Ciência, Tecnologia e Sociedade e a Educação Profissional e Tecnológica: a relevância do enfoque CTS para uma formação humanista e integral Science, Technology and Society and the Professional and Technological Education: The importance of the STS view to humanistic and integral formation Leila Cristina Aoyama Barbosa Bióloga, mestre em Ensino de Ciências, UFMS Escola Técnica Estadual de Rondonópolis/MT [email protected] RESUMO: A partir de uma breve análise acerca da evolução histórica da educação profissional no Brasil, o texto tem por objetivo discutir a necessidade da formação de uma consciência crítica nos estudantes destes cursos a fim de que se tornem capazes de refletir sobre o papel da ciência e tecnologia frente à sociedade. Por meio de uma revisão bibliográfica sobre os objetivos do movimento CTS no campo educacional e sua articulação com a pedagogia libertadora de Paulo Freire, busca-se avaliar a relevância do desenvolvimento desta temática junto aos cursos técnicos/tecnológicos para uma formação humanista de nossos alunos, que não privilegie somente o sistema de produção vigente, mas, sim, o bem estar social e coletivo. Palavras-chave: CTS, Paulo Freire, Educação científica e tecnológica, Aspecto sócio-científico. ABSTRACT: From a brief analysis about the historical evolution of professional education in Brazil, the text aims to discuss the necessity of forming a critical consciousness in students of these courses in order to become able to reflect on the role of science and technology to society. Through a literature review on the CTS movement's goals in the educational field and its articulation with the “Pedagogy for Liberation” of Paulo Freire, we seek to evaluate the relevance of developing this theme with students technical courses and technological courses for a humanistic education them, who not only favors the current production system, but rather the welfare state social and collective. Keywords: STS, Paulo Freire, Scientific and technological education, socioscientific issues. 1. Introdução A última campanha eleitoral para a Presidência da República do país trouxe, nas plataformas de governo dos principais candidatos, no que condiz à educação e emprego, a promessa de mais investimento nos cursos da educação profissional e tecnológica como uma possível solução. Anterior a este fato, tivemos à frente de nosso país, por oito anos, um presidente da República que, sem ter curso de nível superior, chegou ao poder possuindo como formação profissional um curso técnico em metalurgia. Por acreditar no potencial de cursos do ensino técnico, Luís Inácio Lula da Silva, buscou por maneiras de valorizar esta modalidade de educação sempre tão marginalizada pela sociedade. Para isso, modificou as políticas públicas vigentes aprovando o Decreto-lei n.º 5.154/2004, que novamente integrou o ensino médio ao ensino técnico. Além disso, foi em seu governo que se iniciou o plano de expansão da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica e a transformação dos antigos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs). Com essa ampliação dos cursos da educação profissional e tecnológica, sejam eles cursos técnicos ou tecnológicos, restam-nos questionamentos de como está ocorrendo a formação desses alunos para atuarem nas diversas áreas profissionais e como os professores desta modalidade de educação são preparados para atuarem nesta função. Entendemos que, devido às diversas áreas de formação profissional contempladas pelos cursos técnicos e tecnológicos (o catálogo nacional de cursos técnicos traz 12 eixos tecnológicos), nem todos os professores possuem formação específica para tal função. Muitos deles não possuem uma formação em licenciatura e acabam por ir “aprendendo a dar aulas” de acordo com suas experiências como aluno ou conforme vão adquirindo-a na carreira de docente. O parecer CEB/CNE n.