Unidade: As Diferenças Culturais
Unidade I:
0
Unidade: As Diferenças Culturais
A ação transformadora do meio e do Homem
Uma forma de se compreender a constituição cultural das sociedades é
a partir da sua função transformadora do meio ambiente, do meio social e do
próprio Homem.
Já
Educator Oswald
Spengler in
Serious Pose
Título original:
Head and
shoulder portrait of
Oswald Spengler,
(1880-1936),
German historian,
author of
the Decline of the
West.
IMAGEM: ©
Bettmann/CORBIS
DATA DA
FOTOGRAFIA
1932
COLEÇÃO
Bettmann
nos
dissera
historiador e filósofo alemão, Oswald
Arnold
Gottfried Spengler (1880-1936),
que o Homem não é tal qual aquele das
pinturas chinesas, ou seja, solto no
espaço, como se estivesse caindo no
nada:
o
Homem
existe
no
meio
geográfico. Mais do que isso, retira desse
meio o necessário a sua sobrevivência.
Pensemos então a dimensão cultural
humana a partir das relações entre
Homem e meio-ambiente.
O Homem, que é dotado de
necessidades
materiais,
literalmente
obedecendo a programações biológicas (comer, evacuar, beber, dormir,
procriar etc.), realiza-
as
essencialmente
no meio-ambiente.
Pensemos no Homem
que atende as suas
necessidades
sobrevivência
meio-ambiente,
no
mas
sem interferir nele. A
caça e a coleta, por
exemplo, foram as
atividades econômicas
da maior parte do
tempo
Terra,
de
e
vida
nela
o
retirava do meio aquilo
sem interferir nele, ao
Ocorre que o
humana
Engraving of Economist Thomas Robert
Malthus by John Linnell
Título original: Thomas Robert Malthus
(1766-1834) English economist. Photo
shows Malthus in a formal head and
shoulder portrait. Undated engraving by J.
Linnell.
IMAGEM: © Bettmann/CORBIS
NOME DO CRIADOR John Linnell
DATA DE CRIAÇÃO 19th century
COLEÇÃO Bettmann
Homem
que
sobre
a
apenas
necessitava,
menos gravemente.
economista britânico
Unidade: As Diferenças Culturais
de
1
Thomas Malthus (1766-1834) identificou que haveria um descompasso nessa
relação. As necessidades humanas seriam maiores, em relação àquilo que o
meio ambiente pode ofertar naturalmente. Malthus demonstrou que as
necessidades humanas seriam então maiores que aquilo que o meio ambiente
poderia prover, sem que o Homem interferisse nele.
Desse descompasso resultaria um grave problema à sobrevivência
humana, que depende vitalmente de alimento e água. Já dissera o filósofo
grego Platão, no séc. IV a.C., que “a necessidade é a mãe de todas as
invenções” e; portanto, para esse problema de sobrevivência a solução
encontrada pelo Homem foi interferir no meio-ambiente.
A primeira forma encontrada pelo Homem para empreender essa ação
transformadora do meio foi a agricultura. Aliando um bastão de madeira,
extraído da natureza, conjugando-o a uma
lasca de pedra polida com o uso de uma
Platão de Atenas
429 x 600 - 43k jpg
cafehistoria.ning.c
om
amarra feita com tripas secas de um animal
abatido, o Homem desenvolveu a enxada.
Com
o
uso
adequado
desse
instrumento o Homem passou a arar a terra e
prepará-la para o plantio de sementes que,
por meio da observação, percebeu que
poderia germinar e dar frutos. Irrigando
periodic
amente
o
terreno
foi
possível
obter
mais
alimentos e solucionar o problema do
descompasso identificado por Malthus,
possibilitando a sobrevivência.
Ocorre
que,
para
que
isso
ocorresse, foi preciso o desenvolvimento
Portrait of Karl Marx
An engraving by Charles Baude after Gaston
Vuillier.
