Ciência, Tecnologia e Sociedade e a Educação Profissional e Tecnológica: a
relevância do enfoque CTS para uma formação humanista e integral
Science, Technology and Society and the Professional and Technological
Education: The importance of the STS view to humanistic and integral
formation
Leila Cristina Aoyama Barbosa
Bióloga, mestre em Ensino de Ciências, UFMS
Escola Técnica Estadual de Rondonópolis/MT
[email protected]
RESUMO: A partir de uma breve análise acerca da evolução histórica da educação profissional no
Brasil, o texto tem por objetivo discutir a necessidade da formação de uma consciência crítica nos
estudantes destes cursos a fim de que se tornem capazes de refletir sobre o papel da ciência e
tecnologia frente à sociedade. Por meio de uma revisão bibliográfica sobre os objetivos do
movimento CTS no campo educacional e sua articulação com a pedagogia libertadora de Paulo
Freire, busca-se avaliar a relevância do desenvolvimento desta temática junto aos cursos
técnicos/tecnológicos para uma formação humanista de nossos alunos, que não privilegie somente o
sistema de produção vigente, mas, sim, o bem estar social e coletivo.
Palavras-chave: CTS, Paulo Freire, Educação científica e tecnológica, Aspecto sócio-científico.
ABSTRACT: From a brief analysis about the historical evolution of professional education in
Brazil, the text aims to discuss the necessity of forming a critical consciousness in students of these
courses in order to become able to reflect on the role of science and technology to society. Through
a literature review on the CTS movement's goals in the educational field and its articulation with the
“Pedagogy for Liberation” of Paulo Freire, we seek to evaluate the relevance of developing this
theme with students technical courses and technological courses for a humanistic education them,
who not only favors the current production system, but rather the welfare state social and collective.
Keywords: STS, Paulo Freire, Scientific and technological education, socioscientific issues.
1. Introdução
A última campanha eleitoral para a Presidência da República do país trouxe, nas plataformas
de governo dos principais candidatos, no que condiz à educação e emprego, a promessa de mais
investimento nos cursos da educação profissional e tecnológica como uma possível solução.
Anterior a este fato, tivemos à frente de nosso país, por oito anos, um presidente da República que,
sem ter curso de nível superior, chegou ao poder possuindo como formação profissional um curso
técnico em metalurgia.
Por acreditar no potencial de cursos do ensino técnico, Luís Inácio Lula da Silva, buscou por
maneiras de valorizar esta modalidade de educação sempre tão marginalizada pela sociedade. Para
isso, modificou as políticas públicas vigentes aprovando o Decreto-lei n.º 5.154/2004, que
novamente integrou o ensino médio ao ensino técnico. Além disso, foi em seu governo que se
iniciou o plano de expansão da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica e a
transformação dos antigos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) em Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs).
Com essa ampliação dos cursos da educação profissional e tecnológica, sejam eles cursos
técnicos ou tecnológicos, restam-nos questionamentos de como está ocorrendo a formação desses
alunos para atuarem nas diversas áreas profissionais e como os professores desta modalidade de
educação são preparados para atuarem nesta função.
Entendemos que, devido às diversas áreas de formação profissional contempladas pelos
cursos técnicos e tecnológicos (o catálogo nacional de cursos técnicos traz 12 eixos tecnológicos),
nem todos os professores possuem formação específica para tal função. Muitos deles não possuem
uma formação em licenciatura e acabam por ir “aprendendo a dar aulas” de acordo com suas
experiências como aluno ou conforme vão adquirindo-a na carreira de docente.
O parecer CEB/CNE n.º 16/99 ratifica que os cursos da educação profissional, seguindo
caminhos diferentes daqueles traçados por seus primórdios, devem se pautar na ética e cidadania
para fornecer aos seus estudantes uma formação integral. Para tanto, o estudante deve ser
estimulado ao pensamento, de modo a desenvolver sua criticidade. Não queremos repetir os
exemplos do famoso filme de Charles Chaplin, Tempos Modernos, em que o trabalhador era
somente uma mão-de-obra. É preciso que as pessoas pensem nas ações que executam em seu
trabalho. E, mais do que isso, torna-se necessário que pensem como ser social que faz parte de um
grupo coletivo; que sejam indivíduos capazes de tomar decisões e que assumam os riscos e
conseqüências de suas escolhas.
