Análise semiótica e complexa da ferramenta wiki do Moodle-STOA Ecivaldo de Souza Matos Universidade de São Paulo Faculdade de Educação Av. da Universidade, 308, Sala 18-B – CEP: 05508-040 São Paulo/SP – Brasil [email protected] Resumo: As ferramentas de colaboração são recursos agregados ao conjunto de tecnologias computacionais com o objetivo de facilitar o processo de interação humana e de aprendizado. No último ano, foi lançada uma plataforma de interação social para a comunidade da Universidade de São Paulo (USP) intitulada STOA. Esta plataforma possibilita interações sociais, de ensino, de aprendizagem e de pesquisa pela comunidade acadêmica espalhada por todos os campi da USP. Este texto apresenta uma avaliação da interação do componente WIKI-Moodle desta plataforma. Esta avaliação toma por base teórica e metodológica a teoria da complexidade de Edgar Morin e a engenharia semiótica, respectivamente. Palavras-chave: Avaliação de interface, pensamento complexo, inspeção semiótica, wiki, STOA. Abstract: Collaboration tools are features added to the set of computer technologies in order to make the processes of learning and human-computer interaction easier. Last year, the University of São Paulo (USP) launched a platform for social interaction for its academic community, this platform is the STOA. This platform enables social, learning, teaching and research interactions by the academic community located on all campuses of USP. This paper presents an evaluation of the interaction of wiki-STOA (Moodle) component. This evaluation is based on Edgar Morin’s complexity theory and semiotic engineering. Keywords: interface evaluation, complexity theory, semiotic inspection, wiki, STOA. 1. Introdução Este texto tem a finalidade de apresentar uma avaliação semiótica do wiki-STOA, como componente de colaboração e pedagógico, analisando-o sob a ótica do pensamento complexo. Ambientes de Colaboração, dentre eles os Ambientes Virtuais de Aprendizagem – AVA, não devem ser projetados para trabalhar no “paradigma da simplificação” (Morin, 2007). Pois o input necessário para a aprendizagem, especialmente nesta era, é o de organizar cognitivamente a complexa rede de informações, incertezas, ambiguidades e desordem que são impostas pelos fenômenos sociais do dia-a-dia, inclusive do dia-a-dia acadêmicoescolar. Vale a pena salientar que "[...] quando se fala em [informática na] educação, o primeiro e mais importante item a ser avaliado é o critério didático-pedagógico do software, pois todo e qualquer desenvolvimento de um produto para educação é permeado por uma concepção epistemológica" (SCHLEMMER, 2005, p. 137). Para que o AVA possibilite o aprendizado é necessário que contribua para afastar as incertezas desse complexo, atual e inquietante conjunto de informações e tarefas de aprendizagem no mundo contemporâneo. No momento de concepção (visual, técnica e pedagógica) do AVA, deve-se atentar para com os signos de interação utilizados. Sejam eles icônicos, indiciais ou simbólicos; sejam estáticos ou dinâmicos; palavras, áudios, imagens ou multimídias. Espera-se que este artigo possa contribuir à concepção técnica e pedagógica de um elemento de cooperação virtual utilizado com fins pedagógicos. Este artigo está organizado da seguinte forma: a Seção 2 a base teórica de análise; a Seção 3 apresenta o ambiente STOA; a Seção 4 apresenta o método de avaliação; a Seção 5 resume a avaliação semiótica do Wiki-STOA e, finalmente, a Seção 6 apresenta as conclusões. 2. Pensamento complexo A teoria da complexidade (pensamento complexo), enunciada pelo Edgar Morin, indica que não adianta estudar um ser ou um fenômeno simplificando-o, num processo de observação restrita que se limite a apenas um de seus aspectos. Para o autor todos os seus aspectos estão interligados em um sistema. Não é possível estudar o professor sem estudar as suas condições de ensino, a sua instituição, seus alunos, seus conhecimentos, suas subjetividades. Assim como não é possível estudar o aprendizado dos alunos sem levar em conta as suas condições cognitivas, sociais, de ensino, a instituição. Enfim, há uma rede