IMAGEM: © Stefano Bianchetti/Corbis
NOME DO CRIADOR Gaston Vuillier
DATA DE CRIAÇÃO ca. 1883
FOTÓGRAFO
Stefano Bianchetti
COLEÇÃO Historical
de
materiais
desenvolvimento
e
técnicas:
dos
o
materiais
Unidade: As Diferenças Culturais
plantado,
2
necessários à atividade do plantio bem como das técnicas adequadas para sua
utilização. Os materiais constituem, segundo o filósofo alemão Karl Marx (18181883), os “meios de produção da vida social”, junto do mais importante meio: a
terra; as formas ou as técnicas para utilizá-los consistem na tecnologia
desenvolvida, ambos, para o trabalho. Segundo a definição marxista, o trabalho
é a ação transformadora do meio ambiente que tem a finalidade de garantir a
sobrevivência humana.
Contudo, todas essas relações acabam determinando um outro aspecto
da vida social: a cultura. O desenvolvimento da agricultura, que aqui
mencionamos, implica num desenvolvimento cultural, nesse caso, da “cultura
da enxada”. Não é por acaso que o termo “cultura” foi utilizado pela primeira
vez para se referir a atividades econômicas na lavoura, isso porque, ainda
segundo Marx, por meio do trabalho o Homem altera não só o meio ambiente,
mas a sim mesmo.
E como isso ocorre?
Não dissemos, citando Spengler, que o Homem não existe solto no
espaço, que ele existe no meio geográfico? Sendo assim, sua identidade social
se constrói na interação do indivíduo com o seu entorno, com o meio físico, e
como esse entorno foi modificado pelo próprio Homem, nesse sentido o
Homem alterou a si mesmo, por conseguinte, alterou suas necessidades e,
sendo novas necessidades, a mesma forma de trabalho não pode mais dar
conta delas, são necessárias novas ações transformadoras para atender a
esse novo Homem e suas novas necessidades. Por sua vez, o meio é mais
uma vez alterado, criando um novo Homem, portador de novas necessidades,
novas formas de trabalho e, essencialmente, novos sistemas culturais.
fadadas à transformação.
Mas isso dito, parece que estamos então contradizendo Malthus, citado
no início da análise do quadro em questão. Isso porque, tendo alterado o meio
ambiente, o Homem teria resolvido o descompasso entre suas necessidades e
aquilo que o meio ambiente poderia lhe oferecer, isso porque suas
necessidades não mais seriam maiores em relação ao que o meio poderia,
transformado, fornecer. Sendo assim, por que então as sociedades mudam, se
o problema do descompasso teria deixado de existir?
Unidade: As Diferenças Culturais
É por isso que não existem sociedades estacionadas, todas estão
3
Feature: Syria
at the
Crossroads
The family of
Jamil
Hemedoush
picks olives in
their fields in
the Alawite
Mountains.
IMAGEM: ©
Ed
Kashi/Corbis
DATA DA
FOTOGRAFIA
6 de outubro
de 2008
LOCAL
Damascus,
Syria, Syria
FOTÓGRAFO
Ed Kashi
COLEÇÃO
Corbis New
Mudam e mudarão constantemente, isso porque Malthus demonstrou
que o descompasso mencionado nunca deixaria de existir. Para defender essa
tese, Malthus demonstrou que os homens crescem em progressão geométrica
(multiplicando-se entre si), enquanto os meios de subsistência cresceriam em
progressão aritmética (por somatória, não por multiplicação).
Sendo assim, um novo meio (alterado pela ação humana) traria novos
problemas à existência humana, que demandariam sempre novos tipos de
soluções, novas ações transformadoras, e novos sistemas culturais vão se
formando daí.
Por que sistemas culturais teriam então, segundo a visão marxista, uma
determinação decorrente das relações de produção?
para
Marx,
a
infraestrutura
econômica das sociedades, ou seja, sua base
econômica, determinaria a superestrutura
política e ideológica, sendo a cultura a
somatória dessas relações, pois se inscreve
no modus vivendi das sociedades.
A infraestrutura seria o modo de
Liberia - Fisherman detangles fishing net
A man untangles his fishing net on the
beach in Robertsport, Liberia.
