Debate
Juliette Singer
Não sabia que havia tantos pontos de convergência entre Landowski e Bartholdi,
incluindo o facto de o nome do autor - embora o nome de Bartholdi seja um pouco
mais conhecido do que o nome de Landowski - ser frequentemente desconhecido do
grande público. Talvez seja apenas uma questão de duas personalidades que se
viram envolvidas em obras que simbolizam a identidade nacional de um país que
não é o seu.
Pergunta inaudível
Thierry Kérisel
Ouçam, não tenho pormenores a esse respeito, mas penso não haja problema no que
respeita à base da pedestal; é o peso da estátua de 1.100 toneladas que faz com que
a base esteja totalmente em compressão, pelo que não foi necessária uma fixação
propriamente dita.
Alguém na sala
Gostaria de saber se há, no Brasil, pedaços reconstruídos da cabeça e das mãos.
Adon Peres
Nunca ouvi falar disso. Talvez o Marcio saiba. Essas peças já foram expostas?
Marcio Roiter
Não, encontrou-se um modelo de 3 ou 4 metros da estátua que, aliás, foi adquirido
pela Câmara. Não sei onde se encontra; pode ser que estejam à espera do centenário
para o apresentar.
AP
Aliás também não se sabe o destino dado à maqueta que foi utilizada para a
montagem no próprio local.
JS
E é isso mesmo que levanta dúvidas porque parece que o processo de amplificação
tenha levado à destruição do modelo original, o maior, aquele que veio de barco.
Este é um dos nós do debate sobre «quem é o pai do Cristo?», porque, actualmente,
não se encontra qualquer vestígio dessa escultura, a maior. Em contrapartida, o que
ficou é o modelo original que está actualmente exposto no MA30 e que está em
depósito e muito agradeço aos Landowski; trata-se, pois, de uma obra histórica,
apesar das suas pequenas dimensões, 42 cm, mas é verdadeiramente o modelo
original do Cristo do Rio e a partir do qual a escultura grande foi desenvolvida. E,
como dizia Adon, a partir de uma maqueta chega-se muito rapidamente a duas
maquetas, nomeadamente a silhueta que foi ampliada por um processo técnico e,
depois, a cabeça e as mãos que seriam realizadas de seguida, devido à sua delicadeza
em tamanho real. Sabe-se que Landowski desejava realizar o todo em tamanho real;
mas foi Heitor da Silva Costa quem escolheu a realização em betão. É verdade que
esta solução permitiu, em primeiro lugar, poupar o transporte desta enorme
escultura por barco e, depois, que resistisse às intempéries e se conseguisse fazer
dela uma obra de arte sólida e perene.
AP
E foi uma solução descoberta mesmo no fim do projecto, precisamente por razões
de estanqueidade: temos, no Brasil uma pedra chamada pedra-sabão, que é
esteatite e que permite que o betão armado respire. Criaram uma espécie de
mosaico gigantesco. Tem uma cor ligeiramente esverdeada. Agora tiveram a triste
ideia, penso eu, de instalar uma iluminação um pouco do género discoteca, de várias
cores, mas o original é mais esta pedra, o verde.
Benjamin
Foi numa galeria dos Champs-Elysés que Silva Costa viu este mosaico, numa fonte.
AP
Sim, é muito interessante. E é curioso que tenha vindo a Paris para encontrar isso,
já que esta pedra é nossa, do Brasil … Sim, acho que era uma galeria ao lado do Lido.
Alguém na sala
Onde está o original do contrato? Qual é a data do contrato? Porque, pessoalmente,
estudei estátuas ou grupos criados por escultores franceses e, nomeadamente, na
América central, onde existem monumentos muito importantes que foram
realizados por franceses e tive a possibilidade de estudar os arquivos que
esclarecem o que o Senhor chama processos de decisão. Na falta de documentos
estamos perante tradições que não são semelhantes, opostas até mesmo, ao espírito
da encomenda. Acredita-se, por vezes, que através da encomenda se chegue à
execução de uma obra, mas mesmo depois da obra executada, existiam opiniões
contrárias que prevaleciam sobre a obra em si. Daí o interesse em reencontrar
documentos de arquivo, por maioria de razão contratos que são peças essenciais. É
por isso que eu fiz a pergunta acerca de Landowski por que, além disso, nos seus
contratos há descrições do que a obra devia ser. Não digo que a obra, depois de
executada, se assemelhe ponto por ponto ao que tinha sido previsto no contrato,
mas isso permite esclarecer o caminho que se seguiu.