semiótica e simbiótica que, num primeiro momento, parece dificultar a análise, mas o que dificulta mesmo é não reconhecer a existência dessa complexidade. Segundo Morin (2007) o princípio da simplicidade separa o que está ligado (princípio da disjunção) e une o que está diverso (princípio da redução). Para efetuar a análise sob a ótica do pensamento complexo, precisamos articular o objeto de estudo com as necessidades e objetivos dele esperados, não compartimentá-lo para estudar as suas partes, simplificando-o para, depois, juntá-las numa análise pretensamente “completa”. Nem sempre as partes se configuram no todo. 3. STOA – Ambiente de colaboração, ensino, aprendizagem e de prática O STOA é um ambiente que congrega em um só “espaço virtual” um ambiente de interação social (comunidades virtuais – colaboração e prática), um ambiente de ensinoaprendizagem (AVA - informação, interação, ensino-aprendizagem) e um ambiente de construção coletiva de texto (Wiki - edição), além de blogs, calendários e repositório de arquivos. O STOA surgiu a partir da congregação de várias ferramentas virtuais isoladas de colaboração e de ensino-aprendizagem espalhadas pelos campi da Universidade de São Paulo – USP. O STOA, atualmente sob a tutela da Coordenadoria de Tecnologia da Informação da USP (CTI), usa a infra-estrutura tecnológica da USP para facilitar a interação e formação de redes sociais e de aprendizagem pelos membros da sua comunidade, sejam alunos, funcionários docentes, funcionários nãodocentes, ex-alunos, ex-funcionários, de mesmo campus, de campi diferentes, de áreas iguais ou distintas. Enfim, o STOA foi pensado para promover a agregação e, também, a facilitação do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) pelos professores em suas disciplinas, em um espaço único e integrado. Cada membro cadastrado no STOA possui um espaço disponível para blog, repositório de arquivos e a possibilidade de criar comunidades virtuais sobre temas quaisquer, na forma de blog coletivo ou de fóruns para discussão. O AVA Moodle acoplado ao STOA já possui interlocução com os sistemas administrativos de graduação e de pós-graduação da USP, Júpiter e Fênix, respectivamente. 4. Técnica e método de avaliação: Inspeção Semiótica A inspeção semiótica é um dos métodos de avaliação de interfaces da Engenharia Semiótica, a qual examina um diverso conjunto de signos aos quais os sujeitos estão expostos ao interagir com quaisquer sistemas computacionais interativos (DE SOUZA et al, 2006), como os AVA. A Engenharia Semiótica é uma teoria de Interação Humano-Computador (IHC) dedicada a estudos do processo de significação e comunicação durante a interação do ser humano com os sistemas computacionais, sob aspectos da semiótica peirceana, considerando que a interface de software é uma ferramenta auxiliar para a mediação entre sujeitos quaisquer (DE SOUZA, 2005), considerando as diversas semioses (significações/interpretações humanas). A semiose ilimitada é um processo complexo e que não pode ser modelada através de algoritmos ou grafos, uma vez que ela não tem condições de definir precisamente condições de parada. Conseqüentemente, dentro do escopo de uma teoria semiótica não pode haver um modelo computacional único de interpretação e significação humana. Entretanto, o design de produtos de software é composto por metassignos, considerando que eles representam o que os designers tem em mente quando finalizam o processo de design. Portanto, eles podem fazer “semiose limitada”, induzindo o usuário ao processo natural de semiose ilimitada, impondo aspectos subjetivos nas interfaces de seu produto. Diferente do que defende Umberto Eco para a narrativa textual, onde ele diz que "um narrador não tem que fornecer interpretação da sua obra, ou não valeria a pena escrever romances, uma vez que eles são, por excelência, máquinas de gerar interpretação" (ECO, 1976), na IHC os desenvolvedores devem fornecer caminhos para uma conjunção interpretativa entre atores mediados, para que a linha de interpretação seja única, ou próxima disso. O principal propósito do método de inspeção semiótica (MIS) é avaliar as