IMAGEM: © Jane Hahn/Corbis
DATA DA FOTOGRAFIA 22 de março de
2009
LOCAL Robertsport, Liberia
FOTÓGRAFO Jane Hahn
COLEÇÃO Corbis News
produção da vida social, ou como aquela
sociedade
produz
o
suficiente
a
sua
Unidade: As Diferenças Culturais
Ora,
4
existência material, produzindo os sentidos, significados, valores, morais e
identidade que mencionamos no início desse texto. O modo de produção da
vida social seria determinado pelo modo de produção de bens de consumo,
composto por sua vez pelos meios de produção (instrumentos, terra – incluindo
seu regime de propriedade -, etc.), força de trabalho (se é assalariada, escrava,
servil, voluntária etc.), tecnologia (forma com que a força de trabalho opera os
meios de produção), determinando os aspectos políticos, ideológicos e
culturais dessa sociedade.
Nessa perspectiva, o trabalho é a ação transformadora humana do meio
ambiente, geradora de cultura (que também pode ser definida como trabalho),
ato exclusivamente humano por ser consciente de sua finalidade, no que é
portanto intencional.
É preciso estar claro que por meio do trabalho o Homem transforma o
mundo e a si mesmo, porque ao alterar o meio o Homem altera o próprio
Homem. É preciso que fique claro que, transformando o meio e a si mesmo, o
Homem redefine suas dinâmicas culturais, redefinindo valores, sentidos,
significados e identidades.
A ação transformadora humana na natureza passa a ser mediada pelos
símbolos criados pelo Homem, que dão sentido as suas ações, desta forma a
Cultura pode também ser definida como o conjunto desses símbolos, relativos
no tempo e espaço, com múltiplas manifestações.
Com isso o Homem, colocando em movimento o meio, a cultura e desta
forma a si mesmo, é o único ser histórico consciente de sua condição e
portanto produtor de sua própria história.
O mais importante questionamento já feito pelo Homem em torno dos
fenômenos da cultura foi, indubitavelmente, aquele que se referia às diferenças
culturais. Isso porque, desde os primeiros contatos que grupamentos humanos
tiveram com outros grupos provenientes de outras regiões ou, ainda, dadas as
distintas visões de mundo que as gerações mais velhas manifestavam frente às
gerações jovens, com maior ou menor intensidade, a existência humana
Unidade: As Diferenças Culturais
Elaborando o problema da cultura
pressupõe o contato com o diverso.
5
Sendo assim, desde o período mais remoto da existência humana, o
Homem foi impelido pelo questionamento sobre as origens da diversidade não
apenas biotípica (cor da pele, dos olhos, tipo e cor dos cabelos, estatura,
compleição física etc.); senão também de diferenças culturais (tipos de
organização social, de habitação, de utensílios e técnicas para a sobrevivência,
forma de organização econômica, religiosa, familiar etc.).
Obviamente, este questionamento se torna mais grave nos períodos em
que o contato entre distintos grupos humanos se intensifica. Podemos então
inferir que, com o
advento
primeiras
The Great
Pyramids
IMAGEM: ©
Andy
Sotiriou/moodb
oard/Corbis
COLEÇÃO
moodboard
das
cidades
que
se
desenvolveram,
contemporaneament
e,
na
Oriente
(Egito
região
do
Próximo
e
Mesopotâmia), Índia
e China - provenientes dos primeiros grandes aglomerados humanos em torno
de atividades que requeriam o trabalho organizado (primordialmente as obras
hidráulicas, dado que se
tratam, os três casos, de
regiões
cortadas
importantes
permitem
rios
as
por
que
práticas
agrícolas) -, as atividades
comerciais,
os
deslocamentos
populacionais
mesmo
as
e
até
guerras
colocaram em contato não
apenas
povos
distintos,
senão
culturalmente
diferentes,
movendo
a
Unidade: As Diferenças Culturais
480 x 508 50k - jpg www.iped.co
m.br/sie/uploa
ds/9362.jpg
Veja abaixo a
imagem
em: www.cole
gioweb.com.br
/.../evolucaodas-especies
6
reflexão humana a questionar as origens das desigualdades.
Desde a Antiguidade, o Homem desenvolveu explicações míticas ou
filosóficas que respondiam a esta questão por meio da hereditariedade e da
origem geográfica.