º 16/99 ratifica que os cursos da educação profissional, seguindo caminhos diferentes daqueles traçados por seus primórdios, devem se pautar na ética e cidadania para fornecer aos seus estudantes uma formação integral. Para tanto, o estudante deve ser estimulado ao pensamento, de modo a desenvolver sua criticidade. Não queremos repetir os exemplos do famoso filme de Charles Chaplin, Tempos Modernos, em que o trabalhador era somente uma mão-de-obra. É preciso que as pessoas pensem nas ações que executam em seu trabalho. E, mais do que isso, torna-se necessário que pensem como ser social que faz parte de um grupo coletivo; que sejam indivíduos capazes de tomar decisões e que assumam os riscos e conseqüências de suas escolhas. Baseado nessas premissas, este artigo busca fazer uma reflexão sobre as possibilidades de uma formação humanista e crítico-cidadã aos estudantes de cursos da educação profissional, gerada pela introdução de atividades, competências/habilidades e projetos interdisciplinares com ênfase em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), movimento que visa tanto à alfabetização científica quanto à participação dos cidadãos nos assuntos tecnocientíficos de interesse social. Por meio de uma pequena revisão bibliográfica, que relaciona o movimento CTS com algumas ideias do educador Paulo Freire, será tecido alguns comentários sobre a prática docente em cursos técnicos desta autora e suas percepções da realidade em que se vive em sala de aula. Com base nestas experiências docentes, acredito que a utilização de uma abordagem CTS possa modificar a situação vivenciada em cursos técnicos/tecnológicos e iniciar novos caminhos mais bem sucedidos na busca de cumprir o que dizem as legislações e políticas da educação profissional: fazer de nossos estudantes seres pensantes e lhes dar o direito de discutir os temas polêmicos do mundo atual e de tomar decisões sobre estas situações. 2. A educação profissional do século XXI A noção de trabalho foi se modificando e consolidando de acordo com as sociedades e ideologias vigentes no decorrer do tempo e do espaço. Manfredi (2002) aponta que os humanos, ao longo dos tempos, utilizando as matérias-prima disponibilizadas pelo ambiente, aprenderam a desenvolver instrumentos úteis à sua vida com maestria, arte e praticidade, e os saberes eram repassados de geração para geração. Desde a época da sociedade feudal mantém-se a divisão de trabalho entre aqueles que servem e aqueles que têm poder. A partir da Revolução Industrial, ocorrida no fim do século XVIII, a educação profissional se consolida como instrumento para a formação de mão de obra. Para Frigotto (1999), o advento do capitalismo alterou o vínculo entre trabalho produtivo e educação. Além disso, ele determinou as regras sobre valores, ideias, teorias, símbolos e instituições, entre as quais a escola se destaca como espaço de produção e reprodução de conhecimentos, atitudes, ideologias e teorias que justificam o novo modo de produção. Observando a cronologia de desenvolvimento da educação profissional no Brasil, nota-se que esta modalidade de ensino sempre foi marginalizada e entendida como uma educação para os desvalidos da fortuna, ou seja, os pobres. A formação profissional no Brasil nasceu primeiro de uma visão moralista do trabalho assistencialista da educação de órfãos e desamparados no início do século XX com o Decreto n.º 7.566/1909 do Presidente Nilo Peçanha, que criou as Escolas de Aprendizes Artífices nos estados da Federação. O segundo momento que marca seu caráter de ensino industrial foi a criação do SENAI, dirigido pela Confederação Nacional da Indústria, através do Decreto-lei n.º 4.048/1942; e a Lei Orgânica do Ensino Industrial, Decreto-lei n.º 4.073/1942, que veio unificar a organização do ensino profissional em todo o país, definir suas bases pedagógicas e as normas gerais de funcionamento das escolas. (CIAVATTA, 2007, p. 226) Não há como negar que as escolas industriais e o surgimento do sistema S (SENAI, SENAC, SESC, SESI entre outros) foram responsáveis pela expansão e manutenção da educação profissional no Brasil. No entanto, alguns autores (CIAVATTA, 2007; FRIGOTTO, 1999) questionam o modelo de educação profissional que se tornou vigente devido às necessidades da indústria. Durante todo o século XX se percebe que devido à especificidade técnica da formação, pelo caráter hegemônico da presença dos industriais e pela ausência de um projeto educacional que articulasse a cultura da escola com a cultura do trabalho, prevalecem, na educação profissional e tecnológica, os objetivos operacionais de preparação para o mercado de trabalho. As escolas técnicas/profissionalizantes procuravam atender somente às necessidades empresariais e restringia-se à formação para o trabalho simples, ao adestramento ou à conformação disciplinar para o trabalho flexível, a cooperação, a aceitação agradecida do “welfare empresarial” expresso em cafés da manhã com as chefias, confidenciamento das práticas do trabalho, subsídios para