UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO NÍVEL MESTRADO Diego Alexsander Ferla A RELAÇÃO ENTRE OS BENEFÍCIOS SIMBÓLICOS DO CONSUMO E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DOS JOVENS CONSUMIDORES São Leopoldo 2008 1 Diego Alexsander Ferla A RELAÇÃO ENTRE OS BENEFÍCIOS SIMBÓLICOS DO CONSUMO E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DOS JOVENS CONSUMIDORES Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Administração. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Teniza da Silveira São Leopoldo 2008 2 AGRADECIMENTOS Depois de muito trabalho e muita dedicação, mais um sonho realizado. Mais um objetivo conquistado. Apesar de todo meu empenho, este trabalho foi realizado com a ajuda de muitas pessoas, que quero neste pequeno espaço, prestar meus agradecimentos. Agradeço primeiramente a Deus, esta força maior, que além de todas as oportunidades que nos oferece, está sempre presente nos guiando e nos motivando a seguir em frente. Agradeço a minha família e aos amigos pelo incentivo e pela compreensão! Agradeço à minha orientadora, professora Teniza, por toda sua atenção, pelo conhecimento compartilhado e por suas dicas preciosas! Agradeço a professora Sílvia Benetti por suas dicas de psicologia, e por ser esta pessoa tão prestativa e atenciosa. Agradeço ao professor Edson Gastaldo que, através de suas aulas incríveis, foi um dos responsáveis pela escolha do tema! Agradeço à Unisinos, aos professores e a CAPES, pela oportunidade de realizar este mestrado, que contribuiu não apenas para meu crescimento acadêmico, mas para meu crescimento pessoal também! Agradeço a todos os jovens que participaram desta pesquisa, seja participando das entrevistas, seja respondendo os questionários. Agradeço também todos os colégios que prontamente se dispuseram a colaborar com esta pesquisa: Colégio Santa Catarina e Colégio Pio XII, de Novo Hamburgo; Colégio Sinodal, de São Leopoldo; Colégio Nossa Senhora de Fátima, de Sapucaia; Colégio Adventista e Colégio Coração de Maria, de Esteio; Colégio Espírito Santo, de Canoas e Colégio Sevigné, de Porto Alegre. Deixo a todos meu MUITO OBRIGADO! 3 RESUMO O consumo vem sendo apontado como pilar fundamental na formação da identidade dos consumidores. Em áreas como sociologia, psicologia e antropologia, a idéia de identidade há muito vem sendo discutida. No que diz respeito ao comportamento do consumidor, há menos de duas décadas que ela vem ganhando notoriedade. Desde então, diversos estudos sobre identidade e consumo foram realizados. No entanto, estes estudos foram de cunho qualitativo, deixando assim, uma lacuna metodológica latente. O propósito deste estudo é verificar a relação existente entre os benefícios simbólicos proporcionados pelo consumo e a formação da identidade dos jovens consumidores, através de uma abordagem teórica multidisciplinar, e de uma abordagem metodológica mista, que tragam contribuições, especialmente, para a perspectiva do comportamento do consumidor. Na etapa qualitativa do estudo, entrevistas em profundidade e a técnica de autodriving foram utilizadas para identificação dos benefícios simbólicos percebidos pelos jovens consumidores, e para a elaboração do questionário utilizado na etapa quantitativa. Foi realizada uma survey piloto com 203 jovens estudantes, a fim de verificar a validade do questionário, e a sua necessidade de alterações. A seguir, foi realizada uma nova survey com 288 jovens estudantes de classes A e B, de seis cidades do sul do Brasil. Através da técnica de análise fatorial foram identificados 17 benefícios simbólicos, distribuídos em quatro fatores: (1) Realização e Destaque: composto por variáveis que ajudam os consumidores a sentirem-se diferentes, melhores, mais seguros, enfim, a conquistarem a identidade que desejam; (2) Aceitação/Pertencimento e Relacionamentos: composto por variáveis que dizem respeito ao uso de objetos para sentir-se parte de um grupo, ou mesmo para conquistar amigos e seduzir outras pessoas; (3) Apego e Importância: composto por variáveis que demonstram a importância que os objetos têm na vida das pessoas, e o apego (especialmente emocional) que as pessoas têm pelos objetos e (4) Identificação e Lembranças: composto por variáveis que evidenciam a capacidade que os objetos têm de identificar diversas coisas, e especialmente pessoas. Os resultados evidenciam que existe, de fato, a relação entre os benefícios simbólicos do consumo e a formação da identidade dos jovens, e que este conteúdo pode ser acessado através de uma técnica quantitativa com bons resultados. A descoberta dos benefícios simbólicos valorizados pelos jovens é uma rica informação para o melhor entendimento do comportamento do consumidor. Palavras-Chave: Benefícios Simbólicos, Consumo, Identidade, Jovens 4 ABSTRACT Consumption has been appointed as the fundamental pillar in the consumers’ identity formation. In areas such as sociology, psychology and anthropology, the idea of identity has been long discussed. Regarding consumer behavior, identity has been gaining notoriety in the last two decades. Since then, several studies about identity and consumption have been made. However, these studies had a qualitative characteristic, leaving a latent methodological gap. The purpose of this study is to verify the actual relationship between the symbolic benefits provided by consumption and the identity formation of young consumers through a theoretical multidisciplinary approach and of a mixed methodological approach which bring contribution, especially to the perspective of the consumer behavior. In the qualitative step of the study, in depth interviews and the auto driving technique have been used to identify the symbolic benefits perceived by the young consumers and to the elaboration of the questionnaire used in the quantitative step. A pilot survey has been carried out among 203 young students in order to verify the questionnaire validity and the need for changes. Another survey was carried out among 288 classes A and B young students from Brazilian southern cities. Through the factor analyses technique 17 symbolic benefits have been found and distributed into four factors: (1) Realization and Distinction: composed of variables which help consumers feel different, better, more self-confident, that is, help them acquire the desired identity; (2) Acceptance/Belonging and Relationships: composed of variables related to the use of objects that make them feel part of a group or even to make friends and allure other people; (3) Attachment and Importance: composed of variables which demonstrate the importance that object have in peoples’ lives, and the attachment (especially emotional) that people have for objects, and (4) Identification and Memories: composed of variables which show clearly the ability objects possess to identify several things, mainly people. Results show that, in fact, there is a relationship between the symbolic benefits of consumption and the young people’s identity formation, and that this matter can be accessed through a quantitative technique with good outcomes. The discovery of the symbolic benefits appreciated by young people is a priceless piece of information for the better understanding of consumer behavior. Key-words: Symbolic Benefits, Consumption, Identity, Youngster 5 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Sexo dos respondentes ................................................................................ 83 Gráfico 2 – Idade dos respondentes ............................................................................... 84 Gráfico 3 – Renda dos Respondentes ............................................................................ 84 Gráfico 4 – Cidade das escolas e dos respondentes ...................................................... 85 Gráfico 5 – Categorias de produtos escolhidas pelos respondentes .............................. 95 Gráfico 6 – Teste scree ................................................................................................ 102 Gráfico 7 – Médias atribuídas aos fatores x Idade dos respondentes........................... 110 6 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Benefícios simbólicos do consumo e suas fontes ......................................... 27 Tabela 2 – Concordância das respostas obtidas nas análises das entrevistas .............. 73 Tabela 3 – Categorias de produtos mais citadas e suas respectivas incidências ........... 74 Tabela 4 – Variáveis usadas no questionário e suas respectivas incidências ................ 75 Tabela 5 – Sexo x Idade dos respondentes .................................................................... 86 Tabela 6 – Discordância, indiferença e concordância com os aspectos do consumo, marca e mídia ................................................................................................................. 87 Tabela 7 – Médias e desvios-padrão de acordo com o sexo dos respondentes ............. 88 Tabela 8 – Teste t das afirmações sobre consumo, marca e mídia x Sexo dos respondentes .................................................................................................................. 89 Tabela 9 – Teste de homogeneidade da variância ......................................................... 90 Tabela 10 – ANOVA: Compro e uso produtos por influência de amigos x Idade dos respondentes .................................................................................................................. 91 Tabela 11 – ANOVA: A mídia influencia na escolha da marca x Idade dos respondentes ....................................................................................................................................... 91 Tabela 12 – ANOVA: Sou consumista e adoro comprar x Renda dos respondentes ..... 92 Tabela 13 – ANOVA: Pagar mais caro por um produto porque ele é de marca não é uma coisa lógica x Renda dos respondentes ......................................................................... 93 Tabela 14 – ANOVA: Produtos de marca trazem status x Renda dos respondentes ..... 93 Tabela 15 – ANOVA: As pessoas olham diferente e/ou não vêem com bons olhos quem não usa produtos de marca x Cidade dos respondentes ................................................ 94 Tabela 16 – Categoria de produto x Sexo dos respondentes ......................................... 96 Tabela 17 – Categoria de produto x Classe econômica dos respondentes .................... 97 Tabela 18 – Categoria de produto x Idade dos respondentes ........................................ 98 Tabela 19 – Discordância, indiferença e concordância com os benefícios simbólicos proporcionados pelos objetos ......................................................................................... 99 Tabela 20 – Total da variância explicada...................................................................... 102 Tabela 21 – Matriz rotacionada de componentes ......................................................... 104 Tabela 22 – Nomes e significados dos fatores ............................................................. 105 Tabela 23 – Médias e desvios-padrão dos fatores ....................................................... 107 Tabela 24 – Médias e desvios-padrão atribuídos aos fatores x Sexo dos respondentes ..................................................................................................................................... 107 7 Tabela 25 – Teste t dos fatores x Sexo dos respondentes ........................................... 108 Tabela 26 – ANOVA: Fator 1 x Idade dos respondentes .............................................. 108 Tabela 27 – ANOVA: Fator 2 x Idade dos respondentes .............................................. 109 Tabela 28 – ANOVA: Fator 3 x Idade dos respondentes .............................................. 109 Tabela 29 – ANOVA: Fator 4 x Idade dos respondentes .............................................. 110 Tabela 30 – Concordância com os fatores – Jovens que se julgam consumistas x Jovens que não se julgam consumistas.................................................................................... 112 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 1.1 Delimitação do Tema ....................................................................................... 11 1.2 Definição do Problema..................................................................................... 12 1.3 Objetivos .......................................................................................................... 14 1.3.1 Objetivo Geral .......................................................................................... 14 1.3.2 Objetivos Específicos ...............................................................................14 1.4 2 Justificativa ...................................................................................................... 15 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 17 2.1 CONSUMO ...................................................................................................... 17 2.1.1 Simbolismo e Benefícios Simbólicos ........................................................ 22 2.1.2 A Marca .................................................................................................... 28 2.1.3 A Mídia ..................................................................................................... 31 2.2 IDENTIDADE ................................................................................................... 34 2.2.1 Identidade – Perspectiva Psicológica ....................................................... 35 2.2.2 Identidade: Perspectiva Antropológica e Social ........................................ 39 2.2.2.1 Identidade situacional ............................................................................... 43 2.3 CONSUMO E IDENTIDADE ............................................................................ 45 2.3.1 Consumo e Identidade Individual ............................................................. 47 2.3.2 Consumo e Identidade Coletiva................................................................ 53 2.3.3 Consumo e Identidade: Problemas relacionados ..................................... 57 3 MÉTODO ............................................................................................................... 60 3.1 ETAPA EXPLORATÓRIA ................................................................................ 60 3.1.1 Coleta de Dados ....................................................................................... 61 3.1.1.1 Entrevista em Profundidade ..................................................................... 62 3.1.1.2 Fotografias e Autodriving.......................................................................... 64 3.1.2 3.2 Análise de Dados ..................................................................................... 66 ETAPA DESCRITIVA....................................................................................... 67 3.2.1 População e Amostra ...............................................................................67 3.2.2 Coleta de Dados ....................................................................................... 68 3.2.2.1 Piloto ........................................................................................................ 69 3.2.2.2 Questionário ............................................................................................. 70 3.2.3 Análise de Dados ..................................................................................... 71 9 4 RESULTADOS ...................................................................................................... 72 4.1 ETAPA EXPLORATÓRIA ................................................................................ 72 4.1.1 Enfoque Quantitativo ................................................................................ 72 4.1.2 Enfoque Qualitativo .................................................................................. 77 4.2 ETAPA DESCRITIVA....................................................................................... 82 4.2.1 Caracterização da amostra ...................................................................... 83 4.2.2 Aspectos relacionados ao Consumo, Marca e Mídia ................................ 87 4.2.2.1 Teste t ...................................................................................................... 88 4.2.2.2 Análise de Variância – ANOVA ................................................................ 90 4.2.3 Categorias de Produto..............................................................................95 4.2.4 Benefícios Simbólicos ..............................................................................98 4.2.5 Análise Fatorial....................................................................................... 100 4.2.6 Análise dos fatores ................................................................................. 106 4.2.6.1 Teste t .................................................................................................... 107 4.2.6.2 Análise de Variância – ANOVA .............................................................. 108 4.2.6.3 Concordância/Discordância dos fatores x Consumismo ......................... 111 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 113 5.1 PRINCIPAIS CONSTATAÇÕES .................................................................... 113 5.2 IMPLICAÇÕES GERENCIAIS ....................................................................... 119 5.3 LIMITAÇÕES DO ESTUDO ........................................................................... 122 5.4 SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS .............................................. 123 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 125 APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista em Profundidade .......................................... 142 APÊNDICE B – Autodriving ....................................................................................... 143 APÊNDICE C – Questionário Piloto ........................................................................... 144 APÊNDICE D – Questionário Definitivo .................................................................... 146 10 1 INTRODUÇÃO Na esfera do consumo homens e objetos adquirem sentido, produzem significações e distinções sociais. O consumo é, no mundo burguês, o palco das diferenças. O que consumimos são marcas, objetos que trazem a presença de identidade, visões de mundo e estilos de vida. Roupas, automóveis, cigarros, trazem um universo de distinções, e são antropomorfizados para levarem aos seus consumidores as individualidades e universos simbólicos que a eles foram atribuídos (ROCHA, 1995). Evidencia-se hoje, que muitos consumidores consomem produtos e marcas pelos benefícios simbólicos que eles proporcionam. Segundo Featherstone (1995) o consumo não pode ser compreendido apenas como consumo de valores de uso e de utilidades materiais, mas fundamentalmente como consumo de significados. Ficou para trás o tempo em que o consumo era apenas a escolha e compra de produtos. Hoje, o consumo assumiu maior importância e profundidade. Ele vem sendo apontado como pilar fundamental na formação da identidade dos consumidores. Sauerbronn e Barros (2005) afirmam que através do consumo, os indivíduos têm a oportunidade de construir, manter e comunicar a sua identidade e seus significados sociais. A presente pesquisa aborda a relação entre os benefícios simbólicos do consumo e a formação da identidade dos jovens consumidores. A seguir, apresentam-se a delimitação do tema, a definição do problema, os objetivos e a justificativa. Na seqüência apresenta-se a fundamentação teórica que sustentou a pesquisa. Ela está dividida em três grandes capítulos, que são Consumo; Identidade; e Consumo e Identidade. Dentro destes capítulos são discutidas questões como simbolismo e benefícios simbólicos; marca; mídia; identidade sob a perspectiva psicológica, antropológica e social; e identidade individual e coletiva. A metodologia empregada, as formas de coleta e análise de dados também são abordadas, seguida pelos resultados obtidos, tanto na etapa exploratória, quanto na etapa descritiva. Por fim, apresentam-se as considerações finais. 11 1.1 Delimitação do Tema O campo do comportamento do consumidor possui uma dinâmica acelerada, onde surgem constantemente novos temas que suscitam investigação (UGALDE e SLONGO, 2006). De acordo com Hawkins, Best e Coney (1995) a área de comportamento do consumidor tem se apropriado de conceitos oriundos de áreas como a sociologia e a antropologia. Isto contribui para uma abordagem cada vez mais multidisciplinar dos fenômenos dos consumidores. Em uma sociedade de consumo como a atual, compreender o comportamento do consumidor é essencial não apenas para profissionais de marketing, mas também para pesquisadores (SILVA, CERCHIARO e MASCETTI, 2004). Estudiosos do comportamento do consumidor têm se interessado cada vez mais pela relação entre cultura e consumo. Esse interesse deixa de lado o foco nos benefícios funcionais, e volta a atenção para os benefícios simbólicos do consumo, o consumo de símbolos e significados. Outro ponto de crescente interesse dos pesquisadores é a forma como os produtos e marcas, e conseqüentemente seus significados culturais, são utilizados pelos consumidores para construção de identidades sociais (PEREIRA, AYROSA e OJIMA, 2005; SOUZA, HENRIQUE e BREI, 2006). A maneira pela qual os indivíduos usam o consumo como um meio de criação de identidade é uma importante característica da sociedade atual (JEUNON, 2005). O conceito de identidade existe há muito tempo, desde quando era apenas um nome que definia o papel dos indivíduos nos clãs, passando às máscaras, e chegando à noção mais complexa que temos hoje, onde a identidade é um processo de construção pessoal e social. Atualmente, um nome é muitas vezes, a coisa menos capaz de nos identificar (HARTE, 2004). Autores como Belk (1988) e Featherstone (1995) afirmam que as posses e o consumo, de forma geral, exercem hoje, um importante papel na identificação dos indivíduos. Em áreas como sociologia, psicologia e antropologia, a idéia de identidade há muito vem sendo discutida (SCHWARTZ et al, 2006). No entanto, Burke e Tully (1977) salientam que apesar do construto self1 ser amplamente usado na psicologia e ciências sociais, investigações empíricas sobre este construto têm sido bastante limitadas. O motivo para isto, sugerem os autores, é a dificuldade de mensuração, pois a identidade 1 A palavra self é utilizada como sinônimo de Identidade. 12 é um conceito multifacetado e muito rico em conteúdo. No que diz respeito ao comportamento do consumidor, há menos de duas décadas que a questão da identidade vem ganhando notoriedade. O propósito desta pesquisa é verificar a relação existente entre os benefícios simbólicos proporcionados pelo consumo e a formação da identidade dos jovens consumidores, através de uma abordagem multidisciplinar, que traga contribuições, especialmente, para a perspectiva do comportamento do consumidor. 1.2 Definição do Problema Antes mesmo do século XVIII, os ricos usavam a pátina – uma fina camada que se acumulava na superfície de suas posses, como resultado da oxidação e do uso – como prova do seu status de longa data. A pátina era a comprovação de que se era um antigo nobre, e não um novo rico. O boom do consumo que ocorreu no século XVIII transformou-se em uma competição por status, na qual os bens funcionavam como marcadores de status e como um meio para reivindicá-lo (MCCRACKEN, 2003). Hoje em dia, os bens não são usados apenas como forma de demonstração de status. De acordo com McCracken (2003) o consumo é um fenômeno totalmente cultural. Os bens de consumo nos quais os consumidores desperdiçam tempo, atenção e dinheiro, são carregados de significados culturais. Os bens são considerados como partes de nós mesmos (BELK, 1988). A publicação “Possessions and the extended self” de Belk (1988) solidificou e acelerou o interesse dos pesquisadores em entender como o consumo ajuda as pessoas a definirem quem elas são. O consumismo moderno mostra que o sentimento de identidade investido em bens materiais pode ser extraordinariamente grande (BELK, 1988). Os bens também podem servir como uma espécie de proteção, ajudando a reforçar nossas identidades (SOLOMON, 2002). Além disso, os bens têm papel importante na criação, melhoria e preservação da identidade. As posses nos ajudam a saber quem somos (BELK, 1988). O consumo é sempre um consumo de identidade, canalizado por uma negociação entre a auto-definição e uma série de possibilidades oferecidas pelo mercado capitalista. O velho ditado “você é o que você come” é extraordinariamente válido quando entendido como um ato completamente social. Comer é um ato de auto- 13 identificação, como é também, todo tipo de consumo. O consumo é uma parte significativa da definição dos grupos sociais e dos indivíduos (FRIEDMAN, 1994). Conforme Featherstone (1995), as pessoas são estimuladas a adotar uma atitude não utilitária em relação às mercadorias, escolhendo com cuidado e expondo seus bens, como carro, roupas e casa, de forma a produzir uma afirmação estilística específica, capaz de exprimir a individualidade da pessoa. Muitas das pesquisas relacionadas aos consumidores têm focado nos benefícios tangíveis dos produtos e serviços, que desempenham funções utilitárias, baseadas nas características relativas dos produtos (HOLBROOK e HIRSCHMAN, 1982). No entanto, os produtos têm um significado que vai além das suas características funcionais e do seu valor comercial (MCCRACKEN, 1986; 2003). De acordo com Rosenbaum (1999), psicólogos, sociólogos e antropólogos perceberam há muito tempo a importância dos bens. De fato, o consumo como um todo, vai além do seu valor utilitário. Por isso, os benefícios simbólicos vêm ganhando maior atenção no campo do comportamento do consumidor. Holbrook e Hirschman (1982) citam a importância da abordagem experiencial, a qual explora os significados simbólicos das características mais subjetivas dos produtos. A porção simbólica dos objetos pode determinar o comportamento do consumidor, atuando como razão primária para sua compra e uso (KLEINE III e KERNAN, 1991). De acordo com Scaraboto et al (2006) isso evidencia a importância de estudar os aspectos simbólicos do consumo. Os bens ajudam os indivíduos a contemplar a posse de uma condição emocional, uma circunstância social, ou mesmo, todo um estilo de vida. Sem os bens de consumo, algumas definições de self e algumas definições coletivas seriam impossíveis (MCCRACKEN, 2003). Não é de se surpreender que assuntos relacionados à identidade tenham se tornado, e tendem a permanecer, como uma grande área de investigação para pesquisadores do consumidor (AHUVIA, 2005). De acordo com McCracken (2003), os acadêmicos começaram a ampliar a definição de comportamento do consumidor. Nesta definição emergente, este ultrapassa o comportamento de compra, para incluir toda a interação entre o bem e o consumidor, antes e depois do momento da compra. Os indivíduos usam os bens para construir partes cruciais de si e do mundo (MCCRACKEN, 2003). De acordo com Ahuvia (2005), os objetos, assim como as pessoas, têm uma forte influência na noção de quem somos, e na nossa identidade. Na sociedade capitalista de hoje, o consumo e os benefícios simbólicos proporcionados por ele parecem cada vez mais presentes na vida das pessoas, sendo praticamente impossível negar a influência que eles exercem na vida de qualquer um. Essa influência 14 afeta, especialmente, os jovens. Na adolescência, os jovens se defrontam com diversas mudanças, de caráter biológico, psicológico e social. As fontes de identificação mudam e a construção da identidade torna-se a tarefa central. O presente trabalho tem como pressuposto a idéia de que muitos jovens utilizam os objetos e os benefícios simbólicos proporcionados por eles como uma forma de expressão da identidade, como forma de serem aceitos nos grupos de amigos e colegas e, até mesmo, como forma de sentirem-se mais seguros nesta fase de incertezas que é a adolescência. Dentro deste contexto, este estudo objetivou responder à seguinte questão: Existe realmente relação entre os benefícios simbólicos do consumo e a formação da identidade dos jovens consumidores? 1.3 Objetivos 1.3.1 Objetivo Geral Analisar a relação entre os benefícios simbólicos do consumo e a formação da identidade dos jovens 1.3.2 Objetivos Específicos · Investigar, através de uma abordagem multidisciplinar, a relação entre consumo e identidade · Identificar os benefícios simbólicos do consumo percebidos pelos consumidores · Verificar a percepção dos consumidores sobre questões relacionadas ao consumo, marca, mídia e benefícios simbólicos 15 · Verificar semelhanças e diferenças com relação ao consumo e os benefícios simbólicos para as diferentes variáveis sócio demográficas sexo, idade, renda e cidade onde estudam os respondentes · 1.4 Identificar as categorias de produto que mais identificam os jovens consumidores Justificativa De acordo com Roesch (1999) é preciso justificar um estudo através de sua importância, oportunidade e viabilidade. No que tange a importância, Ger (1998) afirma que tem havido um interesse crescente no estudo do consumo como forma de construção de identidade. Belk (1988) afirma que o conceito de posses (bens de consumo) como extensão do self tem muito a oferecer para o entendimento do comportamento do consumidor. Não há como entender o comportamento do consumidor, sem entender os significados que ele atribui às suas posses. É um tema que além da sua importância acadêmica, como forma de ampliação do campo de estudos sobre o consumidor, também possui importância para o meio empresarial, uma vez que é fundamental que as empresas desenvolvam produtos que entreguem os benefícios desejados pelos consumidores, e marcas com as quais eles se identifiquem. Este estudo pode colaborar para um maior entendimento dos consumidores, auxiliando as empresas na segmentação de mercado, no posicionamento de produtos e marcas, e na elaboração do mix de marketing. Uma vez que as empresas tenham conhecimento dos benefícios simbólicos percebidos pelos consumidores e da importância dos produtos e marcas para construção e manutenção da identidade, elas poderão utilizar estratégias focadas nestas características, enfatizando o que realmente tem valor para eles. Existem alguns estudos exploratórios relacionando bens de consumo com o self (BELK, 1988; LAMONT e MOLNÁR, 2001; AHUVIA, 2005; CASTILHOS et al, 2006), mas não existem, tendo em vista a revisão de literatura realizada, estudos descritivos que abordem a relação entre os benefícios simbólicos e a formação da identidade dos jovens consumidores. Rossi et al (2006) corroboram esta idéia ao afirmarem que poucas pesquisas na área utilizaram métodos do tipo survey ou experimento. Segundo os 16 autores, a maior parte das análises sobre self foi realizada sob a ótica de pesquisas interpretativistas, as quais buscam verificar os significados pessoais atribuídos aos bens. Bonoma (1985) afirma que as metodologias qualitativas se prestam à formulação de teorias, sendo as técnicas quantitativas necessárias para a verificação das relações teóricas existentes. Souza, Henrique e Brei (2006) salientam a necessidade de compreender qual a importância dos objetos na formação e manutenção do self. Sendo assim, este estudo justifica-se como uma oportunidade de ampliação do conhecimento científico sobre consumo e identidade, especialmente para a área do comportamento do consumidor. Com relação à viabilidade, não foram evidenciadas grandes dificuldades para realização desta pesquisa, nem em questão de tempo, nem em questão de recursos necessários, e menos ainda, em questão de acesso às informações. Por fim, justifica-se este estudo, como forma de obtenção de conhecimento, a fim de sanar dúvidas e curiosidades pessoais do pesquisador relacionadas a este tema. 17 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Este estudo visou analisar a relação entre os benefícios simbólicos do consumo e a formação da identidade dos jovens consumidores. Esta seção apresenta os principais conceitos que serviram de base para o entendimento e desenvolvimento do estudo. Ela gira em torno de três grandes capítulos que são: Consumo; Identidade; e Consumo e Identidade. Dentro do primeiro capítulo, são discutidas questões relacionadas ao consumo, seus simbolismos e benefícios simbólicos, a marca e a mídia. No segundo capítulo, o foco é a identidade. Através de uma perspectiva multidisciplinar, que conta com contribuições da psicologia, antropologia e sociologia, a questão da identidade é aprofundada e discutida. Por fim, tem-se o terceiro capítulo, onde é feita a ligação entre consumo e identidade, e onde é explorada a relação existente entre estes dois construtos. A finalidade da fundamentação teórica é propiciar a compreensão do tema, através da exposição de conceitos e teorias sobre o mesmo, e conseqüentemente, o atingimento dos objetivos propostos neste estudo. A investigação destes conceitos forneceu subsídios para a pesquisa empírica que é apresentada logo após a fundamentação teórica. 