Vimos na unidade anterior, dedicada às “teorias da cultura”, que quando,
no séc. XIX desenvolve-se a Antropologia como ciência humana e social,
gozando de rigor metodológico e primeiros referenciais teóricos, o darwinismo
social tendia a fornecer explicações científicas (pautadas na teoria da evolução
das espécies) para uma compreensão então já muito antiga: a da determinação
biológica e geográfica. Sabemos também que o debate teórico em torno
dessas questões desmontou, paulatinamente, as convicções rácicas que
determinavam as diferenças culturais, impondo não apenas outra ordem de
compreensão, mas modificando de forma irreversível os objetos, objetivos,
métodos e natureza desta nascente ciência. Contudo, ainda que liberta das
amarras explicativas do evolucionismo, a cultura não carecia apenas de
explicações sobre a questão das diferenças, mas primordialmente sobre sua
natureza, origens e dinâmicas de transformação.
Essas questões ganharam também, com o advento dessas percepções
pós-evolucionistas, outro âmbito de ocorrência, uma vez que diferenças
culturais se verificavam não somente externamente aos grupos sociais, mas
também internamente. Se as explicações evolucionistas não davam conta de
esclarecer as diferenças entre povos distintos, também falhou em atribuir as
diferenças entre homens e mulheres por meio da hereditariedade. Obviamente
homens e mulheres mantêm relevantes diferenças biológicas, contudo, o papel
que desempenham em distintas sociedades,
sendo
essas
novas
definidos
percepções,
por
essas
foram
mesmas
sociedades, ou seja, os papéis de gênero, e
também geracionais, religiosos, laborais etc.,
são
construídos
socialmente,
não
determinados.
Junto do meio geográfico, o clima
também
deixou
a
condição
de
fator
Unidade: As Diferenças Culturais
segundo
245 x 305 - 29k - jpg imho.com.br/.../2008/11/diferencacultural.jpg
Veja abaixo a imagem
em: imho.com.br/2008/11/24/diferenca
s-culturais/
7
determinantemente
explicativo
de
diferenças
culturais
primordialmente
utilizados para escalonar povos mais aptos para o trabalho em climas frios, e
menos aptos em climas quentes. Isso porque uma série de povos, postos sob
análise e comparação, desenvolveram dinâmicas diametralmente opostas em
regiões cujas condições climáticas eram praticamente idênticas. A questão
seria então a de que a cultura que adjetiva outra como menos apta ao trabalho
utiliza as suas próprias referências sobre o que seria a forma e o ritmo ideal de
trabalho, ou seja, trata-se de uma postura etnocêntrica.
Obviamente o clima, assim como a configuração geográfica, incide sobre
as práticas econômicas (agricultura, pastoreio, indústria, comércio etc.) e,
assim sendo, sobre a própria totalidade da vida social (estruturas políticas,
práticas culturais); contudo, não se trata de fatores únicos e, tampouco,
unicamente determinantes.
O que explicaria então as diferenças no próprio perfil desses grupos?
Por que alguns estariam mais inclinados às hostilidades? Por que outros
estariam mais inclinados para a paz?
O conceito antropológico de cultura
Foi preciso praticamente um
século para que fosse definida
conceitualmente
a
“cultura”.
Inicialmente, o termo apareceu em
documentos
escritos
que
se
Slaves
Picking
Cotton in
Field
Título original:
As a slave.
IMAGEM: ©
Bettmann/CO
RBIS
COLEÇÃO
Bettmann
referiam ao âmbito da agricultura e,
prática agrícola (cultura da cana-deaçúcar,
cultura
do
café
etc.),
passou a ser utilizado para se
referir
ao
modo
de
vida
dos
camponeses. Com o passar do
tempo,
do
modo
de
vida
de
sociedades simples, o termo passou a ser utilizado para designar a área de
Unidade: As Diferenças Culturais
de sua designação como tipo de
estudo que tentavam compreender esses modos de vida.