possibilidades de comunicação sugeridas pelo software que é avaliado, ou seja, quais as potencialidades e limites impostos pela interface à comunicação humana. Com isso podemos antecipar os tipos de consequências que haverá durante a real interação dos sujeitos utilizando a tecnologia escolhida. O MIS é dividido em cinco etapas: 1. análise dos signos metalinguísticos; 2. análise dos signos estáticos; 3. análise dos signos dinâmicos; 4. comparação entre a mensagem de metacomunicação gerada nas etapas anteriores; e 5. avaliação qualitativa final das possibilidades e limites interpretativos e, consequentemente, comunicativos do sistema inspecionado. Na primeira etapa, são analisados os signos metalinguisticos existentes na documentação e quaisquer outras metamensagens expressas no próprio ambiente virtual ou software (sistema). Na próxima etapa, são analisados os signos que são, a priori, interpretados independentemente das relações temporais, causais e consecutivas, se valendo apenas os elementos sígnicos presentes na interface (estáticos) em determinado momento. Já na terceira etapa, a avaliação dos signos dinâmicos, são analisados os signos resultantes da interação do sujeito com os signos estáticos, ou seja, a transição semiótica presente na interface, como, por exemplo, as mensagens de erro ao clicar em um botão presente na interface. A partir dessas três primeiras etapas, será possível construir a mensagem de metacomunicação, etapa quatro, cuja essência é: “Aqui está o meu entendimento de quem você é, o que eu aprendi que você quer ou precisa fazer, de qual jeito você prefere fazer e por que. Este é o sistema que eu projetei para você e este é o jeito que você pode ou deve usá-lo para satisfazer seus propósitos”. (DE SOUZA et al, 2006, p. 149). Na última etapa do MIS, avalia-se a(s) condição(ões) de interpretabilidade do sistema, reconstruindo uma mensagem de meta- comunicação unificada, com base nas etapas anteriores. Todavia, com influência do avaliador, que determina, segundo seus critérios, as possibilidades e os limites semióticos, ou seja, de significação, dessa porção de software. 5. Avaliação do WikiStoa O wiki é uma ferramenta que permite a edição coletiva de documentos. Uma das características da tecnologia wiki é a facilidade com que as páginas são criadas e alteradas - geralmente não existe qualquer revisão antes de as modificações serem aceitas, e a maioria dos wikis são abertos a todo o público ou, pelo menos, a todas as pessoas que têm acesso ao servidor wiki. A partir da análise dos signos metalingüísticos foi construída a seguinte metamensagem: “Você é um estudante ou professor da USP, ou, ainda, um visitante externo à universidade. Você quer compartilhar equipamentos de videoconferência e arquivos ou textos de projetos de pesquisa com outros colaboradores. Para isso será necessário criar login e senha para entrar no sistema. Todavia, você prefere usar seu número USP e uma senha única para todos os serviços. Está a sua disposição um plugin para GoogleMaps®, uma ferramenta wiki, acompanhamento por e-mail para qualquer mudança de páginas, uma forma simples de colocar documentos na WEB, além de criar páginas para acompanhamento de cursos. Mas você poderá utilizar o ambiente de wiki para guardar atos de reuniões, relatórios e outros documentos, além de elaborar rascunhos até que seja finalizado e uma pessoa fique responsável pelo seu conteúdo, ou, ainda, o professor de determinada disciplina pode permitir que seus alunos construam relatórios colaborativamente”. Após análise dos signos estáticos, a metamensagem foi (re)construída assim: “Você é um usuário cujo texto será compartilhado com outros usuários, você quer discutir esse texto durante o seu desenvolvimento, editar o texto, verificar o histórico de alterações realizadas pelos seus pares, além de mover trechos do texto para outras composições. Este é o sistema projetado para você e com o qual você (ou outra pessoa) vigiará o que está sendo escrito, bem como analisará o texto antes de publicá-lo podendo, inclusive, oferecer um parecer (comentário). Para fazer essas atividades você deve