2.1 CONSUMO Esta seção fará uso de conceitos das áreas de marketing, antropologia e sociologia, para apresentar uma perspectiva multidisciplinar do consumo. Embasar a questão do consumo através de uma perspectiva apenas, forneceria uma visão míope do assunto. Assim, as diferentes abordagens são utilizadas com o intuito de agregar valor ao conceito, explorando-se as contribuições que cada uma delas pode oferecer para um maior entendimento do assunto. O consumo é um processo social, cultural e econômico de escolha de mercadorias, e ele reflete as oportunidades e coações da modernidade. Até recentemente, o consumo vinha sendo ignorado pelas ciências sociais, sendo o assunto mais dirigido a historiadores e antropólogos, mas isto tem mudado desde que o 18 consumo assumiu um significado muito importante na vida moderna (ZUKIN e MAGUIRE, 2004). Antes da revolução industrial, o consumo tinha um caráter imoral, sendo baseado somente nos hábitos e tradições (OUCHI, 2000). O consumo do período elizabetano era, na sua maioria, restrito à classe nobre, enquanto outros grupos sociais apenas olhavam com admiração e desdém (MCCRACKEN, 2003). Com a difusão das crenças protestantes, emergiu uma nova sociedade de consumo, onde maior número de produtos era ofertado e consumido (OUCHI, 2000). De acordo com McCracken (2003) este é um período importante da história do consumo, por que muitas pessoas tornaram-se aptas a participar como consumidoras. Deu-se a oportunidade para que estes grupos sociais excluídos fizessem parte da revolução do consumo. Sua participação fez deste o primeiro período de “consumo de massa”. O consumo moderno foi a causa e a conseqüência de tantas mudanças sociais, que seu surgimento marcou a transformação do mundo ocidental (MCCRACKEN, 2003). Para Campos e Souza (2003) a contemporaneidade caracteriza-se pelas interações sociais sendo permeadas pelo consumo. Fung (2002) complementa, afirmando que o consumo é parte integral da sociedade capitalista contemporânea. Os novos fluxos de mercadorias, a difusão da mídia, e a expansão global de franquias de marcas consagradas criaram um discurso transnacional da cultura do consumidor. Em qualquer país, os indivíduos entram no sistema de consumo de massa, através das mercadorias e do dinheiro trazidos de além mar, através dos acordos comerciais e dos grandes varejistas multinacionais (ZUKIN e MAGUIRE, 2004). O surgimento de uma nova produção da subjetividade, em função da mídia, juntamente com a experiência dos jovens, vem se transformando na sociedade de consumo. A cultura do consumo molda o campo social, construindo a experiência do adolescente que vai se consolidando através de atitudes centradas no consumo (CAMPOS e SOUZA, 2003). Ela oferece um conjunto de bens que induzem os indivíduos a participar deste sistema de gratificação comercial (KELLNER, 2001). Segundo Baudrillard (1995), vivemos o tempo dos objetos, pois existimos segundo o seu ritmo e em conformidade com a sua permanente sucessão. O objeto passou a ter vida própria, a agir sobre os próprios homens – subjugando-os (FILHO, LOPES e CARRASCOZA, 2006). De acordo com Baudrillard (1993, p.206) “o consumo não é uma prática material, nem uma fenomenologia da abundância”. Ele não é definido pela roupa que se veste, pelo carro que se usa e nem pelas imagens e mensagens, mas pela organização de 19 tudo isso em substância significante. É a totalidade dos objetos e mensagens constituídos em um discurso cada vez mais coerente. Para Rocha e Barros (2004) o consumo é em primeiro lugar, um sistema de significação, cuja principal necessidade social que supre, é a simbólica. Em segundo lugar, o consumo é como um código, através do qual é traduzida grande parte das relações sociais. Em terceiro lugar, desta tradução forma-se um sistema de classificação de coisas e pessoas, produtos e serviços, indivíduos e grupos. O consumo possui duas grandes perspectivas, a utilitarista e a simbólica. Antigamente, a literatura tratava a questão do consumo através da idéia de utilidade da teoria econômica (OUCHI, 2000). A partir dos trabalhos desenvolvidos por Veblen no final do século XIX, por Baudrillard e Sahlins em meados dos anos 60 e 70, começou a dar-se ênfase aos simbolismos na interpretação das práticas de consumo. Hoje, as pessoas usam o consumo pelos mais diversos motivos. Alguns dos mais comuns são para obter status e prestígio, para comunicar significados culturais, para suprir necessidades físicas e emocionais, para se relacionar com os outros e, principalmente, para afirmar a própria identidade (OUCHI, 2000). Veblen (1965) trata do consumo conspícuo – aquele onde os dispêndios não são destinados ao conforto ou à utilidade, mas para propósitos puramente simbólicos – deixando um pouco de lado a perspectiva utilitarista, e demonstrando que os indivíduos buscam por prestígio. Segundo Bourdieu (1998) todo consumo é conspícuo. Para Ouchi (2000, p.29) “o consumo conspícuo seria, então, o consumo de bens desnecessários ou com preços muito mais altos do que deveriam ter, somente para provar para os outros o poder de compra”. Para a autora, nas sociedades modernas, a riqueza torna um indivíduo superior ao outro pela sua capacidade de consumir todos os bens que desejar. O consumo conspícuo é uma expressão de superioridade, que comunica poder e prestígio. O consumo conspícuo envolve a compra de produtos caros para inflar o ego, ao passo que, o desejo por status envolve a compra de produtos que representam status não apenas para o indivíduo, mas para os outros a sua volta também. Através do consumo de produtos que fornecem status, as pessoas buscam por respeito e aprovação social. Quanto mais o consumidor busca por status, mais ele irá consumir símbolos que aumentem seu status (EASTMAN, GOLDSMITH e FLYNN, 1999). Bourdieu (1998) afirma que o consumo está condenado a funcionar como um sinal de distinção. 20 De acordo com Iwancow (2005) os indivíduos procuram, de forma consciente ou não, por status e prestígio. O consumo como intenção do sujeito para com o objeto, é uma relação econômica que envolve a troca. Já, a produção social das diferenças, se ordena nas estruturas do inconsciente, sistematizado em forma de código, transformando produtos e marcas em símbolos de status. Rocha e Barros (2004) complementam esta idéia, afirmando que os produtos se articulam – pelo consumo – à pessoas, grupos sociais e estilos de vida, que envolvem a todos em um sistema de comunicação de poder e prestígio na vida social. Conforme dito anteriormente, o consumo vai muito além da compra e uso de produtos. Ele tem dimensões mais profundas, que causam impactos sobre os indivíduos e sobre a sociedade. Cushman (1990) afirma que depois da Segunda Guerra Mundial, os indivíduos se tornaram particularmente vulneráveis à influência de formas culturais, como a publicidade. Segundo ele, as pessoas passaram a consumir, inconscientemente, como uma forma de compensar o que foi perdido. Produtos e celebridades são usados para preencher o self, que está vazio. Melucci (2004) complementa a idéia acima, quando destaca que até as necessidades cotidianas mais elementares perderam seu caráter genérico e orientam-se para objetos caracterizados por uma forte conotação simbólica. Não temos mais simplesmente sede ou fome, tampouco, necessidade de nos vestir. A falta que sentimos vem orientada para objetos específicos, construídos simbolicamente pela informação, pelo mercado, pela comunicação publicitária e pelas redes sociais às quais pertencemos. Desta forma, temos sede de “A”, podemos vestir somente “B”, no café da manhã desejamos “C”. De acordo com Rocha (1995), o consumo é o modo final de inserir o objeto produzido na sociedade, como um objeto social. A casa é diferente do lar, o automóvel é diferente do “meu carango”, aquele carro que me leva mundo afora. O cigarro da fábrica é diferente daquele que me conota como bon-vivant. É nesta entrada na sociedade e nos circuitos de troca sociais – circuitos que são essencialmente simbólicos – que se realiza o consumo. Operação que se ajusta ao processo de construção das identidades sociais, seguindo os modelos culturais que definem os “tipos” ideais de cada segmento e grupo. Assim, fumar um dado cigarro, usar certa marca de camisa ou calça, guiar aquele automóvel permite formar uma idéia da identidade de quem os usa. De acordo com Rocha (1995) é possível prever com relativa precisão a identidade e conduta de uma 21 pessoa que usa calças Lee, camisas Wrangler, fuma Hollywood, usa tênis Nike, ou vê as horas em um relógio Casio. Segundo Goulding, Shankar e Elliott (2002), nos anos 80 surgiram novos grupos sociais centrados no consumo, como a “mulher de negócios” e o “novo homem”. Como conseqüência disto, a identidade na contemporaneidade, é caracterizada pelo Homo consumericus, um ser definido pelo consumo e a experiência derivada dele (FIRAT e SHULTZ, 1997). As formas culturais modelam a demanda dos consumidores, produzem necessidades e moldam um eu-mercadoria com valores consumistas (KELLNER, 2001). McCracken (2003) afirma que sem os bens de consumo, as sociedades modernas perderiam instrumentos-chave para a reprodução, representação e manipulação de suas culturas. No entanto, McCracken (2003) faz um contraponto, afirmando que há muito tempo os bens de consumo prometem a realização de ideais – tanto pessoais, como coletivos – proporcionando-os muito raramente. Campos e Souza (2003) corroboram esta idéia afirmando que o mercado nos ilude, prometendo o ideal de igualdade e liberdade. Ele escolhe quem fará parte do seleto grupo que pode consumir, gerando a exclusão dos demais. Os produtos têm que ser novos, da moda. No atual sistema de consumo, a suficiência é apenas uma condição temporária (MCCRACKEN, 2003). O consumidor tornou-se uma espécie de colecionador, pois ele sabe que os objetos se desvalorizam quando são alcançados. No entanto, sempre haverá outro objeto que chame sua atenção (CAMPOS e SOUZA, 2003). De acordo com Baudrillard (1993) isto explica porque não há limites ao consumo. Se ele dissesse respeito às necessidades, deveria chegar a uma satisfação, no entanto, não é isso que acontece. Deseja-se consumir cada vez mais. O consumo parece irreprimível, porque constitui uma prática idealista, que nada mais tem a ver com a satisfação de necessidades. Os objetos, na sua idealidade, podem se multiplicar ao infinito: deve-se fazê-lo para preencher a todo instante uma realidade ausente. É porque se funda sobre esta ausência que o consumo é irreprimível. De acordo com Veblen (1965) objetos que eram considerados como supérfluos, com freqüência, passam a fazer parte das necessidades habituais da vida. Exemplos são: tapeçaria, baixelas de prata, artigos de joalheria e vestuário, entre outros. O consumo pode ser concebido como algo característico da nossa civilização, no entanto, não deve ser visto como um processo de satisfação das necessidades. É preciso que fique claro, que o consumo não é um modo passivo de absorção e 22 apropriação, mas sim, um modo ativo de relação com os objetos e com o mundo, um modo no qual se funda todo nosso sistema cultural (BAUDRILLARD, 1993). O consumo é um ato cultural revestido por simbolismos. Consumir determinada marca traz diversos significados ao indivíduo. A mídia possui papel fundamental na criação e divulgação destes significados. Todos estes elementos constituem a atual e ascendente cultura do consumo. Cultura esta, que valoriza o ter, o possuir, onde os significados dos produtos e marcas tornaram-se os valores norteadores do comportamento dos indivíduos. Com o intuito de aprofundar estas questões, será apresentada, dentro deste capítulo, uma discussão sobre o simbolismo e os benefícios simbólicos, sua relevância, e como o consumidor se beneficia deles através do consumo de produtos e marcas. Na seqüência, faz-se um elo com o simbolismo e os benefícios simbólicos, e aborda-se a questão da marca, e seus aspectos simbólicos, bem como suas contribuições para os consumidores. Encerrando a discussão, trata-se da influência da mídia e como ela carrega os produtos e marcas com simbolismos, e ajuda os consumidores a usufruírem dos significados e benefícios por ela criados. 2.1.1 Simbolismo e Benefícios Simbólicos Bourdieu, Veblen, McCracken e Rocha, há muito falam sobre simbolismo, e questões relacionadas a ele. Obviamente, o objetivo dos autores não era trazer contribuições para a área de marketing, mas sim, fazer uso deste conceito em estudos antropológicos, sociais e culturais. Percebe-se, contudo, que as idéias advindas destes autores podem trazer contribuições de grande valor para o campo de estudos do comportamento do consumidor. Com o foco no comportamento do consumidor, mas com contribuições de outras áreas, apresenta-se aqui o conceito e a importância do simbolismo, unindo uma visão mais clássica com uma visão mais atual, favorecendo assim, a compreensão mais clara do consumo contemporâneo. A pátina, considerada uma propriedade tanto física, quanto simbólica dos bens de consumo, foi um dos meios mais importantes de que dispunha a alta classe para se distinguir da classe baixa, bem como para policiar e conformar a mobilidade social (MCCRACKEN, 2003). Ainda hoje, as classes médias, herdeiras dos grandes capitalistas dos séculos passados, têm a tendência de consumir com ostentação 23 (BAUDRILLARD, 1995). Na sociedade contemporânea, é percebido que os indivíduos consomem produtos e marcas pelas suas propriedades simbólicas, tanto quanto pelas suas propriedades funcionais (ACHENREINER e JOHN, 2003; GENTRY, BAKER, KRAFT, 1995; PIACENTINI e MAILER, 2004; STREHLAU e HUERTAS, 2006; UGALDE e SLONGO, 2006; WALTHER, 2002). Os consumidores não são mais funcionalmente orientados como eles costumavam ser. Eles não compram os produtos apenas pelo que eles são capazes de fazer, mas por tudo que eles podem significar (LEVY, 1959). O simbolismo é usado como uma forma de linguagem, através do qual, um indivíduo transmite mensagens para as outras pessoas (PIACENTINI e MAILER, 2004). Walther (2002) complementa a afirmação anterior, dizendo que o consumo como linguagem, forma as frases que queremos dizer a nosso respeito para o mundo. Mesmo que esta linguagem não seja usada de forma consciente, o outro é capaz de fazer a leitura dos símbolos apresentados em nossas roupas, e nos objetos que usamos. Levy (1959) afirma que os consumidores são aptos não apenas em reconhecer a linguagem simbólica dos objetos, como também, em traduzir ela em significados para si próprios. Isto quer dizer que, escolhendo certos produtos, o indivíduo pode, além de buscar funcionalidade, expressar valores culturais de sua sociedade, sustentar estilos de vida, cultivar ideais, construir noções sobre si mesmo, e manter relações sociais (WALTHER, 2002). As pessoas consomem determinados produtos e marcas, pelas mais diversas razões. Podem consumir por conveniência, inadvertência, pressão familiar e social, questões econômicas, propaganda, design, entre outras. O que elas tentam é satisfazer objetivos, sentimentos e desejos (LEVY, 1959). Hawkins, Best e Coney (1995) e Porto e Porto (2006) acreditam que os consumidores são relutantes em admitir os verdadeiros motivos do consumo, ou mesmo, nem se dão conta deles. Se perguntarmos a uma pessoa porque ela usa uma calça jeans de determinada marca, ela pode dizer que a usa porque ela tem estilo, porque seus amigos também usam, ou mesmo, porque ela veste bem. No entanto, existem outras razões que talvez ela não queira admitir, como por exemplo: esta calça jeans demonstra que ela tem dinheiro, deixa-a mais sexy, ou demonstra jovialidade. Coelho (2002) e Reed II (2002), assim como os autores acima, afirmam que os consumidores geralmente justificam seu consumo com base nos benefícios funcionais dos produtos. No entanto, sabe-se que existe a enorme influência dos benefícios simbólicos no consumo. 24 Benefícios são os valores pessoais atribuídos pelos consumidores aos atributos dos produtos ou serviços (KELLER, 1993). De acordo com Solomon (2002), os benefícios são as conseqüências positivas do uso do produto ou serviço. Keller (1993) classifica os benefícios em 3 tipos: funcionais, experienciais e simbólicos. Os benefícios funcionais referem-se aos atributos relacionados ao produto ou serviço, ou seja, atributos que compõem o produto e são necessários para sua performance. Este tipo de benefício é considerado como a vantagem intrínseca do produto ou serviço, e está relacionado com as motivações básicas dos consumidores. Os benefícios experienciais, da mesma forma que os funcionais, também se referem aos atributos relacionados aos produtos. Este tipo de benefício diz respeito às sensações advindas do uso do produto ou serviço. Seu objetivo maior é satisfazer as necessidades experienciais dos consumidores, através do prazer sensorial, por exemplo. Por fim, os benefícios simbólicos, fazem referência aos atributos não-relacionados ao produto, ou seja, aspectos externos ao produto ou serviço, relacionados à compra ou consumo. Este tipo de benefício é considerado como a vantagem extrínseca do produto ou serviço, pois se relaciona às necessidades de aprovação social, auto-expressão, e auto-estima. A publicidade se apropria dos mais diversos benefícios de um objeto, sendo os benefícios funcionais os menos abordados. Ao anunciar um relógio, se expõe seus mais diversos ângulos, menos sua relação com o tempo. Ele pode representar uma marca de sucesso, ou mesmo, o sonho de alguém (ROCHA, 1995). Segundo Filho, Lopes e Carrascoza (2006), os objetos deixam de ser inanimados. Uma calça jeans, por exemplo, perde sua função de uso inicial (sua perspectiva funcional), deixa de ser objeto para nos vestir, para então, representar um modo de vida livre, jovem e feliz (perspectiva simbólica). Featherstone (1995) corrobora esta idéia, e afirma que os bens de consumo passam a ser associados a luxo, beleza e fantasia, tornando-se cada vez mais difícil, reconhecer seu uso funcional. Sua função passa a ser saciar o que nos está ausente (FILHO, LOPES e CARRASCOZA, 2006). Conforme a idéia de Sahlins (2003), isto evidência o domínio da cultura sobre a razão prática, já que o consumo não é apenas uma busca pela satisfação das necessidades, mas sim, uma expressão do universo simbólico em que o indivíduo está inserido. De acordo com Wattanasuwan (2005) o consumo é uma atividade significativa, que carrega consciente ou inconscientemente, significados simbólicos. Estes significados podem ser idiossincráticos, ou divididos com os outros. Por exemplo: usar envelopes reciclados pode simbolizar “eu me preocupo com o meio-ambiente”, e ir a 25 concertos de música clássica pode significar “eu sou culto”. As imagens associam os produtos com características socialmente desejáveis e transmitem mensagens referentes às vantagens simbólicas obtidas por aqueles que consomem o produto (KELLNER, 2001). De acordo com McCracken (1986; 2003), o processo de significação passa por três localizações. O significado cultural flui continuamente no mundo social, ajudado por designers, produtores, publicitários e consumidores. Geralmente, o significado cultural é pego de um mundo culturalmente constituído e transferido para um produto. Então o significado é pego do produto e transferido para o consumidor. Em outras palavras, o significado cultural é localizado em três lugares: no mundo culturalmente constituído, no produto e no consumidor, e se move em uma trajetória em dois pontos de transferência: do mundo para o produto, e do produto para o consumidor. A mídia e o mundo da moda movem o significado cultural do mundo, para o produto. Através dos rituais de posse, os indivíduos movem o significado cultural para fora do produto, e para dentro de suas vidas. Os consumidores preferem as marcas que são mais próximas do seu autoconceito, da sua personalidade (HAWKINS, BEST e CONEY, 1995; JEUNON, 2005; ROCHA, 1995; THOMSON, MACINNIS e PARK, 2005). Conforme Levy (1959) as escolhas são feitas mais facilmente quando um objeto é mais harmonioso com nossos objetivos, sentimentos e auto-definições do que os outros. Para Rocha (1995), homens e produtos definem-se reciprocamente. Wattanasuwan (2005) corrobora a idéia anterior, e afirma que o simbolismo atrelado a um produto significa a imagem de seu dono, e vice-versa. Para Levy (1959) um símbolo é adequado, sempre que ele for capaz de reforçar o jeito que o consumidor pensa sobre si próprio. É praticamente impossível consumir produtos desprovidos de significados e que não comuniquem ou desempenhem qualquer papel social. Hoje, os produtos além dos seus benefícios utilitários (ou funcionais), trazem diversos benefícios simbólicos para os consumidores. Segundo Bourdieu (1998) as propriedades simbólicas podem ser usadas estrategicamente, em função dos interesses materiais e simbólicos do seu portador. Em seu estudo realizado com as leitoras da revista Amoeba, Fung (2002) descobriu que ao lerem a revista, as leitoras sentiam-se parte da comunidade Amoeba de celebridades, cantoras e modelos. No estudo de Piacentini e Mailer (2004), evidenciou-se que os bens simbólicos são muito importantes para o estabelecimento da identidade dos jovens, neste momento de mudanças e incertezas, que é a adolescência. Noble e Walker (1997) 26 complementam esta idéia, afirmando em seu estudo, que as posses simbólicas são muito importantes nos momentos de transição que ocorrem durante a vida. Jeunon (2005) salienta a importância do consumo simbólico como forma de autoexpressão, e Achenreiner e John (2003) comentam sobre o prestígio e o status que podem ser evocados pelos bens simbólicos, como roupas e relógios de grife. Para Wattanasuwan (2005) o consumo é um campo simbólico, onde nós podemos escolher uma variedade de identidades. Segundo o autor, um empresário pode ser magicamente transformado em outra pessoa, deixando de lado seu terno e sua BMW, e vestindo roupas de couro e dirigindo uma Harley-Davidson. Para Fitzmaurice e Comegys (2006) quando os consumidores decidem o que comprar, eles também estão decidindo adquirir o significado social do produto ou da marca. Ao contrário do que possa parecer, os bens simbólicos não são usados apenas para obtenção de benefícios públicos e sociais. Na pesquisa realizada por Piacentini e Mailer (2004) os respondentes admitiram que gostavam de usar roupas de marca, e que eles se beneficiavam em um senso privado e pessoal, ao invés de se beneficiar do consumo socialmente. Isto ficou evidente nas discussões indicando que os produtos de marca são geralmente preferidos, até mesmo quando as marcas não são aparentes. Como exposto, a marca não precisa necessariamente estar evidente para atrair o consumidor. Antes, ele dá importância ao valor (econômico) do objeto. Para Veblen (1965), a beleza do objeto é proporcional o seu preço, ou seja, quanto mais caro um objeto, mais bonito ele será considerado pelos indivíduos. O autor cita o exemplo das pedras preciosas, e diz que elas são belas, e que sua raridade e preço lhes conferem uma qualidade distinta, o que não aconteceria se elas fossem baratas. Em um estudo realizado por Sengupta, Dahl e Gorn (2002) evidenciou-se que um preço de compra maior carrega conotações simbólicas positivas. Piacentini e Mailer (2004) em seu estudo descobriram que não é aceitável entre os jovens usar roupas baratas. Todos estes exemplos demonstram como a questão do valor é importante no consumo simbólico. A seguir, apresenta-se uma tabela com os principais benefícios simbólicos proporcionados pelo consumo, identificados na literatura que serviu de base para esta pesquisa. Ao lado dos benefícios são citadas as fontes. 27 Tabela 1 – Benefícios simbólicos do consumo e suas fontes Benefício simbólico Status, prestígio superioridade e sentimento Fonte ACHENREINER e JOHN (2003); CRUZ et al (2006); de EASTMAN, GOLDSMITH e FLYNN (1999); ELSBACH (2004); HAWKINS, BEST e CONEY (1995); IWANCOW (2005); OUCHI (2000); ROONEY (1995) Distinção e destaque BANISTER e HOGG (2004); BOURDIEU (1998); CAMPOS e SOUZA (2003); DEARLOVE e CRAINER (2000); ELSBACH (2004); THOMPSON e HAYTKO (1997) Sustenta/reflete estilos de vida desejados CAMPOS e SOUZA (2003); MCCRACKEN (2003); ROONEY (1995); WALTHER (2002) Individualidade FEATHERSTONE (1995); IWANCOW (2005); ROCHA (1995); ROSENBAUM (1999) Auto-expressão BELK, BAHN e MAYER (1982); FEATHERSTONE (1995); HAWKINS, BEST e CONEY (1995); JEUNON (2005); KEITH e RENNAE (1995); KLEINE, KLEINE e KERNAN (1993); PIACENTINI e MAILER (2004); SIRGY (1982) AHUVIA (2005); BELK (1988); BELK (2004); ELLIOTT (1997); ELSBACH (2004); ESCALAS e BETTMAN (2003); FEATHERSTONE (1995); FONSÊCA e MELLO (2005); FRIEDMAN (1994); FUNG (2002); JOHNSTONE e CONROY (2005); HOLT (2002); KELLNER (2001); LEE Criação, desenvolvimento, manutenção e CONROY (2006); OUCHI (2000); PIACENTINI e e/ou comunicação da identidade. MAILER (2004); ROSENBAUM (1999); SAUERBRONN e BARROS (2005); SCHOUTEN (1991); SCHULTZ e BARNES (2001); SILVA, CERCHIARO e MASCETTI (2004); SOLOMON (1988); VALENTINE (2000); WALTHER (2002); WATTANASUMAN (2005) Aceitação e/ou pertencimento BELK (1988); CRUZ et al (2006); FITZMAURICE e COMEGYS (2006); FUNG (2002); HAWKINS, BEST, CONEY (1995); JOHNSTONE e CONROY (2005); LINDRIDGE (2005); THOMPSON e HAYTKO (1997); WATTANASUWAN (2005); WILTSHIRE et al (2005) Sentir-se mais seguro e/ou confiante DEARLOVE e CRAINER (2000); LEE e CONROY (2006); SILVA, CERCHIARO e MASCETTI (2004) CRUZ et al (2006); LAMONT e MOLNÁR (2001); SCARABOTO, ZILLES e RODRIGUEZ (2005) SENGUPTA, DAHL e GORN (2002) Reconhecimento Reforça a auto-estima Sentimento de eliminação/solução de CUSHMAN (1990); KELLNER (2001) problemas Transformação, conquista de uma nova BELK (1988); FUNG (2002); HAWKINS, BEST e CONEY identidade. Consegue ser a pessoa que (1995); MCCRACKEN (2003); SCHROEDER e ZWICK deseja (2004) Identificação com identidade grupal um grupo e/ou BELK (1988); ESCALAS e BETMAN (2003); HYATT (1992); PEREIRA, AYROSA e OJIMA (2005); SOLOMON (1988) Relações especiais com o objeto, além do COELHO (2002) seu simples uso Relações sociais com outras pessoas OUCHI (2000); WALTHER (2002) Expressão de valores culturais FERNANDES e SANTOS (2006); WALTHER (2002) 28 É evidente que os aspectos simbólicos proporcionam sensações e benefícios que não podem ser atingidos, unicamente, através de uma perspectiva utilitarista. A oferta excessiva de produtos, juntamente com consumidores mais exigentes, parece criar o terreno propício para a proliferação do simbolismo, uma vez que os produtos têm cada vez menos diferenças físicas. São estas sensações positivas, estes significados percebidos pelos consumidores que fazem o sucesso dos produtos e marcas. Os benefícios simbólicos dos produtos e marcas são o grande diferencial, e o que mais tem atraído, e seduzido os consumidores. Da mesma forma que muitos consumidores valorizam um produto por causa de seu alto valor, muitos consumidores valorizam um produto por causa de sua marca. É como se um produto de marca trouxesse vantagens inalcançáveis por um mesmo produto desprovido de uma marca. Isto acontece por causa do simbolismo. As marcas, assim como diversos produtos, são repletas de valor simbólico. Até mesmo pelo fato de serem intangíveis, elas são capazes de se relacionar com as emoções dos indivíduos, trazendo benefícios psicológicos para os mesmos. Com o objetivo de aprofundar esta idéia, e demonstrar como as marcas são permeadas por questões simbólicas, apresenta-se um capítulo sobre o tema na seqüência. 2.1.2 A Marca O estudo das marcas tem crescido bastante, e ganhado evidência nos últimos anos. Este destaque atribuído ao tema não surgiu do nada. É simplesmente o reconhecimento da importância que a marca tem nas sociedades contemporâneas, e como ela pode trazer vantagens, não apenas para as empresas que as detém, mas especialmente para os consumidores. Nesta seção serão apresentados conceitos e aspectos da marca sob a luz do marketing. Existem diversas definições de marca, porém uma das mais utilizadas é a da American Marketing Association, que define marca como um nome, termo, sinal, símbolo ou desenho, ou uma combinação dos mesmos, que identifica os bens e serviços oferecidos por um vendedor ou grupo de vendedores e os diferencia dos demais concorrentes (AAKER, 1998; KOTLER, 1996; KOTLER e ARMSTRONG, 1998; ROCHA e CHRISTENSEN, 1999). 29 Kapferer (2004, pág.14) vai além, e denomina marca como “um sistema vivo, composto de três elementos: um nome associado a um produto ao qual é associada uma promessa de qualidade, segurança e pertinência a um grupo”. Serralvo, Prado e Leal (2006) propõem uma definição para marca, na qual ela é o conjunto de referenciais físicos e simbólicos capazes de influenciar a preferência para os produtos, tendo por base a oferta de valor à ela associada. As marcas sempre tiveram valor, mas agora, mais do que nunca, a sua importância é reconhecida pelas empresas. De acordo com Filho, Lopes e Carrascoza (2006) está havendo uma mudança do foco no produto, para o foco na marca. Ela é considerada o bem mais valioso de uma empresa (JAMES, 2001), e o maior patrimônio que se pode criar e desejar (MARTINS, 1999). As marcas são reconhecidas como o real capital do negócio (MELLO e COLLINS, 1999) e muitos acreditam que a marca é mais importante que o próprio produto (GONÇALVES, 2004). Os efeitos que a marca produz nos consumidores são um dos ativos mais importantes que a empresa pode ter (URDAN e URDAN, 2001). O nome da marca não comunica apenas um conjunto de atributos e benefícios para os consumidores, mas também expressa os valores do produtor e o posicionamento do produto no mercado (FAN, 2002). A construção da consciência de marca é um desafio de suma importância, e a maior fonte de poder para as empresas orientadas para o consumidor (GEREFFI, 2001). Conforme Holt (2002) as empresas são como “engenheiras culturais”, que determinam os prazeres e as identidades que podem ser acessados através de suas marcas. Segundo Bacha (2005), as marcas sintetizam as expectativas que os consumidores têm em relação a uma empresa e seus produtos. De acordo com um estudo feito com cervejas, determinada cerveja teve a sua participação, como preferida dos respondentes, reduzida de 62% para 24% quando ela foi dissociada de sua marca num teste cego (URDAN e URDAN, 2001). As marcas representam os benefícios tangíveis e intangíveis de um produto ou serviço, que podem ser identificados com a experiência do consumidor (CAMBRIDGE, 2002). Machin e Thornborrow (2003) citam a marca como um conjunto de representações e valores que não estão estreitamente ligados a um produto. Eles citam o exemplo da revista Cosmopolitan, na qual afirmam que o que é vendido às leitoras não é uma revista, mas sim, independência, poder e diversão. Mais do que propriedade, a marca traz significado para o consumidor, e representa o que ele é (SCHULTZ e BARNES, 2001). 30 Segundo Martins (1999, p.115) “os produtos são criados para atender as necessidades objetivas do consumidor, mas as marcas são criadas para atender suas necessidades psicológicas”. Uma marca como a Mont Blanc, por exemplo, não identifica apenas uma linha de canetas, mas representa um tipo de desejo, enquanto signo de sofisticação (FILHO, LOPES e CARRASCOZA, 2006). Dearlove e Crainer (2000) afirmam que as marcas são muito mais psicológicas do que físicas, e que elas se relacionam a tudo que se sente e se pensa. As marcas ligam os produtos às histórias de vida, identidades e personalidades que os diferenciam de todos os demais. O produto vira gente (ROCHA, 1995). Os consumidores preferem uma marca por causa de suas propriedades simbólicas, e não por causa de suas qualidades funcionais (JAMAL e GOODE, 2001). Achenreiner e John (2003) justificam esta afirmação dizendo que as marcas podem ser associadas com significados simbólicos e conceituais, que conferem status e prestígio aos seus consumidores. Porque algumas pessoas são capazes de pagar cinco vezes mais por uma camiseta branca da Calvin Klein, ao invés de comprar um produto com a mesma qualidade, mas que não tenha marca? Segundo Martins (1999), a resposta é: emoção. Para ele, vale a pena pagar um valor maior por uma marca que passa a imagem que a pessoa deseja, pois isso lhe dá mais satisfação, e conseqüentemente, acaba custando menos. Para Rozanski, Baum e Wolfsen (2002) o sentimento de pertencer a uma comunidade, e a auto-realização gerada pelo uso de uma marca têm mais valor para os consumidores do que novas características de um produto ou um prazo de garantia maior. De acordo com Escalas e Bettman (2003) os consumidores valorizam os benefícios psicológicos das marcas, porque eles os ajudam na construção de suas identidades. Os autores afirmam que os consumidores usam as marcas para criar e representar auto-imagens, e para apresentá-las para os outros e para si mesmos. As marcas são usadas como forma de expressão da identidade e dos valores pessoais (LEE e CONROY, 2006). De acordo com Petit (2003) a ditadura das marcas é hoje, um vício contagioso. As pessoas não podem viver sem uma marca no sapato, na calça ou na camisa, pois se você não tem uma marca, você não existe. Produtos de grife, como Nike, por exemplo, representam um estilo de vida, e por isso tem mais valor que as outras marcas. Os consumidores assumem determinada identidade em função das marcas que consomem (ARAUJO, 2004). O cliente se decide por determinada marca, porque se identifica com o estilo de vida que está ligado a ela, 31 ou porque pretende atingi-lo (GONÇALVES, 2004). As melhores marcas ajudam o consumidor a sentir-se mais confiante, confortável, diferente (DEARLOVE e CRAINER, 2000), satisfeito e auto-realizado (TAVARES, 1998), além disso, elas promovem valor, imagem, prestígio e estilo de vida (ROONEY, 1995). Os consumidores relacionam-se com as marcas da mesma forma que poderiam se relacionar com pessoas. Surgem sentimentos de afeição, confiança, sensação de que há uma história em comum. Algo que é muito mais profundo que a simples satisfação de uma necessidade (ROZANSKI, BAUM e WOLFSEN, 2002). De fato, as marcas têm dimensões muito mais profundas que a mera satisfação de necessidades. Ela é fortemente simbólica, e se relaciona ao psicológico dos consumidores. Traz significados e benefícios que os produtos, pura e simplesmente, seriam incapazes de proporcionar. No entanto, a marca por si só, pode não ter força suficiente para atrair o consumidor. Assim, a mídia torna-se peça essencial, não apenas para divulgação da marca, mas também para carregá-la de simbolismo, e torna-la especial e única de alguma forma. A questão da mídia e sua contribuição apresentamse a seguir. 