8
Mas é a perspectiva antropológica que define mais precisamente a
cultura, a partir de 5 de suas características principais:
1) a cultura se refere a transmissão de caracteres extra-somáticos, ou seja,
não se transmitem geneticamente;
2) a cultura é particular ao Homem. Os animais possuem, no máximo,
sociedades;
3) adaptação: os animais se adaptam ao meio de modo genético e o
Homem culturalmente, a despeito das adaptações genéticas ao meio
ambiente. Ao inserir elementos de cultura material no processo
adaptativo, o Homem acelera sua adaptação; contudo, retarda sua
resposta genética ao meio ambiente;
4) a cultura é padronizada: língua, religião, economia etc., são convenções
simbólicas que existem, ao alcance dos olhos, nas sociedades
constituindo culturas dominantes. Neste caso, os itens de cultura se
converteriam em vetores de relações sociais, cujas referências para a
compreensão dessas convenções e símbolos são partilhadas no
contexto dessa sociedade culturalmente padronizada;
5) a sociedade é o veículo da cultura, que só existe sob essa condição. A
cultura dá a tônica da interação entre núcleos, como o educacional e o
econômico, por exemplo.
Sendo assim, em termos antropológicos, pode-se entender a cultura
como o sistema humano de hábitos ou
costumes adquiridos por processos extra-
símbolos
ou
convenções
criados
nas
dinâmicas de adaptação do indivíduo ao
meio ambiente.
Essa definição ganha corpo teórico na
década de 1930, a partir da obra de dois
autores:
Franz
Boas
(1858-1942)
e
Bronislaw Malinowski (1884-1942), que
American Anthropologist Franz J. Boas with
Ashton Talbott
IMAGEM: © Bettmann/CORBIS
DATA DA FOTOGRAFIA ca. 1940s
COLEÇÃO Bettmann
rompem
com
o
evolucionismo
linear
Unidade: As Diferenças Culturais
somáticos, difundidos na sociedade por
9
assumido pela Antropologia por meio das teses de Spencer, representante
máximo do darwinismo social e que postulava que o Homem evoluiria do
estágio de barbárie ao estágio de civilização.
Malinowski, rompendo com o evolucionismo, dando ênfase ao
relativismo e à pluralidade da cultura, acrescentou que em um determinado
contexto a cultura funcionaria como uma unidade com engrenagens
relacionadas.
A resposta dessa Antropologia para a questão da diversidade cultural é
o aprendizado, que se dá por sua vez por meio de relações culturais muito
especificas. Por meio da educação o indivíduo é introduzido ao mundo ou, se
quisermos ser mais profundos, é humanizado; por meio da educação
transmitem-se saberes que explicam (cada qual a sua forma) o mundo e o
Homem, bem como o papel do Homem no mundo. Diferentes povos
desenvolvem diferentes formas de transmitir seus saberes ou diferentes formas
de educar, processo no qual são transmitidos repertórios culturais inteiros.
Sendo assim, não é nem a genética e nem o meio geográfico que
determinariam o comportamento dos povos e suas diferenças; mas a cultura,
por sua vez distinguida por conta da diversidade de experiências de
aprendizado verificáveis em diferentes povos.
Não se trata de um processo de ensino meramente teórico. A criança
que
recebe
os
ensinamentos
de
seus
da
pais,
família,
do
grupo
social
ao
qual
pertence,
da
educação formal ou
da religião, aprende
não
só
a
como
interpretar o mundo;
mas
como
sobre ele.
agir
Family Eating Cookies
IMAGEM: © Ken Seet/Corbis
COLEÇÃO Flame
Unidade: As Diferenças Culturais
primeiros
10
Chamou a atenção de inúmeros estudiosos, fundamentalmente, o fato
de que o Homem, graças à cultura, teria superado suas limitações biológicas.
Se pensarmos nas possibilidades de sobrevivência do Homem frente à
hostilidade da natureza – desde a diversidade do meio, as intempéries do
clima, o assédio de animais predadores e a fragilidade frente aos desastres
naturais -, ele não teria sobrevivido sem o advento da cultura.
Ou seja, ainda que portador de capacidades biológicas simples, se
compararmos o Homem em força, por exemplo, em relação a um leão, o
Homem está muito mais apto a sobreviver do que o leão, primordialmente
porque o Homem é, antes de um ser biológico, um ser cultural.
