de se dispor de
si mesmo, é a capacidade de dizer sim ou não a si mesmo. O exemplo de liberdade é nos dado
por Jesus de Nazaré. Ensina que ser livre é o que escolhe ou se define por suas escolhas. A
liberdade é o poder de tomar posição frente a Deus, por isso, liberdade é inseparável de
responsabilidade, e somente quem é dono de seus atos e de seus desejos pode se considerar
livre. Assim, liberdade não é só opção, é também, poder de superação, é por isso que no
cristianismo se diz que fomos criados para sermos livres. Paulo acentua e valoriza a liberdade
como dimensão constitutiva do ser humano. Mas afirma que determinados comportamentos
desencadeados pelo próprio ser humano podem torná-lo escravo, assim o princípio da
vigilância é necessário, só quem é vigilante mantém sólida sua liberdade e nela cresce.
Somente como sujeitos responsáveis pela história é que podemos acreditar na esperança
do novo, esperança da plenitude, esperança de um mundo justo, o conhecimento da verdade
teológica focaliza não só o que a realidade já existente contém, mas também o que não
contém, só assim, o conhecimento teológico poderá aponta para além dele mesmo, para além
da realidade atual ou histórica. É a capacidade de antecipação, de enxergar além da realidade
presente que o saber teológico crava suas cunhas para poder re-encantar o mundo.
NOTAS
1
Hierofania vem do grego hieros (ἱερός) = sagrado e faneia (φαίνειν) = manifesto, pode ser definido
como o ato de manifestação do sagrado. O termo foi cunhado por Mircea Eliade em seu tratado
sobre a história das religiões para se referir a uma consciência fundamentada da existência do
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sagrado, quando se manifesta através dos objetos habituais de nosso cosmos como algo
completamente oposto do mundo profano. Para traduzir o ato de manifestação do sagrado, Eliade
sugere o termo hierofania. É necessário, pois se refere apenas ao que corresponde à sagrada que nos
é mostrado. Eliade explica: "Para aqueles que têm uma experiência religiosa, a natureza como um
todo é susceptível de se revelar como sacralidade cósmica. cosmos como um todo pode se tornar
uma hierofania. O homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possível o sagrado ou
na privacidade dos objetos consagrados. A sociedade moderna habita um mundo dessacralizado.”
Cf. Mircea Eliade, Tratado de Historia de las Religiones. Madrid: Cristiandad, 2000.
2
Karl Jaspers definiu o período que decorre entre o ano 800 a.C. e o ano 200 a.C. de Era Axial, neste
período apareceu o mesmo tipo de pensamento ético em três regiões do mundo: a China, a Índia e o
Ocidente. A era ficou conhecida como “eixo”, isto é, humanidade ao mesmo tempo em todas as
partes do mundo começou a desenvolver princípios que ainda continuam a alimentar a humanidade
até hoje. Confere Sobre a Era Axial, pode-se ler, com muito proveito, ARMOSTRONG, Karen. A
grande transformação: o mundo na época de Buda, Confúcio e Jeremias. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008.
3
Sitz im Leben é uma expressão alemã utilizada na exegese de textos bíblicos. Traduz-se comumente
por "contexto vital". De uma forma simples, o Sitz im Leben descreve em que ocasião uma
determinada passagem da Bíblia foi escrita.
REFERÊNCIAS
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temática: Antigo e Novo Testamento. Tradução João Ferreira de Almeida. 3. ed. São Paulo:
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Artigo recebido em 13 de maio de 2009 e aceito para publicação em 22 de junho de 2009.
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