JS
Falaremos disso no debate seguinte. Faz parte dos elementos de pesquisa histórica
que tentei fazer. Todos esses enigmas estão longe de ser decifrados. Encontrei um
documento graças à rede Art Deco; tinham-me falado de um local onde se
encontrava este contrato e quis ir vê-lo. Porque, conforme eu disse há pouco, falo
sem qualquer preconceito, sou apenas historiadora de arte. Tinham-me dito que
este contrato estava nos arquivos da Escola de Belas Artes do Rio, mas tal não era o
caso. Por outro lado, encontrei outros documentos, nomeadamente um documento
onde se encontra uma cópia de uma carta de Paul Landowski, mas não tenho a carta
em francês, tenho a cópia autenticada em português; pode ler-se que Heitor da Silva
Costa foi o encarregado da encomenda… O arcebispado abriu um concurso,
conforme disse Adon Peres; Heitor da Silva Costa ganhou o concurso para lançar o
projecto de que é um mestre- de-obras absolutamente notável; mas, depois, por
não encontrar em seu redor um escultor - um pouco como para a problemática
abordada hoje de manhã no que toca a Sun Yat-sen – ele vai finalmente ter com
Landowski, depois de ter contactado vários escultores. Landowski é a pessoa certa
para realizar esta escultura, para ser o escultor desta importante e complexa obra.
É preciso uma obra que permaneça, a nível d sua construção, mas também a nível de
seu estilo. De facto, arrepia um bocado pensar ao que o Rio escapou, este Cristo um
bocadinho kitsch… Se o Cristo se tornou um emblema nacional, também se deve ao
génio de Landowski, é algo de que não se pode dizer que esteja fora de moda, mesmo
que se possa dizer que é Art Déco. É algo em que a identidade da cidade e do país
conseguiu enxertar-se. Para voltar à nossa pergunta, encontrei esta cópia de uma
tradução de uma carta de Landowski pela qual cede os seus direitos na altura da
encomenda, mas não encontrei o contrato propriamente dito. Mas a primeira pessoa
que ma quiser dar, eu aceito- porque espero que este colóquio sirva para solucionar
certas complexidades e para melhor compreender esta obra maior.
AP
Há uma pergunta semelhante à sua, que foi feita o ano passado durante o Congresso
Internacional de Art Déco, no Rio, e a única coisa a que posso responder é que se
temos esta carta de Landowski que cede os seus direitos a outrem, é porque
considera ser ele o autor. Como tal, quanto a mim, já não precisaria de ver um
contrato porque é a ele que se pergunta… sendo que o debate foi um pouco falseado,
visto que com este «presente francês» da estátua da Liberdade, ficou bem dizer a
mesma coisa no Brasil acerca do Cristo. Durante muito tempo ouvi esta história e
mesmo antes de estudar o assunto eu não sabia se se tratava de um presente, se era
francês, se era brasileiro, não me colocava a pergunta. Mas conforme viram, tudo foi
construído e veio de França; acrescentar que, além disso, se tratava de um presente
caía bem, muito chique. Mas não, foi uma encomenda, e custou muito, mesmo que se
dissesse que vinha dos óbolos generosos do povo, é um projecto que poderia ser
estimado, hoje, em 20 milhões de euros. Como tal existem vários pontos de dúvidas
sobre a origem do financiamento. Quando o Cristo foi designado sétima maravilha
do mundo, alguém, nos Estados-Unidos, disse que tinha sido financiado pelo
Vaticano, mas nunca se fala disso no Brasil. O que é certo é que se pediu a Landowski
que criasse essas pequenas estatuetas para financiar o monumento e Landowski
cede, à condição que seja apenas para a paróquia ou o arcebispado a fim de acabar
o financiamento. Mas acho bastante significativo que se lhe tenha pedido
autorização. Numa obra comum pede-se a todos que cedam os seus direitos, mas
neste caso não foi assim.