Isso para dizer que o Homem é capaz, por ser produtor, portador e
difusor de cultura, de adaptar-se ao meio natural ou mesmo de adaptar o
próprio meio natural as suas necessidades; coisa que os leões não podem
fazer, apesar da sua imensa força física e destreza na caça.
A diferença consiste no poder que guarda a cultura, o que faz com que o
Homem não limite a sua existência e suas possibilidades de sobrevivência
única e exclusivamente ao seu potencial biológico; mas também aos
instrumentos
que
cria
para
facilitar sua sobrevivência.
Por exemplo, ainda que o
Homem seja mais frágil que um
urso em relação a regiões de
clima
frio,
desenvolver
ele
é
capaz de
instrumentos
e
técnicas que lhe permitam caçar
o urso, extrair sua pele, secá-la
e usá-la como vestimenta, para
escapar ao frio e viabilizar com isso sua existência.
Outra questão primordial e que coloca o conhecimento humano à frente
das demais espécies em natureza, é seu caráter cumulativo. Ou seja, por meio
da educação são transmitidos saberes culturais já erigidos, permitindo ao
Homem que os recebe pensar para além dessas culturas, propondo e
realizando inovações que, por sua vez, por meio do aprendizado, serão
transmitidas às gerações futuras. Ao longo das gerações, portanto, as culturas
Unidade: As Diferenças Culturais
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em: xamanis
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ossosancestr
ais.blogspot.c
om
11
se transformam apontando invariavelmente para horizontes até então
inexplorados pelo humano.
Etnocentrismo e apatia
Uma forma extremamente eficiente para entendermos questões de
estranhamento cultural é imaginar que as pessoas vêem o mundo a partir da
sua cultura. Sendo assim, não se trata do mesmo mundo, mas de como ele é
lido e interpretado de diferentes formas por diferentes pessoas, isso porque são
portadoras de diferentes sistemas culturais.
O etnocentrismo consiste no fenômeno de o indivíduo, ou um grupo de
indivíduos, considerar a sua forma de interpretar o mundo como a única
possível ou a melhor dentre as demais. Com isso, outros sistemas culturais
passariam a ser alvo de discriminação por serem consideradas “tortos”,
“distorcidos” ou “equivocados”.
O
etnocentrismo
é
portanto
valorativo, ou seja, a cultura diversa é
sempre objeto de juízos de valor,
entendida como inferior, exótica ou
ROCHA,
Everaldo. O
que é
etnocentrismo.
Coleção
Primeiros
Passos. São
Paulo:
Brasiliense.
1988.
absurda.
Contudo,
o
comportamento
etnocêntrico, nocivo como é, verifica-se
como fenômeno cultural universal; isso
porque toda cultura tende a posicionarcomo
interpreta,
central
sendo
no
todas
mundo
as
que
demais
culturas periféricas.
O etnocentrismo, absorvido pela
cultura que é dada como inferior, absurda ou desviada, leva ao fenômeno
oposto: o da apatia. Consiste na absorção dos valores de uma cultura
etnocêntrica por parte daquela valorada negativamente, resultando na
depreciação dos indivíduos pertencentes àquela cultura por seu próprio
sistema cultural.
Unidade: As Diferenças Culturais
se
12
As mudanças culturais
A existência humana não consiste apenas numa existência biológica;
trata-se primordialmente de uma existência cultural. Isso porque tudo aquilo
que o Homem cria, ensina, aprende e volta a criar, constitui-se como cultura.
Ao aprender sobre aquilo que seus antepassados criaram, o Homem recria a
cultura, a natureza e a si mesmo, e quando passa seu conhecimento às demais
gerações, já se trata de uma cultura recriada.
Mesmo que um indivíduo esteja imerso em um sistema cultural, ele
nunca terá domínio pleno de todos os elementos que constituem aquela
cultura, dada a riqueza e diversidade que preenchem os sistemas culturais.
Contudo, ele é forçado a dominar um número mínimo de caracteres culturais
para que seja reconhecido pelo grupo como alguém pertencente à mesma
cultura. Mas a questão é que, ainda que os indivíduos de um grupo se
conectem por meio do mesmo sistema cultural, ele não é lido nem praticado de
forma idêntica por todos. São exatamente essas nuances e pequenas
distinções que desvelam uma importante dimensão dos fenômenos de
mudança cultural.