a educação dos filhos, planos de saúde, o distanciamento da organização sindical, confinamento ideológico às necessidades e valores do mercado expressos em “vestir a camisa da empresa”, pertencer à “família da fábrica”. (CIAVATTA, 2007, p. 227) Ações como estas pretendiam vendar os olhos dos trabalhadores de modo a se criar um vínculo de gratidão e subserviência destes ao patrão. Criava-se a ilusão de um emprego feliz e harmonioso em que os trabalhadores não percebiam seus direitos. A situação toda era controlada pelas estruturas de poder e sob grande influência do governo de ditadura militar, vigente no Brasil, de 1964 a 1985, que continha a mesma essência junto ao povo. Enquanto isso, a dicotomia entre educação e trabalho piorou ainda mais com a Lei n.º 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e o Decreto-lei n.º 2.208/97 que separavam o ensino médio da educação profissional. À época, o Ministério da Educação veiculava na mídia que, a partir de então, o Ensino Médio seria para a vida, “em contraposição à proposta anterior, que supostamente, ao preparar para o trabalho, não preparava para a vida” (KUENZER, 2000, p. 16) A dualidade, desde sempre presente no histórico do ensino profissional, novamente se expressa, separando o pensar e o fazer, a ciência e a tecnologia, a prática e a teoria, encoberta pelo discurso modernizante que enfatiza, ao se referir à organização curricular, a instrumentalidade das disciplinas científicas para com as disciplinas de base tecnológica, enquanto que, do ponto de vista da organização do sistema educacional, cria um sistema paralelo ao regular, fragmentando e diferenciando as formações (SOARES, 2004, p. 107). Somente sete anos depois, após muitas discussões dos educadores sobre as políticas públicas educacionais é que se revogou este decreto e surgiu o Decreto-lei n.º 5.154/2004, que novamente articula o ensino médio à educação profissional. Esta articulação se dá por meio do oferecimento do ensino médio junto a um curso do ensino técnico, na busca e romper com a dualidade existente entre a educação básica e a educação profissional. Pois, durante muitas décadas, ao senso comum ficou a impressão de que a educação básica prepara o indivíduo para o vestibular e para o academicismo do Ensino Superior, enquanto a educação profissional se restringe ao oferecimento de qualificação para o mundo do trabalho para aqueles que não tinham a oportunidade de acesso ao Ensino Superior. Afinal, conforme relata Soares (2004), este foi o pensamento vigente, durante toda a década de 1990, nas discussões para a estruturação do ensino técnico propostas pelo Decreto n.º 2.208/97. É perceptível que a educação tende a reproduzir e manter a estrutura do mundo produtivo, criando uma educação profissionalizante para o trabalhador e outra propedêutica, para os dirigentes. Segundo Kuenzer (2001) e Frigoto, Ciavatta e Ramos, (2005), esse dualismo na educação brasileira demonstra a contradição evidente entre o capital e o trabalho na educação profissional. Ainda comentando sobre as políticas públicas de educação profissional implantadas em nosso país, no fim do ano de 2008, criou-se os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, pelo Decreto-lei n. 11.892/2008. Desse modo, diversos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), criados pelo Decreto n. 2.208/97, se equipararam às universidades federais. Para Pacheco, Pereira e Domingos (2010), o governo acredita que esta ação valoriza a educação profissional e suas instituições públicas, além de buscar institucionalizar definitivamente este nível de educação como política pública. No entanto, ainda são necessárias maiores discussões para que essa institucionalização seja aceita em toda a sociedade. Um passo dado para promover esse novo entendimento à sociedade são as reportagens, campanhas e propagandas, divulgadas pela mídia, que o melhor que as pessoas têm a fazer é ingressar em cursos técnicos e tecnológicos (ideia de cursos mais rápidos que os de graduação e com mais garantia de emprego). E mesmo almejando a transformação da educação profissional para um ensino pautado na criticidade e em valores intelectuais dos profissionais formados, percebe-se que o capitalismo ainda sustenta um modelo produtivo da busca por trabalhadores qualificados para atuar em suas funções profissionais, porém sem capacidade de pensamento e mobilização por melhorias nessas condições atuais. A fim de combater este