2.1.3 A Mídia Com a proliferação dos meios de comunicação, assuntos relacionados à mídia vêm sendo amplamente discutidos, não apenas pelos acadêmicos, mas pela sociedade de forma geral. Apesar de não ser o tema central do estudo, considera-se que esta seção seja de grande importância para o melhor entendimento, especialmente do simbolismo e do consumo, uma vez que são assuntos inter-relacionados, e ela está muito presente na criação de significados e na influência do consumo. Mesmo as pessoas que moram nos lugares mais distantes do planeta podem receber na privacidade de suas casas, as mensagens e imagens das culturas ricas e consumistas, fornecidas através da televisão e do rádio, que as prendem à “aldeia global” das novas redes de comunicação (HALL, 2005). A cultura do consumo, através da mídia, é capaz de desestabilizar a noção original de uso ou significado dos bens, enchendo eles de imagens e signos novos, que podem evocar diversos sentimentos e desejos (FEATHERSTONE, 1995). O autor afirma que os profissionais da moda, do design e da publicidade estão fortemente envolvidos 32 na produção, comercialização e divulgação de bens simbólicos. De acordo com Kellner (2001), a mídia oferece ambientes simbólicos, nos quais as pessoas vivem, e influencia intensamente os pensamentos, comportamentos e estilos dessas pessoas. Para Rocha (1995) o trabalho da mídia não é vender produtos, uma vez que a venda é opcional – o consumidor pode, ou não comprar o produto – mas sim, inserir o consumidor em uma de suas regiões simbólicas pela posse do produto. Na sociedade contemporânea, o sucesso da mídia deriva da influência e do poder de persuasão, junto aos consumidores que, impulsionados a comprar e a usar determinados produtos, buscam uma distinção identitária que o “possuir” pode proporcionar (IWANCOW, 2005). A publicidade, enquanto narrativa do consumo, estabelece uma cumplicidade entre a esfera da produção com sua impessoalidade, e a esfera do consumo com sua emotividade e significação. Ela recria a imagem de cada produto. Pela atribuição de identidade, ela os particulariza e prepara para uma existência não mais marcada pelas relações de produção, mas sim pelas relações humanas, simbólicas e sociais que caracterizam o produto (ROCHA, 1995). Para McCracken (2003) a publicidade é um potente método de transferência de significado, unindo um bem de consumo a uma representação do mundo culturalmente constituído dentro de um anúncio específico. “Toda a publicidade refere-se explicitamente ao objeto como um critério imperativo: Você será julgado por... Reconhece-se uma pessoa elegante com... etc.” (BAUDRILLARD, 1993, p.202). Isto é o que o autor denomina de “rótulo psicológico”. Para Schroeder e Zwick (2004) os anúncios são como um espelho, que reflete o prometido poder de transformação dos produtos. Os autores citam o exemplo de um anúncio de bebida alcoólica onde o homem deixa de ser feio, e torna-se belo e atraente ao consumir uma bebida de marca. A propaganda utiliza imagens simbólicas para tentar criar uma associação entre as marcas oferecidas e certas características socialmente desejáveis, a fim de produzir a impressão de que é possível ser certo tipo de pessoa, através da compra e uso do produto de determinada marca (KELLNER, 2001). Segundo o autor, a propaganda está mais preocupada em vender estilos de vida e identidades socialmente desejáveis, do que em vender o próprio produto. Através do uso de construtos simbólicos com os quais o consumidor é convidado a identificar-se, os publicitários tentam induzi-los a usar o produto anunciado. Por exemplo, o homem que fuma um cigarro da marca Marlboro não está fumando apenas um cigarro, está fumando masculinidade e vigor. Essas representações criadas pela mídia, têm papel central na formação de identidade dos consumidores (SCHROEDER e ZWICK, 2004). A propaganda torna-se 33 um mecanismo importante de socialização, uma vez que os indivíduos realmente extraem a sua identidade das figuras criadas por ela (KELLNER, 2001). Hennigen (2003) também concorda que a mídia é uma fonte de referências identitárias, uma vez que as identidades são construídas culturalmente, e a mídia é um lugar privilegiado de circulação de discursos. Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos interferem diretamente na vida cotidiana dos indivíduos, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões e comportamentos sociais, e fornecendo o material para a construção de identidades (KELLNER, 2001). De acordo com Schroeder e Zwick (2004) a mídia influencia o conceito de identidade, e deve ser entendida como o resultado de mudanças sociais e culturais. Na cultura contemporânea dominada pela mídia, os meios dominantes de informação e entretenimento são fontes profundas de pedagogia cultural, pois contribuem para nos ensinar como nos comportar, o que pensar e sentir, em que acreditar, o que temer e desejar. No entanto, de forma geral, isto não ocorre de forma normativa, mas sim através do prazer propiciado pela mídia e pelo consumo, com seus agradabilíssimos instrumentos visuais e auditivos (KELLNER, 2001). O autor complementa esta idéia e afirma que os consumidores se apropriam dos textos da mídia para expressar seu estilo, aparência e identidade, uma vez que ela fornece recursos para a criação de significados, prazer e identidade. Porém a mídia também modela e conforma certas identidades. Ela fornece moldes e ideais para a modelagem da identidade individual. Estrelas como Madonna, constituem modelos de identidade através da construção de uma imagem e um modo de ser. A mídia tenta associar os produtos a características valorizadas pelos consumidores, com as quais eles se identificam. No entanto, a moda e as novas campanhas vão criando novas imagens e novos valores. Kellner (2001) afirma que desta forma, a mídia está constantemente desestabilizando as identidades criadas, e deixando-as mais instáveis e mutáveis. No universo da mídia, onde valores são criados e recriados diariamente, onde diversos artistas são fonte de inspiração identitária, e onde os produtos são consumidos muito mais pelos seus benefícios simbólicos do que pelos funcionais, a identidade parece ter sido trivializada, já que os indivíduos são definidos pela sua imagem, seu estilo e seus bens. 34 2.2 IDENTIDADE A identidade tem sido objeto de estudo bastante difundido por muitas décadas (SCHWARTZ et al, 2006). A questão da identidade tem sido extremamente discutida na teoria social. O argumento é que as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno. Assim, a crise de identidade é vista como parte de um processo mais amplo de mudança que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades, e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social (HALL, 2005). No passado, a identidade era determinada no nascimento, pela condição social e pelo sexo; hoje, diferentemente, cada um deve construir sua própria identidade (FERRARIS, 2005). O conceito de identidade é de grande importância na literatura da psicologia social (OBST e WHITE, 2005). De acordo com Mouján (1986), o conceito de identidade encerra uma idéia integradora da pessoa, que é percebida, negada ou deformada pelo Eu. Integradora, porque supõe o homem em permanente relação consigo mesmo, e com as pessoas e coisas que o rodeiam. A esta relação, se agrega a necessidade que o homem tem de se desenvolver mais plenamente através de si e dos demais. Este conceito demonstra a relação dual indivíduo-outros, que é de suma importância para o entendimento e formação da identidade. Tanto a psicologia, quanto a sociologia reconhecem a importância do indivíduo na criação da identidade, mas também, a importância do meio social neste processo. Gentry, Baker e Kraft (1995) afirmam que a identificação é um conceito psicológico, mas que a legitimidade é uma preocupação dos sociólogos. Com isto, os autores corroboram a idéia anterior, ou seja, Os indivíduos criam e escolhem suas identidades, no entanto, precisam dos outros para validar sua identidade. De acordo com Obst e White (2005), seu estudo forneceu suporte às evidencias que emergiram na literatura sugerindo que a identidade, é de fato, um construto multidimensional. De acordo com Holland (1979), é possível trazer à tona a relação entre a sociologia e a psicologia. Assim como as teorias sociais nascem numa determinada localidade social e histórica, também as teorias de “eu” são produtos de determinada estrutura de “eu” dentro de um contexto social. A reflexividade da psicologia depende de uma abordagem transdisciplinar, que utiliza uma sociologia enriquecida, capaz de esclarecer tanto a si mesma quanto à psicologia. Mas isso ainda 35 não é tudo, pois há o fato que se segue, de que quaisquer influências de formação, de contexto social, estão situadas em contextos de “eu” e incluem variáveis psicológicas. Segundo o autor, a última coisa que se deve fazer é deixar a psicologia aos psicólogos, e a sociologia aos sociólogos. Nenhum outro conceito isolado parece oferecer maiores possibilidades de investigação sobre a relação entre pessoas e sociedades, ou seja, entre as disciplinas que tratam especificamente dos fenômenos pessoais (psicologia) e sociais (sociologia) do que o conceito de identidade (HOLLAND, 1979). É justamente isto, que este capítulo objetiva: apresentar as contribuições destas duas áreas para a investigação da identidade. Inicia-se com a perspectiva psicológica, utilizando-se conceitos da psicanálise, juntamente com conceitos da psicologia social. A psicanálise colabora com a questão da formação da identidade, que é tarefa central da adolescência. Já a psicologia social, traz colaborações para o entendimento do processo de identificação, e como a identidade individual é afetada pelo ambiente externo, seja por outras pessoas, ou mesmo por grupos. A psicologia social é diretamente relacionada com a abordagem social, que é apresentada na seqüência. A perspectiva antropológica e social inicia com um breve histórico de como a identidade evoluiu, passando de algo herdado antes mesmo do nascimento, para um conceito plural, flexível e fragmentado. Ressalta-se nesta perspectiva a importância do contexto social. Mesmo sendo a identidade o projeto existencial de cada um, é preciso que haja a interação com os outros para que as identidades sejam validadas. O outro torna-se fundamental para o reconhecimento de quem nós somos. Objetiva-se então, através desta abordagem multidisciplinar, abordar a questão da identidade, conceituando-a, demonstrando sua importância, a forma como é construída, mas sobretudo, proporcionar um entendimento mais amplo e enriquecedor do tema. 2.2.1 Identidade – Perspectiva Psicológica Dentre as diversas correntes teóricas existentes na psicologia, a identidade será abordada, nesta pesquisa, a luz de conceitos da psicanálise, com base na teoria de Erik 36 Erikson; e com idéias da psicologia social, por serem consideradas as mais adequadas para os objetivos desejados pelo autor. O termo identidade é derivado da palavra em latim “idem”, e significa “o mesmo”. Pode ser definida como a qualidade e a condição do indivíduo de ser ele mesmo nos aspectos característicos da própria personalidade e nas interações com os outros, tendo consciência disso, juntamente com a percepção de uma continuidade e coerência do eu (DAUNIS, 2000). Nosso senso de eu organiza nossos pensamentos, sentimentos e ações (MYERS, 2000). Para Ladame (2001, p.1) “a identidade é um conceito psicanalítico oficial”. A teoria de Freud é de que nossas identidades são formadas com base em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente, que agem de acordo com uma lógica diferente daquela da Razão. Desta forma, acaba com o conceito do sujeito racional provido de uma identidade fixa e unificada. No entanto, mesmo o sujeito estando sempre partido ou dividido, ele vivencia sua identidade como se ela estivesse reunida e resolvida, ou unificada. Esta é a origem contraditória da identidade (HALL, 2005). Erikson é o responsável pela teoria dos oito estágios do desenvolvimento humano, considerada como a teoria universal do desenvolvimento da identidade (SNEED, SCHWARTZ e CROSS, 2006). Cada uma das oito fases envolve a convergência de forças psicológicas, biológicas e sociais. A passagem de uma fase para outra se sucede mediante a superação de uma crise. Essas crises são normativas, e necessárias para estruturação da personalidade individual (DAUNIS, 2000). A idéia principal da teoria é de que o desenvolvimento humano é realizado de acordo com um plano básico. Com a passagem de um estágio para outro, vão surgindo as partes que formam o todo, sendo que cada fase tem um tempo determinado até que seja formado um todo integral de todas as partes (ERIKSON, 1972). Levine (2005) acredita que as identidades são forjadas com base em influências sociais e culturais, que elas são múltiplas e construídas e reconstruídas através do ciclo de vida, corroborando a perspectiva de Erikson. Em cada uma destas fases há uma tarefa psico-social central. A adolescência é a quinta fase e sua tarefa central do desenvolvimento é o estabelecimento da identidade (ERIKSON, 1972). De acordo com Rocha (2003), na adolescência passa-se por profundas crises de identidade, por isto, esta fase é essencial para sua formação. Papalia e Olds (2000) afirmam que é justamente na adolescência que a busca da identidade entra em foco. Para Ladame (2001) a construção da identidade é uma 37 exigência da adolescência. No entanto, não deve ser considerada como um fim em si mesma, mas sim, um ponto de partida. Para Aronson, Wilson e Akert (2002) o eu é como um “livro”, com conteúdo compilado ao longo do tempo, e o “leitor” pode a qualquer momento acessar ou acrescentar capítulos. Para Levine (2005) a identidade deve ser entendida como um fenômeno do desenvolvimento, porque seus significados são transformados ao longo do ciclo de vida, em função das experiências vividas. Erikson (1972) reforça a questão da continuidade, ao salientar que a identidade não é algo estático e imutável. De acordo com o autor acima, na adolescência o indivíduo começa a formar uma noção coerente de self, que fornece um senso de continuidade com o passado e direção para o futuro. A continuidade é importante para adotar e depois manter papéis reconhecidos em uma comunidade. A falta de continuidade resulta em confusão de identidade (DUNKEL, 2005). O autor salienta ainda, que assim como a confusão de identidade, a adoção de um novo papel pode deixar o indivíduo constrangido no início. Com o passar do tempo, o que começara como representação vai sendo absorvido pelo eu. É como se a farsa se tornasse realidade. O autor complementa dizendo que estamos sempre administrando as impressões que criamos, ou seja, estamos sempre representando para uma audiência. A questão de o indivíduo assumir papéis corrobora o que foi exposto anteriormente: a idéia de que a identidade é algo mutável. Estamos constantemente assumindo papéis, conforme as situações que enfrentamos. Hall (2005) acredita que ao invés de falar da identidade como uma coisa acabada, deve-se falar de identificação, e vê-la como um processo em movimento. Os modelos psicanalíticos definem identificação como um processo onde o indivíduo desenvolve vínculos com outras pessoas ou grupos. A identificação é considerada um processo inconsciente de imitação dos outros, que servem de modelos para crenças, valores e comportamentos. Com a maturidade, a identificação envolve escolha consciente e a discriminação entre as possíveis identidades (REED II, 2002). De forma bastante semelhante, a identificação, segundo Daunis (2000, p.117) é “o processo pelo qual um indivíduo pretende adquirir comportamentos ou qualidades do(s) modelo(s) que acha relevante(s) na sociedade e que deseja para ele mesmo”. A identificação pessoal ocorre quando os jovens escolhem os valores e as pessoas aos quais serão leais, ao invés de aceitar as escolhas de seus responsáveis (PAPALIA e OLDS, 2000). Daunis (2000) afirma que a identificação entre os jovens, seja através do comportamento, valores, ou até mesmo através das roupas, pode ser 38 bastante forte. Uma justificativa para isso é que os jovens ajudam-se mutuamente a superar as crises decorrentes desta fase complicada, onde eles não sabem seu verdadeiro significado, nem a percepção dos outros a seu respeito. Apesar da busca pela diferenciação, o adolescente tem necessidade de identificação e reconhecimento por parte dos jovens de sua idade (DAUNIS, 2000). A identificação é motivada por benefícios psicológicos e emocionais. Os indivíduos tentam conquistar uma identidade positiva, identificando-se com pessoas e grupos atrativos (FISHER e WAKEFIELD, 1998). Erikson (1972) salienta que a identidade é formada através de trocas com o meio social, tanto que aspectos do meio social são selecionados e incorporados no desenvolvimento da identidade. A interação social é fundamental para o desenvolvimento do sentido do eu (ARONSON, WILSON e AKERT, 2002). Daunis (2000) acredita que na adolescência o jovem pode e deve encontrar sua identidade própria, pois ele já desenvolve um sentido pessoal próprio da realidade. Sua forma de lidar com o mundo externo e enfrentar as dificuldades da vida é uma variante das formas adotadas por outras pessoas. Enquanto procura sua forma própria e pessoal, vai identificando-se temporariamente com os papéis apresentados pelo meio ambiente. O “eu” é um tema de fundamental importância na psicologia social porque ajuda a organizar nosso pensamento e orienta nosso comportamento. Estudos apontam que a genética influencia a identidade, mas a experiência social também (MYERS, 2000). De acordo com Aronson, Wilson e Akert (2002) as outras pessoas influenciam a opinião que temos sobre nós mesmos, assim como nós também influenciamos a idéia que elas têm de si mesmas. A identidade surge não da plenitude da identidade que está dentro de nós, mas de uma falta de inteireza que é preenchida pelo nosso exterior, pelas formas através das quais imaginamos ser vistos pelos outros (HALL, 2005). Freqüentemente nos vemos através dos olhos de outras pessoas. Por isso, grande parte do que sabemos sobre nós mesmos pode sofrer influência dos outros. A maneira como eles nos vêem molda a definição que temos de nós mesmos. É como se eles segurassem um espelho que reflete a imagem que fazem de nós (ARONSON, WILSON e AKERT, 2002). De acordo com Myers (2000) os seres humanos se preocupam muito com o que as pessoas pensam deles. Gastam com roupas, dietas, cosméticos e cirurgia plástica, porque se preocupam com o que os outros pensam a seu respeito. Os indivíduos agem como camaleões sociais, ajustando seu comportamento de acordo com o que as pessoas esperam que eles sejam. 39 De acordo com Oliveira, Camilo e Assunção (2003) os grupos representam um importante contexto sócio-afetivo alternativo. Eles emergem como fontes importantes de identificação e referência para os adolescentes. Os relacionamentos que temos com os outros contribuem para nosso desenvolvimento. Assim, a ameaça de rejeição social motiva-nos a agir com maior sensibilidade às expectativas dos outros. Estudos confirmaram que a rejeição social baixa a auto-estima do indivíduo, o que reforça a ansiedade por aprovação (MYERS, 2000). Os grupos têm poder de influenciar os indivíduos, levando-os a fazer algo que eles não fariam se estivessem sozinhos (MYERS, 2000). É essencial que esta nova identidade, que está sendo construída pelo jovem, seja reconhecida e apoiada pelos grupos sociais que são significativos para ele, como sua turma, sua cultura, etc. (ERIKSON, 1972). A psicologia traz sua contribuição, a partir do momento que destaca a importância da adolescência para o desenvolvimento da identidade. Destaca também, a importância das fontes de identificação, que na infância eram os pais, e agora passam a ser os grupos, e o meio social. No capítulo a seguir, aborda-se a identidade através de uma perspectiva antropológica e social. Apesar de suas particularidades, há diversas semelhanças com a abordagem psicológica. 2.2.2 Identidade: Perspectiva Antropológica e Social Com o intuito de complementar a perspectiva psicológica e ampliar a gama de contribuições teóricas a este estudo, esta seção tratará dos conceitos relacionados à identidade sob a perspectiva antropológica e social. A abordagem antropológica, mais especificamente, diz respeito à evolução da noção de identidade. Enquanto que, a abordagem social se refere à questão da construção da identidade, sua validação e seu conceito. Na antiga tribo dos Zuñi, em cada clã encontrava-se um conjunto de nomes que eram conferidos na infância, e selecionados segundo modos sociológicos e divinatórios. Estes nomes definiam exatamente o papel que cada um desempenhava no clã (MAUSS, 2003). A identidade era fixa, sólida e estável. Era função de papéis sociais predeterminados e de um sistema tradicional de mitos, fonte de orientação e de sansões que definiam o lugar de cada um no mundo, e circunscrevia os campos de pensamento 40 e comportamento. O indivíduo nascia e morria como membro do mesmo clã, com a trajetória de vida fixada de antemão (KELLNER, 2001). Nas sociedades pré-modernas, a identidade não era uma questão problemática e não estava sujeita nem a reflexão, nem a discussão (KELLNER, 2001). Acreditava-se que ela era divinamente estabelecida, e desta forma, não estava sujeita a mudanças. O status e a posição de uma pessoa na cadeia do ser - a ordem secular e divina das coisas - predominavam sobre qualquer sentimento de que a pessoa fosse um indivíduo soberano (HALL, 2005). Os indivíduos não passavam por crises de identidade. O indivíduo que era caçador obtinha sua identidade por meio desse papel e dessas funções (KELLNER, 2001). As sociedades foram evoluindo e segundo Mauss (2003), de uma simples mascarada à máscara, de um personagem a uma pessoa, a um nome, a um indivíduo; deste a um ser com valor metafísico e moral; de uma consciência moral a um ser sagrado; deste, à uma forma fundamental de pensamento e de ação, foi assim que a noção de pessoa aconteceu. Hoje, mais do que pessoa, fala-se em identidade, em self (FOLLMANN, 2001). A modernidade libertou o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas (HALL, 2005). Ela ofereceu novas possibilidades de construção da identidade. Permitiu que o indivíduo construísse, dentro de certos limites, sua própria identidade, e passasse por crises de identidade (KELLNER, 2001). O indivíduo, que antes possuía uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado, composto de várias identidades, algumas contraditórias e não-resolvidas (HALL, 2005). A identidade torna-se mais móvel, múltipla, pessoal e sujeita às mudanças e inovações (KELLNER, 2001). A identidade evoluiu muito com o passar do tempo. De um conceito rígido, inflexível e determinado antes mesmo do nascimento do indivíduo, passou para um conceito flexível, cambiante e repleto de possibilidades. Uma abordagem mais multidisciplinar sobre o tema pode ter contribuído para a evolução deste conceito. Identidade é uma capacidade autônoma de produção e de reconhecimento do nosso eu (MELUCCI, 2004). Castells (2003, p.3) entende por identidade “o processo de construção do significado com base num atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, os quais prevalecem sobre outras formas de significado”. A identidade é composta por aquilo que acreditamos ser, aquilo que queremos ser, e aquilo que o outro espera que nós sejamos (FOLLMANN, 2001). De forma muito semelhante, Sirgy (2002) comenta que a identidade é formada por uma 41 perspectiva multidimensional, composta pelo self atual, que é como a pessoa percebe a si mesma; pelo self ideal, que se refere a como a pessoa gostaria de ser percebida; e pelo self social, que diz respeito a como a pessoa se apresenta para os outros. Follmann (2001) finaliza dizendo que a identidade é uma construção realizada para os outros e para si, tendo por resultado a ligação entre o que é herdado e o que é almejado, e entre o que é atribuído e o que é assumido. Segundo Melucci (2004), indivíduo e sistema constituem-se reciprocamente, e o sujeito só tem consciência de si mesmo na delimitação perante um ambiente externo. Para Follmann (2001) e Burke e Tully (1977), o conceito de identidade nasceu da idéia de interação. O ser humano é um ser de projetos, que vive em processo constante de construção de identidade. Vive tentando unir seus projetos pessoais com os projetos coletivos. É desta união que resulta a identidade (FOLLMANN, 2001). A identidade é um projeto reflexivo, que cada indivíduo deve tomar por si só, mas em interação com os outros. Para construir uma identidade aplicável à vida na modernidade, é preciso manter o passado, presente e futuro juntos, em uma narrativa autobiográfica coerente, mas sempre cambiante (ASKEGAARD, GERTSEN e LANGER, 2002). A identidade de uma pessoa não se encontra no comportamento, nem nas reações dos outros, mas na capacidade de sustentar tal narrativa (ASKEGAARD, GERTSEN e LANGER, 2002; GIDDENS, 2002). A construção da identidade é um projeto existencial de cada indivíduo (KELLNER, 2001). A identidade é formada ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência desde o momento do nascimento. Ela permanece sempre incompleta, está em contínua formação (HALL, 2005). “A identidade é o processo resultante de uma construção social, de uma construção pessoal e de uma construção na integração do nível pessoal com o social, sendo assim, ao mesmo tempo, algo proposto socialmente e algo reivindicado pessoalmente” (FOLLMANN, 2001, p.59). Sentimento de diferença, autonomia, inter-relação entre individual e coletivo, ressituar-se coerentemente com o tempo na relação entre passado e futuro, articulação entre singularidade e pluralidade, são aspectos que colaboram para a construção da identidade (FOLLMANN, 2001). De acordo com o autor (p.52), “a identidade, na medida em que é construída na sociedade, não pode ser vista em função da singularidade que se diferencia, mas ela resulta sempre da articulação de uma identidade no seu entorno de pluralidade”. 42 É preciso salientar, que a identidade é concebida no nível do indivíduo, mas também no nível do coletivo. Desta forma, pode-se dividir a identidade em dois tipos: a pessoal e a coletiva. A identidade pessoal se refere aos atributos específicos da pessoa. A identidade social, por sua vez, se refere aos membros do grupo social (GENTRY, BAKER e KRAFT, 1995). Para Luhtanen e Crocker (1992) a identidade pessoal diz respeito a como as pessoas se vêem enquanto indivíduos. A identidade social diz respeito a como elas vêem o grupo social ao qual pertencem. De acordo com Oliveira, Camilo e Assunção (2003) a identidade pessoal resulta da diferenciação, da emergência de formas subjetivas que escapam ao outro. É por meio delas que o indivíduo constrói sua singularidade. Kleine, Kleine e Kernan (1993) complementam e afirmam que os indivíduos não se diferem apenas em termos da identidade que se atribuem, mas também de acordo com a importância (ou saliência) que atribuem a determinadas identidades. Polletta e Jasper (2001) definem identidade coletiva como uma conexão cognitiva, moral e emocional do indivíduo com um grupo. É a percepção de uma relação compartilhada, que não precisa necessariamente ser experienciada, podendo ser imaginada. Goffman (1985) talvez tenha sido um dos primeiros a usar o termo identidade social. Para Oliveira, Camilo e Assunção (2003) a identidade coletiva privilegia a homogeneidade, fatores que garantem a coesão interna, e ao mesmo tempo, a diferenciação do que é externo. Gentry, Baker e Kraft (1995) e Luhtanen e Crocker (1992) concordam que os indivíduos tentam manter, ou mesmo realçar, não apenas uma identidade pessoal positiva, mas também, uma identidade coletiva positiva. Quando se trata de identidade, no contexto sociológico, mesmo que se fale de identidade pessoal, é preciso ter noção da importância do outro. De acordo com Kellner (2001) podemos escolher, criar e recriar nossas identidades, no entanto, é preciso obter o reconhecimento dos outros para assumir uma identidade socialmente válida. Conforme exposto pelos diversos autores ao longo deste capítulo, a identidade é um conceito que depende não apenas do indivíduo que a assume, mas da interação e do relacionamento deste indivíduo com outros. O meio social interfere na identidade do indivíduo, e da mesma forma ele interfere no meio social. É uma relação de interdependência. O indivíduo preocupa-se com sua identidade pessoal, única e singular, que o individualiza; mas também mantém sua identidade coletiva, aquela que o identifica com os outros e o faz sentir-se aceito. 43 No entanto, o indivíduo não tem apenas uma identidade pessoal e uma identidade social. Ele tem várias identidades, que variam conforme a situação em que o indivíduo se encontra. É por isso, que se diz que a identidade é múltipla e mutável. Na próxima seção aprofunda-se um pouco mais a idéia da identidade situacional. 2.2.2.1 Identidade situacional Nesta seção será tratado do conceito de identidade situacional. Goffman é o nome mais proeminente nesta teoria. A idéia é que o indivíduo possui múltiplas identidades e que elas são acionadas conforme as situações em que o indivíduo se envolve vão mudando. É como se em cada situação fosse acionada uma identidade específica para aquele momento. Esta idéia também é abordada na literatura como representação de papel, ou seja, o indivíduo representa diferentes papéis, em diferentes situações. Esta é uma abordagem típica das ciências sociais, uma vez que ela depende diretamente da interação entre indivíduos. De acordo com Hall (2005) uma mudança estrutural está transformando as sociedades modernas. Isso está fragmentando as posições de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que no passado tinham fornecido sólidas bases para os indivíduos sociais. Rosenbaum (1999) complementa esta idéia, e afirma que a identidade evolui constantemente em resposta às mudanças nos ambientes cultural e material. A identidade é construída historicamente, e não biologicamente. O indivíduo assume diferentes identidades em diferentes momentos. Ele não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. À medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade cambiante de identidades possíveis, com as quais poderíamos nos identificar, ao menos temporariamente (HALL, 2005). As diversidades da vida nos levam sempre a questionar e reformular nossa identidade (MELUCCI, 2004). Segundo Hall (2005) a identidade permanece sempre incompleta, e está em constante formação. O sujeito, que antes era visto como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado, composto não de uma, mas de várias identidades, algumas delas inclusive contraditórias. Para REED II (2002) temos 44 identidades mais permanentes (como por exemplo, mãe, filha, amiga), e outras mais transitórias (como atleta, estudante, republicana). De acordo com Goffman (1985) o indivíduo assume um papel em uma dada situação, e precisa assim, abandonar os outros. “Um papel é um padrão prescrito de comportamento esperado de uma pessoa em uma dada situação, em virtude da posição da pessoa naquela situação” (HAWKINS, BEST e CONEY, 1995, p.152). Conforme a interação entre os indivíduos vai progredindo, outros papéis vão sendo assumidos. Ou seja, a identidade é mutável, relacional, e varia conforme a situação em que o indivíduo se encontra (GOFFMAN, 1985; BURKE e TULLY, 1977). Imagina-se muitas vezes que o indivíduo tem um número de “eus” equivalente ao das diferentes situações (GIDDENS, 2002). Ger (1998) acredita que nós podemos trocar de identidade como nós trocamos de roupa. Hawkins, Best e Coney (1995) corroboram a idéia de Goffman, e afirmam que os papéis são baseados nas posições, e não nos indivíduos. Por exemplo, quando um indivíduo assume o papel de estudante, espera-se que ele estude e vá à aula. O mesmo comportamento genérico é esperado de todos os outros estudantes, pois, estudar e ir a aula faz parte deste papel, e não de um indivíduo específico. Um indivíduo homossexual ativa esta identidade homossexual em uma situação social específica, como uma parada gay, mas a deixa escondida em outras situações, como no ambiente de trabalho (PEREIRA, AYROSA e OJIMA, 2005). Segundo Andacht (2004), o ser humano é aquele que vive da representação, e que pode representar outra coisa diferente do que ele é. Para Ahuvia (2005) os indivíduos têm o grande desafio de escolher quem eles querem ser, e é por isso que eles encontram dificuldades em desenvolver e manter um sentido coerente do self. Hall (2005) complementa a idéia anterior, ao afirmar que o sujeito assume diferentes identidades em diferentes momentos, e que estas identidades não são unificadas ao redor de um "eu" coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, fazendo com que nossas identificações sejam continuamente deslocadas. O indivíduo pode ser negro e britânico, por exemplo, porque mesmo esses dois termos, unidos agora pela conjunção “e”, contrariamente à oposição de um ao outro, não esgotam todas as identidades possíveis ao indivíduo (HALL, 2003). No entanto, para Castells (2003) essa pluralidade de identidades é fonte de tensão e contradição, tanto na representação, quanto na ação social. 