Culturas mudam constantemente, mesmo porque a natureza, sua base
material, também muda por conta da interferência humana, primordialmente
cultural. Isso para dizer que, ao alterar a natureza (que provem o Homem da
base material, em estado bruto, de sua existência) para atender as suas
necessidades, o Homem, por meio do trabalho (que envolve o desenvolvimento
de
meios,
ferramentas
e
técnicas) altera não só a
natureza, mas a si mesmo.
Isso
quer
dizer
que,
ao
alterar o meio, altera suas
formas de interação social,
sendo assim, ainda que suas
necessidades
biológicas
sigam sendo as mesmas,
suas necessidades sociais,
Unidade: As Diferenças Culturais
wind turbines
and smoke
stacks
IMAGEM: ©
Images.com/C
orbis
NOME DO
CRIADOR
ImageZoo
COLEÇÃO
Images.com
(RF)
ou culturais, mudam; mudando junto com o meio, novas formas de interferência
13
à natureza que, como dissemos, não é mais a mesma, tende a produzir sempre
um novo Homem, junto de novas formas de trabalho, organização social e,
primordialmente, sistemas culturais fadadas à perene transformação.
Com isso, já podemos dizer que as culturas são distintas não tão
somente no espaço; mas também no tempo, já que nunca permanecem
inalteradas pois, ainda que lentamente, sempre se verificam transformações
sendo operadas.
As mudanças culturais podem ser:
Internas ao próprio sistema cultural, transformando-se lentamente e
obedecendo a manifestações internas de mudança.
Externas ao sistema cultural, como produto do contato com outro
sistema, caso no qual, em relação à forma interna, é muito mais rápida e
dinâmica.
Endoculturação
Antes de tratarmos das categorias fundamentais da Antropologia para a
definição dos mecanismos de mudança cultural, é importante tratarmos
daquela que se refere a sua transmissão que, de alguma forma, também
implica em transformação.
Trata-se do conceito de “endoculturação”, conforme empregou o
lingüista e antropólogo norte-americano Roger Martin Keesing (1935–1993)
para se referir ao permanente processo de
aprendizagem de uma cultura que se inicia
já desde o nascimento do indivíduo, quando
experiências
paulatinamente,
que
seu
constituem,
repertório
cultural.
Trata-se de um processo contínuo, cujo
término só se dá com a morte do indivíduo.
Tanto Felix Keesing quanto E.
Adamson Hoebel (1906-1993), também
antropólogo norte-americano,
e
Frost
1536 x 2048 - 906k - jpg www.princeton.edu/.../g-k/hoebel/hoebel.jpg
Veja abaixo a imagem
em: www.princeton.edu/pr/pictures/g-k/hoebel/
Unidade: As Diferenças Culturais
passam a ser-lhe ensinados os valores e
14
Herskovits, referem-se à função da endoculturação em constituir o suporte de
transmissão dos códigos de conduta sociais, por meio dos padrões de
comportamento social que difunde, o que tem um papel importantíssimo para a
estabilidade do corpo social e do próprio sistema cultural.
Obviamente,
apesar
de
padrões
culturais
serem
difundidos
e
assimilados pelo indivíduo, o espaço do livre-arbítrio opera criando gradações
distintas
de
comportamento;
contudo,
é
notável
a
assimilação
de
comportamentos, verificáveis inclusive em condutas de desobediência.
Uma contrapartida a essa possibilidade, é o caráter de controle exercido
pela sociedade, para condutas desviadas do padrão socialmente construído,
bem como as formas de coerção exercidas para constranger o indivíduo à
assimilação dos valores culturais dominantes.
Sendo assim, a idéia de liberdade deve ser relativizada ao padrão
cultural por meio do qual o indivíduo age, uma vez que suas referências
comportamentais, inclusive para as condutas de obediência e desobediência,
são resultado do meio em que foi socializado.