pensamento capitalista e mercantilista, torna-se necessário buscar um sistema didático-pedagógico em que conhecimento, ações e comportamentos sejam utilizados para promover o desenvolvimento das capacidades intelectuais de jovens e adultos. Esta prática favorecerá para que estes indivíduos se tornem protagonistas da construção de sua própria aprendizagem. Dias e Gonçalves (2005) reiteram que não basta mudar a forma de condução das aulas, inserir ou retirar conteúdos contidos no currículo escolar para mudar a prática pedagógica. “Romper com velhos paradigmas implica rever um conjunto de conceitos, concepções e atitudes que, em conjunto, alicerçam o cotidiano das interações humanas.” (Ibid., p. 286). E para romper paradigmas cabe uma modificação na maneira de se conceber a educação. Mudanças que devem se iniciar na formação inicial dos futuros professores que estarão à frente da formação dos estudantes do Ensino Médio e de futuros profissionais técnicos. Cada planejamento de aula, produção de material didático, estudo aprofundado de temáticas educacionais ou quaisquer outros instrumentos de uso do professor capazes de ampliar a criticidade de nossos educandos é um passo para uma educação realmente preparatória para a vida e para a cidadania. É preciso humanizar a educação profissional e combater o tecnicismo ainda vigente. E pensando na construção do pensamento crítico, o movimento CTS torna-se fundamental para promover discussões sobre as escolhas que o ser humano vem fazendo e a influência destas para o nosso futuro em sociedade. 3. O enfoque CTS na educação profissional para a formação crítica de indivíduos A abordagem CTS no contexto educativo apresenta-se como uma das novas formas para se minimizar paradigmas capitalistas e gerar a autonomia profissional crítica em indivíduos (PINHEIRO; SILVEIRA; BAZZO, 2007). Além disso, é um recurso para mostrar as limitações e a serventia da Ciência e da Tecnologia, não para desqualificar o conhecimento, mas para desmistificar concepções. (CEREZO, 2004). O movimento CTS, surgido em meados de 1960/1970, tinha por objetivo rever a concepção clássica das relações e interações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade representada pelo modelo linear/tradicional de progresso: DC DT DE DS1. (Auler, 2007). Este período foi marcado por grandes revoluções científicas e tecnológicas que geraram produtos, principalmente, por meio da II Grande Guerra Mundial. O trabalho da ciência na produção de bombas atômicas e da tecnologia na promoção da Revolução Verde2 na agricultura levou diversos estudiosos, pesquisadores e ativistas a refletirem sobre o papel da ciência e tecnologia. Afinal a favor de quem esses trabalhos e pesquisas estavam sendo desenvolvidos? Observando o contexto em que emergiu o movimento CTS, nota-se sua forte conotação político-ideológica, não por se manifestar como contrário à tecnologia, mas sim contra um modelo específico de desenvolvimento tecnológico (FOUREZ, 1997, apud SANTOS, 2008) e a favor de um real bem estar social coletivo. É pautado nestes fundamentos do movimento CTS, de conhecer os fatos científicos, discutir as situações sociais vigentes e em prol de quem se faz o desenvolvimento científico e tecnológico, que acredito que os cursos de educação profissional devam focar seus currículos. Trabalhando há seis anos com a educação profissional e ao concluir ao fim do ano passado (2010) uma pesquisa que teve por objeto de estudo os alunos de um curso técnico em Agricultura 3 pude notar que, por diversas vezes, falhamos no objetivo de fornecer uma formação integral e crítica a nossos estudantes do ensino técnico. A pesquisa indicou que continuamos atendendo demandas de mercado e que formamos profissionais com a visão do sistema capitalista e neoliberalista (BARBOSA, 2010). O estudo de caso demonstrou que os técnicos agrícolas formados pela instituição recebem toda uma qualificação para trabalhar em prol do Agronegócio mato-grossense, setor que alavanca a economia deste estado; porém não há grandes preocupações em divulgar sobre a agroecologia, agricultura sustentável ou 1 Neste modelo linear, o desenvolvimento científico (DC) gera o desenvolvimento tecnológico (DT); que gera o desenvolvimento econômico (DE); e este determina, por sua vez, o desenvolvimento social (DS – bem-estar social). 