45 A identidade é um sistema de relações e representações. Possuímos muitas identidades – a pessoal, a familiar, a social, entre outras. O que muda é o sistema de relações. A identidade é uma relação composta por nossa capacidade de nos reconhecermos e a possibilidade de sermos reconhecidos pelos outros. Conforme Reed II (2002), quando o indivíduo adota uma identidade pela primeira vez, ele tende a ficar inseguro. O feedback dos outros torna-se muito importante, ao menos no início. Os reforços subseqüentes dos outros, ajudarão o indivíduo a validar aquela identidade. Valentine (2000) afirma que ao produzir sua própria narrativa do self, os jovens precisam aprender a negociar esta ambigüidade. É um processo relacional, onde o jovem tem que experienciar definições concorrentes de sua identidade, que emanam de casa, da escola, da sociedade. Na atualidade, os teóricos não consideram mais a identidade como fixa e estável. Eles falam de múltiplas identidades, identidades situacionais, e até mesmo em representação de papéis. Sabe-se que os indivíduos não agem da mesma forma em todos os lugares e com todas as pessoas. Na universidade, o indivíduo assume o papel de aluno, mas no trabalho, este papel não é apropriado, então ele aciona sua identidade profissional. Há uma variedade de identidades que podem ser assumidas nas mais diferentes situações e relações, sendo algumas mais adequadas que outras. O problema é formar um eu coerente, uma vez que muitas destas identidades são contraditórias entre si. 2.3 CONSUMO E IDENTIDADE Os produtos não são consumidos no vácuo. Eles geralmente representam papel importante na vida social dos consumidores. Em função disso, realça-se a necessidade de psicólogos do consumidor e marketeiros entenderem melhor como as tendências do consumo são usadas pelos consumidores para categorização dos outros, e para construção da própria identidade (SOLOMON, 1988). Conforme Kellner (2001) as pessoas são individualizadas através de números: da seguridade social, do título de eleitor, até os bancos de dados. Criar uma identidade significa recusar-se a ser definido por essas determinações, e optar por outras formas de identificação. A cultura do consumo fornece, cada vez mais, recursos para a criação de identidades. Os indivíduos escolhem seus próprios significados através da afirmação 46 de alguns emblemas identitários, e rejeição de outros. O consumo e a mídia marcam e constroem as subjetividades contemporâneas. As identidades configuram-se no consumo, e dependem daquilo que se possui ou do que se pode vir a consumir (CAMPOS e SOUZA, 2003). Houve um tempo em que identidade era aquilo que se fazia: constituía-se de compromissos, escolhas morais e existenciais. Hoje em dia, ela é aquilo que se aparenta, a imagem, o estilo e o jeito como a pessoa se apresenta. A identidade pósmoderna é construída teatralmente pela representação de papéis e construção de imagens. Ela está centrada na aparência, na imagem e no consumo. A identidade não tem nada de profundo, como supunham as teorias modernas, que presumiam um eu essencial ou o projeto de criação de um eu autêntico (KELLNER, 2001). De acordo com o autor acima, é evidente que a identidade pós-moderna tende a ser mais construída a partir do consumo e de imagens, do que as identidades modernas, e que tende a ser mais instável e sujeita à mudanças. A identidade pode ser reconstruída, e somos livres para nos transformarmos e nos reconstruirmos, à medida que são oferecidas novas possibilidades, novos estilos e novos modelos. A questão simbólica do consumo vem ganhando destaque no meio acadêmico em função de sua relevância e influência na vida dos indivíduos, especialmente no que tange sua relação com a identidade. O consumo torna-se uma necessidade, condição essencial para a vida dos indivíduos contemporâneos. Com base na hierarquia das necessidades de Maslow, pode-se destacar duas dimensões simbólicas, que são: estima e pertencimento. De acordo com Hawkins, Best e Coney (1995) a estima pode ser obtida através do uso de roupas, móveis, automóveis e bebidas; produtos que proporcionam status, prestígio e sentimento de superioridade. Da mesma forma, os indivíduos podem usar produtos de beleza, roupas e entretenimento como forma de serem aceitos e de pertencerem a um grupo. Os produtos ajudam na construção do mundo dos indivíduos, sendo ainda considerados constituintes da identidade pessoal e social deles (FRIEDMAN, 1994). De acordo com Follmann (2001) o modo dicotômico de distinção entre o nível pessoal e social, no que tange a identidade, sempre foi considerado problemático. O conceito de identidade encontra seu lugar na sociologia, na medida em que consegue dar conta da dualidade de ser, ao mesmo tempo, para o outro e para si mesmo. Ao mesmo tempo em que individualiza seu possuidor na representação simbólica, o objeto também serve de amálgama social, ou seja, ao mesmo tempo em que difere e personaliza, liga o indivíduo 47 ao social justamente a partir do reconhecimento do apreço ao objeto pelo grupo. É o social que legitima o valor simbólico do objeto (COELHO, 2002). Este capítulo faz a ligação dos dois capítulos anteriores, evidenciando a relação entre o consumo e a identidade. Inicia-se com a perspectiva individual, onde é demonstrada a importância do consumo para a construção da identidade do indivíduo. Apresentam-se os significados atribuídos ao consumo, como status, auto-expressão, individualidade, estilo de vida e transformação que impactam na percepção de identidade dos indivíduos. Na seqüência, aborda-se a perspectiva coletiva, demonstrando como o consumo dos grupos influencia e colabora para construção da identidade dos indivíduos, e de que forma os indivíduos utilizam-se do consumo para serem aceitos e reconhecidos pelos grupos. Por fim, apontam-se alguns problemas decorrentes da criação de identidades fortemente embasadas no consumo. 2.3.1 Consumo e Identidade Individual Em seu artigo seminal “Possessions and the Extended Self”, Belk (1988) aborda a importância das posses para a identidade dos indivíduos através do conceito de self estendido. Segundo ele as posses são extensões do self. Souza, Henrique e Brei (2006, p.2) definem self estendido como “a relação entre o self e as posses, construto central para explicação de uma variedade de comportamentos de consumo”. Segundo Belk (1988), não há como entender o comportamento do consumidor, sem entender os significados que ele atribui às suas posses. De forma intencional, ou não, nós consideramos nossas posses como sendo parte de nós. Um produto é uma unidade de informação social sobre seu dono (HYATT, 1992). De acordo com McCracken (2003) os consumidores passam um bom tempo comparando, mostrando, ou discutindo sobre suas posses. Coelho (2002) vai além, e afirma que transferimos sonhos e expectativas para os objetos, e que temos por alguns deles os mesmos sentimentos que temos por uma pessoa - alguns mais queridos e desejados, outros desprezados. Desta forma, não há nada mais natural, que tenhamos relações especiais com os objetos além de seu simples uso. Quando o consumidor se relaciona com os objetos, os significados dos signos e códigos que compõem os mesmos são transferidos a ele, a ponto de constituírem sua 48 identidade. Desta forma, os consumidores irão se relacionar aos objetos com que ele se identifica, que possuem coerência com sua identidade, a ponto de compô-la (FONSÊCA e MELLO, 2005). De acordo com Coelho (2002), assim como os textos refletem sua autoria, os objetos refletem a identidade de quem os possui. As posses são o reflexo de nossas identidades (BELK, 1988). Desta forma, é possível afirmar que os indivíduos usam produtos e marcas para criar, desenvolver e manter suas identidades (ELLIOTT, 1997; FRIEDMAN, 1994; PIACENTINI e MAILER, 2004; SCHOUTEN, 1991). Rosenbaum (1999) concorda com esta idéia, e afirma que os produtos podem afetar as percepções de si próprio, e assim, contribuir para a formação da própria identidade. Pesquisas prévias do consumidor prevêem a conexão entre o senso de identidade e as posses (KLEINE, KLEINE e KERNAN, 1993). Os resultados do estudo de Elsbach (2004) corroboram esta afirmação, pois fornecem evidências de que os objetos usados na decoração do escritório são usados para interpretar a identidade dos indivíduos. Em uma pesquisa realizada por Lee e Conroy (2006) para explorar a experiência das mulheres com o uso de seus produtos de beleza favoritos, percebeu-se que as mulheres pesquisadas se sentiam inseguras, ou com um sentimento de perda de identidade quando não podiam usar os produtos de beleza de sua marca preferida. Este tipo de sentimento é muito comum com as roupas. Segundo Silva, Cerchiaro e Mascetti (2004) o vestuário, por exemplo, é usado pelos indivíduos como uma forma de concretizar e reforçar sua auto-imagem, deixando-os mais seguros. As roupas, tão próximas do corpo, fornecem uma rica base para o estudo de como o consumo é usado na construção do self. Piacentini e Mailer (2004) acreditam que as escolhas de roupas feitas pelos jovens estão amarradas ao seu auto-conceito. Existem mais produtos que são citados por outros autores como influenciadores, ou representantes da identidade. Valentine (2000) diz que o álcool e o cigarro têm um papel importante na construção da identidade dos meninos, pois marcam sua valentia; e Belk (2004) cita o automóvel como objeto de identificação masculina. Segundo McCracken (2003) o consumidor é alguém engajado em um projeto cultural, cujo propósito é completar o self. O consumo supre os indivíduos com os materiais culturais necessários para seu conhecimento do que é ser homem ou mulher, jovem ou idoso, pai, cidadão ou profissional. Os produtos contam estórias sobre quem nós somos e com quem nos identificamos (WATTANASUMAN, 2005). Os consumidores escolhem marcas que contribuem e fornecem material cultural relevante para seus 49 projetos de identidade (HOLT, 2002). O consumo é central para a prática de significados da vida diária (WATTANASUMAN, 2005). De acordo com Wattanasuman (2005) os indivíduos consomem produtos e serviços para construir imagens corporais que sejam condizentes com suas identidades. Schroeder e Zwick (2004, p.21) dizem que o consumo representa um papel importante na construção, manutenção e representação do corpo masculino, por exemplo. Para Schouten (1991) a cirurgia plástica é usada para reintegrar a identidade. No seu estudo, uma das entrevistadas relata como a rinoplastia e o implante de queixo foram importantes para reconstrução de sua identidade. Isto significa que a cirurgia plástica é entendida como parte da construção da identidade (ASKEGAARD, GERTSEN e LANDER, 2002). É como se uma mudança no corpo, ou seja, na aparência, fosse capaz de proporcionar uma nova identidade. Isto vem ao encontro da idéia de Giddens (2002), de que o consumo de bens sempre renovados torna-se um substituto do desenvolvimento genuíno do eu - a aparência substitui a essência. Para muitas pessoas, especialmente as de classe alta, a aparência é uma característica particularmente saliente da identidade (SCHROEDER e ZWICK, 2004). Schouten (1991) complementa dizendo que o corpo e seus adornos são especialmente relevantes como símbolos de identidade. Para o autor, a cirurgia plástica, assim como roupas, cosméticos e equipamentos de ginástica fornecem alguns controles diretos sobre a aparência física, e através disso, podem fornecer poder e confiança nas relações sociais e íntimas. A preocupação dos consumidores em escolher e expor suas posses de modo a criar uma afirmação estilística a seu respeito demonstra o quanto as práticas de consumo são carregadas de significados culturais (FERNANDES e SANTOS, 2006). Esses significados podem ser considerados como benefícios simbólicos do consumo, e fornecem individualidade, status, auto-expressão, estilos de vida e transformação. Individualidade O corpo, as roupas, as preferências de comida e bebida, a casa e o carro de uma pessoa são vistos como indicadores da individualidade do consumidor (FEATHERSTONE, 1995). Nas sociedades de consumo, a identidade tem sido cada vez mais vinculada ao modo de ser, à produção de uma imagem, à aparência pessoal. É como se cada um tivesse que ter um estilo e uma imagem particulares para ter identidade (KELLNER, 2001). Há cada vez mais a preponderância dos processos de 50 consumo, fazendo com que os indivíduos sejam levados a identificar-se com objetos que os diferenciam dos demais (CAMPOS e SOUZA, 2003). Muitos produtos conferem identidade porque eles permitem que os consumidores se diferenciem. Estes produtos simbolizam características únicas dos seus donos (ROSENBAUM, 1999). Na construção da identidade, o senso de quem se é, é constantemente definido através do contraste com os outros. Dentro desta lógica, o uso da moda pelos consumidores é para desenvolver um senso de identidade pessoal através do contraste entre sua orientação de moda e aquela dos outros (THOMPSON e HAYTKO, 1997). Status Elsbach (2004) afirma que os objetos de uma pessoa são capazes de demonstrar sua distinção e status, que são componentes centrais da identidade social. Os consumidores consomem produtos que expressam ou simbolizam status porque eles têm necessidade de expressar este aspecto para os outros (HAWKINS, BEST e CONEY, 1995). Os indivíduos tentam ser diferentes dos outros, se sobressair, chamar a atenção. Para isso, mostram seu status e cultivam uma aparência sofisticada (DAUNIS, 2000). De acordo com Eastman, Goldsmith e Flynn (1999) os consumidores compram produtos pelo status que eles conferem, independente de sua renda ou classe social. Auto-Expressão Os produtos podem servir como símbolos e comunicar significados sobre aqueles que os possuem (HAWKINS, BEST e CONEY, 1995). As posses podem ser consideradas como um complemento para expressão verbal (ROSENBAUM, 1999). O indivíduo moderno tem consciência de que se comunica através de suas roupas, sua casa, seu carro, e muitos outros produtos que usa. A preocupação com este tipo de comunicação não se encontra apenas entre os jovens e os abastados. Na cultura de consumo, todos têm a oportunidade de se aperfeiçoar e auto-expressar, independente da idade ou da classe social (FEATHERSTONE, 1995). Autores como Belk, Bahn e Mayer (1982), Hawkins, Best e Coney (1995), Keith e Rennae (1995), Kleine, Kleine e Kernan (1993) e Sirgy (1982) afirmam que os indivíduos usam o consumo como forma de auto-expressão. Esta afirmação foi evidenciada no estudo realizado por Piacentini e Mailer (2004). 51 Estilos de vida Os objetos determinam estilos de vida (CAMPOS e SOUZA, 2003). “Em maior ou menor grau, o projeto do eu vai sendo traduzido como a posse de bens desejados e a perseguição de estilos de vida artificialmente criados” (GIDDENS, 2002, p.183). O bem é adquirido na antecipação da compra eventual de um pacote muito maior de bens, atitudes e circunstancia, do qual é parte integrante. Os indivíduos compram carros, relógios, roupas e perfumes a fim de tomar posse do estilo de vida ao qual aspiram (MCCRACKEN, 2003). A mídia oferece ao consumidor a possibilidade de assumir um estilo de vida glorioso, através do consumo do produto anunciado. É como se todos os problemas do consumidor sumissem ao consumir o produto (CUSHMAN, 1990). Transformação Os objetos podem estender o self, como uma ferramenta que nos permite fazer algo que sem ela, nós seríamos incapazes de fazer. Os objetos também podem estender o self simbolicamente, como quando um uniforme, ou um troféu nos permite convencer a nós mesmos, e aos outros, que podemos ser uma pessoa diferente do que somos sem estes objetos (BELK, 1988). Os produtos são celebrados pelo seu poder de transformação, pela sua capacidade de transcender a pessoa para uma identidade inteiramente nova (FUNG, 2002). Segundo McCracken (2003) os consumidores esperam que a compra de um novo carro, ou um novo relógio transformem seu self, conferindo a ele propriedades simbólicas inteiramente novas. Hawkins, Best e Coney (1995) afirmam que o consumidor julga os produtos de acordo com o poder que eles têm de ajudá-lo a tornarse a pessoa que ele quer ser e da forma que ele quer que os outros o vejam. O filme “Uma linda mulher” põe em cena o papel fundamental da imagem na construção da identidade nas sociedades contemporâneas. Uma prostituta da classe operária conhece um príncipe encantado e transforma-se: de deselegante mulher da rua, passa a ser uma elegantíssima beldade. O filme ilustra o processo de autotransformação através da moda, dos cosméticos, e do modo de ser, bem como o grau de mediação da identidade pela imagem e pela aparência na cultura contemporânea. A mensagem do filme é que é possível – através da imagem, da aparência e da moda – transformar a própria identidade, transformar-se em um novo “eu” (KELLNER, 2001). 52 Segundo Wattanasuman (2005) quando queremos conquistar uma nova identidade, muitas vezes, precisamos abandonar as velhas, e para isso, precisamos nos desfazer de algumas posses as quais elas estão atreladas. Belk (1988) complementa ao dizer que isto geralmente ocorre quando as imagens, antes incorporadas ao self estendido, mudam. Madonna é um exemplo de que a identidade tem possibilidade de ser alterada. Ela foi sucessivamente dançarina, modelo, cantora, atriz, empresária e superstar pop. Deixou de ser o objeto sexual, a garota interesseira, a loira ambiciosa, para ser a artista de videoclipes e espetáculos pop. Seus cabelos mudaram. Seu corpo passou de suave a sensual. A roupa que usava mudou do barato espalhafatoso para a alta costura. Novas imagens e novas identidades para todas as ocasiões (KELLNER, 2001). Para Hall (2005) pode-se concluir que a globalização tem a capacidade de contestar e deslocar as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades, tornando-as mais plurais e menos fixas. Filho, Lopes e Carrascoza (2006) fazem trocadilhos com questões filosóficas para demonstrar como o consumo está incorporado aos valores da sociedade contemporânea. “Consumo, logo existo” tornou-se condição de existência. “Dize-me o que consomes que te direi quem és” tornou-se condição de identidade. Segundo Baudrillard (1993, p.203) “toda pessoa é qualificada por seus objetos”. A sociedade decide que tipo de pessoa você é fazendo deduções sobre o que você consome (LEVY, 1959). O indivíduo vale pelo que ele possui, pelo que ele veste, pelo que ele consome (CAMPOS e SOUZA, 2003). O “ter” e o “ser” são distintos, mas inseparáveis (BELK, 1988). Parece que o “ter” e o “poder” têm sido mais valorizados que o “ser”. Diversos autores demonstram ao longo desta seção, a forte relação existente entre o consumo e a identidade. Fica evidente, que o consumo funcional - aquele onde a roupa é comprada para vestir o corpo, e o automóvel é usado como meio de transporte – deu espaço para o consumo simbólico, o consumo de dimensões muito mais profundas. Os indivíduos buscam, através dos produtos e marcas que usam e consomem, maneiras de se auto-expressar, de demonstrar seu status e prestígio, o quão únicos eles são, o estilo de vida requintado e invejável que eles têm, ou mesmo uma identidade completamente nova. Os produtos e marcas são capazes de proporcionar tudo isso aos indivíduos. Existe também a influência exercida pelos grupos para que o indivíduo consuma produtos e marcas, a fim de que não seja rejeitado por eles. Consumo e identidade coletiva é o tema que se apresenta na próxima seção. 53 2.3.2 Consumo e Identidade Coletiva Entender a base dos relacionamentos entre os indivíduos e seus grupos é de grande interesse para os pesquisadores do consumidor (FISHER e WAKEFIELD, 1998). A literatura sobre o tema aborda a questão do grupo de referência. De acordo com Schiffman e Kanuk (1997) o grupo de referência é um grupo que serve como forma de comparação (ou referência) para um indivíduo na formação de seus valores, atitudes e comportamentos. Para Hawkins, Best e Coney (1995) um grupo de referência é um grupo que um indivíduo usa como guia para comportamento em uma situação específica. Existem dois tipos de grupos de referência: associação e aspiração. O grupo de associação é aquele grupo ao qual o indivíduo já pertence. O grupo de aspiração é aquele grupo ao qual o indivíduo deseja pertencer (ESCALAS e BETTMAN, 2003; SOLOMON, 2002). De acordo com Escalas e Bettman (2003), os efeitos dos grupos de aspiração são maiores que os dos grupos de associação. Segundo Sengupta, Dahl e Gorn (2002) a auto-estima de alguém pode ser reforçada pela posse e pelo consumo de produtos que são associados com grupos admirados. De acordo com Follmann (2001), uma questão fundamental para o conceito de identidade é o sentimento de diferença, de singularidade. Mas, o autor também enfatiza que o sujeito individual se manifestará sempre na sociedade, em suas diferentes expressões coletivas - grupos, movimentos, organizações – acionando e alimentando processos de identidade. Melucci (2004) afirma que o grupo torna-se a regra obrigatória em que precisamos nos inserir para saber quem somos. Nossa unidade pessoal encontra apoio no grupo ao qual pertencemos, na possibilidade de situar-nos dentro de um sistema de relações. Os grupos parecem assumir papel importante na formação da identidade dos jovens, representando seus principais interlocutores na atribuição de significado às experiências cotidianas (OLIVEIRA, CAMILO e ASSUNÇÃO, 2003). Ferraris (2005) corrobora esta idéia e afirma que durante a adolescência, quando a identidade individual é incerta, ela pode ser fornecida pelos grupos de forma mais estruturada e tranqüilizante. Quando o indivíduo é questionado a descrever quem ele é, a resposta invariavelmente reflete associações com grupos sociais relacionados à família, ocupação, esportes, e interesses especiais. O indivíduo procura links com grupos para 54 estabelecer sua identidade (FISHER e WAKEFIELD, 1998). De acordo com Hawkins, Best e Coney (1995), nós pertencemos a um número diferente de grupos. Quando estamos envolvidos com um grupo específico, ele geralmente funciona como o grupo de referência. Conforme a situação muda, podemos basear nosso comportamento em outro grupo de referência. O grupo influencia fortemente a forma de pensar, agir, falar e vestir-se. A identificação durante anos com grupos de iguais determina a elaboração da identidade pessoal. O grupo fornece ao adolescente o âmbito básico para as novas experiências: buscar e formular regras, redefinir valores, lidar com as experiências de ser aceito e reconhecido, ou rejeitado. A participação nos grupos é fundamental para o desenvolvimento pessoal do adolescente (DAUNIS, 2000). Os grupos de referência têm uma influência muito importante para os jovens (HAWKINS, BEST e CONEY, 1995; LASHBROOK, 2000). Os próprios jovens reconhecem isto (LASHBROOK, 2000). Diversos estudos apresentam evidências empíricas da influência causada pelos grupos. Em estudo realizado com jovens, verificou-se que os estudantes cujos amigos próximos eram usuários de drogas tendiam a aumentar seu próprio consumo de drogas (PAPALIA e OLDS, 2000). Em seu estudo, Cruz et al (2006) verificaram que a influência do grupo explica 20,7% dos motivos pelo qual o indivíduo passa a fumar. Os resultados de dois experimentos sugerem que a presença dos amigos aumenta a ânsia dos jovens de comprar, enquanto que a presença da família diminui esta vontade (LUO, 2005). Escalas e Bettman (2003) argumentam que os consumidores constroem a si mesmos usando associações de marca advindas do grupo de referência. Para Piacentini e Mailer (2004), os indivíduos podem desenvolver um repertório de objetos de consumo simbólico que pode ser usado na construção da própria identidade. Belk (1988) afirma que os símbolos ajudam a identificar os membros e definir a identidade do grupo. Os consumidores podem comprar determinados produtos porque eles desejam ser rotulados como membros de um grupo específico (ESCALAS e BETMAN, 2003; SOLOMON, 1988). Um indivíduo pode se apropriar dos atributos desejados associados ao grupo de referência imitando o comportamento e a aparência dos membros do grupo. O uso de roupas é um exemplo de como essa apropriação pode ser feita. Não é preciso que o indivíduo tenha, de fato, os atributos desejados (KEITH e RENNAE, 1995). De acordo com Hyatt (1992), as pessoas associam os consumidores de certos produtos com os membros de certo grupo social. Tais produtos têm qualidades simbólicas 55 associadas ao grupo, e tornam-se descritivas de seus membros. O grupo se tornou um entendimento comum sobre uma identidade compartilhada (MUNIZ e O’GUINN, 2001). Escalas e Bettman (2003) citam dois exemplos: se um indivíduo se percebe como ambientalista, ele comprará o cortador de grama que ele acredita que os ambientalistas usam. Se o indivíduo se considera um intelectual, e os membros do grupo de referência dos intelectuais tendem a dirigir um Volvo, ele pode escolher dirigir um Volvo também, como prova de quão intelectual ele é. Segundo Pereira, Ayrosa e Ojima (2005) o mundo dos bens oferece ao grupo um código extremamente rico de identificação dos membros. Esse código auxilia, por exemplo, na construção da identidade homossexual dos membros do grupo, que auxilia na aceitação dos que partilham essa identidade, e rejeição dos que não partilham. De acordo com Fisher e Wakefield (1998) o grau com que o pertencimento a um grupo afeta a identidade depende da força da identificação com o grupo. Oliveira, Camilo e Assunção (2003) afirmam que os garotos parecem nutrir maior identificação com os grupos do que as garotas. Lamont e Molnár (2001) afirmam, em seu estudo, que os negros Americanos usam o consumo para expressar e transformar sua identidade coletiva. Os negros usam o consumo para serem reconhecidos como compartilhando as identidades coletivas mais valorizadas na sociedade Americana. O consumo é um meio central pelo qual os negros afirmam e ganham reconhecimento como membros na sociedade Americana. Eles usam o consumo para ter importância e adquirir igualdade, respeito, aceitação e status. Esta afirmação vai ao encontro da idéia de Goffman (1985), de que o ator usa a representação para reivindicar uma posição de classe superior. De acordo com Lamont e Molnár (2001), os negros carregam uma identidade social estigmatizada nos seus corpos. Melucci (2004) afirma que há o estigma imposto a quem carrega a diferença. É por isso que é importante para eles usar sinais visíveis de status como display, para combater o racismo, para distanciar-se do estereótipo de “negro do gueto”, e para desmentir a imagem de que o negro é desinteressante (LAMONT e MOLNÁR, 2001). As roupas podem ser citadas como exemplo desse consumo, pois são vistas como uma forma importante de se auto-definir e ganhar aprovação social (JOHNSTONE e CONROY, 2005). De acordo com Thompson e Haytko (1997) as roupas da moda podem ser usadas para forjar distinção e adotar um sentimento de destaque, ou elas podem ser usadas para forjar um sentimento de afiliação com outros, para obter um sentimento de pertencimento social. Apesar da comercialização das marcas de moda 56 como marcadores de individualidade, os participantes frequentemente discutem os significados da marca em termos de afiliação social. Para Belk (1988) as roupas, as jóias, podem indicar uma identidade de grupo e expressar pertencimento ao mesmo. Toda vez que encontramos a solidariedade de outros, e nos sentimos parte de um grupo, nossa identidade é reforçada e garantida (MELUCCI, 2004). Os principais benefícios simbólicos destacados pelo consumo de produtos relacionados a grupos são: pertencimento e aceitação, além do reconhecimento. Pertencimento e Aceitação Diversos autores (FITZMAURICE e COMEGYS, 2006; HAWKINS, BEST e CONEY, 1995; LINDRIDGE, 2005; WATTANASUWAN, 2005) afirmam que a posse e o consumo de alguns produtos criam o senso de pertencimento a um grupo. As pessoas imitam os membros do grupo com o objetivo de serem aceitas nele (EASTMAN, GOLDSMITH e FLYNN, 1999). A aceitação em um grupo é muito importante (SLAMA e WOLFE, 1999). Keith e Rennae (1995) afirmam que os consumidores adotam os comportamentos e os produtos do grupo de referência.Os autores descobriram, em seu estudo, que as roupas podem ser usadas pelos indivíduos como uma forma de serem aceitos no grupo do rodeio. Fung (2002) evidenciou que a compra da revista Amoeba é preenchida com o valor simbólico de pertencimento. O ato de consumir a revista é imaginado pela leitora, como um ato coletivo, no qual outras leitoras estão engajadas também. No estudo de Wiltshire et al (2005) um dos entrevistados disse que através do ato de fumar ele se sentia incluído em um grupo. Os resultados do estudo de Piacentini e Mailer (2004) sugerem que adequar-se ao grupo é de grande importância para muitos adolescentes e as roupas são usadas para simbolizar o link entre o indivíduo e o grupo que eles desejam pertencer. Reconhecimento Segundo Scaraboto, Zilles e Rodriguez (2005) a felicidade não é obtida pela posse em si, mas pelo reconhecimento que o indivíduo obtém através dela. Desta forma, isto depende, essencialmente, do compartilhamento simbólico entre o indivíduo e o grupo. Cruz et al (2006) dizem que os motivos do consumo de cigarro estão associados com recompensas individuais, como aumento do status, mas também com recompensas de grupo, como reconhecimento e aceitação. Na sua pesquisa, 57 evidenciaram que o reconhecimento, através do fumo, é mais frequentemente valorizado pelos homens, sendo de pouca importância para as mulheres. Para Melucci (2004) a identidade é aquilo que assegura ao grupo continuidade e conservação. Ela regula também a inclusão do indivíduo em determinado grupo, definindo os requisitos, os critérios para que se reconheça e seja reconhecido como membro do grupo. De fato, o consumo é capaz de afetar não apenas a identidade pessoal, mas também a identidade coletiva dos indivíduos. Com o intuito de obter benefícios simbólicos como pertencimento e reconhecimento, os indivíduos compram e consomem marcas e produtos determinados pelos grupos aos quais pertencem, e pelos grupos aos quais aspiram pertencer. Diversos estudos foram apresentados ao longo desta seção, demonstrando que os grupos realmente podem influenciar o comportamento dos indivíduos, especialmente dos jovens, e que o consumo é usado para forjar as identidades desejadas. No entanto, quando os indivíduos apóiam suas identidades no consumo, e são capazes de tudo para pertencer a um grupo, pode-se considerar a existência de uma patologia. É justamente sobre isto, que trata a próxima seção, sobre os problemas causados pelo uso do consumo como fonte identitária predominante. 2.3.3 Consumo e Identidade: Problemas relacionados Construir uma identidade é trabalho que exige compromisso, ação, inteligência e criatividade, e muitas das identidades pós-modernas - construídas com material fornecido pela mídia e pela cultura consumista - carecem dessas características. Elas são pouco mais que um jogo, uma pose, um estilo e uma aparência, que podem ser facilmente trocadas e descartadas (KELLNER, 2001). A identidade do novo consumidor é negociada nas complexas interações sociais em que está envolvido. Multiplicaram-se as fachadas. Num comércio incessante de representações, uma mesma pessoa representa várias demandas, sem qualquer uniformidade ou padrão de consumo (FILHO, LOPES e CARRASCOZA, 2006). Daunis (2000) corrobora esta idéia ao dizer que na era pós-moderna, as pessoas carecem de identidade própria, e especialmente, de um eu congruente. Erikson (1972) complementa ao afirmar que o sentimento de 58 identidade torna-se mais problemático sempre que há uma vasta gama de identidades possíveis. O problema é que a identidade se torna banalizada em termos de estilo, aparência e consumo. Ao construir a identidade sob este prisma, faz-se o jogo dos imperativos da moda e do consumo, que oferecem um novo eu e a solução para todos os problemas, por meio da compra de determinados produtos (KELLNER, 2001). De acordo com Ferraris (2005) a construção da identidade não pode ser reduzida a simples aquisição de roupas da moda ou automóveis. McCracken (1986) afirma que muitos indivíduos procuram tipos de significados nos produtos, que eles não encontrarão lá. Outros, por sua vez, tentam construir suas vidas somente com base nos significados dos produtos. De acordo com Baudrillard (1995) os objetos são nada. Por trás deles, se estabelece o vazio das relações humanas. O indivíduo se define pelas suas posses, sua imagem, e seu estilo de vida (KELLNER, 2001). De acordo com Campos e Souza (2003) na sociedade contemporânea, em função do predomínio dos processos de consumo, o “ter” vale mais que o “ser”. Para muitas pessoas há uma identificação entre o “eu sou” e o “eu tenho”. Logo, se eu não tenho, eu não sou. Ser alguém parece ser definido pela possibilidade de ostentar o que se tem. A ostentação de suas posses é para muitas pessoas, a razão social última (DAUNIS, 2000). Estas patologias são decorrentes do comportamento do consumidor moderno. Tentar criar o self através do consumo simbólico pode nos escravizar no ilusório mundo do consumo (WATTANASUMAN, 2005). De acordo com Giddens (2002) o projeto do eu pode tornar-se profundamente mercantilizado. A auto-realização, bem como os estilos de vida, são empacotados e distribuídos segundo critérios de mercado. Segundo Hall (2003) essa cultura mercantilizada e estereotipada não constitui a arena onde descobrimos quem realmente somos. Ela é uma arena mítica, onde brincamos com as identificações de nós mesmos, onde somos imaginados, representados, para os outros e para si mesmos. No entanto, Giddens (2002) diz que em tais circunstâncias, o falso eu encobre os pensamentos, sentimentos e vontades originais, que representam as verdadeiras motivações do indivíduo. O que sobra do verdadeiro eu é experimentado como vazio e inautêntico. O reconhecimento e a validação da própria identidade pelos outros é fonte de ansiedade para o indivíduo. Ela passa a fazer parte da experiência do eu na atualidade. O indivíduo nunca tem certeza de que fez a melhor escolha, de que a identidade 59 escolhida é a sua verdadeira identidade, até mesmo porque, a identidade pode ser superada, supérflua, ou deixar de ser socialmente validada (KELLNER, 2001). O indivíduo só se sente psicologicamente seguro em sua identidade na medida em que os outros reconhecem seu comportamento como apropriado (GIDDENS, 2002). O medo de não ser aceito ou valorizado pelo grupo, ou o anseio de sustentar uma identidade social pode fazer com que o indivíduo obedeça às normas do grupo, como quando um jovem se veste conforme as normas da moda e padrões relevantes para o grupo de referência (DAUNIS, 2000; THOMPSON e HAYTKO, 1997). No entanto, conforme exposto por Melucci (2004), quando entramos em um novo sistema de normas revelamos nossa identidade e suas fragilidades. Estes conflitos podem comprometer a identidade. Quando há uma adesão completa às normas e aos modelos de comportamento advindos dos outros, construímos uma identidade desviante. Somos na realidade, aquilo que os outros nos dizem para ser. Diante da realidade social, juntamente com a crise de referências simbólicas, os jovens parecem buscar o sentido de si mesmos em uma imagem idealizada e ilusória do outro. Desta forma, a individualidade, condição necessária para formação da identidade pessoal torna-se enfraquecida, e o indivíduo incapaz de se reconhecer na diferença do outro (OLIVEIRA, CAMILO e ASSUNÇÃO, 2003). Daunis (2000) complementa e salienta que simplesmente imitar ou copiar os outros, resulta em uma identificação improdutiva e insatisfatória. Uma identificação muito forte com padrões coletivos pode restringir o desenvolvimento autônomo da identidade pessoal. A utilização de produtos e marcas pode trazer vantagens para os indivíduos, como possibilidade de auto-expressão, sentimento de pertencimento, reconhecimento, status, e até mesmo o poder de transformar-nos em outra pessoa. No entanto, quando o consumo passa a ser o eixo central da vida do indivíduo, as desvantagens tornam-se mais salientes. Quando a identidade é representada pelo que se tem, e não pelo que se é, o indivíduo passa a ser um escravo do consumo, perde sua individualidade, sua essência, e passa a agir conforme padrões estabelecidos pelos outros. Criar uma identidade com base apenas no consumo, é o mesmo que procurar algo que nunca se encontrará. Os produtos e marcas estão sempre mudando, o que está na moda hoje, amanhã pode não valer mais nada, e isso caracterizará uma busca incessante por parte do indivíduo. Essa busca que nunca cessa, simplesmente aumenta a ansiedade do indivíduo, podendo gerar depressão e comportamentos atípicos da sociedade. 