Baseado nessas premissas, este artigo busca fazer uma reflexão sobre as possibilidades de
uma formação humanista e crítico-cidadã aos estudantes de cursos da educação profissional, gerada
pela introdução de atividades, competências/habilidades e projetos interdisciplinares com ênfase em
Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), movimento que visa tanto à alfabetização científica quanto
à participação dos cidadãos nos assuntos tecnocientíficos de interesse social.
Por meio de uma pequena revisão bibliográfica, que relaciona o movimento CTS com
algumas ideias do educador Paulo Freire, será tecido alguns comentários sobre a prática docente em
cursos técnicos desta autora e suas percepções da realidade em que se vive em sala de aula. Com
base nestas experiências docentes, acredito que a utilização de uma abordagem CTS possa
modificar a situação vivenciada em cursos técnicos/tecnológicos e iniciar novos caminhos mais bem
sucedidos na busca de cumprir o que dizem as legislações e políticas da educação profissional: fazer
de nossos estudantes seres pensantes e lhes dar o direito de discutir os temas polêmicos do mundo
atual e de tomar decisões sobre estas situações.
2. A educação profissional do século XXI
A noção de trabalho foi se modificando e consolidando de acordo com as sociedades e
ideologias vigentes no decorrer do tempo e do espaço. Manfredi (2002) aponta que os humanos, ao
longo dos tempos, utilizando as matérias-prima disponibilizadas pelo ambiente, aprenderam a
desenvolver instrumentos úteis à sua vida com maestria, arte e praticidade, e os saberes eram
repassados de geração para geração.
Desde a época da sociedade feudal mantém-se a divisão de trabalho entre aqueles que servem
e aqueles que têm poder. A partir da Revolução Industrial, ocorrida no fim do século XVIII, a
educação profissional se consolida como instrumento para a formação de mão de obra. Para
Frigotto (1999), o advento do capitalismo alterou o vínculo entre trabalho produtivo e educação.
Além disso, ele determinou as regras sobre valores, ideias, teorias, símbolos e instituições, entre as
quais a escola se destaca como espaço de produção e reprodução de conhecimentos, atitudes,
ideologias e teorias que justificam o novo modo de produção.
Observando a cronologia de desenvolvimento da educação profissional no Brasil, nota-se que
esta modalidade de ensino sempre foi marginalizada e entendida como uma educação para os
desvalidos da fortuna, ou seja, os pobres.
A formação profissional no Brasil nasceu primeiro de uma visão moralista do trabalho
assistencialista da educação de órfãos e desamparados no início do século XX com o
Decreto n.º 7.566/1909 do Presidente Nilo Peçanha, que criou as Escolas de Aprendizes
Artífices nos estados da Federação. O segundo momento que marca seu caráter de ensino
industrial foi a criação do SENAI, dirigido pela Confederação Nacional da Indústria,
através do Decreto-lei n.º 4.048/1942; e a Lei Orgânica do Ensino Industrial, Decreto-lei n.º
4.073/1942, que veio unificar a organização do ensino profissional em todo o país, definir
suas bases pedagógicas e as normas gerais de funcionamento das escolas. (CIAVATTA,
2007, p. 226)
Não há como negar que as escolas industriais e o surgimento do sistema S (SENAI, SENAC,
SESC, SESI entre outros) foram responsáveis pela expansão e manutenção da educação profissional
no Brasil. No entanto, alguns autores (CIAVATTA, 2007; FRIGOTTO, 1999) questionam o
modelo de educação profissional que se tornou vigente devido às necessidades da indústria.
Durante todo o século XX se percebe que devido à especificidade técnica da formação, pelo
caráter hegemônico da presença dos industriais e pela ausência de um projeto educacional que
articulasse a cultura da escola com a cultura do trabalho, prevalecem, na educação profissional e
tecnológica, os objetivos operacionais de preparação para o mercado de trabalho.