clicar em abas, pois cada aba contém um conjunto específico de funcionalidades a partir das suas necessidades.” Na avaliação dos signos dinâmicos não foram encontradas mensagens de erro ou explicativas, o que dificultou a avaliação semiótica, uma vez que o “sistema” não explicita as direções a serem tomadas pelos usuários. A metamensagem do sistema ficara assim: “Você é um usuário que pode escrever o que desejar, sendo que seus textos serão considerados rascunhos até que alguém revise e/ou corrija seu rascunho e transforme-o num texto revisado. Esse texto revisado será considerado confiável somente após aval desse revisor. Para que você saiba o que já foi revisado e o que ainda está pendente de revisão, o sistema envia uma mensagem estática na página de edição do rascunho”. É preciso que fique claro que diversas metamensagens podem ser compostas, a depender do feeling do avaliador e do conjunto de signos avaliados. Após todas as análises, foi possível perceber, somente com a inspeção semiótica dos signos selecionados, e que apesar do sistema ter sido desenvolvido para elaboração colaborativa de textos, e ele permite isso, o que é mais claro em sua interface é o controle pelo qual o texto passará. Isso nos mostra um pouco do controle institucionalizado na academia tradicionalista que vê as TIC ou os recursos tecnológicos para apoio à aprendizagem com receio e medo do novo. Todavia, permite que a comunidade acadêmica possa interagir com ganho de tempo e, nas disciplinas, possibilitar a integração dos alunos sob a forte supervisão do professor. Nesta perspectiva, o professor mantém um papel “vigilante da aprendizagem”, restringindo a autonomia dos alunos. Sendo, portanto, uma ferramenta potencialmente pedagógica, porém apresenta características específicas de uma pedagogia tradicionalista do oprimido e tecnicista, em que o professor é o centro do conhecimento e vigilante das atividades dos seus alunos. 6. Conclusões Além da impossibilidade física de dar conta das tantas mentes, em suas mais variadas complexidades de conhecimento, há com o advento dos AVA um movimento dinâmico do todo com as partes, do micro ao macro, do macro ao micro, ou seja, várias direções e diversos sentidos, como foi percebido na inspeção semiótica do wiki do STOA; pode haver movimentos de textos rascunhados, “apaga – escreve”, outra pessoa “reescreve – apaga”, um terceiro vigia, outro analisa, dar parecer e “escreve ou apaga”. Enfim, há um movimento dinâmico de difícil concepção numa visão tradicionalista de educação. Com o wiki, noutros formatos, podemos trabalhar esse movimento dinâmico como parte do processo de aprendizado e, mais ainda, incorporar uma visão interdisciplinar a um contexto disciplinar. Mesmo em uma ferramenta desse porte tecnológico, o conservadorismo pedagógico tornado senso comum ainda é muito forte. Alguns dirão que é preciso, outros que nem tanto. Como saber os limites e encontrar o equilíbrio num AVA? Do ponto de vista do pensamento complexo, jamais teremos um ambiente virtual completo. Ademais, para que esses ambientes promovam autonomia na interação é preciso atenuar os aspectos ideológicos infiltrados na interface e nos mecanismos de interação. Referências Bibliográficas 1. DE SOUZA, C.S. Semiotic Engineering of Human-Computer Interaction. Cambridge: MIT Press, 2005. 2. DE SOUZA, C S; LEITÃO, C F; PRATES, R O; SILVA, E J. The Semiotic Inspection Method. Anais do IHC 2006. Porto Alegre: SBC, 2006. 148-157. 3. ECO, U. Tratado Geral de Semiótica. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1976. 4. MORIN, E. Introdução ao Pensamento Complexo. Tradução de Eliana Lisboa. 3ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2007. 5. SCHLEMMER, E. Ambiente virtual de aprendizagem (AVA): uma proposta para a sociedade em rede na cultura da aprendizagem. In: VALENTINI, C B, SOARES, E M S. (orgs.) Aprendizagem em Ambientes Virtuais: compartilhando ideias e construindo cenários. Caxias do Sul (RS): EDUCS, 2005. 135-159. Agradecimentos O autor agradece à Fundação Ford pelo suporte oferecido por meio do Programa Internacional de Bolsas de Pós-graduação da Fundação Ford.