2 A “Revolução Verde” foi um programa difundido pelos americanos, em meados de 1960, que utilizavam novas tecnologias baseadas na genética vegetal, criação e multiplicação de sementes resistentes a doenças e pragas; além de técnicas agrícolas modernas e eficientes para aumentar a produtividade e a produção de grãos. 3 Trata-se da dissertação “O técnico agrícola e a educação ambiental: diálogos e reflexões em busca da problematização e superação de situações-limites” (2010) realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. discutir sobre a influência do desenvolvimento deste setor produtivo na vida da população 4. Outro dado relevante é a posição que alguns dos estudantes assumiram durante a pesquisa. Foi possível perceber a apatia e a falta de hábito de leitura de textos e de práticas de reflexão e discussão coletiva. Muitos deles se abstiveram de participar deste momento criado para refletir sobre o papel do técnico agrícola como educador ambiental, caracterizando aquilo que Paulo Freire (2005) denominou como “cultura do silêncio”; ocasião que “sugere uma estrutura constituinte do mutismo ante a força esmagadora de „situações-limites‟, em face dos quais o óbvio é a adaptação” (Ibid., p. 112). Situações como as relatadas acima é que me fizeram refletir sobre quais são as práticas pedagógicas e conteúdos que estão sendo trabalhados em sala de aula em cursos técnicos/tecnológicos. Criticamos tanto o modelo antes desenvolvido de somente formar mão-deobra; defendemos aquilo que se prega nas Diretrizes Curriculares de Educação Profissional e Tecnológica de, na posição de professores, ajudarmos na formação de cidadãos críticos e pensantes que sejam capazes de modificar a estrutura do sistema produtivo vigente. No entanto ainda demonstramos a fragilidade de nossas ações. Talvez isso ocorra por nós mesmos, como docentes, não estarmos preparados para a discussão do enfoque CTS. Será que temos consciência da opressão e esmagamento que o sistema capitalista tem causado à sociedade? Será que já refletimos sobre o papel do trabalho, da ciência e da tecnologia na vida humana individual e coletiva? Temos levado para sala de aula as discussões sobre atualidades, como a construção da Usina de Belo Monte/PA ou as causas das enchentes e deslizamentos de morros no Rio de Janeiro? Discutimos sobre o porquê da existência de Usinas nucleares no Brasil e relacionamo-las com a situação da Usina de Fukushima, no Japão? Alguém discute em sala de aula sobre os riscos de segurança alimentar pelo consumo que temos feito de alimentos transgênicos? Nossos estudantes sabem o que são e que consomem organismos geneticamente modificados? Ou será que somente estamos passando os dias e aceitando tudo o que a mídia nos diz? Só se desenvolve senso de criticidade nos alunos se o professor despertar em si mesmo o senso crítico. Só se desenvolve senso crítico quando se faz uma leitura do todo e a integração e relação entre suas diferentes partes. Para isso, é necessária muita leitura e análise, para que possa inserir o trabalho na perspectiva da construção de um projeto de futuro para a humanidade e o planeta. O educador deve promover situações para que o conhecimento seja contextualizado e significativo, trabalhando assim com temas atuais, reais e próximos dos estudantes, que abordem as relações de homens e mulheres com o mundo (JULIO; BERGAMASHI, 2009, p 3). 4 Estes resultados foram obtidos por meio de análise do desenho curricular do curso em questão. Não foram feitas observações das aulas ministradas em sala. Assim, os resultados indicam dados do currículo prescrito, e não do currículo em ação. A ciência e a tecnologia, assim como a educação, não são neutras e nem apolíticas. Desse modo, pode-se conceber o enfoque CTS com uma perspectiva freireana da pedagogia críticoemancipatória a fim de possibilitar a formação de uma consciência crítica do indivíduo, aquilo que “Freire denominou de nível de consciência máxima possível” (Auler, 2007, p. 183, grifo do autor). A figura 01 traz um esquema que indica os objetivos de cada uma das duas perspectivas (pedagogia freireana e movimento CTS) e suas convergências. Quando Paulo Freire propõe a necessidade de uma leitura crítica do mundo por parte dos indivíduos, esse processo compreende a compreensão das relações ciência, tecnologia e sociedade. Sendo assim, também na superação da “cultura do silêncio”, em que o indivíduo precisa se perceber como parte da realidade e agente transformador dela, isso também implica na superação de um modelo tecnocrático; ou seja, as decisões sobre