Christiane Ramonbordes
Eu represento a ADAGP, uma sociedade de gestão de direitos de autor. No caso deste
monumento temos, no Brasil, um processo para que sejam reconhecidos os direitos
de Paul Landowski. É um processo que dura há anos. O tribunal não disse que Paul
Landowski não era o autor, apenas diz que Landowski cedeu os seus direitos.
Excepto que o papel que a arcebispado do Rio mostra é assinado apenas por Da
Costa. E é isso que a pesar de tudo é aberrante. Landowski não assinou este papel e
o tribunal do Rio, e mesmo o tribunal da Relação, confirmaram que esta cedência era
válida e, como tal, que os direitos de autor pertenciam ao arcebispado, enquanto
Landowski não assinou este contrato e penso que é um pormenor que tem grande
importância no nosso debate.
Benjamin XXX
Sim, mas existe uma carta…
C.R.
Pois, mas uma carta não é um contrato.
MESA REDONDA
Marcio Roiter, Adon Peres, Michèle Lefrançois, Juliette Singer
Juliette Singer
Para situar o debate de que seremos porta-voz, no ano passado Marcio Roiter que é
presidente de Art Déco Brasil, organizou um congresso que se realiza de dois em
dois anos...
Marcio Roiter
Trata-se de um congresso que é organizado de dois em dois anos desde 1991; a
primeira cidade foi Miami que foi a primeira a ter uma sociedade Art Déco, ou seja
uma sociedade que permita a salvaguarda, a celebração, o estudo dos monumentos
Art Déco. Fundei a sociedade brasileira em 2005, quer dizer muito depois de Miami
ter fundado a sua em 1976 e de ter protegido South Beach Miami que toda a gente
conhece e que é agora um dos locais mais conhecidos dos Estados Unidos e que
estava em risco de ser destruído.
Não é fácil ser a sede de um congresso mundial, há que obedecer a uma certa ordem,
satisfazer certas exigências; por essa razão este 11º congresso, 2013, terá lugar em
Havana, em Cuba, que tem um muito belo património Art Déco, também em perigo
como o do Rio. E é verdade que isso se altera depois de um congresso, com a
presença de personalidades tão importantes como Juliette Singer, Michèle
Lefrançois, Florence Camard que falou de Michel Dufet que viveu dois anos no Rio e
de quem escreveu a biografia, Daniel Sicard do Museu de Saint-Nazaire falou de
barcos... não vou continuar a falar disto porque houve dezoito intervenientes em
três dias. Tivemos toda uma tarde dedicada ao Cristo de que se comemoravam os
80 anos em 2011. Houve muitos festejos por essa ocasião e à nossa maneira
prestamos homenagem a esse monumento tão importante para o Brasil, a que o
Brasil deu o pedestal. Então, no próprio dia da intervenção de Michèle e de Adon
Peres que foi talvez o pivô, porque começou a falar do tema que lhe é caro da
comparação entre o Muro da Reforma e o Cristo, nesse dia o jornal Globo ... No
domingo passado, a 2 de Setembro, num artigo do Globo que falava deste colóquio,
o jornal afirmava “o Cristo é nosso”, ora fui eu que pedi que se falasse do nosso
colóquio, que enviei o comunicado de imprensa, o programa. Mas eles esqueceram
isso tudo, puseram uma fotografia pequena e escreveram “O Museu dos Anos Trinta,
na cidade de Boulogne-Billancourt, reunirá a 13 e 14 de Setembro especialistas
numa conferência sobre o nosso Cristo Redentor. Esta reunião é um pretexto para
celebrar o escultor Paul Landowski.” E, entre parêntesis, faz um jogo de palavras,
porque nós temos um juiz que está a julgar um caso de corrupção muito célebre no
Brasil que se chama Lewandowski: “Não confundir com Lewandowski, ministro do
supremo tribunal federal”. Bom, fechemos o parêntesis. Continuemos: “Paul
Landowski como autor do monumento. E aí: “Mas o Brasil por decreto de Eduardo
Paz (é o perfeito da do Rio) reconhece o engenheiro brasileiro Heitor da Silva Costa
como o verdadeiro criador do nosso Cristo.” Heitor foi o grande líder de uma equipa
que incluía o francês Landowski e o desenhador Carlos Oswald, de origem italiana,
que era, aliás, o avô do nosso confrade Vivian Oswald (é jornalista do Globo). E isto
foi provocado no ano passado pelo Congresso. De manhã o Globo publicou essa folha
com as ideias de Adon e com as da neta de Heitor da Silva Costa, Isabel Noronha,
que já fez dois filmes, que está a publicar um livro com a sua versão, versão essa que
empola o papel de Heitor da Silva Costa em relação aos outros participantes na obra.