Contracultura e subcultura
Ocorre
que
não
podemos
incorrer no erro de imaginar que por
haver uma cultura dominante em
sociedade,
todos
passem
a
incorporá-la plenamente. Como dito,
há
comportamentos
de
desobediência. Por sua vez, esses
comportamentos
norma
desviantes
geram
outros
da
sistemas
culturais, chamados de subculturas,
para o caso de sistemas à margem
da
cultura
contraculturas,
dominante;
para
o
caso
ou
de
sistemas que se defrontam com a
Unidade: As Diferenças Culturais
Hippie
Couple, Cat,
and
Payphone
A hippie
couple hangs
out on Sunset
Boulevard in
Los Angeles.
Absent a bowl,
their cat is
served spilt
milk in a
payphone.
"Hanging Out"
was a full time
occupation
while waiting
for a party.
IMAGEM: ©
William James
Warren/Scienc
e
Faction/Corbis
LOCAL Los
Angeles,
California,
USA
FOTÓGRAFO
William James
Warren
COLEÇÃO
Encyclopedia
cultura dominante.
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A “contracultura” se caracteriza pelo espírito crítico, questionador e
desobediente em relação a tudo aquilo que é visto como vigente em um
determinado contexto sócio-histórico.
A contracultura, por sua vez, oferece alternativas para interpretar o
mundo e mais, para defender o mundo que acredita possível. Essas visões
alternativas são expressas nas artes
visuais, na literatura e nas idéias,
tendo fomentado
movimentos
de
uma
série
contestação
de
em
nossa história recente, como: os
Hippies, os Beats, os Punks e o
Anarquismo.
Por vezes, movimentos de
contestação,
na
forma
da
contracultura, conseguiram vitórias
significativas na mobilização das
massas para provocar as mudanças
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em: franklarosa.com/vinyl/
que defendiam. É o caso de John
Lennon e Yoko Ono, que deitados na
cama de sua casa ofereceram uma das mais graves resistências à Guerra do
Vietnã, defendendo que se fizesse amor, não a guerra. A opinião pública teve,
nesse caso, uma importância fundamental no conjunto de pressões culminou
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na derrota política dos EUA nesse desigual enfrentamento.
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Closeup J.Lennon W/Bride Y. Ono In Bed
Título original: 3/25/69-Amsterdam, Holland: Beatle John Lennon and his bride of five days, Yoko Ono, pose in the Presidential Suite of
the Amsterdam Hilton Hotel, March 25th. Lennon declared they would "conceive a baby in Amsterdam" during press conference. Yoko
nodded in agreement. They said they intend to stay in bed for seven days.
IMAGEM: © Bettmann/CORBIS
DATA DA FOTOGRAFIA 25 de março de 1969
LOCAL Amsterdam, Holland
COLEÇÃO Bettmann
Aculturação
significativo é o da aculturação, decorrente do contato entre duas culturas
distintas que, fundidas, dão origem a uma terceira cultura. Refere-se também a
relações assimétricas em que uma cultura passa a exercer sobre outra um
papel de dominação, culminando na absorção da cultura dominada. Uma
questão a se pensar é se no processo, ainda que assimétrico, a cultura
dominante não assumiria traços da cultura dominada. Em verdade, as
correntes mais recentes da Antropologia e das Ciências Humanas e Sociais
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Dentre os processos externos de transformação cultural, o mais
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(como no caso da corrente crítica pós-colonial), verificam que contatos
culturais, ainda que assimétricos e vetorizados por relações de força e poder,
não se restringem a meras relações de assédio e resistência; mas resultam em
trocas, negociações e mútuas transformações.
Sincretismo
O fenômeno do sincretismo se
refere a uma fusão de doutrinas de
diversas
origens,
tanto
religiosas
quanto filosóficas.
O termo é utilizado com maior
fluência para se referir ao fenômeno
da absorção de traços de uma religião
por outra, culminando então numa
forma sincrética. Sendo assim, o
conceito é dotado de significados
conciliadores
entre
distintos
repertórios culturais, que passam a
complementar-se
compreendidos
e
por
a
meio
serem
de
correspondências simbólicas.
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Candomblé
Beads and
Catholic
Symbols,
originally
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by Sabrina
Gledhill.
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Veja abaixo a
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em: mrquerino.
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Unidade: As Diferenças Culturais
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www.cruzeirodosul.edu.br
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