60 3 MÉTODO Pesquisa é o processo formal e sistemático de desenvolvimento do método científico. Seu objetivo é descobrir respostas para problemas através do uso de procedimentos científicos. Em outras palavras, pesquisa é o processo, que com a utilização da metodologia científica, permite a obtenção de novos conhecimentos (GIL, 1994). Segundo Roesch (2005, p.119) o processo de pesquisa envolve precisamente teoria e realidade. Este capítulo tem por objetivo detalhar os procedimentos que orientaram a elaboração do presente estudo, a fim de que seus objetivos fossem atingidos. A presente pesquisa caracterizou-se pelo que Tashakkori e Teddlie (1998) chamam de metodologia mista, pois utilizou duas abordagens metodológicas: exploratória e descritiva. De acordo com Trujillo (2001) não se pode dizer que uma abordagem seja melhor que a outra, pois existem aplicações específicas para cada uma, além de casos onde as duas são usadas conjuntamente. A utilização de uma pesquisa qualitativa em conjunto com uma pesquisa quantitativa fornece sempre uma solução mais eficiente para o problema de pesquisa. Quando isso é possível, a quali deve anteceder a quanti. Assim, a pesquisa qualitativa irá enriquecer a pesquisa quantitativa (TRUJILLO, 2001, p.10). Esta pesquisa está de acordo com o exposto acima, pois realizou-se uma pesquisa qualitativa inicialmente, seguida por uma pesquisa quantitativa. Na seqüência são apresentados os tipos de pesquisa utilizados, a população-alvo da pesquisa, as técnicas de coleta e de análise de dados. 3.1 ETAPA EXPLORATÓRIA Segundo Gil (1991), entende-se por pesquisa exploratória aquela que visa proporcionar maior familiaridade com o problema, a fim de torná-lo mais explícito e facilitar a geração de hipóteses. Seu objetivo é fornecer a compreensão do problema enfrentado pelo pesquisador (MALHOTRA, 2001). Mattar (1996) complementa dizendo que os objetivos da pesquisa exploratória são pouco definidos, e seu propósito é a obtenção de maior conhecimento. Ela geralmente é base para pesquisas futuras. 61 O objetivo desta etapa foi obter informações necessárias para um maior entendimento do tema, possibilitando o uso delas como base para a segunda etapa, que é a pesquisa descritiva. Mais especificamente, esta etapa visou a coleta de informações a respeito dos consumidores, suas relações com os bens, e o impacto destes bens na formação da identidade deles. 3.1.1 Coleta de Dados A coleta de dados, desta etapa, foi realizada por meio de pesquisa qualitativa, que segundo Malhotra (2001) é uma metodologia de pesquisa não-estruturada, que proporciona idéias e compreensão do problema. Optou-se por utilizar esta abordagem, pois o tema é relativamente novo e desconhecido pelo autor. Seu objetivo foi obter mais informações sobre os jovens consumidores e a relação dos seus objetos com a própria identidade. A abordagem qualitativa aproxima-se mais da realidade das ciências sociais, porque é de perspectiva pós-positivista, procura compreender os fenômenos de modo construtivista, naturalista e de forma interpretativa (CHEROBIM, MARTINS e SILVEIRA, 1999). Calder e Tybout (1987) afirmam que a metodologia que melhor se encaixa para o estudo do comportamento do consumidor é a qualitativa. O uso de métodos qualitativos em pesquisa do consumidor deve-se à necessidade de metodologias que permitam interações e construções em um tema tão diverso (ROSSI e HOR-MEYLL, 2001). A pesquisa qualitativa tem como propósito específico levantar o problema em pauta. Ela proporciona melhor visão e compreensão do problema. Ela o explora com poucas idéias. De acordo com Aaker, Kumar e Day (2001) o propósito da pesquisa qualitativa é descobrir o que o consumidor tem em mente. Ela é usada para conhecer melhor os aspectos que não podem ser medidos diretamente. Conforme Malhotra (2001) os valores, as emoções e as motivações que se situam no nível subconsciente são disfarçadas do mundo exterior pela racionalização e outros mecanismos de defesa do ego. Nestes casos, a melhor maneira de obter a informação desejada é mediante a pesquisa qualitativa. Considerou-se a abordagem adequada a esta pesquisa justamente pelo intuito de investigar questões mais subjetivas dos consumidores. 62 Com o intuito de obter informações reveladoras e insights sobre este tema tão rico, utilizou-se a técnica de entrevista em profundidade juntamente com a técnica de autodriving. 3.1.1.1 Entrevista em Profundidade Uma das técnicas mais utilizadas e de maior destaque do método qualitativo é a de entrevista em profundidade. Além de permitir maior entendimento sobre o tema em estudo, ela permite uma investigação detalhada das motivações, percepções, necessidades e emoções dos entrevistados (MALHOTRA, 2005). Justamente por essas características, ela é muito utilizada em pesquisas de marketing, e especialmente no estudo do comportamento do consumidor. Segundo definição de Malhotra (2001, p. 163), entrevista em profundidade é “uma entrevista não estruturada, direta, pessoal, em que um único respondente é testado por um entrevistador altamente treinado, para descobrir motivações, crenças, atitudes e sensações subjacentes sobre um tópico”. O propósito das entrevistas em profundidade é descobrir as questões implícitas que podem não ser compartilhadas em um ambiente grupal. Dessa forma, faz-se uma investigação substancial para trazer à tona os motivos básicos, as crenças e as atitudes (MALHOTRA, 2005). Segundo Carson (2001), a técnica é ideal para descobrir sentimentos, memórias e interpretações que não podem ser observadas ou descobertas de outras maneiras. Entrevistas em profundidade são particularmente apropriadas para sondagem detalhada do comportamento individual, atitudes ou necessidades, especialmente quando o assunto é confidencial ou emocionalmente carregado, e onde um entendimento detalhado passo-a-passo do processo de decisão é requerido (MITCHELL, 1993). A utilização da entrevista em profundidade apresenta diversas vantagens, como: obtenção rápida de grande quantidade de dados (MARSHALL e ROSSMAN, 1999); deixa os entrevistados mais à vontade para discutir temas delicados (HAIR et al, 2005b); gera idéias de melhor qualidade (MITCHEL, 1993); e permite descobrir percepções mais profundas (MALHOTRA, 2005). Para esta pesquisa, foram entrevistados 18 jovens estudantes de classe A e B. Sete respondentes eram do sexo masculino e onze do sexo feminino. A faixa etária dos 63 entrevistados variou de 15 a 18 anos. As entrevistas foram realizadas entre os dias 01 e 30 de Agosto de 2007, e tiveram duração de aproximadamente 40 minutos. As entrevistas cessaram quando se atingiu a saturação das respostas. Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. A técnica de amostragem utilizada para seleção dos entrevistados foi a técnica não-probabilística de amostragem por conveniência. De acordo com Hair et al (2005b), a amostragem por conveniência envolve a seleção dos respondentes que estejam mais disponíveis, e que possam oferecer as informações necessárias. Ela é adequada para obtenção rápida e barata de informações (AAKER, KUMAR e DAY, 2001). Alguns dos jovens entrevistados foram recrutados em uma escola particular de Esteio, que gentilmente se dispôs a participar da pesquisa, e outros faziam parte do círculo de relacionamento do pesquisador. Para realização das entrevistas, foi elaborado um roteiro semi-estruturado (Apêndice A). As entrevistas semi-estruturadas utilizam-se de questões abertas, que além de permitir ao entrevistador captar a perspectiva do respondente, não restringe as suas respostas (ROESCH, 2005). Inicialmente foram feitos questionamentos sobre os interesses e os gostos pessoais dos entrevistados; e sobre a importância e a influência das amizades, de forma geral. Depois, as questões giravam em torno dos hábitos de consumo dos entrevistados, e eles foram questionados sobre os tipos de produtos que gostam de comprar e que mais têm a ver com eles, de que forma eles escolhem produtos e marcas, e sobre as influências exercidas sobre eles no consumo. O objetivo destas questões era trazer mais informações sobre os jovens, e especialmente, sobre suas formas e hábitos de consumo. A técnica de incidente crítico também foi utilizada nas entrevistas. Essa técnica consiste em solicitar que o respondente se reporte a momentos específicos da sua vida, e explique suas ações e motivos naquela ocasião (ROESCH, 2005). Nesta parte, foi solicitado aos entrevistados que descrevessem duas situações, uma positiva e uma negativa, nas quais eles estavam usando objetos que os identificam. O objetivo era ver a relação dos entrevistados com seus objetos, e outras questões subjacentes. Como complementação da entrevista em profundidade, utilizou-se a técnica de autodriving, que é apresentada a seguir. 64 3.1.1.2 Fotografias e Autodriving Antropólogos e sociólogos há muito tempo já usavam fotografias como fonte de dados, até que este tipo de informação passou a ser considerado por muitos acadêmicos como não-científico (HURWORTH, CLARK e THOMSEN, 2005). Apesar da resistência à utilização de fotografia como forma de coleta de dados nas ciências sociais, devido a sua subjetividade (ACHUTTI, 1997), Holbrook e Kuwahara (1998) afirmam que os dados fotográficos têm proporcionado bons resultados às pesquisas, especialmente na exploração da experiência de consumo. Se vivemos em um mundo visual, no qual somos bombardeados diariamente por novos ícones, como olhar somente para as palavras? (ACHUTTI, 1997). De acordo com Bauer e Gaskell (2002), as fotografias ajudam a chegar a questões mais amplas, relacionadas ao tópico em questão, e muitas vezes provocarão detalhes e preferências pessoais. Longe de ser um objeto neutro, a fotografia acolhe significados muito diferentes, que interferem na codificação e nas possíveis decodificações da mensagem transmitida (LEITE, 1998). A fotografia, assim como outras técnicas visuais, apresenta um leque de amplas possibilidades, bastante promissoras. Abre-se uma nova área interdisciplinar, onde procura-se entender as peculiaridades da linguagem visual para analisar o efeito das imagens sobre a vida social, seu lugar nas representações e nos sistemas simbólicos. Hoje, o estudo da imagem é fundamental para o entendimento dos múltiplos pontos de vista que os homens constroem a respeito de si mesmos e dos outros, de seus comportamentos, pensamentos, sentimentos e emoções (PORTO ALEGRE, 1998). Para este estudo utilizou-se a técnica de autodriving, uma técnica de elicitação de fotografias, na qual o entrevistado fala de suas intenções e comportamento, a partir das fotos tiradas por ele mesmo (HEISLEY e LEVY, 1991; HOLBROOK e KUWAHARA, 1998). Em outras palavras, o entrevistado tira fotografias relevantes, referentes ao tema determinado pelo pesquisador, e explica a relevância da foto e o porquê dela ter sido selecionada (HOLBROOK e KUWAHARA, 1998). O termo autodriving é usado no campo do marketing, e quer dizer que as entrevistas são guiadas pelos entrevistados, que discutem sobre as fotografias tiradas por eles mesmos (HEISLEY e LEVY, 1991; WARREN, 2005). Holbrook e Kuwahara (1998) acreditam que este método seja especialmente interessante para um maior entendimento ou refinamento do comportamento de consumo de um grupo de pessoas. 65 Para os autores, é possível aumentar a nitidez, claridade, realismo e profundidade dos dados, o que não seria possível apenas com palavras, como em uma entrevista em profundidade tradicional. Apesar de sua aplicação em pesquisas de comportamento do consumidor (HOLBROOK e KUWAHARA, 1998; HARTMAN e BRAUNSTEIN, 1998) a técnica de autodriving já foi usada também em estudos culturais (KJELGAARD, 2003) e estudos na área da saúde (OLIFFE e BOTTORFF, 2007). Esta técnica, apesar de suas limitações, é uma poderosa ferramenta de pesquisa. Ela desafia os participantes, leva a novas perspectivas, e evita interpretações errôneas do entrevistador (HURWORTH, 2003). Ela é muito útil, pois além de trazer a tona memórias intensas, induz a questões mais profundas (ESCALAS, 1993). Segundo Warren (2005) seus benefícios residem na riqueza e autenticidade dos dados coletados. Apesar de ser uma técnica pouco difundida, a mesma foi utilizada como uma forma de fugir dos métodos de pesquisa tradicionais, como a simples entrevista em profundidade. Pretendeu-se com o uso da técnica de autodriving proporcionar um estímulo diferente aos entrevistados, especialmente por serem jovens, fazendo com que os mesmos fossem envolvidos na pesquisa antes mesmo da entrevista. Dois ou três dias antes da realização da entrevista foi passado aos entrevistados a seguinte instrução: “Fotografe 5 objetos que o identifiquem, ou seja, objetos que sejam a sua cara, objetos que digam algo sobre quem é você”. Após isso, os entrevistados tiraram as fotos e as trouxeram no dia da entrevista para que as mesmas fossem usadas, caracterizando a técnica de autodriving. Não há na literatura um número ideal de fotografias a ser utilizado. Levou-se em consideração o fato de que o uso de muitas fotografias poderia desestimular os jovens a participarem, e poderia gerar respostas de baixa qualidade pelo esgotamento de argumentos. Também, considerou-se o fato de que poucas entrevistas poderiam ser insuficientes para geração do conhecimento necessário para um melhor entendimento do tema. Sendo assim, optou-se inicialmente pelo uso de cinco fotografias. Após a realização da primeira entrevista, verificou-se que o resultado era satisfatório, e optou-se por manter esta quantidade de fotografias para as demais entrevistas. O fato de o próprio entrevistado ter que fotografar os objetos, faz com que ele pense nas razões e nos motivos pelos quais os objetos o identificam, o que traz uma rica contribuição para a pesquisa nesta etapa exploratória. As questões objetivaram explorar aspectos mais subjetivos relacionados aos objetos fotografados (Apêndice B). A técnica foi usada em seqüência à entrevista em profundidade convencional. 66 3.1.2 Análise de Dados De acordo com Aaker, Kumar e Day (2001) a análise dos dados é importante porque pode ajudar a evitar conclusões errôneas, pode levar o pesquisador a descobertas que de outra forma não conseguiria obter, e ainda, pode auxiliar outras pessoas na interpretação das análises realizadas. Na etapa qualitativa, a análise dos dados, das entrevistas em profundidade e da técnica de autodriving, foi feita por meio da análise de conteúdo. Este tipo de análise é freqüentemente usado para interpretar textos de entrevistas (HAIR et al, 2005b). Este foi um dos motivos pelo qual esta técnica de análise de dados foi escolhida. Este método busca classificar palavras, frases, ou mesmo parágrafos em categorias de conteúdo (HAIR et al, 2005b; ROESCH, 2005). Segundo Bardin (1977, p.38) “análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”. Deixando os problemas metodológicos associados com qualquer técnica qualitativa (generalização, validade, confiabilidade, entre outros), a análise de conteúdo tem sido capaz de capturar o contexto onde um texto tem significado (MANNING e CULLUM-SWAN, 1998). As informações, obtidas nesta etapa, propiciaram maior entendimento sobre o tema, trazendo grande contribuição para a continuação do estudo. Foi com o auxílio dos dados revelados nesta etapa, através das entrevistas em profundidade e da técnica de autodriving, que foi estruturada a etapa descritiva. Todas as variáveis que compuseram o questionário, bem como as categorias de produto usadas no estudo, emergiram dos dados obtidos na etapa exploratória. Conforme Bardin (1977) a análise de conteúdo é relativamente simples, mas é preciso seguir algumas regras na sua aplicação, e essas regras devem ser: - homogêneas: não misturar conteúdos diferentes - exaustivas: deve-se esgotar a totalidade do texto - exclusivas: um mesmo elemento do conteúdo não pode ser classificado em duas categorias diferentes - objetivas: codificadores diferentes devem chegar aos mesmos resultados - adequadas: adaptadas ao conteúdo e ao objetivo Atualmente, existem softwares que podem auxiliar nesta análise (ROESCH, 1999), pois a análise é um trabalho fastidioso quando feito manualmente (BARDIN, 67 1977). No entanto, Roesch (1999) afirma que nada substitui o trabalho intelectual do pesquisador. 3.2 ETAPA DESCRITIVA Como o objetivo é verificar a opinião dos jovens consumidores em relação aos benefícios simbólicos obtidos através dos objetos que os identificam, considerou-se importante a aplicação de uma etapa descritiva. O objetivo principal deste tipo de pesquisa é a descrição de algo, como a característica de uma população, ou um fenômeno (MALHOTRA, 2001). Segundo Mattar (1996), a pesquisa descritiva se caracteriza por possuir objetivos claros e definidos, procedimentos formais e estruturados, e por proporcionar uma quantidade infinita de dados a serem coletados. Nesta etapa foram procuradas as informações que ajudaram a responder diretamente aos objetivos específicos deste estudo. Ao contrário, da etapa exploratória, onde o objetivo era o maior entendimento sobre o tema, nesta etapa objetivou-se a mensuração da opinião dos jovens, bem como, a verificação das diversas relações entre as variáveis abordadas. A parte descritiva é um dos diferenciais deste estudo, uma vez que, a maioria das pesquisas realizadas anteriormente, abordando questões de identidade e consumo, restringiu-se apenas ao âmbito da pesquisa exploratória. A seguir, apresentam-se as técnicas de coleta e análise de dados da etapa descritiva. 3.2.1 População e Amostra Os jovens estudantes de escolas particulares, da Região Metropolitana de Porto Alegre2 (Canoas, Esteio, Novo Hamburgo, Porto Alegre, Sapucaia do Sul e São Leopoldo), com idade entre 14 e 18 anos, foram considerados como a população deste 2 De acordo com os parâmetros da Fundação de Economia e Estatística (2007) a Região Metropolitana de Porto Alegre é composta por um total de 22 municípios. Para este estudo foram considerados 6 municípios. Eles foram escolhidos pela proximidade geográfica, e pela importância que têm para a Região. 68 estudo. Segundo dados da Fundação de Economia e Estatística (FEE), há aproximadamente 29.702 alunos com estas características. Como o público-alvo deste estudo são jovens de classes A e B, que têm maior poder aquisitivo, e conseqüentemente, maior propensão ao consumo, optou-se por investigar os jovens com o perfil acima descrito. De acordo com dados da FEE (2007), a Região Metropolitana de Porto Alegre é onde concentra-se o maior PIB do Estado, cerca de 45,6% do PIB total. Como era inviável aplicar um questionário com todos estes jovens – tanto por questão de tempo, como por questão de recursos – utilizou-se uma amostra dessa população para aplicação da pesquisa. Utilizou-se uma amostragem não probabilística, que é o tipo de amostragem que confia no julgamento pessoal do entrevistador (MALHOTRA, 2001). A técnica de amostragem utilizada foi a de amostragem por conveniência, que segundo Malhotra (2001) é uma técnica que procura obter uma amostra de elementos convenientes, selecionadas pelo pesquisador. “Este método é o que consome menos tempo e é o menos dispendioso” (MALHOTRA, 2001 p. 306). Este método de amostragem foi considerado o mais apropriado para o estudo, pois era necessária uma quantidade relativamente grande de jovens com o perfil previamente definido pelo pesquisador. Uma forma de obter informação destes jovens, de forma mais rápida, foi através da aplicação do questionário em escolas que se dispuseram a colaborar com a pesquisa. O tamanho da amostra foi definido com base no número de variáveis que compuseram o questionário, pois aplicou-se a técnica de análise fatorial para análise dos dados. De acordo com Hair et al (2005a) é indicado que haja dez observações para cada variável. Como o questionário foi composto por 20 variáveis, a amostra deveria ser de pelo menos 200 jovens. Aplicou-se o questionário com uma amostra maior, a fim de evitar que o tamanho da amostra fosse prejudicado pelo mau preenchimento dos questionários. No final, a amostra total foi de 288 casos. 3.2.2 Coleta de Dados Este estudo utilizou uma pesquisa com o escopo de levantamento, também conhecida como survey, por ser julgada como a mais adequada para o tipo de informações que se desejava obter, já que ela se caracteriza pela interrogação direta 69 das pessoas, cujo comportamento se deseja conhecer e também pelo fato de proporcionar o conhecimento da realidade, ser mais econômica e rápida, e pela facilidade de quantificação dos resultados (GIL, 1999). Realizou-se, primeiramente, a aplicação de um piloto, a fim de verificar a validade do questionário, e a sua necessidade de alterações. Após os ajustes necessários, foi aplicado o questionário definitivo. As duas etapas da coleta de dados são explicitadas na seqüência. 3.2.2.1 Piloto Foi elaborado um questionário piloto (Apêndice C), construído através das informações obtidas na etapa exploratória, especialmente com o auxílio das entrevistas em profundidade e da técnica de autodriving, que visou responder aos objetivos específicos deste estudo. O referencial teórico também serviu de base para elaboração deste instrumento de coleta de dados. Para elaboração do questionário piloto foram utilizadas questões de escalas comparativas e não-comparativas. As escalas comparativas, segundo Malhotra (2001), são aquelas em que os objetos são diretamente comparados uns com os outros, ao passo que, as escalas não-comparativas são aquelas em que cada objeto é escalonado independentemente dos outros. A escala comparativa usada neste estudo é a nominal, que segundo Malhotra (2001) é aquela escala em que os números servem apenas para identificar e classificar os dados. Ela foi usada para escolha da categoria de produto, e para verificar o sexo, a renda e a idade dos respondentes. A escala não-comparativa usada foi a de Likert, que de acordo com Malhotra (2001) é uma escala muito utilizada, que exige dos entrevistados a indicação do grau de concordância ou discordância com as afirmações. Este piloto serviu como pré-teste, mas foi usado também com o objetivo de verificar a consistência do questionário. De acordo com Aaker, Kumar e Day (2001) o propósito do pré-teste é assegurar que o questionário atinja as expectativas do pesquisador em termos de informações que precisam ser obtidas. Além disso, visa corrigir possíveis deficiências do questionário. Este piloto foi aplicado entre os dias 08 e 11 de Outubro de 2007, com jovens estudantes de escolas particulares da Região Metropolitana, com idade entre 14 e 18 anos. 70 Como havia 20 variáveis a serem medidas, a amostra mínima de acordo com Hair et al (2005a) seria de 100 respondentes, pois o mínimo é de cinco observações para cada variável. Como era apenas um piloto, optou-se pela utilização deste critério. Sabendo-se que é de praxe haver questionários mal preenchidos, aplicou-se o piloto com uma amostra maior, a fim de garantir a quantidade mínima necessária para sua validação. Obteve-se um total de 203 questionários válidos na etapa piloto. 3.2.2.2 Questionário Após a aplicação do piloto, percebeu-se a necessidade de fazer algumas alterações no instrumento de coleta. Na seção B, onde os respondentes deveriam escolher uma categoria de produto, foram listadas 11 categorias. Após a aplicação do piloto, verificou-se que uma categoria não foi citada nenhuma vez (CD – Compact Disc), e que outras 3 categorias foram muito pouco citadas (Tênis, Bijuterias/Piercing e Perfume). Por isso, optou-se pela exclusão das mesmas. As 20 variáveis da seção C foram mantidas, pois todas apresentaram cargas fatoriais acima de 0,40, o que segundo Hair (2005a) é aceitável, especialmente para uma amostra do tamanho da que foi utilizada neste piloto (mais de 200 respondentes). Além disso, o Alfa de Cronbach (0,805) foi superior ao mínimo sugerido por Hair (2005a), que é de 0,70. Verificou-se também, se a eliminação de alguma variável contribuiria para a elevação do Alfa de Cronbach da escala, mas não houve nenhum incremento significativo. Na seção D, onde é feita a caracterização do respondente, verificou-se a necessidade de acrescentar mais uma opção na questão relativa à renda dos entrevistados, pois 11% deles não preencheram esta questão. Acrescentou-se, então, a opção “Não sei/Desconheço”. Além disso, as categorias de renda foram redefinidas, baseando-se no Critério Brasil 20083. Depois de serem feitas as alterações identificadas no piloto, partiu-se para a aplicação do questionário definitivo (APÊNDICE D). O mesmo foi aplicado entre os dias 22 e 31 de Outubro de 2007, em seis escolas particulares da Região Metropolitana de Porto Alegre (sendo 1 escola em Canoas, 1 escola em Esteio, 1 escola em Novo 3 O Critério Brasil estima o poder de compra dos indivíduos e famílias urbanas, com base no LSE (Levantamento Socioeconômico) do IBOPE, classificando-os por classes econômicas, ao invés do pouco esclarecedor critério de classes sociais. 71 Hamburgo, 1 escola em Porto Alegre, 1 escola em Sapucaia do Sul e 1 escola em São Leopoldo), com jovens estudantes do ensino médio. Os questionários foram preenchidos pessoalmente pelos próprios respondentes, dentro da sala de aula, e tiveram duração de aproximadamente 10 minutos. 3.2.3 Análise de Dados A etapa de análise dos dados é muito importante, pois é através dela, que encontram-se subsídios para responder aos objetivos de pesquisa. Os dados obtidos foram processados com a ajuda do software Statistical Package for Social Sciences, conhecido como SPSSÒ. As técnicas estatísticas utilizadas foram: distribuição de freqüência, média e desvio-padrão, teste t, qui-quadrado, ANOVA e análise fatorial. A distribuição de freqüência foi utilizada para caracterização dos entrevistados, verificação da concordância dos respondentes sobre questões relacionadas ao consumo e aos benefícios simbólicos, análise das categorias de produto e para realização de cruzamentos entre variáveis. A média e o desvio-padrão foram utilizados para comparar algumas respostas atribuídas por meninos e meninas, e também para verificar as médias atribuídas pelos respondentes a cada um dos fatores resultantes da análise fatorial. O teste t foi utilizado para verificar se havia diferenças entre as médias de algumas variáveis atribuídas pelos meninos e pelas meninas. A ANOVA, por sua vez, foi utilizada para verificar se havia diferença entre as médias atribuídas a algumas variáveis pelos respondentes das diferentes cidades, faixas de renda e de idade. O qui-quadrado foi utilizado para verificar se havia associação entre algumas variáveis, como por exemplo, sexo e idade dos respondentes. A análise fatorial foi utilizada com o intuito de analisar a validade e confiabilidade da escala de benefícios simbólicos, além da reduzir os dados, através da identificação de fatores que explicam o agrupamento de variáveis relacionadas. 72 4 RESULTADOS Neste capítulo são apresentados os resultados obtidos nas duas etapas da pesquisa: exploratória e descritiva. Inicia-se com a etapa exploratória, onde são apresentados os principais resultados encontrados através da análise de conteúdo, feita com as entrevistas em profundidade e com a técnica de autodriving. Na seqüência, apresentam-se os principais resultados obtidos na etapa descritiva, através das análises estatísticas aplicadas aos questionários. 4.1 ETAPA EXPLORATÓRIA Esta etapa foi muito importante, pois proporcionou maior entendimento e conhecimento sobre o tema, além de ter servido de base para a construção do instrumento de coleta da etapa descritiva. Inicialmente apresentam-se os resultados da análise de conteúdo e seu enfoque quantitativo, onde são demonstrados os percentuais de concordância das respostas, obtidas nas análises das entrevistas, pelos diferentes analistas; as categorias de produto que mais se destacaram e as variáveis utilizadas na construção do questionário, com seus respectivos números de incidência. Depois, apresentam-se os resultados da análise de conteúdo e seu enfoque qualitativo, onde são dados exemplos de citações dos próprios entrevistados, que suportam cada uma das variáveis selecionadas para compor o questionário. 4.1.1 Enfoque Quantitativo Todas as 18 entrevistas foram analisadas por dois analistas diferentes. Após estas análises, verificou-se o índice de concordância das respostas. O mesmo segue abaixo: 73 Tabela 2 – Concordância das respostas obtidas nas análises das entrevistas Entrevistas Analistas Independentes Analistas Independentes + Autor Entrevista 1 72% 81% Entrevista 2 62% 73% Entrevista 3 75% 72% Entrevista 4 85% 89% Entrevista 5 96% 86% Entrevista 6 84% 89% Entrevista 7 94% 84% Entrevista 8 87% 88% Entrevista 9 96% 90% Entrevista 10 90% 93% Entrevista 11 90% 82% Entrevista 12 87% 79% Entrevista 13 95% 77% Entrevista 14 93% 81% Entrevista 15 96% 84% Entrevista 16 63% 71% Entrevista 17 97% 92% Entrevista 18 58% 67% 84% 82% Média Geral Observa-se que a média geral de concordância nas respostas entre os dois analistas diferentes varia de 58% a 97%, e na média geral fica em 84%. Se a análise dos analistas independentes for comparada com a análise do autor, a média geral de concordância das respostas fica em 82%, mas a oscilação é menor, variando de 67% a 93%. Com relação às categorias de produto, elas foram citadas 206 vezes, sendo encontradas 49 categorias diferentes nas entrevistas. Os itens semelhantes foram agrupados em uma mesma categoria, como por exemplo, livros e revistas, que são objetos de leitura, e discman, ipod, mp3 e mp4, que são equipamentos eletrônicos usados especialmente para escutar música. 74 Foram mantidas, para a elaboração do questionário, apenas as categorias de produto com 6 incidências ou mais, totalizando assim, onze categorias diferentes. Na tabela 3 apresentam-se as categorias e suas respectivas incidências. Tabela 3 – Categorias de produtos mais citadas e suas respectivas incidências Categoria de produto Incidências Roupa 37 Tênis 17 Discman, Ipod, MP3, MP4 14 Computador 13 Bijuterias/Piercing 12 Livro/Revista 12 Sapato 9 Compact Disc - CD 8 Perfume 8 Artigos Esportivos 7 Celular 6 Apareceram categorias de produto bastante diversas nas entrevistas, sendo que as 11 acima listadas foram as mais citadas. A categoria “Roupa” foi a que teve o maior número de incidências, foram 37 no total. No estudo de Hartman e Braunstein (1998), o qual descreve um projeto para o ensino da teoria do auto-conceito, através do uso fotografias, os respondentes tinham que tirar uma fotografia de algo que era central para sua identidade. Foram listados 12 objetos, dentre os quais alguns se assemelham aos encontrados neste estudo, são eles: equipamentos esportivos, revistas e livros, rádio, roupa e computador. As variáveis que compuseram o questionário foram todas extraídas da etapa exploratória. Grande parte das variáveis foi selecionada em função do número de incidência detectado pelos analistas. Algumas variáveis com um menor número de incidência foram utilizadas, pois foram consideradas interessantes, de acordo com a fundamentação teórica, ou de acordo com outros estudos. Apresenta-se na tabela 4 as variáveis e suas incidências. 75 Tabela 4 – Variáveis usadas no questionário e suas respectivas incidências - continua Incidências (analistas independentes) Incidências (analistas independentes + autor) O objeto me identifica, reflete meu estilo pessoal e mostra quem eu sou 65 103 Uso o objeto para chamar atenção, e/ou me destacar e/ou causar boa impressão 64 105 Compro e uso produtos por influência de amigos 63 95 Sinto-me especial e/ou único usando o objeto, pois ele é meu, é exclusivo, é diferente do objeto dos outros 62 106 O objeto me traz lembranças boas de coisas, e/ou pessoas, e/ou lugares e/ou momentos 56 89 Sou dependente do objeto (tenho apego emocional, sinto ciúmes do objeto, sinto falta se não uso) 36 61 Sou consumista e adoro comprar. Geralmente compro mais do que preciso 33 53 Me sinto feliz, com a auto-estima elevada quando as pessoas elogiam o objeto que tenho/uso 30 47 Continuo usando o objeto, mesmo que não esteja na moda, ou mesmo que outras pessoas critiquem 15 21 O objeto me ajuda em situações adversas, me ajuda a esquecer dos problemas 15 23 O objeto relaciona-se com coisas que gosto de fazer 15 25 Uso o objeto como uma forma de fazer amigos, de me enturmar 13 24 Cuido do objeto de um jeito especial Quando uso o objeto sinto-me diferente e/ou melhor do que antes (conquisto a identidade que desejo usando o objeto) 10 15 9 15 Uso o objeto para sentir-me parte de um grupo 9 14 Me sinto melhor, feliz e satisfeito pela compra/uso do objeto. 9 14 Uso o objeto para seduzir/atrair outras pessoas 8 12 Produtos de marca trazem status 7 13 Sinto admiração, atração e deslumbramento pelo objeto 6 11 Variáveis 76 Tabela 4 – Variáveis usadas no questionário e suas respectivas incidências - conclusão Incidências (analistas independentes) Incidências (analistas independentes + autor) Pagar mais caro por um produto porque ele é de marca não é uma coisa lógica Uso o objeto para conseguir algo que desejo (ser aceito pelos colegas, ter o mesmo desempenho de um atleta, etc.) 4 8 4 6 Sinto-me mais seguro(a) quando uso o objeto 4 8 As pessoas olham diferente/não vem com bons olhos quem não usa produtos de marca 3 5 O objeto faz com que eu não me sinta inferior aos outros 3 5 Quando uso o objeto sinto fazer parte do estilo de vida que eu desejo (entro em outro universo) 3 5 A mídia influencia na escolha da marca 2 4 Variáveis 77 Todas as variáveis foram embasadas nas respostas dos entrevistados, obtidas com as entrevistas em profundidade e com a técnica de autodriving. Houve um grande número de respostas, sendo que muitas delas possuíam o mesmo sentido. Em função disso, agruparam-se as respostas semelhantes, independentemente da questão onde elas apareceram, a fim de diminuir o número de variáveis, e também de torná-las mais consistentes e representativas. Teve-se todo um cuidado para preservar o sentido, e não distorcê-las em função do agrupamento. 