Depois da intervenção de Adon e de Michèle, Bel Noronha tomou a palavra e foi
bastante agressiva e eu tive mesmo de a interromper. É claro que as ideias podem
discutir-se, mas foi preciso interrompê-la. É uma amiga muito querida e até já
trabalhei com ela, ela entrevistou-me para o filme, mas depois cortou-me ... dois
filmes já é um bocado demais, um bastava ... Ela quer que Landowski seja só o autor
de uma parte da escultura e eu não estou de acordo, já lho disse, ele é o escultor,
Heitor da Silvas Costa é o engenheiro, não é o autor da ideia, não é ele, mas fez o
projecto, que, com a colaboração de um engenheiro e de um escultor levou a este
resultado de uma obra que é uma maravilha moderna do mundo. Assim nunca se
deve dizer que uma obra destas se deve a uma única pessoa. Este debate continuou
a 12 de Outubro, data dos festejos dos oitenta anos, uma revista que se chama Veija
fez um número especial sobre o Cristo. Publicou e eu mandei cartas para expor a
minha opinião e isso provocou outra polémica e um senhor que publicou um livro
sobre o Cristo, esqueci-me do nome dele, porque é um bocadinho complicado e não
quero lembrar-me ... Quero manter a ideia de uma participação equilibrada e de
vários actores, em todo o caso um engenheiro e um escultor.
Juliette Singer
Fiquei muito espantada porque o Cristo não é isso e, além disso eu sou uma grande
apaixonado pelo Brasil, e precisamente o génio brasileiro é – e Adon falava disso há
pouco – é este antropofagismo intelectual, artístico, que se alimenta de tudo aquilo
que esteja ao seu alcance, uma energia magnífica. Sendo conservadora do Museu dos
Anos Trinta e do Museu Landowski, depois de Michèle Lefrançois, cuja sucessão
assumi, e que trabalhou durante vinte e cinco anos sobre esse artista, tentei
compreender. É um escultor que fez mais de 70 esculturas entre as quais o
mausoléu de Sun Yat-sen. Reagindo ao que disse Agnès Tricoire, como eu dizia na
introdução a este colóquio, penso que Landowski se apagava, em vez de fazer como
Picasso, por exemplo, que sabia construir o mito do artista. Por isso, no Brasil, o
nome dele não é conhecido ao passo que são mais conhecidas as suas obras.
Portanto eu tentei compreender as raízes disto e os dois argumentos que me
surpreenderam: Landowski não é brasileiro e nunca veio ao Brasil. Pedirei à Michèle
que explique por que razão ele nunca pôde vir ao Brasil; e o segundo argumento é a
proeza da construção e felicito veementemente Heitor da Silva Costa que era um
mestre de obras absolutamente genial que soube encontrar o bom escultor e o bom
engenheiro e soube criar as condições para a criação desta obra prima que pertence
ao Rio, que é carioca, mas que pertence agora à história artística do mundo.
Michèle Lefrançois
Eu penso que é uma polémica que não tem razão de ser porque a prova está feita
que houve vários intervenientes e que a parte de Landowski na escultura é
reconhecida por todos. É realmente uma polémica que não devia existir. Landowski
no seu Diário conta os seus encontros com Heitor da Silva Costa e diz que este último
aceita as modificações que ele propõe e por isso, entre os dois, aparentemente não
há qualquer problema. É uma colaboração muito amigável e não consigo realmente
ver onde está a oposição entre estes dois homens. Então porque é que ele não foi ao
Rio? Landowski era um monstro de trabalho. Também não foi à inauguração do Sun
Yat-sen, é um homem que raramente saía do seu ateliê. Penso que é uma razão de
trabalho e tempo. Tinha terminado a sua escultura e achava que o seu papel ficava
por ali.
Marcio Roiter
Isso levava dois meses ...