As escolas técnicas/profissionalizantes procuravam atender somente às necessidades
empresariais e restringia-se
à formação para o trabalho simples, ao adestramento ou à conformação disciplinar para o
trabalho flexível, a cooperação, a aceitação agradecida do “welfare empresarial” expresso
em cafés da manhã com as chefias, confidenciamento das práticas do trabalho, subsídios
para a educação dos filhos, planos de saúde, o distanciamento da organização sindical,
confinamento ideológico às necessidades e valores do mercado expressos em “vestir a
camisa da empresa”, pertencer à “família da fábrica”. (CIAVATTA, 2007, p. 227)
Ações como estas pretendiam vendar os olhos dos trabalhadores de modo a se criar um
vínculo de gratidão e subserviência destes ao patrão. Criava-se a ilusão de um emprego feliz e
harmonioso em que os trabalhadores não percebiam seus direitos. A situação toda era controlada
pelas estruturas de poder e sob grande influência do governo de ditadura militar, vigente no Brasil,
de 1964 a 1985, que continha a mesma essência junto ao povo.
Enquanto isso, a dicotomia entre educação e trabalho piorou ainda mais com a Lei n.º
9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e o Decreto-lei n.º 2.208/97 que
separavam o ensino médio da educação profissional. À época, o Ministério da Educação veiculava
na mídia que, a partir de então, o Ensino Médio seria para a vida, “em contraposição à proposta
anterior, que supostamente, ao preparar para o trabalho, não preparava para a vida” (KUENZER,
2000, p. 16)
A dualidade, desde sempre presente no histórico do ensino profissional, novamente se
expressa, separando o pensar e o fazer, a ciência e a tecnologia, a prática e a teoria,
encoberta pelo discurso modernizante que enfatiza, ao se referir à organização curricular, a
instrumentalidade das disciplinas científicas para com as disciplinas de base tecnológica,
enquanto que, do ponto de vista da organização do sistema educacional, cria um sistema
paralelo ao regular, fragmentando e diferenciando as formações (SOARES, 2004, p. 107).
Somente sete anos depois, após muitas discussões dos educadores sobre as políticas públicas
educacionais é que se revogou este decreto e surgiu o Decreto-lei n.º 5.154/2004, que novamente
articula o ensino médio à educação profissional. Esta articulação se dá por meio do oferecimento do
ensino médio junto a um curso do ensino técnico, na busca e romper com a dualidade existente
entre a educação básica e a educação profissional. Pois, durante muitas décadas, ao senso comum
ficou a impressão de que a educação básica prepara o indivíduo para o vestibular e para o
academicismo do Ensino Superior, enquanto a educação profissional se restringe ao oferecimento
de qualificação para o mundo do trabalho para aqueles que não tinham a oportunidade de acesso ao
Ensino Superior. Afinal, conforme relata Soares (2004), este foi o pensamento vigente, durante toda
a década de 1990, nas discussões para a estruturação do ensino técnico propostas pelo Decreto n.º
2.208/97.
É perceptível que a educação tende a reproduzir e manter a estrutura do mundo produtivo,
criando uma educação profissionalizante para o trabalhador e outra propedêutica, para os dirigentes.
Segundo Kuenzer (2001) e Frigoto, Ciavatta e Ramos, (2005), esse dualismo na educação brasileira
demonstra a contradição evidente entre o capital e o trabalho na educação profissional.
Ainda comentando sobre as políticas públicas de educação profissional implantadas em nosso
país, no fim do ano de 2008, criou-se os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, pelo
Decreto-lei n. 11.892/2008. Desse modo, diversos Centros Federais de Educação Tecnológica
(CEFETs), criados pelo Decreto n. 2.208/97, se equipararam às universidades federais. Para
Pacheco, Pereira e Domingos (2010), o governo acredita que esta ação valoriza a educação
profissional e suas instituições públicas, além de buscar institucionalizar definitivamente este nível
de educação como política pública.
No entanto, ainda são necessárias maiores discussões para que essa institucionalização seja
aceita em toda a sociedade. Um passo dado para promover esse novo entendimento à sociedade são
as reportagens, campanhas e propagandas, divulgadas pela mídia, que o melhor que as pessoas têm
a fazer é ingressar em cursos técnicos e tecnológicos (ideia de cursos mais rápidos que os de
graduação e com mais garantia de emprego).
E mesmo almejando a transformação da educação profissional para um ensino pautado na
criticidade e em valores intelectuais dos profissionais formados, percebe-se que o capitalismo ainda
sustenta um modelo produtivo da busca por trabalhadores qualificados para atuar em suas funções
profissionais, porém sem capacidade de pensamento e mobilização por melhorias nessas condições
atuais.