4.1.2 Enfoque Qualitativo Nesta etapa, são listadas as variáveis descobertas na etapa exploratória, e que foram usadas na etapa descritiva. Juntamente a isso, são apresentadas algumas evidências explicitadas nas entrevistas que comprovam suas escolhas. · O objeto me identifica, reflete meu estilo pessoal e mostra quem eu sou “...é uma coisa que me identifica bastante, porque eu chego na sala, e já sabem... As pessoas já sabem o perfume que eu uso. “Ah, esse perfume é da XXXX”, sabe?” (Entrevistada 5). “...ele é um casaco bonito, combina com várias coisas, me deixa mais apresentável, tem o meu estilo...” (Entrevistado 2). · Uso o objeto para chamar atenção, e/ou me destacar e/ou causar boa impressão “A camiseta da Puma, ela é forte assim... Quando eu coloco ela, chama atenção.” (Entrevistada 18) · Compro e uso produtos por influência de amigos “...todo mundo usava o mesmo tênis, o Mary Jane. E eu não achava o tênis bonito. Mas todas as minhas amigas usavam aquele tênis. Aí, eu fui lá, e comprei o tênis, mas eu nunca usei ele.” (Entrevistada 13) “...todo mundo tinha, aí era uma coisa assim, “eu vou comprar...” “Ah, mãe, eu vou comprar um tênis novo”, aquele é lógico. Era aquele. Não precisava nem olhar pros outros, era aquele e deu. Sem pensar, imediato o negócio. Era aquele e deu. Não tem que pensar muito no teu gosto. Vai pelo que todo mundo tem.” (Entrevistada 5) · Sinto-me especial e/ou único usando o objeto, pois ele é meu, é exclusivo, é diferente do objeto dos outros 78 “Porque uma das coisas que eu mais gosto que eu tenho, é o meu computador. É só meu, e ninguém mais mexe. É só meu, o que tem nele é só meu.” (Entrevistada 18) “O que eu penso quando eu to usando uma roupa é “ah, eu quero estar bem”. E não quero estar vestida como meia dúzia de pessoas, quero estar diferente.” (Entrevistada 4) “...eu comprei um tênis nos EUA, quando eu viajei no início do ano. E que não tinha aqui. Não tinha, não tinha ainda aqui. Bah, eu fiquei tri feliz... tu compra uma coisa esperando que vai ser diferente, tipo, só tu vai ter...” (Entrevistada 5) · O objeto me traz lembranças boas de coisas, e/ou pessoas, e/ou lugares e/ou momentos “Por mais que eu use no dia-a-dia, o cheiro sempre me lembra uma ocasião especial. E principalmente este perfume. Então, além da sensação de limpeza, e sensação boa, vem memórias boas... De ocasiões boas que eu passei e estava usando ele...” (Entrevistada 4) “Me vem lembrança da minha vó, porque esse relógio era dela.” (Entrevistada 7) · Sou dependente do objeto (tenho apego emocional, sinto ciúmes do objeto, sinto falta se não uso) “Porque eu acho que é uma coisa muito minha assim. Eu tenho até ciúmes se alguém fala que assina a Capricho. Ela é minha, é a minha revista.” (Entrevistada 13) “Porque eu to sempre usando elas. Eu só mudo assim, as cores de algumas, mas eu to sempre com elas no braço. Me falta, sabe? Se eu não to com elas, me falta. Eu posso até ta sem anel, ta sem outras pulseiras, mas se eu to com elas já fica bom.” (Entrevistada 12) “É uma coisa que tem muito apego emocional. Especialmente por ter sido a nona que me deu... Desde pequena eu tenho ele (cobertor). Não consigo me livrar dele...” (Entrevistada 4) · Sou consumista e adoro comprar. Geralmente compro mais do que preciso “Eu sou assim: eu olho, eu quero... Por isso que minha mãe me tranca. Se eu pudesse, eu comprava tudo.” (Entrevistada 16) “Bom, eu sou bem consumista. Eu gosto de comprar de... Gosto de comprar muita roupa. Gosto de comprar livro. Gosto de comprar perfumes e cosméticos. Gosto de comprar tudo, praticamente. E eu sou bem compulsiva.” (Entrevistada 4) · Me sinto feliz, com a auto-estima elevada quando as pessoas elogiam o objeto que tenho/uso “Eu comprei um perfume e disseram “Ah, que cheiro bom”... Ah, o cara fica feliz. Triste tu não vai ficar, né? E dá vontade de usar de novo... Porque tu ganhou um elogio, e se tu ganha um elogio tu fica feliz.” (Entrevistado 8) “Me lembro das vezes que eu tava usando o perfume e alguém elogiou. Alguém comentou “Ah, que bom esse teu perfume”. Saber que alguém ta elogiando uma coisa tua, uma coisa que tu gosta, é muito bom.” (Entrevistada 7) 79 · Continuo usando o objeto, mesmo que não esteja na moda, ou mesmo que outras pessoas critiquem “Eu tenho um casaco, que eu gosto bastante. É compridão, assim e tudo mais. Só que o meu cunhado falou um dia, que eu parecia um padre... Às vezes eu penso “ah, será que eu pareço um padre mesmo?”. Mas eu uso ele da mesma forma.” (Entrevistada 4) · O objeto me ajuda em situações adversas, me ajuda a esquecer dos problemas “Ah, ele sempre me salva assim. Porque se eu to numa situação, que eu não queria ta assim, que nem eu te falei, lá na Argentina, eu tava louca pra vir embora, e se eu não tivesse ele (mp3), eu não sei como é que seria para eu dormir. Eu ia demorar muito mais pra dormir, eu ia sentir muito mais saudade de casa. E o tempo, eu acho que ia passar muito mais devagar. Porque com a música, passa rápido. Quando tu faz uma coisa que tu gosta, passa rápido. Tudo que é bom passa rápido. E nessa situação, ele me ajudou um monte.” (Entrevistada 12) “Agora, eu trago ele (mp4) mais pra aula, porque quando ta dando uma aula chata, que não dá, ele me salva. E, ah, ele já foi útil para mim, várias vezes.” (Entrevistada 14) · O objeto relaciona-se com coisas que gosto de fazer “Ah, toda vez que eu coloco ela (bombacha) é positivo. Porque eu to indo fazer uma coisa que eu gosto de fazer. Pra mim é fora do comum. Aqui na cidade eu não tenho. É diferente. É muito bom!” (Entrevistada 18) · Uso o objeto como uma forma de fazer amigos, de me enturmar “E livro, por exemplo, eu era um garoto muito quieto, muito tímido, e ela tentava comprar livros, ou coisas que os outros também tinham, pra eu poder... É, vamos dizer, ter assunto, pra falar com aquele lá, pra ser amigo dele... Comprar um livro que nem aquele lá pra ler, entender o que ele tá lendo também... Pra tentar assim, vamos dizer... Interagir assim, com os outros...” (Entrevistado 6) “Uma coisa que eu consegui com elas assim. Alguém que veio falar comigo por causa de uma roupa, e eu acabei ficando amiga... Ás vezes, é um meio de as pessoas chegarem em ti, assim... Tipo “Ah, tenho um casaco igual ao teu”. Daí, já quebra o gelo, sabe? Não é de propósito, mas é uma forma de chegar mais próximo e ter mais intimidade pra começar a conversar.” (Entrevistada 5) · Cuido do objeto de um jeito especial “Depois que eu botei (o piercing), assim, bah, cuidei como se fosse um filho... Nossa Senhora... Todo dia limpando direitinho...” (Entrevistada 17) · Quando uso o objeto sinto-me diferente e/ou melhor do que antes (conquisto a identidade que desejo usando o objeto) “Diferente... Do que eu sou. Pra mudar um pouco. Uma pessoa que tem um cabelo muito crespo, faz uma chapinha, fica com outro rosto. Totalmente diferente. Acho que muda pra isso. Hoje teve fotos para formatura, aí, eu fiz chapinha. Tem que ta mais arrumadinha, né?” (Entrevistada 10) 80 “Se tu for perguntar pra mim, ninguém acredita que eu faço taekondo. Ninguém acredita que eu posso me concentrar, e ser séria. E quando eu entro, e coloco meu doboki, é outra pessoa assim... Porque é uma coisa que exige dedicação, é uma coisa que exige seriedade. Eu não posso ta brincando, porque senão, se eu brincar, eu vou me machucar. E é com certeza, um lado meu que muitas pessoas não conhecem, e que talvez nem minha mãe conheça.” (Entrevistada 5) · Uso o objeto para sentir-me parte de um grupo “Foi uma novidade pra mim. E tipo, aquelas gurias que usavam eram as famosinhas. Eram elas que usavam, só elas. Agora eu também tava ali, tava no meio, elas te olhavam diferente “Ah, ela ta usando uma calça Brasil Sul”. Faz toda a diferença, tu fica muito mais enturmada, né? Foi muito bom.” (Entrevistada 12) · Me sinto melhor, feliz e satisfeito pela compra/uso do objeto [referente à compra do celular] “Ah, eu me senti mais satisfeito, assim... De poder me comunicar...” (Entrevistado 6) [referente ao uso das pulseiras] “Porque eu acho que eu me sinto mais bonita, eu me sinto melhor usando elas. Se eu não to usando, eu sinto que ta faltando alguma coisa, sabe? Ta sem graça, falta...” (Entrevistada 12) · Uso o objeto para seduzir/atrair outras pessoas “Eu tava usando calça assim, suplex... Eu sempre uso, eu adoro. E daí... Quando eu saio assim, sempre infesta assim, em qualquer lugar, sempre chega muito guri... Muito guri. Daí eles falam assim “ah, que bundão”, não sei o que lá... É um absurdo assim. Eu fico apavorada, chega muito guri, sempre, sempre. É só botar essas calças, e assim sair num lugar... Bah, na rua assim, é horrível... Mas é bom...” (Entrevistada 5) “Tu quer sair numa festa assim, e tu quer de todo jeito achar alguém pra ficar, tu bota uma blusa bem coladinha e decotada, bota uma calça bem colada, pronto! Ta aí! Tu sai e tu consegue.” (Entrevistada 16) · Produtos de marca trazem status “Se tem uma marca boa, assim, e uma marca piorzinha, quase o mesmo preço, é óbvio que eu vou comprar a melhor, né? Pelo status da marca assim, essas coisas...” (Entrevistado 8) “A marca. O nome dele, hã... Porque tem, que nem o Dolce e Gabana. Tem um, que ele é ruim o cheiro, mas o nome “Ah, eu tenho um Dolce e Gabana”, entendeu? Não precisa nem sentir o cheiro mais.” (Entrevistada 5) · Sinto admiração, atração e deslumbramento pelo objeto [referente ao carro tunado] “Ah, eu vi, admirei, babei, sonhei (risos).” (Entrevistado 3) “Porque é uma coisa que eu gosto muito. Que eu gosto muito mesmo. É uma coisa que me identifica muito.” (Entrevistada 5) 81 · Pagar mais caro por um produto porque ele é de marca não é uma coisa lógica “Não tem porque ter marca... Com uma blusa de 80 reais, tu compra, 3 ou 4 blusas em Porto Alegre. É uma coisa que não é lógica... Elas querem comprar uma calça por causa da etiqueta. O que eu acho uma coisa inútil.” (Entrevistada 7) [sobre a importância da marca] “Se tu for pensar, não tem nada de importante. É uma burrice, porque é só mais caro.” (Entrevistada 5) · Uso o objeto para conseguir algo que desejo (ser aceito pelos colegas, ter o mesmo desempenho de um atleta, etc.) “...eu via na tv, algum atleta que tava usando um tênis, alguma coisa diferente assim, e eu dizia “Bah, que bala o tênis e tal”. Daí, tu vai lá, e tem que comprar igual... O cara vê ali e pensa “Ah, vou dar o mesmo salto do cara”...” (Entrevistado 9) · Sinto-me mais seguro(a) quando uso o objeto “Elas (bijuterias) fazem com que eu me sinta mais segura. Se eu to sem elas, eu não me sinto bem. Não adianta eu ta bem vestida... E não pode ser qualquer acessório, tem que ser esses daqui. Porque eu acho bonito, porque eu sei que é meu, sabe? Eu acho que é isso, fazem eu me sentir melhor. Fazem eu me sentir bem.” (Entrevistada 13) · As pessoas olham diferente/não vem com bons olhos quem não usa produtos de marca “Eu não sei te explicar, mas assim, quando tu sai assim, com uma marca inexistente, tu sente “bah, se o cara vê que eu to com essa roupa, assim, com essa marca aqui que não existe, vai ficar assim...”. O pessoal debocha... Que nem, tem um guri aqui no colégio, que tem uma bermuda da “Billamong”, é uma imitação, aí todo mundo começa “e aí, essa bermuda?”. Aí, todo mundo fica debochando, daí, fica meio estranho. É ruim, depois fica com faminha...” (Entrevistada 5) · O objeto faz com que eu não me sinta inferior aos outros “Que nem aquele tênis, ele não era muito caro assim... Por isso que eu não fiquei tão assim “ah, ganhei, graças a Deus”... Mas é bom, né? Senão, tu ia te sentir menor assim, que os outros... Quer dizer que tu acaba sentindo...” (Entrevistada 5) · Quando uso o objeto sinto fazer parte do estilo de vida que eu desejo (entro em outro universo) “No momento, eu me senti entrando no universo delas. Mas depois, que eu comecei a pensar um pouco, eu vi que não tem porque eu fazer isso. Porque até, a calça delas, eu acho uma coisa ridícula... As gurias disseram “Ah, olha que bonita essa etiqueta”. Eu me senti entrando no universo delas, mas ao mesmo tempo, eu me senti “Porque que eu to fazendo isso?”. Mas no final, eu acabei indo junto.” (Entrevistada 7) 82 · A mídia influencia na escolha da marca “Não tem porque ter marca. Acho que marca é só mais uma coisa que vem da mídia assim...” (Entrevistada 7) Esta parte da pesquisa gerou informações riquíssimas a respeito do consumo, e especialmente, dos benefícios simbólicos. Pôde-se entender melhor a importância que os objetos têm para os consumidores, além da forma como eles tiram proveito dos benefícios simbólicos proporcionados por estes objetos. As descobertas, aqui encontradas, foram extremamente relevantes para realização da etapa descritiva. Os resultados da etapa descritiva são apresentados a seguir. 4.2 ETAPA DESCRITIVA Este capítulo apresenta os resultados obtidos com a aplicação dos questionários. Após sua aplicação, todos os questionários foram tabulados através do software Excel ®, e em seguida, os dados foram processados com o auxílio do software SPSSÒ. Todos os gráficos e tabelas, apresentados neste capítulo, são referentes à coleta de dados deste estudo. O capítulo está estruturado da seguinte forma: inicia-se com a caracterização dos respondentes, demonstrando as distribuições por sexo, idade, renda e cidade, além de alguns cruzamentos. Depois, apresentam-se os resultados referentes às questões de consumo, marca e mídia. As categorias de produto e seus resultados são tratados logo em seguida. Os benefícios simbólicos e o nível de concordância/discordância dos respondentes também são apresentados. Após isto, apresenta-se a análise fatorial realizada com os benefícios simbólicos abordados na pesquisa. Por fim, são apresentadas algumas análises realizadas com os fatores obtidos através da técnica de análise fatorial. 83 4.2.1 Caracterização da amostra A amostra foi composta por um total de 288 respondentes, conforme indicado na metodologia. Para caracterizar os respondentes, utilizaram-se as seguintes variáveis: sexo, idade, renda e cidade (onde estuda). A distribuição da amostra, em relação ao sexo dos respondentes, está exposta no gráfico abaixo: Gráfico 1 – Sexo dos respondentes Masculino 48% Feminino 52% Observa-se, que há uma distribuição bem equilibrada com relação ao sexo dos respondentes, tendo um pequeno predomínio de respondentes do sexo feminino (149 casos), sobre os respondentes do sexo masculino (139 casos). No que diz respeito à idade dos respondentes, a faixa etária variou de 14 anos até 18 anos. Estas faixas etárias já haviam sido pré-determinadas, pois o público-alvo do estudo eram jovens estudantes do Ensino Médio. A distribuição da amostra, com relação à idade dos respondentes, é mostrada no gráfico a seguir: 84 Gráfico 2 – Idade dos respondentes 18 anos 7% 14 anos 6% 17 anos 24% 15 anos 37% 16 anos 26% Percebe-se que as faixas de idade intermediárias, 15, 16 e 17 anos, representam a maior parte da amostra, com 37%, 26% e 24% respectivamente. As faixas de idade extremas, que são 14 anos e 18 anos, são compostas pelos menores números de respondentes, sendo 6% e 7% respectivamente. A menor representatividade das faixas de idade de 14 anos e 18 anos era esperada, uma vez que a idade média para alunos do primeiro ano do Ensino Médio, normalmente é de 15 anos, para alunos do segundo ano é de 16 anos, e para alunos do terceiro ano é de 17 anos. Com relação à renda dos entrevistados, as faixas foram definidas através da lógica do Critério Brasil 2008, mas foram ajustadas de forma que ficassem mais fáceis de serem entendidas e respondidas pelos jovens. A distribuição da amostra, com relação à renda dos respondentes, apresenta-se a seguir: Gráfico 3 – Renda dos Respondentes de R$ 2.001, 00 a R$ 3.400,00 13% de R$ 3.401,00 a R$ 6.500,00 11% Não sei / Desconheço 61% de R$ 6.501,00 a R$ 9.700,00 7% acima de R$ 9.701,00 8% 85 Assim, como já havia sido identificado na aplicação do piloto, grande parte dos jovens (61%) não sabem, ou desconhecem a renda familiar. De acordo com o Critério Brasil 2008, pode-se considerar que a faixa de renda que varia de R$ 2.001,00 a R$ 3.400,00 representa a Classe B2. A faixa que varia de R$ 3.401,00 a R$ 6.500,00 representa a Classe B1. Juntando-se estas duas faixas, tem-se a Classe B. A faixa de R$ 6.501,00 a R$ 9.700,00 representa a Classe A2, e a faixa acima de R$ 9.701,00 representa a classe A1. Juntando estas duas faixas de renda têm-se a Classe A. Logo, 24% dos respondentes pertencem à classe B, e 15% pertencem à classe A. Neste estudo, não foi considerado nenhum jovem que houvesse identificado uma renda familiar inferior a R$ 2.001,00, pois esta faixa de renda representa a Classe C, que não faz parte do público-alvo deste estudo. Seis escolas, de seis cidades diferentes foram consideradas para esta pesquisa. A idéia inicial era coletar uma amostra equilibrada entre as seis cidades. No entanto, devido à restrição das escolas quanto à aplicação de pesquisas acadêmicas, isso não foi possível. O único critério que pôde ser exigido pelo pesquisador foi que pelo menos uma turma de Ensino Médio de cada escola participasse da pesquisa. Algumas escolas se dispuseram a aplicar em até duas turmas. A seguir, apresenta-se a distribuição da amostra, com relação à cidade das escolas participantes e dos respondentes: Gráfico 4 – Cidade das escolas e dos respondentes Porto Alegre 10% Sapucaia do Sul 11% Canoas 15% Esteio 18% Novo Hamburgo 26% São Leopoldo 20% Pode-se perceber que a cidade de Novo Hamburgo contribui com a maior amostra de estudantes (26% dos 288 respondentes). São Leopoldo aparece depois (20%), seguida por Esteio (18%). Porto Alegre, apesar de possuir um maior número de 86 escolas e de estudantes, foi a cidade onde obteve-se a menor participação, apenas 10% da amostra. Foi feito o cruzamento das variáveis Sexo e Idade, para verificar a distribuição do sexo dos respondentes por faixa de idade. Os resultados são apresentados na tabela abaixo: Tabela 5 – Sexo x Idade dos respondentes Feminino Masculino Freqüência % Freqüência % 14 anos 9 6,0 7 5,0 15 anos 56 37,6 52 37,4 16 anos 39 26,2 35 25,2 17 anos 34 22,8 35 25,2 18 anos 11 7,4 10 7,2 149 100 139 100 Total N: 288 Na tabela acima, fica evidente que há uma distribuição bastante equilibrada entre os sexos feminino e masculino para todas as faixas de idade. Verificou-se se havia associação entre o sexo e a idade dos respondentes. Para isso, utilizou-se a estatística do Qui-quadrado. O qui-quadrado é uma medida padronizada que compara as freqüências reais das respostas com as freqüências esperadas (HAIR et al, 2005b). Quanto maiores forem as diferenças entre as freqüências reais e esperadas, maior será o valor da estatística (MALHOTRA, 2001). “A estatística do qui-quadrado é utilizada para testar a significância estatística entre as distribuições de freqüências de dois ou mais grupos” (HAIR et al, 2005b, p.293), ou seja, ajuda a determinar se existe uma associação entre as variáveis (MALHOTRA, 2001). Segundo Hair et al (2005b) é preciso que cada freqüência de célula tenha uma amostra de pelo menos 5 casos. Este requisito foi atendido, conforme exposto na tabela anterior, onde a amostra mínima por célula foi de 7 casos. O valor do qui-quadrado foi de 0,330, e não alcançou significância estatística a um nível de p<0,05, pois apresentou significância de 0,988. Assim, fica evidente que não existe associação entre o sexo e a idade dos respondentes. 87 4.2.2 Aspectos relacionados ao Consumo, Marca e Mídia Na primeira etapa do questionário, havia questões que visavam avaliar a percepção dos consumidores sobre questões relacionadas ao consumo, à marca e à mídia. Essa percepção foi verificada através de uma escala de 5 pontos, onde o número 1 significava discordância total, e o número 5 significava concordância total. A fim de tornar mais fácil a leitura dos resultados, agruparam-se as respostas, ou seja, respostas 1 e 2 significam discordância, a resposta 3 significa indiferença e as respostas 4 e 5 significam concordância. A seguir, são apresentados os percentuais de concordância, discordância e indiferença dos consumidores com relação a aspectos do consumo, marca e mídia. Tabela 6 – Discordância, indiferença e concordância com os aspectos do consumo, marca e mídia Discordo Indiferente Concordo A mídia influencia na escolha da marca Pagar mais caro por um produto porque ele é de marca não é uma coisa lógica As pessoas olham diferente e/ou não vêem com bons olhos quem não usa produtos de marca 11% 15% 74% 27% 26% 47% 34% 27% 39% Produtos de marca trazem status Sou consumista e adoro comprar. Geralmente compro mais do que preciso 40% 28% 32% 46% 31% 23% Compro e uso produtos por influência de amigos N: 288 74% 18% 8% Percebe-se que a grande maioria (74%) dos consumidores concorda que a mídia tem influência na escolha da marca. Segundo Kellner (2001) a mídia influência na escolha da marca, pois ela tenta criar associações entre a marca e características desejadas pelos consumidores. Desta forma, os consumidores passam a preferir a marca que eles acreditam ter essas características desejadas. A grande maioria (74%) também diz não ser influenciada por amigos na compra e uso de produtos. Isto se opõe a grande parte da literatura, e aos resultados encontrados em outros estudos, como o estudo de Costa (2007), por exemplo, onde ficou evidente que há influência significativa dos amigos no consumo. Quase metade dos jovens respondentes (47%) acredita que não é algo lógico pagar mais caro por um produto por causa de sua marca. Uma questão interessante apontada aqui, é que apenas 23% dos jovens se disseram consumistas. Uma razão 88 para este baixo percentual, pode ser a dependência financeira que os jovens têm dos seus pais. O estudo de Costa (2007) corrobora esta afirmação, onde foi evidenciado que os jovens não possuem recursos e/ou autonomia para consumir da forma que desejam. Foram verificadas as médias atribuídas para cada uma das seis afirmações pelos respondentes do sexo feminino e masculino. As médias e seus respectivos desviospadrão são apresentados a seguir: Tabela 7 – Médias e desvios-padrão de acordo com o sexo dos respondentes Feminino Masculino Média Desviopadrão Média Desviopadrão 2,99 1,191 2,42 0,992 Compro e uso produtos por influência de amigos Pagar mais caro por um produto porque ele é de marca não é uma coisa lógica 1,99 0,919 1,99 0,982 3,40 1,340 3,24 1,250 Produtos de marca trazem status As pessoas olham diferente e/ou não vêem com bons olhos quem não usa produtos de marca 2,41 1,247 3,28 1,291 3,04 1,304 3,09 1,380 A mídia influencia na escolha da marca N: 288 3,99 1,112 4,20 1,143 Sou consumista e adoro comprar. Geralmente compro mais do que preciso Observando-se a tabela anterior, percebe-se que há uma diferença visível nas médias atribuídas pelos respondentes do sexo feminino e masculino em relação às afirmações: “Sou consumista e adoro comprar. Geralmente compro mais do que preciso” e “Produtos de marca trazem status”. No entanto, não há como afirmar que estas diferenças são realmente significativas. A fim de descobrir isto, faz-se necessária a aplicação do teste t. 4.2.2.1 Teste t Aplicou-se então, o Teste t, para verificar se as médias atribuídas pelos respondentes do sexo feminino e masculino, divergiam estatisticamente. O teste t avalia a significância estatística da diferença entre duas médias de amostras independentes (HAIR et al, 2005a). Em outras palavras, o teste t verifica se as diferenças entre as médias ocorreram por acaso, ou se houve uma diferença verdadeira (HAIR et al, 89 2005b). Para isso, foram estabelecidas as hipóteses a serem testadas com a técnica escolhida: · Hipótese nula (H0): Não há diferenças nas médias atribuídas pelos respondentes do sexo feminino e masculino · Hipótese alternativa (H1): Há diferenças nas médias atribuídas pelos respondentes do sexo feminino e masculino. Os resultados obtidos pelo Teste t são apresentados na tabela a seguir: Tabela 8 – Teste t das afirmações sobre consumo, marca e mídia x Sexo dos respondentes Teste Levene Sou consumista e adoro comprar. Geralmente compro mais do que preciso Compro e uso produtos por influência de amigos Pagar mais caro por um produto porque ele é de marca não é uma coisa lógica Produtos de marca trazem status As pessoas olham diferente e/ou não vêem com bons olhos quem não usa produtos de marca A mídia influencia na escolha da marca F Sig t 2,226 0,137 4,391 286,000 0,000 4,419 282,443 0,000 0,004 286,000 0,997 0,004 280,848 0,997 1,033 286,000 0,302 1,036 286,000 0,301 5,825 286,000 0,000 5,818 282,899 0,000 0,291 286,000 0,771 0,291 281,511 0,772 1,566 286,000 0,118 1,565 283,312 0,119 3,109 2,859 0,004 1,384 0,220 0,079 0,092 0,947 0,240 0,640 GL Sig Através do teste t, rejeita-se a hipótese nula, e comprova-se que há diferenças estatisticamente significantes entre as médias atribuídas pelos respondentes do sexo feminino e masculino para as seguintes afirmações: “Sou consumista e adoro comprar. Geralmente compro mais do que preciso” e “Produtos de marca trazem status”. Ambas apresentaram significância de 0,000, inferior ao nível de 0,05 estabelecido para este estudo. Assim, pode-se afirmar que as meninas, da amostra estudada, tendem a ser mais consumistas que os meninos. 90 Segundo Cabral (2007) o consumismo é mais comum nas mulheres. Domingues (2007) afirma que em todo mundo, cerca de 65% dos shoppers4 de produtos de consumo são mulheres. Não é à toa, que foi criado o estereótipo da patricinha, aquela menina que tudo pode consumir, e que representa o ícone do consumo exagerado (CASTRO et al, 2006). Fung (2002) afirma que o consumo é uma das rotinas diárias mais proeminentes para as mulheres na sociedade materialista contemporânea. Ele é parte integral da vida da mulher, pois é através dele que as mulheres articulam sua cultura e narram suas identidades. Também, pode-se afirmar que os meninos, da amostra estudada, tendem a associar mais os produtos de marca com status, do que as meninas. Este resultado está em concordância com a afirmação de Piacentini e Mailer (2004) de que o desejo por status está mais presente entre os jovens do sexo masculino, que dão maior ênfase a conquista e ao sucesso. 4.2.2.2 Análise de Variância – ANOVA Com o intuito de verificar se as influências dos amigos e da mídia são percebidas de forma diferente de acordo com a idade do jovem, realizou-se a análise de variância (ANOVA). A ANOVA é uma técnica estatística utilizada para avaliar as diferenças entre as médias de dois ou mais grupos (MALHOTRA, 2001; HAIR et al, 2005b). A análise de variância objetiva a comparação entre três ou mais médias. Ela é indicada para analisar diferenças entre grupos em uma única variável dependente métrica (HAIR et al, 2005a). Inicialmente, verificou-se que havia homogeneidade de variâncias, pois a hipótese nula foi aceita a um nível de p< 0,05 (sig. 0,868 e sig. 0,221), como pode ser visto na tabela abaixo: Tabela 9 – Teste de homogeneidade da variância Estat. de Levene GL1 GL2 Sig. Compro e uso produtos por influência de amigos 0,315 4 283 0,868 A mídia influencia na escolha da marca 1,439 4 283 0,221 4 Shopper é uma palavra do vocabulário comum da língua inglesa, sem tradução para o português, e significa um consumidor envolvido num processo de compra. 91 Aplicou-se então, a ANOVA, para verificar se as médias atribuídas pelos respondentes das diferentes faixas de idade, divergiam estatisticamente. Para isso, foram estabelecidas as hipóteses a serem testadas com a técnica escolhida: · Hipótese nula (H0): Não há diferenças nas médias atribuídas pelos respondentes das diferentes faixas de idade. · Hipótese alternativa (H1): Há diferenças nas médias atribuídas pelos respondentes das diferentes faixas de idade. Os resultados obtidos pela ANOVA são apresentados nas tabelas a seguir: Tabela 10 – ANOVA: Compro e uso produtos por influência de amigos x Idade dos respondentes Idade Média Desvio-Padrão 14 anos 2,00 0,894 15 anos 2,00 0,957 16 anos 2,09 1,009 17 anos 1,88 0,932 18 anos 1,95 0,805 F Sig. 0,448 0,774 A significância encontrada foi de 0,774, superior ao nível de 0,05 determinado para este estudo. Assim, fica claro que não existe diferença significativa entre as médias atribuídas pelos jovens das diferentes faixas de idade à afirmação “Compro e uso produtos por influência de amigos”. De qualquer forma, é interessante notar que os jovens nas faixas de idade de final da adolescência (17 e 18 anos) atribuíram médias menores para a influência dos amigos no consumo. O estudo de John (1999) pode contribuir para o entendimento deste resultado, pois afirma que a opinião de terceiros e do grupo no qual o jovem está inserido, é elemento fundamental para os jovens com idade entre 11 e 16 anos. Tabela 11 – ANOVA: A mídia influencia na escolha da marca x Idade dos respondentes Idade Média Desvio-Padrão 14 anos 4,19 1,109 15 anos 4,08 1,145 16 anos 4,11 1,093 17 anos 4,14 1,061 18 anos 3,86 1,459 F Sig. 0,295 0,881 92 A significância encontrada aqui foi de 0,881, superior ao nível determinado para este estudo, que é de 0,05. Assim, fica claro que não existe diferença significativa entre as médias atribuídas pelos jovens das diferentes faixas de idade à influência da mídia na escolha da marca. Mesmo assim, destaca-se mais uma vez, que os jovens na faixa de idade de final da adolescência (18 anos) foram os que atribuíram a menor média para a influência da mídia. No que tange a renda, verificou-se também, se as médias atribuídas pelos respondentes das diferentes faixas de renda, em relação às afirmações “Sou consumista e adoro comprar. Geralmente compro mais do que preciso”, “Pagar mais caro por um produto porque ele é de marca não é uma coisa lógica” e “Produtos de marca trazem status” eram estatisticamente diferentes. Para as três afirmações havia homogeneidade de variâncias, pois todas apresentaram significância maior que 0,05 (sendo 0,090; 0,793 e 0,591 respectivamente). Os resultados da ANOVA são apresentados nas tabelas a seguir: Tabela 12 – ANOVA: Sou consumista e adoro comprar x Renda dos respondentes Renda Média Desvio-Padrão de R$ 2.001, 00 a R$ 3.400,00 2,39 0,964 de R$ 3.401,00 a R$ 6.500,00 2,55 0,961 de R$ 6.501,00 a R$ 9.700,00 2,62 1,244 acima de R$ 9.701,00 2,86 1,424 Não sei / Desconheço 2,80 1,137 F Sig. 1,285 0,276 A hipótese nula é aceita, pois a significância encontrada foi de 0,276, superior ao nível determinado para este estudo (0,05). Dessa forma, não existe diferença significativa entre as médias atribuídas, pelos respondentes das diferentes faixas de renda, à afirmação “Sou consumista e adoro comprar”. Apesar de não haver diferença estatisticamente significante, é interessante notar que conforme aumenta a faixa de renda dos respondentes, aumenta a média atribuída a esta afirmação. De qualquer jeito, isto realmente parece não significar nada, pois como afirma Costa (2004, p.84): “a atitude consumista não depende do nível de renda. É uma atitude diante da vida, e, por conseguinte, dos objetos que se pode possuir”. 93 Tabela 13 – ANOVA: Pagar mais caro por um produto porque ele é de marca não é uma coisa lógica x Renda dos respondentes Renda Média Desvio-Padrão de R$ 2.001, 00 a R$ 3.400,00 3,67 1,242 de R$ 3.401,00 a R$ 6.500,00 3,29 1,419 de R$ 6.501,00 a R$ 9.700,00 3,38 1,359 acima de R$ 9.701,00 3,00 1,345 Não sei / Desconheço 3,30 1,274 F Sig. 1,004 0,406 A hipótese nula também é aceita aqui, pois a significância encontrada (0,406) é maior que o nível determinado para o estudo, que é de 0,05. Assim, pode-se afirmar que não há diferenças significativas entre as médias atribuídas pelos respondentes das diferentes faixas de renda à esta afirmação. No entanto, observando-se a tabela anterior, pode-se verificar que os respondentes que atribuíram maior média à afirmação são justamente os que estão na menor faixa de renda, e os que atribuíram menor média são os que estão na maior faixa de renda. Isto pode gerar a idéia de que consumidores com maiores rendas estão mais dispostos a pagar mais caro por um produto de marca. Porém, segundo os professores da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Juracy Parente e Edgar Barki, os consumidores de rendas mais baixas também demonstram forte preferência e fidelidade às marcas, especialmente pelo fato de preferirem produtos de marcas conhecidas, que são confiáveis, e desta forma, evitam o desperdício (OLIVEIRA, 2007). Em seu estudo, Zanette e Scare (2007) descobriram que os consumidores com rendas mais baixas valorizam mais os benefícios dos produtos, especialmente os relacionados ao desempenho, o que não é o caso da marca. Este pode ser um argumento, para a maior média atribuída pelos respondentes de menor renda para esta afirmação. Tabela 14 – ANOVA: Produtos de marca trazem status x Renda dos respondentes Renda Média Desvio-Padrão de R$ 2.001, 00 a R$ 3.400,00 2,81 1,238 de R$ 3.401,00 a R$ 6.500,00 2,94 1,459 de R$ 6.501,00 a R$ 9.700,00 2,67 1,278 acima de R$ 9.701,00 3,27 1,453 Não sei / Desconheço 2,78 1,333 F Sig. 0,788 0,534 94 Com relação à esta afirmação, a significância encontrada foi de 0,534, superior ao nível estipulado neste estudo (0,05). Assim, a hipótese nula é aceita, o que evidencia que não existe diferença estatisticamente significante entre as médias atribuídas pelos respondentes das diferentes faixas de renda. Vale ressaltar, entretanto, que os respondentes que atribuíram a maior média para a associação entre produtos de marca e status são os da faixa de renda superior a R$ 9.701,00. Foi verificada a relação entre a cidade dos respondentes e a afirmação “As pessoas olham diferente e/ou não vêem com bons olhos quem não usa produtos de marca” para ver se havia diferença estatisticamente significante nas médias atribuídas. Utilizou-se mais uma vez o teste ANOVA. Verificou-se que havia homogeneidade de variâncias, pois a hipótese nula foi aceita a um nível de p< 0,05 (sig. 0,509). Os resultados da ANOVA são apresentados a seguir: Tabela 15 – ANOVA: As pessoas olham diferente e/ou não vêem com bons olhos quem não usa produtos de marca x Cidade dos respondentes Cidade Média Desvio-Padrão Novo Hamburgo 2,53 1,259 São Leopoldo 2,81 1,196 Sapucaia do Sul 3,65 1,170 Esteio 3,52 1,350 Canoas 3,42 1,401 Porto Alegre 2,93 1,311 F Sig. 6,248 0,000 A hipótese nula foi rejeitada, pois a significância encontrada (0,000) é menor que o nível determinado neste estudo (0,05). Desta forma, pode-se afirmar que há diferença estatisticamente significante entre as médias atribuídas pelos respondentes das diferentes cidades. No entanto, segundo Hair et al (2005b) a ANOVA só permite concluir que há diferenças estatísticas entre as médias, mas não indica onde estão as diferenças. Para identificar onde estão as diferenças, é preciso realizar um teste de acompanhamento (post hoc). Através do teste post hoc Scheffe, um teste mais conservador (HAIR et al, 2005b), comprovou-se que a diferença existia, e que ela estava entre as cidades de 95 Novo Hamburgo e Sapucaia (sig. 0,007), Novo Hamburgo e Esteio (sig. 0,004) e Novo Hamburgo e Canoas (sig. 0,027). Todas foram significativas ao nível de p<0,05. Os respondentes da cidade de Novo Hamburgo são os que menos percebem esse julgamento que é feito a quem não usa produtos de marca. Por sua vez, os respondentes de Sapucaia do Sul, Esteio e Canoas são os que mais percebem isso. É interessante observar, que os respondentes que atribuíram as maiores médias para esta afirmação (Sapucaia do Sul: 3,65 e Esteio: 3,52) são justamente os das menores cidades investigadas. Os respondentes das maiores cidades, como Porto Alegre, Novo Hamburgo, e até mesmo São Leopoldo, foram os que atribuíram as menores médias para a afirmação. Isso pode ser um sinal de que os jovens consumidores das cidades menores valorizam mais a questão da marca do que os que vivem nas cidades maiores. 