Michèle Lefrançois
No seu Diário, ele diz quanto mais trabalha nesta escultura mais lhe toma o gosto,
que só tem pena que não tenham sido feitos ensaios in situ com uma maquete de 4
metros de altura, mas tirando isso creio que tudo foi feito em harmonia e fico muito
admirada com esta polémica.
Juliette Singer
Em que pontos está agora a essa polémica?
Marcio Roiter
O Cristo quebrado, lo Cristo parcido (???)... À frente disto está a neta que diz que
durante toda a vida ouviu dizer que o Cristo era uma prenda da França. A França que
em 1922 ofereceu o pavilhão francês do centenário da independência, como mostrei
na minha intervenção, o Petit Trianon; foi realmente uma oferta e talvez também o
Bartholdi, tudo isso aumenta o “charme” de ter recebido uma prenda europeia que
vinha de longe e era colocada sobre a montanha mais importante do Rio. E assim
percebo muito bem o lado psicanalítico, digamos assim, de alguém que ouviu toda a
vida não se reconhecer que foi o seu bisavô o responsável pelo projecto. Ponho-me
no lugar dela, ela quer arrancá-lo a este esquecimento. Não estou de acordo que o
arranquem desse esquecimento com uma espécie de megalomania, dizendo que o
único autor foi Silva Costa e que os outros seriam apenas executantes.
Juliette Singer
De facto, é o termo “executante” que é chocante, quando se conhece a envergadura
de Landowski.
Marcio Roiter
Adon está traumatizado ...
Michèle Lefrançois
Apesar de tudo é necessário re-situar as coisas naquela época. Landowski é
mundialmente conhecido e não teria sido nunca um simples executante. Isso é mais
que evidente. Não teria aceite fazer uma escultura com base num desenho preciso.
Ao mesmo tempo está a trabalhar no Sun Yat-sen...
Marcio Roiter
E depois temos o postal da inauguração em 1931 e aí é muito claro, há de cada lado
as duas personagens mais importantes, Silva Costa e Landowski, aí é claro, não há
discussão possível.
Michèle Lefrançois
Na mesma época realiza a sua Santa Genoveva e existem realmente semelhanças de
estilo entre as duas esculturas.
Juliette Singer
Adon foi particularmente objecto de críticas no Brasil porque foi considerado “um
traidor” porque se atreveu a falar do estilo de maneira neutra. Gostava de saber o
que sentes Adon, acerca do modo como as coisas se passaram.
Adon Peres
Não é de uma maneira neutra, mas sim de uma maneira científica. Tenho formação
de historiador de arte e gostava de retomar alguns pontos que foram abordados por
Agnès Tricoire que me enriqueceram imensamente: a questão da originalidade e do
que é a personalidade do artista. Penso que se fizermos a pergunta a um artista, ele
próprio não saberá responder, porque em arte exprimimo-nos de uma forma
diferente do costume. É por isso que muitas vezes nos vemos confrontados com o
problema do contrato, porque o artista vive no seu mundo; e eu próprio, quando
organizo as minhas exposições, a primeira coisa que me passa pela cabeça não é
assinar um contrato. Num projecto artístico deve-se começar é por uma atracção.
Portanto, por exemplo, se eu me interessasse por Landowski seria porque apreciava
a sua obra e não apenas porque ele era muito conhecido. E por isso acho que esta
polémica é um pouco infeliz, porque é anacrónica, no sentido em que conceber uma
obra num local e produzi-la noutro é uma ideia muito moderna, não creio que haja
outro exemplo antes do Cristo; em contrapartida hoje em dia é muito frequente.
Conheço bastantes artistas que pedem a todas as pessoas que vão aos seus ateliês
que assinem um papel declarando que, depois, não reclamarão ter participado na
obra. Por isso esta questão é anacrónica porque, como dizia Michèle, ao que parece
Silva Costa e Landowski entendiam-se muito bem. Aliás, olhando hoje para as Fontes
da Porta de Saint-Cloud, porque gosto muito do auto-retrato que ele lá faz, ele põese ao lado de um arquitecto; considerava que a escultura não era nada sem um
projecto arquitectónico.
Por isso não compreendo esta insistência em dizer que o monumento não lhe
pertence. Além disso, como diz Agnès Tricoire, lembro-me que até aos anos 80 não
havia o nome de Landowski em torno da escultura, só havia o de Silva Costa.