o uso da tecnologia e ciência não estão restritas a um pequeno grupo de cientistas. Elas precisam ser discutidas e decididas por toda a sociedade. “Leitura crítica da realidade” FREIRE SUPERAÇÃO DA “CULTURA DO SILÊNCIO”: Ser humano Sujeito e não objeto histórico Compreensão crítica sobre interações entre CTS CTS SUPERAÇÃO DO MODELO DE DECISÕES TECNOCRÁTICAS: Democratização das decisões em temas envolvendo CT Figura 01 – Esquema da aproximação entre as ideias de Paulo Freire e o movimento CTS. (Auler, 2007, p. 184) Outro ponto de convergência existente entre as ideias de Paulo Freire e o movimento CTS é no que diz respeito aos temas a serem trabalhados com os educandos. Paulo Freire defende que os temas devem ser contextualizados e sair da realidade do indivíduo. Desse modo, o indivíduo se perceberá mais facilmente como parte do meio. Já o enfoque CTS na educação fundamenta que os temas a serem trabalhados devem ter origem social Ramsey (1993, apud AULER; DALMOLIN; FENALTI, 2009) explica que um tema social com abordagem CTS deve obedecer a três critérios: a) deve ser controverso, isto é, gerar opiniões diferentes a seu respeito e solução, b) deve ter significado social e, c) deve abarcar uma problemática relacionada à ciência e tecnologia. Destarte, apesar de apresentarem diferenças quanto ao surgimento desses temas, visto que Paulo Freire defende o processo de investigação temática (em que os próprios educandos tornam-se responsáveis pela seleção dos temas geradores), nota-se algumas semelhanças entre a condução das duas metodologias e objetivos a serem alcançados ao fim de cada uma. Assim, observando os objetivos da educação profissional, os valores neoliberais do mundo atual e a rápida evolução científico-tecnológica que presenciamos, é fundamental realizar discussões e reflexões críticas em sala de aula que propiciem desvelar a condição humana. “Não se trata de uma educação contra o uso da tecnologia e nem uma educação para o uso, mas uma educação em que os alunos possam refletir sobre a sua condição no mundo frente aos desafios postos pela ciência e tecnologia” (SANTOS, 2008, p. 122). 4. Considerações finais Na tessitura deste trabalho foi possível verificar que para alcançarmos os objetivos propostos pela legislação e políticas públicas da educação profissional é preciso desenvolver em nossos estudantes não somente a capacidade técnica que lhes permitirá uma formação profissional. É preciso instigá-los a compreender a realidade vigente para a ampliação de sua consciência crítica. Para isso, os princípios propostos pelo movimento CTS, de discutir sobre o papel da ciência e tecnologia e sua relação com a sociedade, caracterizam-se como primordiais aos currículos dos cursos de ensino técnico/tecnológico. Pois é preciso que estes indivíduos sejam capazes de decidir por si só sobre os produtos tecnológicos existentes e os rumos que a ciência está tomando. A inserção deste enfoque nos currículos é “apenas o despertar inicial no aluno, com o intuito de que ele possa vir a assumir essa postura questionadora e crítica num futuro próximo. Isso implica dizer que a aplicação da postura CTS ocorre não somente dentro da escola, mas, também, extramuros” (PINHEIRO; SILVEIRA; BAZZO, 2007, p. 77). No entanto, convém ressaltar que para que este enfoque seja realizado em sala de aula é preciso investir mais na formação inicial e continuada dos professores da educação profissional. Torna-se fundamental a ampliação de pesquisas e estudos sobre como esta formação está ocorrendo e sobre as concepções CTS dos docentes desta modalidade de ensino. Assim será possível que mais um passo seja dado em busca de uma sociedade participativa na tomada de decisões sobre assuntos científico-tecnológicos. 5. Referências AULER, D. Articulação entre pressupostos do educador Paulo Freire e do movimento CTS: novos caminhos para a educação em ciências. Contexto e educação, v. 22, n. 77, jan./jun. 2007. p. 167188. AULER, D.; DALMOLIN, A.M.T.; FENALTI, V.S. Abordagem temática: natureza dos temas em Freire e no enfoque CTS. Alexandria Revista de Educação Ciência e Tecnologia, v. 2, n. 1, mar. 2009. p. 67-84. Disponível em: < http://alexandria.ppgect.ufsc.br//numero_1_2009/Decio.pdf>. Acesso em 30 mai. 2011. BARBOSA, L. C. A. O técnico agrícola e a educação ambiental: diálogos e reflexões em busca da problematização e superação de situações-limites. 2010. 209f. 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