4.2.3 Categorias de Produto Foram destacadas 7 categorias de produto, obtidas na pesquisa qualitativa, para que os respondentes escolhessem aquela que mais os identificava. Questões posteriores deveriam ser respondidas com base na escolha da categoria de produto. A escolha da categoria devia ser feita com base no produto que mais identificasse o respondente, ou seja, o produto que mais tivesse a sua cara. A seguir apresenta-se um gráfico com o percentual de cada categoria de produto: Gráfico 5 – Categorias de produtos escolhidas pelos respondentes Livro/Revista 6% Artigos esportivos 11% Celular Sapato 2% 2% Computador 37% Discman, Ipod, Mp3, Mp4 11% Roupa 31% 96 De um total de 288 respondentes, 37% escolheram o computador como o objeto que mais os identifica. A roupa aparece em segundo lugar, sendo apontada por 31% dos respondentes. Celular e sapato foram os objetos menos citados, com apenas 2% cada um. Cabe ressaltar aqui, que a escolha dos jovens pelo computador deu-se, não pelo equipamento (hardware) em si, mas pela internet, msn e sites de relacionamento (orkut) que são acessados através do computador. Isto já foi evidenciado na etapa exploratória, onde os jovens citaram, inúmeras vezes, seu interesse e a importância da internet, do msn e do orkut em suas vidas. Vivan (2005) destaca que é possível fazer de tudo através da internet, de compras a lazer, de comunicação a namoro. A internet invadiu as casas e as escolas. Segundo estudo realizado pela MTV Brasil (2005), 76% dos jovens entre 15 e 17 anos têm acesso à internet nas grandes capitais Brasileiras. Somente na classe A, este número chega a 96%. Com relação à roupa, o resultado não surpreende, pois a roupa é apontada por diversos autores como um produto amplamente usado pelos jovens na construção e comunicação de sua identidade. Fez-se o cruzamento das categorias de produto com as variáveis sexo, classe econômica e idade, para ver quais as categorias que mais se destacam. As tabelas são apresentadas a seguir. Tabela 16 – Categoria de produto x Sexo dos respondentes Feminino Categoria de produto Masculino Freqüência % Freqüência % Artigos esportivos 7 4,7 24 17,3 Celular 5 3,4 2 1,4 Computador 37 24,8 70 50,4 Discman, Ipod, Mp3, Mp4 11 7,4 22 15,8 Livro/Revista 12 8,1 4 2,9 Roupa 71 47,7 17 12,2 Sapato 6 4 0 0 149 100 139 100 Total N: 288 97 Percebe-se que a categoria de produto mais citada pelas meninas é a roupa (47,7%), seguida pelo computador (24,8%). O sapato foi citado apenas pelas meninas. No estudo de Ouchi (2000) as roupas apareceram como o objeto mais consumido pelas meninas. No que diz respeito aos meninos, mais da metade deles (50,4%) elegeram o computador como o objeto que mais os identifica. Segundo Castro (2006a) entre os internautas brasileiros, há uma ligeira predominância do público masculino, talvez isto ajude a compreender porque o computador foi o objeto mais citado pelos meninos, e não foi o mais citado pelas meninas. Em segundo lugar, aparecem os artigos esportivos (17,3%), seguido de perto pela categoria discman, Ipod, Mp3, Mp4 (15,8%). Tabela 17 – Categoria de produto x Classe econômica dos respondentes Classe A Categoria de produto Classe B Renda desconhecida Freqüência % Freqüência % Freqüência % Artigos esportivos 8 18,6 8 11,9 15 8,4 Celular 0 0 2 3 5 2,8 Computador 17 39,5 25 37,3 65 36,5 Discman, Ipod, Mp3, Mp4 5 11,6 7 10,4 21 11,8 Livro/Revista 2 4,7 2 3 12 6,7 Roupa 9 20,9 22 32,8 57 32 Sapato 2 4,7 1 1,5 3 1,7 43 100 67 100 178 100 Total N:288 Aqui, agruparam-se as faixas de renda de acordo com a classificação de classe econômica, a fim de verificar quais as categorias de produto mais destacadas pelas classes A e B. Para os respondentes de ambas as classes, o computador é o objeto de maior identificação. Para os respondentes da classe B, em segundo lugar aparece a roupa, com 32,8% das citações. No caso da classe A, a roupa também aparece em segundo lugar (20,9%), só que seguida de perto pelos artigos esportivos (18,6%). O celular é um objeto que identifica apenas os respondentes da classe B. 98 Tabela 18 – Categoria de produto x Idade dos respondentes 14 anos Categoria de produto Artigos esportivos 15 anos 16 anos 17 anos 18 anos Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % 2 12,5 9 8,3 7 9,5 10 14,5 3 14,3 Celular 0 0,0 4 3,7 2 2,7 1 1,4 0 0 Computador Discman, Ipod, Mp3, Mp4 6 37,5 51 47,2 26 35,1 20 29 4 19 1 6,3 7 6,5 11 15 10 14,5 4 19 Livro/Revista 1 6,3 3 2,8 5 6,8 6 8,7 1 4,8 Roupa 6 37,5 30 27,8 21 28,4 22 31,9 9 42,9 Sapato 0 0 4 3,7 2 2,7 0 0 0 0 16 100 108 100 74 100 69 100 21 100 Total N: 288 Com base nas informações da tabela anterior percebe-se que o computador é o objeto que identifica mais os jovens da faixa de 14 a 16 anos. Na faixa de 17 e 18 anos, o computador deixa de ser o objeto de maior identificação, cedendo lugar para a roupa. Os artigos esportivos também identificam mais os jovens na faixa de 17 e 18 anos. O discman, Ipod, mp3, mp4 identifica mais os jovens dos 16 aos 18 anos. 4.2.4 Benefícios Simbólicos A terceira parte do questionário era composta por 20 variáveis que traduziam os benefícios simbólicos proporcionados pelos objetos. Estas variáveis surgiram a partir da etapa exploratória e da revisão de literatura. O objetivo foi verificar a percepção dos consumidores com relação a estes benefícios simbólicos. Utilizou-se para isto, uma escala de 5 pontos, onde o número 1 significava discordância total, e o número 5 significava concordância total. A fim de tornar mais fácil a leitura dos resultados, agruparam-se as respostas, ou seja, respostas 1 e 2 significam discordância, a resposta 3 significa indiferença e as respostas 4 e 5 significam concordância. A seguir, são apresentados os percentuais de concordância, discordância e indiferença dos respondentes com relação aos benefícios simbólicos proporcionados pelos objetos. 99 Tabela 19 – Discordância, indiferença e concordância com os benefícios simbólicos proporcionados pelos objetos Discordo Indiferente Concordo Continuo usando o objeto, mesmo que não esteja na moda, ou mesmo que outras pessoas critiquem. 15% 15% 70% Me sinto melhor, feliz e satisfeito pela compra/uso do objeto. 13% 18% 69% O objeto relaciona-se com coisas que gosto de fazer 15% 18% 67% Cuido do objeto de um jeito especial O objeto me identifica, reflete meu estilo pessoal e mostra quem eu sou O objeto me traz lembranças boas de coisas, e/ou pessoas, e/ou lugares e/ou momentos. Me sinto feliz, com a auto-estima elevada quando as pessoas elogiam o objeto que tenho/uso O objeto me ajuda em situações adversas, me ajuda a esquecer dos problemas. Quando uso o objeto sinto-me diferente e/ou melhor do que antes (conquisto a identidade que desejo usando o objeto) Quando uso o objeto sinto fazer parte do estilo de vida que eu desejo (entro em outro universo) Sou dependente do objeto (tenho apego emocional, sinto ciúmes do objeto, sinto falta se não uso) 17% 25% 58% 23% 21% 56% 28% 18% 54% 31% 17% 52% 40% 15% 45% 38% 23% 39% 39% 23% 38% 40% 23% 37% Sinto admiração, atração e deslumbramento pelo objeto. 47% 21% 32% Sinto-me mais seguro (a) quando uso o objeto Sinto-me especial e/ou único usando o objeto, pois ele é meu, é exclusivo, é diferente do objeto dos outros Uso o objeto para chamar atenção, e/ou me destacar e/ou causar boa impressão. 51% 20% 29% 55% 17% 28% 66% 13% 21% Uso o objeto para seduzir/atrair outras pessoas 60% 19% 21% Uso o objeto como uma forma de fazer amigos, de me enturmar 64% 16% 20% O objeto faz com que eu não me sinta inferior aos outros Uso o objeto para conseguir algo que desejo (ser aceito pelos colegas, ter o mesmo desempenho de um atleta, etc.) 66% 17% 17% 74% 13% 13% Uso o objeto para sentir-me parte de um grupo 78% 13% 9% Para pelo menos sete dos benefícios simbólicos listados, houve concordância da maioria dos respondentes, sendo os de maior destaque “Continuo usando o objeto, mesmo que não esteja na moda, ou mesmo que outras pessoas critiquem” (70%), “Me sinto melhor, feliz e satisfeito pela compra/uso do objeto.” (69%) e “O objeto relaciona-se com coisas que gosto de fazer” (67%). Segundo os estudiosos, as pessoas têm consumido não apenas para suprir suas necessidades, mas pelo significado dos próprios produtos, por tudo aquilo que ele as devolve como benefício adicional, ou seja, status, imagem, entre outros (MALUF, 2007). 100 Das variáveis listadas, quatro delas apresentaram percentuais de concordância e discordância muito semelhantes. E, pelo menos oito variáveis apresentaram discordância de mais da metade dos respondentes. Dentre elas, pode-se citar “Uso o objeto para sentir-me parte de um grupo” com 78% de discordância, e “Uso o objeto para conseguir algo que desejo (ser aceito pelos colegas, ter o mesmo desempenho de um atleta, etc.)” com 74% de discordância. Apesar de haver um grande número de variáveis, que apresentam predominantemente a discordância dos respondentes, foram encontradas bastante variáveis que evidenciam que, de fato, os benefícios simbólicos dos objetos existem, e eles são percebidos pelos jovens consumidores. 4.2.5 Análise Fatorial Com os objetivos de verificar a validade e a confiabilidade da escala de benefícios simbólicos utilizada neste estudo; conhecer as dimensões subjacentes aos benefícios simbólicos na percepção dos jovens consumidores; e reduzir o número de variáveis e facilitar a compreensão dos dados, os resultados da escala foram submetidos à técnica de análise fatorial. A análise fatorial é uma técnica estatística multivariada destinada essencialmente à redução dos dados (MALHOTRA, 2001). Sintetiza um grande número de variáveis em um pequeno número de fatores (HAIR et al, 2005b). É uma técnica de interdependência, na qual todas as variáveis são simultaneamente consideradas, relacionando-se umas com as outras. Na análise fatorial, os fatores são formados para maximizar seu poder de explicação do conjunto inteiro de variáveis, e não para prever uma variável dependente. Ela é muito utilizada, especialmente nas pesquisas relacionadas à administração, pois simplifica a compreensão dos dados (HAIR et al, 2005a). Segundo Hair et al (2005a) para realização da análise fatorial é preciso que haja no mínimo 5 observações para cada variável, sendo o mais aceitável um total de 10 observações para cada variável. Como a escala de benefícios simbólicos usada neste estudo possuía 20 variáveis, a amostra deveria ser de 200 casos. Utilizou-se uma amostra de 288 casos, o que atende a exigência básica para aplicação desta técnica estatística. 101 Utilizou-se o teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que verifica a medida de adequação da amostra (MSA) e demonstra se a técnica de análise fatorial é adequada para a análise dos dados. Segundo Malhotra (2001), índices entre 0,5 e 1 indicam que a análise fatorial é apropriada. Garson (2007) diz que o índice deve ser superior a 0,6 para ser aceitável. Encontrou-se um KMO de 0,861, o que é considerado admirável, conforme Hair et al (2005a). Verificou-se também a adequação da análise fatorial através do teste de esfericidade de Barlett. O teste apresentou qui-quadrado 1888,056 e significância de 0,000, desta forma, rejeitou-se a hipótese nula de não haver correlação significativa entre as variáveis da amostra estudada. Depois de verificar que a análise fatorial é uma técnica adequada para analisar os dados, deve-se selecionar o método apropriado. Para este estudo, utilizou-se a análise de componentes principais, abordagem que leva em conta a variância total nos dados (MALHOTRA, 2001). De acordo com Aaker, Kumar e Day (2001) e Hair et al (2005a) esta abordagem é indicada quando o objetivo é sumarizar a maior parte da informação original (variáveis) em um conjunto menor de fatores. Hair et al (2005b) afirmam que as soluções fatoriais de componentes principais tendem a ser mais estáveis. Além disso, esta é a abordagem mais utilizada (GARSON, 2007; HAIR et al, 2005b). A solução inicial em uma análise de componentes principais não tem rotação, o que geralmente torna sua interpretação difícil. A fim de facilitar sua interpretação, foram rotacionados os fatores. Foi utilizado o método de rotação ortogonal Varimax, método que minimiza o número de variáveis com altas cargas sobre um fator, reforçando a interpretabilidade dos dados (MALHOTRA, 2001). Hair et al (2005a) afirmam que a rotação Varimax é mais invariante e que sua aplicação tem sido muito bem-sucedida. Com relação ao número de fatores que devem ser retidos, segundo Hair et al (2005b) a decisão sobre quantos fatores reter é um procedimento complexo, uma vez que a maioria dos problemas de análise fatorial pode ter mais de uma solução possível. O critério de corte mais utilizado para retenção de fatores é o de raiz latente (também chamado de autovalor ou eigenvalues). “A raiz latente é a medida da quantidade de variância que um determinado fator representa” (HAIR et al, 2005b, p.394). Apenas os fatores com autovalores maiores que 1 devem ser aceitos (GARSON, 2007; HAIR et al, 2005a). Outro critério muito utilizado é o critério de percentagem de variância, que tem por objetivo garantir significância prática para os fatores determinados, garantindo que expliquem ao menos um determinado montante de variância. Não há uma base absoluta 102 para todas as aplicações, mas recomenda-se, nas ciências sociais, que os fatores extraídos expliquem pelo menos 60% da variância total (HAIR et al, 2005a). Foram encontrados quatro fatores com autovalores maiores que 1, e que são responsáveis por 60,34% da variância explicada. Os resultados são apresentados na tabela a seguir: Tabela 20 – Total da variância explicada Componentes Total % de variância % cumulativo 1 3,902 22,95 22,95 2 2,812 16,54 39,49 3 2,058 12,11 51,60 4 1,316 8,74 60,34 Outro teste usado para verificação do número de fatores a serem retidos, é o teste scree. O teste é determinado fazendo-se o gráfico das raízes latentes em relação ao número de fatores em sua ordem de extração, devendo o formato da curva resultante ser usado na determinação do ponto de corte. A seguir, apresenta-se o teste scree. Gráfico 6 – Teste scree 103 Verifica-se no gráfico, que pelo critério de autovalores, os quatro primeiros fatores poderiam ser retidos, como foi verificado na tabela 20, pois são os únicos que apresentaram autovalores maiores que 1. De acordo com Hair et al (2005a), o ponto de corte do teste scree, é quando o gráfico começa a assumir a posição horizontal, e isso se percebe a partir do fator número cinco. Por isso, optou-se por realmente manter os quatro fatores. As cargas fatoriais das variáveis também foram avaliadas. De acordo com Hair et al (2005b) as cargas fatoriais são as correlações entre cada uma das variáveis originais e os fatores recém extraídos. As cargas de fator representam a importância de uma determinada variável na representação daquele fator. Cargas fatoriais superiores a 0,30 são consideradas aceitáveis, cargas fatoriais acima de 0,50 são consideradas moderadamente importantes, e cargas fatoriais superiores a 0,70 são consideradas muito importantes. Aaker, Kumar e Day (2001) definem fator como uma variável ou construto não diretamente observável, mas que precisa ser inferido com base nas variáveis de entrada. Procurou-se manter as variáveis que apresentassem cargas fatoriais superiores a 0,5. No entanto, duas variáveis apresentaram cargas fatoriais inferiores, que são as variáveis “Uso o objeto para chamar atenção, e/ou me destacar e/ou causar boa impressão”, com carga de 0,481; e a variável “Sou dependente do objeto (tenho apego emocional, sinto ciúmes do objeto, sinto falta se não uso)”, com carga de 0,420. Apesar disso, elas foram retidas, pois elas eram importantes para os fatores, e além disso, amostras superiores a 200 casos permitem que sejam retidas variáveis com cargas fatoriais próximas de 0,40 (HAIR et al, 2005a). Com relação às comunalidades, que indicam quanto da variância em uma determinada variável é explicada pela solução do fator, quanto maior o valor da comunalidade, maior é a quantidade de variância explicada pela solução do fator em uma dada variável. De acordo com Garson (2007), o valor da comunalidade não é o mais importante, e segundo ele, comunalidades de 0,25 podem ser aceitas. O importante não é o coeficiente de comunalidade por si só, mas sim, a relevância que o item tem para a interpretação do fator. As comunalidades encontradas tiveram variação de 0,485 a 0,731. No entanto, as variáveis com as menores comunalidades, apresentaram cargas fatoriais acima de 0,60, e demonstraram ser importantes para interpretação dos fatores. Desta forma, nenhuma variável foi excluída com base nesse critério. As variáveis, com suas 104 respectivas cargas fatoriais e comunalidades, são apresentadas na tabela a seguir. Tabela 21 – Matriz rotacionada de componentes Fator 1 Quando uso o objeto sinto-me diferente e/ou melhor do que antes (conquisto a identidade que desejo usando o objeto) Sinto-me especial e/ou único usando o objeto, pois ele é meu, é exclusivo, é diferente do objeto dos outros Carga Comunalidade 0,779 0,660 0,708 0,528 Me sinto melhor, feliz e satisfeito pela compra/uso do objeto. Me sinto feliz, com a auto-estima elevada quando as pessoas elogiam o objeto que tenho/uso 0,670 0,485 0,656 0,614 Sinto-me mais seguro(a) quando uso o objeto Uso o objeto para chamar atenção, e/ou me destacar e/ou causar boa impressão 0,653 0,545 0,481 0,692 Carga Comunalidade Uso o objeto para sentir-me parte de um grupo 0,770 0,615 Uso o objeto para seduzir/atrair outras pessoas Uso o objeto para conseguir algo que desejo (ser aceito pelos colegas, ter o mesmo desempenho de um atleta, etc.) 0,683 0,565 0,678 0,696 O objeto faz com que eu não me sinta inferior aos outros 0,631 0,550 Uso o objeto como uma forma de fazer amigos, de me enturmar 0,603 0,715 Carga Comunalidade Sinto admiração, atração e deslumbramento pelo objeto Sou dependente do objeto (tenho apego emocional, sinto ciúmes do objeto, sinto falta se não uso) O objeto me ajuda em situações adversas, me ajuda a esquecer dos problemas 0,616 0,507 0,420 0,515 0,760 0,595 O objeto relaciona-se com coisas que gosto de fazer 0,647 0,588 Fator 4 O objeto me traz lembranças boas de coisas, e/ou pessoas, e/ou lugares e/ou momentos Carga Comunalidade 0,775 0,731 O objeto me identifica, reflete meu estilo pessoal e mostra quem eu sou 0,565 0,656 Fator 2 Fator 3 Das 20 variáveis iniciais, apenas 17 foram mantidas. As variáveis “Continuo usando o objeto, mesmo que não esteja na moda, ou mesmo que outras pessoas critiquem”, “Quando uso o objeto sinto fazer parte do estilo de vida que eu desejo (entro em outro universo)” e “Cuido do objeto de um jeito especial” foram eliminadas. Elas foram eliminadas com o intuito de aumentar a percentagem de variância (que inicialmente era de 54,45%), e de facilitar a interpretação dos fatores. No entanto, tevese o cuidado de não prejudicar outros critérios (como cargas fatoriais, autovalores, etc.), 105 e a eliminação destas variáveis não prejudicou os resultados da análise fatorial, como pôde ser visto nos critérios apresentados anteriormente. Após a determinação dos fatores, partiu-se para o processo de nomeação dos fatores. Hair et al (2005b) afirmam que esse é um processo subjetivo, que mistura lógica e intuição com a avaliação das variáveis com altas cargas fatoriais dentro de cada fator. O resultado deste processo pode ser visto na tabela 22. Tabela 22 – Nomes e significados dos fatores Fator 1 Nome Significado Esse fator engloba as variáveis relacionadas com realização e destaque. São variáveis que evidenciam o uso de objetos para chamar atenção, para obtenção de sentimento de exclusividade, Realização e Destaque mas não apenas isso. Aqui, são apresentadas variáveis que ajudam os consumidores a sentirem-se diferentes, melhores, mais seguros, enfim, a conquistarem a identidade que desejam. 2 Aceitação/Pertenciment o e Relacionamentos 3 Apego e Importância 4 Identificação e Lembranças Esse fator engloba variáveis associadas à aceitação, pertencimento, relacionamentos e amizade. As variáveis que compõem este fator dizem respeito ao uso de objetos para sentir-se parte de um grupo, ou mesmo para conquistar amigos e seduzir outras pessoas. Além disso, demonstra que os objetos podem ser usados como uma forma de se igualar aos outros e sentir-se aceito. Esse fator é composto por variáveis que demonstram a importância que os objetos têm na vida das pessoas, e o apego (especialmente emocional) que as pessoas têm pelos objetos. Estas variáveis evidenciam a dependência e os sentimentos que as pessoas nutrem pelos objetos. Esse fator é composto por variáveis que evidenciam a capacidade que os objetos têm de identificar diversas coisas, e especialmente pessoas. Aqui, fica claro que muitas pessoas se expressam e demonstram seu estilo através dos objetos que usam. Além disso, os objetos são usados não apenas para identificação própria, mas também para identificação de outras pessoas (bem como situações, coisas, etc.). De acordo com a tabela anterior, percebe-se que os fatores resultantes da análise fatorial são coerentes e bem distribuídos. Obviamente, que os fatores extraídos e seus respectivos nomes não representam a solução perfeita, mas sem dúvida, apresentam coerência, são interpretáveis e logicamente nomeados. A seguir, algumas considerações sobre cada fator: · O primeiro fator, além de possuir o maior número de variáveis, contempla as variáveis que de alguma forma geram mudança nos consumidores, ou seja, um sentimento de melhoria, de felicidade, de destaque, de segurança. Enfim, um sentimento de que com o uso do objeto ele torna-se, de alguma forma, diferente do que ele era antes. 106 · O segundo fator, composto por cinco variáveis, reflete o anseio dos jovens de se sentirem aceitos, de não serem excluídos, de pertencerem a algum grupo, de terem amigos, e também de serem atraentes. As variáveis deste fator são todas relativas a isto, as relações dos jovens e a importância do social. · O terceiro fator, composto por quatro variáveis, é possivelmente, o que pôde ser explicado com maior facilidade. Ele engloba variáveis que evidenciam o quão importante os objetos são na vida dos jovens atualmente. Esta importância vai desde o simples gosto pelo objeto, até a situação de dependência do objeto. · Por fim, o quarto fator, composto por apenas duas variáveis, deixa claro o poder de identificação que os objetos têm. Poder de identificação não apenas pessoal, mas de outras pessoas também. Utilizou-se o Alfa de Cronbach para verificar a consistência interna da escala. Garson (2007) afirma que o Alfa de Cronbach é o coeficiente mais comum para verificação da consistência interna. Segundo Malhotra (2001, p.264), o Alfa de Cronbach é a “medida da confiabilidade da consistência interna, que é a média de todos os coeficientes possíveis resultantes das diferentes divisões da escala em duas partes”. Este coeficiente varia de 0 a 1, sendo os valores de 0,60 a 0,70 os mínimos aceitáveis (HAIR et al, 2005a). Garson (2007) diz que valores acima de 0,70 garantem uma escala adequada, mas que muitos pesquisadores consideram valores acima de 0,80 como necessários para uma boa escala. O alfa para a escala com os 17 itens foi de 0,835, considera muito boa por Hair et al (2005b). 4.2.6 Análise dos fatores Foram realizados alguns cruzamentos e algumas análises dos fatores, a fim de identificar a percepção dos jovens consumidores em relação a eles, e também, a fim de obter maior conhecimento e entendimento sobre cada um dos fatores. Na tabela a seguir são apresentadas as médias de cada fator e seus respectivos desvios-padrão. 107 Tabela 23 – Médias e desvios-padrão dos fatores Média Desvio-padrão Fator 1 - Realização e Destaque 3,04 1,044 Fator 2 - Aceitação/Pertencimento e Relacionamentos 2,01 0,948 Fator 3 - Apego e Importância 3,30 0,914 3,75 1,117 Fator 4 - Identificação e Lembranças N: 288 O fator ao qual foi atribuída a maior média é o fator 4 – Identificação e Lembranças, que teve uma média de 3,75. A menor média é a do fator 2 – Aceitação/Pertencimento e Relacionamentos (2,01). Os desvios-padrão variaram de 0,914 a 1,117. Foram verificadas também, as médias atribuídas pelos meninos e pelas meninas a cada um dos fatores. Os resultados são apresentados a seguir. Tabela 24 – Médias e desvios-padrão atribuídos aos fatores x Sexo dos respondentes Feminino Masculino Média Desvio-padrão Média Desvio-padrão Fator 1 - Realização e Destaque Fator 2 - Aceitação/Pertencimento e Relacionamentos 3,23 1,097 2,83 0,944 2,05 0,992 1,97 0,900 Fator 3 - Apego e Importância 3,27 0,927 3,32 0,903 Fator 4 - Identificação e Lembranças N: 288 3,93 1,004 3,55 1,199 Aparentemente, existe uma diferença entre as médias atribuídas, por meninos e meninas, aos fatores 1 e 4. No entanto, não é possível fazer esta afirmação com base apenas nos dados até então apresentados. 4.2.6.1 Teste t Com o intuito de verificar se as diferenças entre as médias, atribuídas por meninos e meninas, eram estatisticamente significantes, aplicou-se o teste t. Os resultados do teste são apresentados na tabela a seguir: 108 Tabela 25 – Teste t dos fatores x Sexo dos respondentes Teste Levene Fator 1 – Realização e Destaque Fator 2 – Aceitação/Pertencimento e Relacionamentos Fator 3 – Apego e Importância F Sig t GL Sig 4,852 0,028 3,252 286 0,001 3,269 284,201 0,001 0,737 286 0,462 0,740 285,794 0,460 286 0,609 -0,513 285,478 0,609 2,914 286 0,004 2,897 269,972 0,004 1,127 0,212 Fator 4 – Identificação e Lembranças 0,289 0,645 -0,512 12,912 0,000 Através do teste t, rejeitou-se a hipótese nula, e comprovou-se que há diferenças estatisticamente significantes entre as médias atribuídas por meninos e meninas para os fatores 1 – Realização e Destaque e 4 – Identificação e Lembranças. Ambas apresentaram significância inferior ao nível de 0,05 estabelecido para este estudo (0,001 para o fator 1; e 0,004 para o fator 4). Assim, pode-se afirmar que as meninas, da amostra estudada, tendem a perceber mais os objetos como uma forma de obter realização e destaque, e também, como uma forma de identificação e lembranças. 4.2.6.2 Análise de Variância – ANOVA Aplicou-se a ANOVA para ver se existia diferença entre as médias atribuídas a cada fator pelos respondentes das diferentes faixas de idade. Os resultados são apresentados a seguir. Tabela 26 – ANOVA: Fator 1 x Idade dos respondentes Fator 1 Realização e Destaque Média Desvio-padrão 14 anos 3,56 0,892 15 anos 2,94 1,092 16 anos 3,20 0,951 17 anos 2,87 1,042 18 anos 3,10 1,091 F Sig 2,189 0,070 109 Apesar de as médias terem uma variação de 2,87 até 3,56, estas diferenças não são estatisticamente significantes, pois foi encontrada uma significância de 0,070, superior ao nível de 0,05 determinado para este estudo. Desta forma, pode-se dizer que não existem diferenças entre as médias atribuídas ao fator 1, pelos respondentes das diversas faixas de idade. Com relação ao fator 2, a tabela da ANOVA é apresentada abaixo: Tabela 27 – ANOVA: Fator 2 x Idade dos respondentes Fator 2 Aceitação, Pertencimento e Relacionamentos Média Desvio-padrão 14 anos 2,13 0,957 15 anos 1,88 0,862 16 anos 2,28 1,117 17 anos 1,94 0,856 18 anos 1,90 0,889 F Sig 2,306 0,058 A hipótese nula foi aceita, pois a significância encontrada (0,058) é maior que 0,05. Logo, não há diferença significativa entre as médias atribuídas, pelos respondentes das diferentes faixas de idade, ao fator 2. A ANOVA referente ao fator 3 está exposta na tabela 28: Tabela 28 – ANOVA: Fator 3 x Idade dos respondentes Fator 3 Apego e Importância Média Desvio-padrão 14 anos 2,94 0,929 15 anos 3,25 0,958 16 anos 3,51 0,925 17 anos 3,25 0,830 18 anos 3,19 0,814 F Sig 1,874 0,115 Novamente, aceita-se a hipótese nula, pois a significância encontrada (0,115) excede a determinada para este estudo (0,05). Desta forma, fica claro que não existe diferença estatisticamente significante entre as médias atribuídas ao fator 3 pelos respondentes das diferentes faixas de idade. Por fim, verificou-se o resultado da ANOVA relativa ao fator 4: 110 Tabela 29 – ANOVA: Fator 4 x Idade dos respondentes Fator 4 Identificação e Lembranças Média Desvio-padrão 14 anos 3,75 1,342 15 anos 3,52 1,188 16 anos 3,88 1,072 17 anos 3,86 1,019 18 anos 4,14 0,854 F Sig 2,245 0,064 Para o fator 4, também não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes ao nível de significância de 0,05, pois o valor encontrado (0,064) é maior que isto. Assim, pode-se dizer, também, que não existe diferença significativa entre as médias atribuídas, ao fator 4, pelos respondentes das diversas faixas de idade. Apesar das diferenças entre as médias atribuídas a cada fator pelos respondentes das diferentes faixas de idade não serem estatisticamente significantes, verificou-se, graficamente, as médias atribuídas a cada fator por cada uma das faixas de idade, a fim de obterem-se alguns insights sobre esta relação. Gráfico 7 – Médias atribuídas aos fatores x Idade dos respondentes 5,00 4,50 4,00 Média 3,50 3,00 2,50 2,00 1,50 1,00 0,50 0,00 1 2 3 4 Fatores 14 anos 15 anos 16 anos 17 anos 18 anos Com relação ao fator 1 – Realização e Destaque, percebe-se, na amostra estudada, que a maior média (3,56) é atribuída pelos jovens de 14 anos, o que pode ser um indicador de que no início da adolescência, os benefícios simbólicos relacionados a este fator sejam mais percebidos. Esta hipótese pode estar fundamentada na teoria psicológica. Segundo a literatura, a fase que vai dos 11 aos 14 anos, é conhecida como adolescência inicial. Essa fase é marcada pelas transformações do corpo, que geram 111 intensa angústia no jovem, tanto por não saber como vai ficar como pelas pressões da mídia em relação ao corpo ideal (GASPAR, 2007). Desta forma, os jovens desta faixa etária podem usar os objetos como uma forma de se sentirem melhores, mais seguros, e de se destacarem. No fator 2 – Aceitação/Pertencimento e Relacionamentos, nada chama atenção, exceto o fato de que todas as médias atribuídas, indiferente da idade, foram as mais baixas. As médias atribuídas ao fator 3 – Apego e Importância se deslocam numa crescente dos 14 até os 16 anos, e depois, dos 17 aos 18 anos, vão decrescendo. Isto pode ser um indicador de que a importância dos objetos e o apego relacionado a eles ocorrem num ciclo ascendente no início da adolescência, e descendente no final da adolescência. No fator 4 – Identificação e Lembranças, as maiores médias foram atribuídas pelos respondentes na faixa de 16 a 18 anos, especialmente pelos de 18 anos, que atribuíram uma média de 4,14. Isto pode dar pistas de que no final da adolescência os jovens têm mais consciência do uso de objetos como forma de identificação e também de lembranças. A fase que compreende as faixas etárias de 17 e 18 anos é denominada de adolescência tardia. Nesta etapa da adolescência, emergem os valores e comportamentos adultos, e predomina uma identidade mais estável (GASPAR, 2007). Esta pode ser uma explicação para a maior média atribuída a este fator, pelos jovens na faixa etária de 18 anos. Pode ser que eles tenham mais consciência da sua identidade, e de como os objetos os ajudam na construção da mesma. 4.2.6.3 Concordância/Discordância dos fatores x Consumismo Existem diversas medidas que podem ser usadas para verificar se uma pessoa é, de fato, consumista, como freqüência de compra, valores gastos em compras, entre outras. Como esta é uma questão bastante interessante, mas não o foco principal desta pesquisa, pediu-se, simplesmente, que os jovens respondentes indicassem seu grau de concordância/discordância com a afirmação “Sou consumista e adoro comprar. Geralmente compro mais do que preciso”. Índices maiores de concordância com a afirmação indicam que os jovens consideram-se consumistas, ao passo que, baixos índices de concordância com a afirmação indicam que os jovens não se consideram consumistas. 112 Partindo-se do pressuposto de que os jovens consumistas são os que mais percebem os benefícios simbólicos dos produtos, fez-se uma comparação entre os percentuais de concordância com os quatro fatores, para os jovens que se julgam consumistas e para os que não se julgam consumistas. Os resultados são apresentados a seguir: Tabela 30 – Concordância com os fatores – Jovens que se julgam consumistas x Jovens que não se julgam consumistas Consumistas Não-consumistas Discordo Indiferente Concordo Discordo Indiferente Concord o Fator 1 - Realização e Destaque Fator 2 - Aceitação/Pertencimento e Relacionamentos 18% 24% 58% 38% 37% 25% 64% 24% 12% 78% 17% 5% Fator 3 - Apego e Importância Fator 4 - Identificação e Lembranças 15% 42% 43% 21% 39% 40% 9% 16% 75% 17% 21% 63% De fato, fica claro observando-se a tabela anterior, que os jovens, da amostra estudada, que se consideram consumistas apresentam um percentual maior de concordância em relação aos fatores, do que os que não se julgam consumistas. Estas diferenças ficam mais evidentes no fator 4 – Identificação e Lembranças, onde 75% dos que se julgam consumistas concordam com este fator, contra 63% de concordância entre os que não se julgam consumistas; e no fator 1 – Realização e Destaque, onde está a maior diferença, pois 58% dos que se consideram consumistas concordam com o fator, contra apenas 25% de concordância entre os que não se julgam consumistas. Para todos os fatores, o percentual de discordância, com relação aos fatores, é maior entre os jovens que se julgam como não consumistas. Desta forma, parece que de fato as pessoas que tem maior propensão ao consumo, e que são consumistas realmente percebem mais os benefícios simbólicos proporcionados pelos objetos. 