A fim de combater este pensamento capitalista e mercantilista, torna-se necessário buscar um
sistema didático-pedagógico em que conhecimento, ações e comportamentos sejam utilizados para
promover o desenvolvimento das capacidades intelectuais de jovens e adultos. Esta prática
favorecerá para que estes indivíduos se tornem protagonistas da construção de sua própria
aprendizagem.
Dias e Gonçalves (2005) reiteram que não basta mudar a forma de condução das aulas, inserir
ou retirar conteúdos contidos no currículo escolar para mudar a prática pedagógica. “Romper com
velhos paradigmas implica rever um conjunto de conceitos, concepções e atitudes que, em conjunto,
alicerçam o cotidiano das interações humanas.” (Ibid., p. 286). E para romper paradigmas cabe uma
modificação na maneira de se conceber a educação. Mudanças que devem se iniciar na formação
inicial dos futuros professores que estarão à frente da formação dos estudantes do Ensino Médio e
de futuros profissionais técnicos.
Cada planejamento de aula, produção de material didático, estudo aprofundado de temáticas
educacionais ou quaisquer outros instrumentos de uso do professor capazes de ampliar a criticidade
de nossos educandos é um passo para uma educação realmente preparatória para a vida e para a
cidadania. É preciso humanizar a educação profissional e combater o tecnicismo ainda vigente. E
pensando na construção do pensamento crítico, o movimento CTS torna-se fundamental para
promover discussões sobre as escolhas que o ser humano vem fazendo e a influência destas para o
nosso futuro em sociedade.
3. O enfoque CTS na educação profissional para a formação crítica de indivíduos
A abordagem CTS no contexto educativo apresenta-se como uma das novas formas para se
minimizar paradigmas capitalistas e gerar a autonomia profissional crítica em indivíduos
(PINHEIRO; SILVEIRA; BAZZO, 2007). Além disso, é um recurso para mostrar as limitações e a
serventia da Ciência e da Tecnologia, não para desqualificar o conhecimento, mas para
desmistificar concepções. (CEREZO, 2004).
O movimento CTS, surgido em meados de 1960/1970, tinha por objetivo rever a concepção
clássica das relações e interações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade representada pelo modelo
linear/tradicional de progresso: DC  DT  DE  DS1. (Auler, 2007). Este período foi marcado
por grandes revoluções científicas e tecnológicas que geraram produtos, principalmente, por meio
da II Grande Guerra Mundial. O trabalho da ciência na produção de bombas atômicas e da
tecnologia na promoção da Revolução Verde2 na agricultura levou diversos estudiosos,
pesquisadores e ativistas a refletirem sobre o papel da ciência e tecnologia. Afinal a favor de quem
esses trabalhos e pesquisas estavam sendo desenvolvidos?
Observando o contexto em que emergiu o movimento CTS, nota-se sua forte conotação
político-ideológica, não por se manifestar como contrário à tecnologia, mas sim contra um modelo
específico de desenvolvimento tecnológico (FOUREZ, 1997, apud SANTOS, 2008) e a favor de um
real bem estar social coletivo.
É pautado nestes fundamentos do movimento CTS, de conhecer os fatos científicos, discutir
as situações sociais vigentes e em prol de quem se faz o desenvolvimento científico e tecnológico,
que acredito que os cursos de educação profissional devam focar seus currículos.
Trabalhando há seis anos com a educação profissional e ao concluir ao fim do ano passado
(2010) uma pesquisa que teve por objeto de estudo os alunos de um curso técnico em Agricultura 3
pude notar que, por diversas vezes, falhamos no objetivo de fornecer uma formação integral e
crítica a nossos estudantes do ensino técnico.
A pesquisa indicou que continuamos atendendo demandas de mercado e que formamos
profissionais com a visão do sistema capitalista e neoliberalista (BARBOSA, 2010). O estudo de
caso demonstrou que os técnicos agrícolas formados pela instituição recebem toda uma qualificação
para trabalhar em prol do Agronegócio mato-grossense, setor que alavanca a economia deste estado;
porém não há grandes preocupações em divulgar sobre a agroecologia, agricultura sustentável ou
1
Neste modelo linear, o desenvolvimento científico (DC) gera o desenvolvimento tecnológico (DT); que gera o
desenvolvimento econômico (DE); e este determina, por sua vez, o desenvolvimento social (DS – bem-estar social).