113 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este capítulo tem como objetivo apresentar as principais conclusões obtidas através da pesquisa. Neste sentido, são analisados os resultados à luz dos objetivos propostos, são apresentadas as implicações gerenciais, as principais limitações do estudo, e por fim, as sugestões para pesquisas futuras. 5.1 PRINCIPAIS CONSTATAÇÕES Esta pesquisa teve como objetivo principal analisar a relação entre os benefícios simbólicos do consumo e a formação da identidade dos jovens consumidores de classes A e B. Estudos exploratórios sobre os construtos identidade e consumo não caracterizam nenhuma novidade no meio acadêmico. No entanto, diversos autores (BELK, 1988; CASTILHOS et al, 2006; LEE e CONROY, 2006; PEREIRA, AYROSA e OJIMA, 2005; PIACENTINI e MAILER, 2004) abordam o tema através de uma abordagem qualitativa. Um estudo de caráter quali-quantitativo, como este, com enfoque nos benefícios simbólicos, objetivou trazer contribuições para o entendimento dessa relação, e para o avanço dos estudos do campo do comportamento do consumidor. A relação entre os benefícios simbólicos do consumo e a formação da identidade dos jovens foi evidenciada tanto na etapa exploratória, onde muitos jovens deixaram isso claro nas entrevistas em profundidade; como na etapa descritiva, onde há uma concordância considerável dos jovens com os benefícios simbólicos proporcionados pelo consumo. Essa relação diz respeito ao uso de objetos com o intuito de expressar, reforçar ou criar a própria identidade, através dos benefícios simbólicos proporcionados por eles. O consumo é uma atividade de significados, ou seja, os indivíduos compram e usam objetos com o objetivo de expressar opiniões, estilos e a própria identidade. Um consumidor que compra um produto de luxo, que lhe confere status, procura expressar uma identidade distinta, procura ser percebido como uma pessoa de poder aquisitivo. A jovem que se veste com as mesmas roupas e marcas que as garotas mais populares da escola está buscando a aceitação neste grupo, e está querendo construir a identidade de “garota popular” também. O fato de usar um produto de marca, ou um produto que os 114 amigos e colegas estão usando pode trazer a sensação de segurança por estar dentro dos padrões de consumo e pelo compartilhamento dos mesmos símbolos. Isso faz com que o jovem sinta-se seguro, e reforce sua identidade. Wattanasuwan (2005) afirma que nós não consumimos produtos para suprir nossas necessidades apenas, mas também para construir nossa identidade. Muitas pessoas negam a relação existente entre os benefícios simbólicos e a identidade, alegando consumir de forma racional, ou seja, valorizando apenas os aspectos funcionais dos objetos. Elas têm dificuldade em reconhecer isto, pois temem passar uma idéia de futilidade, materialismo e ostentação. Mas como negar essa relação quando um consumidor opta em comprar uma camiseta branca básica que custa cinco vezes mais que outra idêntica, simplesmente pelo fato de ser de uma marca famosa? Provavelmente o prazer de ostentar um artigo caro, de marca famosa, que lhe confere prestígio perante os demais é muito mais significante do que a qualidade e a durabilidade da camiseta branca básica. Obviamente, a relação entre estes construtos não se constitui em uma unanimidade, ou seja, nem todos os jovens percebem os benefícios simbólicos do consumo e os utilizam, consciente ou inconscientemente, na formação da identidade. No entanto, ficou evidenciado que muitos jovens utilizam-se do consumo e de seus benefícios simbólicos para construir e manter suas identidades. A relação entre consumo e identidade não se restringiu a estudos de marketing puramente. Um dos objetivos específicos deste estudo era apresentar uma abordagem multidisciplinar sobre o assunto, relacionando conceitos da antropologia, da sociologia, da psicologia e do marketing. A antropologia serviu de base para o entendimento da evolução do conceito de identidade. Tanto a psicologia quanto a sociologia contribuíram com os conceitos de identidade, questões relacionadas à formação, validação e expressão dela. Questões de marketing foram importantes para elucidação da relação que existe entre identidade e consumo. A abordagem multidisciplinar da identidade é uma tendência emergente. De acordo com Daunis (2000), a identidade tornou-se, nas últimas décadas, um conceitochave e uma temática interdisciplinar imprescindível. Acredita-se que, através de uma abordagem deste tipo, o tema possa ser melhor entendido e mais amplamente explorado. Uma abordagem teórica envolvendo diversas áreas de conhecimento permite, não apenas a identificação de semelhanças e diferenças entre elas, mas também, a complementação da abordagem. Isto enriquece a abordagem teórica, e proporciona uma visão mais abrangente sobre o tema em questão. 115 Em oposição à noção de identidade proveniente da Antropologia, onde ela era herdada e determinada para toda a vida a partir do nascimento, tanto a psicologia quanto a sociologia falam da noção de identidade como um conceito mutável, sujeito a inovações, e que deve ser construída e não herdada. É justamente isto que se percebeu neste estudo. Os jovens buscam através do consumo, e dos benefícios simbólicos advindos dele, material para criação e expressão da sua identidade. Como diz Erikson (1972) a tarefa central da adolescência é o estabelecimento da identidade. Os jovens são bastante preocupados com o que os outros pensam deles. Afinal, querem demonstrar status, expressar seu estilo e chamar atenção dos outros. Isso tem a ver com o conceito de identidade, que segundo Follmann (2001) é aquilo que acreditamos ser, aquilo que queremos ser, e aquilo que os outros esperam que nós sejamos. Ou seja, os jovens usam os benefícios simbólicos do consumo para reforçar e expressar quem eles acreditam ser; buscam através do consumo oportunidades de ser o que desejam; e ainda tentam atender as expectativas dos outros consumindo objetos esperados ou sugeridos por eles. A importância e influência dos outros também é uma idéia bastante forte nestas diferentes abordagens. Destaca-se a influência que os outros possuem, tanto na criação como na aceitação da identidade dos indivíduos. Existe a idéia de que a criação da identidade é uma tarefa da psicologia, mas que a sua legitimação é uma tarefa da sociologia. Desta forma, percebe-se que as diferentes abordagens são complementares, que uma depende da outra para a concretização do processo identitário. Outro objetivo deste estudo era a identificação dos benefícios simbólicos percebidos pelos jovens consumidores. Através de entrevistas em profundidade e da técnica de autodriving, utilizadas na etapa exploratória deste estudo, foram identificados estes benefícios. Os 20 benefícios simbólicos considerados mais expressivos e relevantes foram utilizados na etapa descritiva. Após um refinamento, realizado na etapa de análise dos dados, mantiveram-se 17 benefícios simbólicos que foram usados em análises posteriores. Através do uso da técnica de análise fatorial, estes 17 benefícios simbólicos foram reunidos em 4 fatores, denominados de: (1) Realização e Destaque; (2) Aceitação/Pertencimento e Relacionamentos; (3) Apego e importância; e (4) Identificação e Lembranças. Estes benefícios são bastante diversificados, como pode ser observado nos fatores encontrados. Muitos consumidores percebem nos objetos uma forma de se destacar dos demais, de sentirem-se únicos e especiais. Essa sensação de exclusividade faz com que a auto-estima do jovem aumente, e ele sinta-se mais seguro. 116 Existe também, a sensação de que o uso de determinados objetos pode ajudar o jovem a tornar-se outra pessoa, diferente do que ele realmente é. Por isso, muitos jovens disseram que sentem-se melhores e felizes pela posse do objeto. Outro tipo de benefício simbólico destacado pelos jovens é o que se refere à aceitação em grupos e aos relacionamentos com outras pessoas. Diversos jovens compram e usam objetos com o intuito de serem aceitos pelos colegas e pelos amigos. É como se a posse do objeto deixasse o jovem em igualdade com as pessoas que o possuem. Há jovens que acreditam atrair e até mesmo seduzir outras pessoas quando usam determinados objetos. É como uma menina que atrai os olhares masculinos quando usa uma roupa mais sensual. A questão do consumo está tão presente na vida cotidiana dos jovens, que muitos deles chegam a nutrir um sentimento de apego em relação à suas posses. Alguns jovens disseram sentir ciúmes dos objetos, e consideram-se dependentes deles. Eles acreditam, inclusive, que muitos dos problemas que possuem podem ser resolvidos pelo uso de certos objetos. Esses problemas vão desde problemas de auto-estima, até sentimento de exclusão. Assim, os objetos geram este sentimento de apego emocional nos jovens. Um dos benefícios simbólicos de maior destaque e importância é o de autoexpressão. O jovem busca, através dos objetos que possui, expressar seu estilo de ser e de pensar, suas atitudes, o grupo ao qual pertence, enfim, busca expressar sua identidade, quem ele é de verdade. Nesta fase tão importante para a identificação e auto-afirmação, que é a adolescência, os objetos demonstram-se bastante úteis e relevantes para os jovens. A identificação destes diversos benefícios simbólicos deixou claro que os consumidores percebem e buscam, não apenas benefícios funcionais, como qualidade, durabilidade, e design, mas também benefícios emocionais e psicológicos (simbólicos), ou seja, benefícios não diretamente relacionados ao produto, mas sim ao seu consumo e sua compra (KELLER, 1993). Além da identificação dos benefícios simbólicos, tinha-se o objetivo de verificar a percepção dos jovens consumidores em relação a eles. Diversos benefícios simbólicos apresentaram um percentual de concordância, por parte dos jovens, superior a 50%. Isto quer dizer que a maioria dos jovens concorda que os objetos proporcionam determinados benefícios simbólicos. Por exemplo, 69% dos jovens concordam que o uso de certos objetos faz com que eles sintam-se melhores, felizes e satisfeitos, assim como 56% deles concordam que o uso de determinados objetos identifica e mostra a 117 pessoa que se é. Estes benefícios estão relacionados à identificação, auto-estima, satisfação e apego ao objeto, por exemplo. No entanto, o que mais chamou atenção, é que os benefícios simbólicos relacionados aos grupos, ou seja, benefícios simbólicos como pertencimento, aceitação e relacionamentos foram os que apresentaram os maiores índices de discordância por parte dos respondentes. Por exemplo, 78% dos jovens discordam da idéia de que usam os objetos para serem aceitos em um grupo, e 60% deles discordam da idéia de que o uso de objetos pode atrair ou seduzir outras pessoas. Este achado está em desalinho com o estudo de Piacentini e Mailer (2004), por exemplo, onde ficou evidenciado que os jovens buscam, através das roupas que usam, uma forma de serem aceitos e de pertencerem a algum grupo. Uma possível explicação para esta divergência encontrada entre a teoria e os achados da pesquisa é que, talvez, muitos jovens não gostem de admitir que são influenciados pelos amigos e que procuram nos objetos uma forma de serem aceitos. Outra possibilidade, é que muitos deles nem tenham consciência de que buscam pertencimento e aceitação por meio do consumo de determinados objetos e marcas. A verificação das diferenças e semelhanças com relação ao consumo e os benefícios simbólicos para diferentes variáveis sócio demográficas também constituía-se num objetivo deste estudo. Poucas diferenças foram encontradas. Com relação à afirmação “Sou consumista e adoro comprar. Geralmente compro mais do que preciso” foi verificada uma diferença nas médias atribuídas pelos respondentes do sexo feminino e masculino. As meninas da amostra pesquisada atribuíram uma média maior a esta afirmação, o que demonstra que as meninas tendem a ser mais consumistas que os meninos. Os meninos por sua vez, atribuíram uma média maior para a afirmação “Produtos de marca trazem status”. Isto deixa evidente que a questão de status é mais relevante para o sexo masculino, do que para o sexo feminino. Para a afirmação “As pessoas olham diferente e/ou não vêem com bons olhos quem não usa produtos de marca” foi encontrada diferença nas médias atribuídas pelos jovens que estudam em diferentes cidades. Os jovens que estudam nas menores cidades pesquisadas (Sapucaia do Sul e Esteio) foram os que atribuíram as maiores médias para a afirmação, ao passo que os respondentes que estudam nas maiores cidades (Porto Alegre, Novo Hamburgo e São Leopoldo) atribuíram as menores médias para a afirmação. Não foi encontrada, na literatura, nenhuma explicação que pudesse dar subsídios para a compreensão deste comportamento. 118 Os fatores 1 (Realização e Destaque) e 4 (Identificação e Lembranças), oriundos da análise fatorial, apresentaram diferenças nas médias atribuídas por meninos e meninas, sendo que as meninas da amostra estudada atribuíram médias maiores para os dois fatores, evidenciando que elas percebem mais do que os meninos os benefícios de realização e destaque gerados pelos objetos, e também têm uma crença maior de que os objetos servem como uma forma de expressar a própria identidade. Diversos autores afirmam que os objetos são capazes de identificar as pessoas que os usam, ou os possuem. Roupas (PIACENTINI e MAILER, 2004); automóveis (BELK, 2004), e até mesmo álcool e cigarro (VALENTINE, 2000) são vistos como objetos e produtos capazes de proporcionar identificação. O último objetivo específico deste estudo era a identificação das categorias de produto que mais identificam os jovens. Na etapa exploratória desta pesquisa, os entrevistados tinham que fotografar 5 objetos que os identificavam. A roupa foi o objeto de identificação mais presente entre os entrevistados; seguida pelos tênis; depois discman, Ipod, mp3 e mp4; computador e mais quarenta e cinco objetos. Na etapa descritiva da pesquisa, foram colocados como opções de escolha dos respondentes os objetos mais citados na etapa exploratória. Aqui, o computador foi o objeto de identificação mais citado pelos jovens consumidores, seguido pela roupa. Conforme Justiça (2002, apud PALHARES, 2005), o computador transmite uma sensação de poder a quem sabe usá-lo. Além disso, a internet (acessada através do computador) é, atualmente, o meio de comunicação preferido dos adolescentes (PALHARES, 2005). Além do uso da internet para se comunicar, os jovens a utilizam para estudar e para se divertir (DIAS, 2007). Com relação às roupas, segundo Castro (2006b), os jovens consumidores Brasileiros dão muita importância para o consumo de roupas, pois a aparência é fundamental para comunicar aos outros quem se é. Segundo Ger (1998) a roupa pode ser o tipo de produto mais importante na construção da identidade, pois vestir-se é um ritual diário, envolvendo o corpo, que é integrante da identidade. Através de todas as reflexões aqui apresentadas, conclui-se que, de fato, os jovens percebem e fazem uso dos benefícios simbólicos proporcionados pelos objetos para construir e comunicar a identidade que possuem, ou que almejam, evidenciando a relação existente entre consumo e identidade. Atualmente, o consumo está tão presente na vida cotidiana da grande maioria das pessoas, que parece impossível ele não exercer alguma influência na identidade delas. Muitas pessoas não têm noção de como o consumo está presente e interfere na suas vidas. Outras preferem se iludir e fazer de 119 conta que o consumo é uma atividade trivial, e que não tem nenhuma outra função além de suprir as necessidades latentes. O que elas não percebem, é que o simples fato de escolher um produto em detrimento de outro já reflete significados, não apenas da situação, mas da própria pessoa. Os objetos falam sobre nós, falam com quem nos identificamos, pois todo consumo carrega significados, sejam eles percebidos consciente ou inconscientemente. Durante toda a vida, mas especialmente na adolescência, onde a identidade é uma questão central, e onde os jovens passam por diversas mudanças, não apenas biológicas, mas também psicológicas e sociais, os objetos parecem trazer diversas contribuições para a criação da identidade. Na adolescência, o processo de identificação dos jovens começa a mudar de foco. Os pais, que antes serviam de modelo, já não servem mais. Os amigos, colegas, e celebridades passam a assumir este papel, e o jovem busca maneiras de ser aceito nestes novos grupos. O consumo, os objetos e seus benefícios simbólicos são facilitadores deste processo. Este é um período onde o jovem tem bastante dúvidas e inseguranças, e os objetos podem proporcionar benefícios simbólicos que os ajudem a superar isto também. A identidade é constituída através das experiências vividas pelo indivíduo, das influências da família, dos amigos, da mídia, e claro, que o consumo também tem sua parcela de contribuição. Mensurar o quanto o consumo influencia na formação da identidade dos jovens parece bastante difícil, para não dizer impossível. No entanto, estudos como este procuram esclarecer um pouco mais esta relação bastante intrigante e ainda pouco explorada profundamente. 5.2 IMPLICAÇÕES GERENCIAIS Os resultados, aqui apresentados, deixam clara a relação existente entre os benefícios simbólicos do consumo e a formação da identidade dos jovens consumidores. Em função dos resultados, são citadas algumas sugestões que poderão contribuir para as empresas que trabalham especialmente com jovens consumidores. De acordo com Vitória e Peluso (1994), os jovens possuem um fabuloso poder econômico e comandam os destinos de uma indústria bilionária. Os jovens de 12 a 19 anos, das classes A e B administram por ano, no Brasil, uma fortuna de aproximadamente US$ 1,3 bilhão. 120 Estes dados evidenciam a importância do segmento jovem, e indicam grandes possibilidades para as empresas que estejam dispostas a atender este público-alvo. Porém, como afirmam Kayo et al (2006), o mercado jovem está em constante mudança, é uma geração tecnológica, formada por jovens extremamente bem informados. Shimp (2002) complementa esta idéia ao afirmar que os adolescentes são consumidores altamente conformistas, narcisistas e volúveis. Isto quer dizer, que as empresas que almejam fatias deste mercado com grande potencial de consumo, precisam estar preparadas e entender efetivamente o consumidor, suas necessidades e seus desejos. A descoberta dos benefícios simbólicos do consumo valorizados pelos jovens é um passo extremamente importante para o melhor entendimento do comportamento do consumidor. Este estudo evidenciou a percepção dos jovens consumidores sobre os benefícios simbólicos oriundos do consumo. Esta é uma informação de grande relevância para as empresas. Segundo Nickels e Wood (1999) os consumidores compram os benefícios dos produtos, e não seus atributos. Ou seja, não importa o número de atributos que um objeto possui, mas sim, que seus benefícios satisfaçam as necessidades dos consumidores. Uma vez que as empresas tenham conhecimento dos benefícios simbólicos desejados pelos consumidores, elas poderão posicionar seus produtos e serviços de forma que estes benefícios sejam destacados, e principalmente, percebidos por eles. Segundo Martineli (2005) o consumo não é apenas uma questão mercantil, uma vez que as condições mercadológicas não resolvem a compra se esta não for revestida de significados. Assim, o valor simbólico dos objetos ultrapassa seu valor de uso. Esta estratégia faz com que a empresa tenha foco, e evite esforços de marketing desnecessários para captação, e também manutenção dos consumidores. A descoberta e o entendimento dos benefícios simbólicos valorizados pelos consumidores também pode ajudar as empresas na segmentação de mercado. Além das segmentações geográfica, demográfica, psicográfica, sociocultural, relacionada com o uso e por uso-situação, existe a segmentação por benefícios (SCHIFFMAN e KANUK, 2000). Desta forma, os consumidores podem ser divididos de acordo com o grupo de benefícios simbólicos que eles valorizam. Esta estratégia permite que a empresa crie diferentes abordagens de atuação e trate de forma diferenciada os diversos grupos de consumidores. Especialistas sustentam que os benefícios procurados em um produto predizem melhor o comportamento de compra do consumidor do que qualquer outra variável de segmentação (SIMPSON, 2001). 121 Ter conhecimento dos benefícios simbólicos também é muito importante para a definição do composto de marketing das empresas. Uma vez que elas tenham esta informação, elas poderão criar associações de marca e imagens que tenham os benefícios buscados pelos consumidores. A estratégia de distribuição também pode ser influenciada por esta informação. Por exemplo, se os consumidores de determinado produto buscam por exclusividade, têm necessidade de sentirem-se únicos e diferentes, não adianta a empresa utilizar a distribuição intensiva, pois isso não entregará o benefício esperado pelos consumidores. A promoção também tem relação direta com a questão dos benefícios simbólicos. Ela é a responsável pela divulgação e promoção dos significados, ou seja, dos benefícios simbólicos proporcionados pelo consumo. Cabe a mídia levar a mensagem ao consumidor de que determinado produto possui a capacidade de lhe entregar os benefícios simbólicos que ele deseja obter. Até mesmo o preço do produto pode ser influenciado pelo conhecimento dos benefícios simbólicos. Segundo Sengupta, Dahl e Gorn (2002) preços maiores carregam conotações simbólicas positivas. Assim, consumidores que buscam por status, destaque e prestígio tendem a preferir produtos mais caros, que não estejam ao acesso de todos. Assim como este estudo, que teve um caráter multidisciplinar, seria muito interessante que as empresas começassem a adotar equipes multidisciplinares também. Os departamentos de marketing das empresas que trabalham com consumidores teriam muito a ganhar com a integração de profissionais de marketing, comunicação, psicologia, sociologia e antropologia. O consumidor e seu comportamento poderiam ser estudados de diversos ângulos, ele poderia ser entendido de uma maneira mais completa e abrangente. Hoje, já existem inclusive, cursos de psicologia do consumidor e antropologia do consumo, o que evidencia a tendência desta aproximação entre o marketing e as ciências sociais e humanas. Por fim, ressalta-se, com base nos resultados desta pesquisa, que é realmente importante que as empresas tenham consciência da relação que existe entre os benefícios simbólicos do consumo e a formação da identidade dos jovens, e que elas procurem conhecer os benefícios valorizados pelos jovens consumidores, e adotem estratégias de marketing capazes de proporcionar/entregar estes benefícios a eles. A percepção do jovem de que o objeto o identifica pode gerar muito mais que um apego, pode gerar a lealdade por parte do consumidor. Afinal, a identificação com os objetos é algo muito profundo, que envolve tanto questões pessoais, como questões sociais. É 122 muito mais que o simples gosto pelo objeto. É algo que traz significado e sentido para a vida do indivíduo. 5.3 LIMITAÇÕES DO ESTUDO Um trabalho de pesquisa sempre exige muito do pesquisador. Além do interesse pelo assunto, é necessário o dispêndio de tempo e recursos para sua realização. Por mais que os resultados encontrados sejam satisfatórios, sempre existem algumas limitações na realização da pesquisa. Uma das principais limitações deste estudo diz respeito à amostra. Conforme já indicado na metodologia, utilizou-se neste estudo, uma técnica de amostragem nãoprobabilística, por conveniência, o que segundo Malhotra (2001) não permite generalizações. Outra limitação com relação à amostra, é que ela foi coletada em apenas 6 cidades da Região Metropolitana do Estado do Rio Grande do Sul. Acredita-se que as cidades escolhidas são importantes e contribuíram, de fato, para esta pesquisa, porém, pode haver diferenças entre os jovens consumidores de outras cidades que não foram pesquisadas, e especialmente, entre os jovens de cidades metropolitanas de outros Estados do país. Outra dificuldade encontrada foi que muitas escolas se negaram a participar do estudo, alegando a participação em outras pesquisas, a falta de tempo em função do final do ano letivo, ou mesmo a falta de interesse em atividades deste tipo. Das 6 escolas que se dispuseram a participar, 4 limitaram o número de alunos que participariam da pesquisa. Desta forma, não foi possível a coleta de uma amostra equilibrada entre as 6 diferentes escolas/cidades. No que diz respeito à parte qualitativa da pesquisa, procurou-se reduzir ao máximo o viés das análises, através dos diferentes analistas e da verificação do pesquisador. No entanto, quando se trata de dados qualitativos a subjetividade sempre está presente, o que pode de alguma maneira interferir nos resultados da pesquisa. 123 5.4 SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS O sucesso de uma pesquisa depende muito da clareza e especificidade com que ela é abordada. Quando se abordam temas amplos e multidisciplinares, como identidade e consumo, por exemplo, muitas questões e possibilidades deixam de ser exploradas. Desta forma, observa-se que existe espaço para o aprofundamento deste estudo, além de novas possibilidades relacionadas ao tema. Uma sugestão é a replicação deste estudo com outra amostra. Este estudo focou em jovens de classe A e B, na faixa etária dos 14 aos 18 anos, que vivem na Região Metropolitana de Porto Alegre. O mesmo estudo poderia ser aplicado com jovens de outras regiões, e inclusive, de outros Estados. Jovens de outras classes econômicas também poderiam ser investigados, para verificar se há diferenças nas percepções dos jovens de diferentes classes econômicas. A aplicação em outras faixas etárias também é recomendada, a fim de verificar em que faixa etária os indivíduos tendem a ser mais influenciados pelos benefícios simbólicos do consumo na formação da própria identidade. Este estudo teve como objetivo principal verificar a relação entre os benefícios simbólicos do consumo e a formação da identidade dos jovens, bem como, a identificação dos benefícios simbólicos percebidos pelos consumidores. Uma possibilidade de pesquisa que complementaria o estudo aqui realizado, e aprofundaria ainda mais este tema, é a verificação de como ocorre esta relação entre os benefícios simbólicos e a formação da identidade. Sugere-se então, que o “como” seja investigado futuramente, com o auxílio mais presente da psicologia, a fim de obter maior entendimento sobre este fenômeno. Outra possibilidade é uma investigação sob a perspectiva da empresa, e não do consumidor, ou seja, sugere-se a investigação das contribuições e vantagens que podem ser obtidas pelas empresas que têm conhecimento e levam em consideração os benefícios simbólicos do consumo nas suas estratégias de marketing. Poderia ser verificada se a entrega dos benefícios simbólicos desejados pelos consumidores traz maiores retornos para as empresas, ou se os consumidores tendem a ser mais leais às empresas que fornecem os benefícios simbólicos por eles valorizados, por exemplo. A verificação de como são explorados os benefícios simbólicos, pelas empresas, na criação de suas estratégias de comunicação também é uma investigação recomendada. Assim, pode-se descobrir se as empresas realmente têm consciência da 124 importância dos benefícios simbólicos, e se elas exploram suas vantagens da melhor maneira possível. Pode-se também, fazer um comparativo entre empresas que levam em consideração os benefícios simbólicos na criação de suas estratégias de comunicação, e empresas que não levam isto em consideração, para ver seu impacto na performance organizacional. Neste estudo, não foi focada nenhuma marca, apenas foram verificadas as categorias de produto que mais identificam os jovens consumidores. Assim, outra sugestão é um estudo que verifique os benefícios simbólicos percebidos pelos consumidores em relação à uma, ou algumas marcas. O estudo dos benefícios simbólicos oferecidos por algumas marcas também seria uma questão interessante de pesquisa, que poderia trazer novas descobertas. Um estudo mais profundo sobre a contribuição da mídia na criação dos significados do consumo, e na percepção dos benefícios simbólicos pelos consumidores também merece destaque. A literatura já reconhece o poder da mídia neste sentido, mas carece de estudos empíricos que comprovem, de fato, suas contribuições e influências. Apesar de sua vasta utilização e grandes contribuições, a pesquisa survey possui algumas limitações. Por isso, poderia ser substituída por um experimento. Esta técnica de pesquisa daria um novo rumo para o estudo, e poderia proporcionar uma visão bastante diferente sobre o mesmo tema. 125 REFERÊNCIAS AAKER, David A. Marcas – Brand equity. 2.ed. São Paulo: Negócio, 1998. AAKER, David A., KUMAR, V., DAY, George S. Pesquisa de marketing. São Paulo: Atlas, 2001. ACHENREINER, Gwen Bachmann; JOHN, Deborah Roedder. The meaning of brand names to children: a developmental investigation. Journal of Consumer Psychology, 13 (3), 2003. ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Fotoetnografia: um estudo de antropologia visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre: Palmarinca, 1997. AHUVIA, Aaron C. 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O que é importante para você? 4- Comente uma situação em que você utilizou/comprou um produto/marca porque um grupo de pessoas também tinha utilizado/comprado o (a) mesmo (a) produto/marca. Que produto/marca era esse? Que grupo era esse? Você já fazia parte dele, ou queria fazer parte? O que você sentiu nesta situação? 5- Pense em uma situação, em que você estava usando um produto/marca que diz muito sobre você (que lhe identifica), e que aconteceu algo bastante positivo. Descreva esta situação (O que houve? Como foi? Quem estava envolvido?, etc.). 6- Pense em uma situação, em que você estava usando um produto/marca que diz muito sobre você (que lhe identifica), e que aconteceu algo bastante negativo. Descreva esta situação (O que houve? Como foi? Quem estava envolvido?, etc.). 143 APÊNDICE B – Autodriving Nome: Idade: Aplicar as questões para cada uma das cinco fotografias. 1- Quando você vê esta foto, o que vem à sua cabeça? 2- Por que você optou por tirar esta foto? 3- De que forma o objeto contido nesta foto identifica você? 4- Fale um pouco sobre sua experiência com este objeto. 144 APÊNDICE C – Questionário Piloto Solicitamos sua colaboração para realização desta pesquisa acadêmica, que é parte integrante de uma dissertação de Mestrado em Administração da Unisinos. O objetivo desta pesquisa é identificar características de consumo dos jovens. Responda as questões com sinceridade. Todas as respostas por você informadas serão mantidas em sigilo. Muito obrigado pela sua colaboração! A) Indique o seu grau de concordância com as frases abaixo, utilizando uma escala de 1 a 5, sendo que 1 significa “Discordância total” e 5 significa “Concordância total”. B) Entre os objetos abaixo listados, escolha aquele que mais lhe identifica, ou seja, aquele objeto que mais tem a ver com você, que é a sua cara. Escolha apenas UM, marcando-o com um “X”. O objeto escolhido aqui também será aquele sobre o qual você deverá responder as demais questões deste questionário. 1.( ) Artigos esportivos 2.( ) Bijuteria/Piercing 3.( ) Compact Disc - CD 4.( ) Celular 5.( ) Computador 6.( ) Discman, Ipod, Mp3, Mp4 7.( ) Livro/Revista 8.( ) Perfume 9.( ) Roupa 10.( ) Sapato 11.( ) Tênis C) Assinale o seu grau de concordância com as sentenças abaixo, levando em consideração o objeto escolhido na questão acima. Isto é, cada vez que você encontrar a palavra “objeto” nas sentenças abaixo, você deverá pensar no objeto marcado na questão anterior. A escala varia de 1 a 5, sendo que 1 indica “Discordância total” e 5 indica “Concordância total”. 145 D) Caracterização do entrevistado: Sexo 1. ( ) Feminino 2. ( ) Masculino Idade 1. ( 2. ( 3. ( 4. ( 5. ( ) 14 anos ) 15 anos ) 16 anos ) 17 anos ) 18 anos Renda familiar 1. ( ) Até R$ 5.000,00 2. ( ) Entre R$ 5.001,00 e R$ 10.000,00 3. ( ) Acima de R$ 10.001,00 146 APÊNDICE D – Questionário Definitivo Solicitamos sua colaboração para realização desta pesquisa acadêmica, que é parte integrante de uma dissertação de Mestrado em Administração da Unisinos. O objetivo desta pesquisa é identificar características de consumo dos jovens. Responda as questões com sinceridade. Todas as respostas por você informadas serão mantidas em sigilo. Muito obrigado pela sua colaboração! A) Indique o seu grau de concordância com as frases abaixo, utilizando uma escala de 1 a 5, sendo que 1 significa “Discordância total” e 5 significa “Concordância total”. B) Entre os objetos abaixo listados, escolha aquele que mais lhe identifica, ou seja, aquele objeto que mais tem a ver com você, que é a sua cara. Escolha apenas UM, marcando-o com um “X”. O objeto escolhido aqui também será aquele sobre o qual você deverá responder as demais questões deste questionário. 1.( ) Artigos esportivos 2.( ) Celular 3.( ) Computador 4.( ) Discman, Ipod, Mp3, Mp4 5.( ) Livro/Revista 6.( ) Roupa 7.( ) Sapato C) Assinale o seu grau de concordância com as sentenças abaixo, levando em consideração o objeto escolhido na questão acima. Isto é, cada vez que você encontrar a palavra “objeto” nas sentenças abaixo, você deverá pensar no objeto marcado na questão anterior. A escala varia de 1 a 5, sendo que 1 indica “Discordância total” e 5 indica “Concordância total”. 147 D) Caracterização do entrevistado: Sexo Renda Familiar 1. ( ) Feminino 2. ( ) Masculino 1. ( 2. ( 3. ( 4. ( 5. ( 6. ( Idade 1. ( 2. ( 3. ( 4. ( 5. ( ) 14 anos ) 15 anos ) 16 anos ) 17 anos ) 18 anos ) até R$ 2.000,00 ) de R$ 2.001, 00 a R$ 3.400,00 ) de R$ 3.401,00 a R$ 6.500,00 ) de R$ 6.501,00 a R$ 9.700,00 ) acima de R$ 9.701,00 ) Não sei / Desconheço