2
A “Revolução Verde” foi um programa difundido pelos americanos, em meados de 1960, que utilizavam novas
tecnologias baseadas na genética vegetal, criação e multiplicação de sementes resistentes a doenças e pragas; além de
técnicas agrícolas modernas e eficientes para aumentar a produtividade e a produção de grãos.
3
Trata-se da dissertação “O técnico agrícola e a educação ambiental: diálogos e reflexões em busca da
problematização e superação de situações-limites” (2010) realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS.
discutir sobre a influência do desenvolvimento deste setor produtivo na vida da população 4. Outro
dado relevante é a posição que alguns dos estudantes assumiram durante a pesquisa. Foi possível
perceber a apatia e a falta de hábito de leitura de textos e de práticas de reflexão e discussão
coletiva. Muitos deles se abstiveram de participar deste momento criado para refletir sobre o papel
do técnico agrícola como educador ambiental, caracterizando aquilo que Paulo Freire (2005)
denominou como “cultura do silêncio”; ocasião que “sugere uma estrutura constituinte do mutismo
ante a força esmagadora de „situações-limites‟, em face dos quais o óbvio é a adaptação” (Ibid., p.
112).
Situações como as relatadas acima é que me fizeram refletir sobre quais são as práticas
pedagógicas e conteúdos que estão sendo trabalhados em sala de aula em cursos
técnicos/tecnológicos. Criticamos tanto o modelo antes desenvolvido de somente formar mão-deobra; defendemos aquilo que se prega nas Diretrizes Curriculares de Educação Profissional e
Tecnológica de, na posição de professores, ajudarmos na formação de cidadãos críticos e pensantes
que sejam capazes de modificar a estrutura do sistema produtivo vigente. No entanto ainda
demonstramos a fragilidade de nossas ações.
Talvez isso ocorra por nós mesmos, como docentes, não estarmos preparados para a discussão
do enfoque CTS. Será que temos consciência da opressão e esmagamento que o sistema capitalista
tem causado à sociedade? Será que já refletimos sobre o papel do trabalho, da ciência e da
tecnologia na vida humana individual e coletiva? Temos levado para sala de aula as discussões
sobre atualidades, como a construção da Usina de Belo Monte/PA ou as causas das enchentes e
deslizamentos de morros no Rio de Janeiro? Discutimos sobre o porquê da existência de Usinas
nucleares no Brasil e relacionamo-las com a situação da Usina de Fukushima, no Japão? Alguém
discute em sala de aula sobre os riscos de segurança alimentar pelo consumo que temos feito de
alimentos transgênicos? Nossos estudantes sabem o que são e que consomem organismos
geneticamente modificados? Ou será que somente estamos passando os dias e aceitando tudo o que
a mídia nos diz?
Só se desenvolve senso de criticidade nos alunos se o professor despertar em si mesmo o
senso crítico. Só se desenvolve senso crítico quando se faz uma leitura do todo e a
integração e relação entre suas diferentes partes. Para isso, é necessária muita leitura e
análise, para que possa inserir o trabalho na perspectiva da construção de um projeto de
futuro para a humanidade e o planeta. O educador deve promover situações para que o
conhecimento seja contextualizado e significativo, trabalhando assim com temas atuais,
reais e próximos dos estudantes, que abordem as relações de homens e mulheres com o
mundo (JULIO; BERGAMASHI, 2009, p 3).
4
Estes resultados foram obtidos por meio de análise do desenho curricular do curso em questão. Não foram feitas
observações das aulas ministradas em sala. Assim, os resultados indicam dados do currículo prescrito, e não do
currículo em ação.
A ciência e a tecnologia, assim como a educação, não são neutras e nem apolíticas. Desse
modo, pode-se conceber o enfoque CTS com uma perspectiva freireana da pedagogia críticoemancipatória a fim de possibilitar a formação de uma consciência crítica do indivíduo, aquilo que
“Freire denominou de nível de consciência máxima possível” (Auler, 2007, p. 183, grifo do autor).
A figura 01 traz um esquema que indica os objetivos de cada uma das duas perspectivas
(pedagogia freireana e movimento CTS) e suas convergências. Quando Paulo Freire propõe a
necessidade de uma leitura crítica do mundo por parte dos indivíduos, esse processo compreende a
compreensão das relações ciência, tecnologia e sociedade. Sendo assim, também na superação da
“cultura do silêncio”, em que o indivíduo precisa se perceber como parte da realidade e agente
transformador dela, isso também implica na superação de um modelo tecnocrático; ou seja, as
decisões sobre o uso da tecnologia e ciência não estão restritas a um pequeno grupo de cientistas.
Elas precisam ser discutidas e decididas por toda a sociedade.
“Leitura crítica da
realidade”
FREIRE
SUPERAÇÃO DA
“CULTURA DO SILÊNCIO”:
Ser humano  Sujeito e não
objeto histórico
Compreensão crítica sobre
interações entre CTS
CTS
SUPERAÇÃO DO MODELO DE
DECISÕES TECNOCRÁTICAS:
Democratização das decisões
em temas envolvendo CT
Figura 01 – Esquema da aproximação entre as ideias de Paulo Freire e o movimento CTS. (Auler, 2007, p. 184)
Outro ponto de convergência existente entre as ideias de Paulo Freire e o movimento CTS é
no que diz respeito aos temas a serem trabalhados com os educandos. Paulo Freire defende que os
temas devem ser contextualizados e sair da realidade do indivíduo. Desse modo, o indivíduo se
perceberá mais facilmente como parte do meio. Já o enfoque CTS na educação fundamenta que os
temas a serem trabalhados devem ter origem social
Ramsey (1993, apud AULER; DALMOLIN; FENALTI, 2009) explica que um tema social
com abordagem CTS deve obedecer a três critérios: a) deve ser controverso, isto é, gerar opiniões
diferentes a seu respeito e solução, b) deve ter significado social e, c) deve abarcar uma
problemática relacionada à ciência e tecnologia.
Destarte, apesar de apresentarem diferenças quanto ao surgimento desses temas, visto que
Paulo Freire defende o processo de investigação temática (em que os próprios educandos tornam-se
responsáveis pela seleção dos temas geradores), nota-se algumas semelhanças entre a condução das
duas metodologias e objetivos a serem alcançados ao fim de cada uma.
Assim, observando os objetivos da educação profissional, os valores neoliberais do mundo
atual e a rápida evolução científico-tecnológica que presenciamos, é fundamental realizar
discussões e reflexões críticas em sala de aula que propiciem desvelar a condição humana. “Não se
trata de uma educação contra o uso da tecnologia e nem uma educação para o uso, mas uma
educação em que os alunos possam refletir sobre a sua condição no mundo frente aos desafios
postos pela ciência e tecnologia” (SANTOS, 2008, p. 122).
4. Considerações finais
Na tessitura deste trabalho foi possível verificar que para alcançarmos os objetivos propostos
pela legislação e políticas públicas da educação profissional é preciso desenvolver em nossos
estudantes não somente a capacidade técnica que lhes permitirá uma formação profissional. É
preciso instigá-los a compreender a realidade vigente para a ampliação de sua consciência crítica.
Para isso, os princípios propostos pelo movimento CTS, de discutir sobre o papel da ciência e
tecnologia e sua relação com a sociedade, caracterizam-se como primordiais aos currículos dos
cursos de ensino técnico/tecnológico. Pois é preciso que estes indivíduos sejam capazes de decidir
por si só sobre os produtos tecnológicos existentes e os rumos que a ciência está tomando.
A inserção deste enfoque nos currículos é “apenas o despertar inicial no aluno, com o intuito
de que ele possa vir a assumir essa postura questionadora e crítica num futuro próximo. Isso implica
dizer que a aplicação da postura CTS ocorre não somente dentro da escola, mas, também, extramuros” (PINHEIRO; SILVEIRA; BAZZO, 2007, p. 77).
No entanto, convém ressaltar que para que este enfoque seja realizado em sala de aula é
preciso investir mais na formação inicial e continuada dos professores da educação profissional.
Torna-se fundamental a ampliação de pesquisas e estudos sobre como esta formação está ocorrendo
e sobre as concepções CTS dos docentes desta modalidade de ensino. Assim será possível que mais
um passo seja dado em busca de uma sociedade participativa na tomada de decisões sobre assuntos
científico-tecnológicos.
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Ciência, Tecnologia e Sociedade e a Educação