Assim entrei nesta história através da história da arte: um artista tem a sua
personalidade e vê-se o seu estilo através das suas outras obras. Quando olho para
todas as outras obras de Landowski vê-se bem que o estilo do Cristo é de Landowski.
É aquilo a que poderíamos chamar a sua personalidade, para retomar o que dizia
Agnès Tricoire.
Era um homem de princípios que se apagava sempre por detrás da obra, porque
para ele o que contava era a obra. Portanto ele foi-se escondendo e, com o passar do
tempo ... Como historiador de arte só se pode lamentar que este trabalho de
historiador não sirva de nada simplesmente porque “a minha avó disse-me que...”
Por isso queria precisar tudo isto porque na época não havia qualquer dúvida. Hoje
estamos longe dessa época e além disso estamos em países diferentes, com leis
diferentes: a França tem um conjunto de leis muito mais importantes e sérias no que
toca às obras de arte. Eu não estava ao corrente desta história; porque, para que
saibam, comecei a trabalhar sobre Landowski no quadro dos meus estudos e fui
depois chamado pelo embaixador do Brasil aqui em França, que me perguntou a
minha opinião sobre esta polémica. E eu tive de lhe confessar que não estava ao
corrente! E apesar disso, escrevi um livro sobre ela.
Marcio Roiter
Vende jornais. A polémica é muito interessante para os jornais e para as revistas.
Tem de haver um contencioso entre os dois países que comungam de uma mesma
paixão. É necessário que esta paixão viva através de polémicas, assim discute-se a
nossa relação.
Adon Peres
Também sabemos que a imprensa é algo de irreal, algo que não corresponde à
realidade.
Juliette Singer
Mas aqui ultrapassa-se o âmbito da imprensa quando, por decreto, o prefeito do Rio
declara que o «criador» do Cristo…
Marcio Roiter
Eu soube do decreto por este artigo. Tinhas conhecimento dele?
Adon Peres
Não
Marcio Roiter
Há que verificar se não se trata de uma invenção do jornalista.
Alguém na sala
É verdade
Marcio Roiter
Eu não o conhecia…
Juliette Singer
Existem precedentes no historial de um prefeito que, por decreto, atribui a criação
de uma obra de arte a alguém?
Marcio Roiter
Em termos de fait divers, vocês sabem que agora existe um Cristo maior que o do Rio.
Existem mais de 130 Cristos no Brasil, cada cidade quer ter o seu. E existe uma cidade
cujo prefeito, empurrado pela mulher, quis ter um Cristo maior, que tem 39 metros…
Todas as cidades que têm um Cristo fazem dele um local turístico. O que significa
que Landowski tem homenagens em toda a parte. Desde a última vez que foram
contados, talvez existam 150!
Michèle Lefrançois
Graças a Marcio encontraram-se arquivos que eram da Escola de belas-artes do Rio
e, entre eles uma carta assinada por Silva Costa que vou ler-vos: «A modelagem da
estátua e da parte baixa do pedestal foram confiados ao distinto artista Paul
Landowski, um dos mais notáveis escultores da geração actual. Espírito culto (?),
mestre absoluto de todos os recursos da sua nobre arte, que compreende
perfeitamente a necessidade de uma estreita colaboração entre o arquitecto e o
escultor nesta obra de tão grande envergadura. Paul Landowski cujo nome e obras
são muito conhecidos e dispensam referências elogiosas, com muito talento soube
introduzir o tipo de estrutura que tínhamos estudado para uma perfeita
estabilização da estátua, de modo a criar um género arquitectónico perfeitamente
novo, de rara beleza e que se ajusta admiravelmente às características do local». E
está assinado por Heitor da Silva Costa. Está tudo dito.
Marcio Roiter
Esvaziamos a polémica.
Alguém na sala
Acho que não situou bem a origem da polémica. A polémica nasce, quanto a mim, de
uma leitura desta obra. Ou esta obra foi encomendada por Silva Costa a um escultor
e seria uma obra de escultura; essa é a versão dos historiadores de arte que não se
deixaram enganar por outra versão; ou a versão que engana um pouco toda a gente,
quer dizer que não é uma escultura, mas sim uma arquitectura. Ora, uma
arquitectura é uma obra colectiva, mas dê por onde der, uma arquitectura tem um
criador que é o arquitecto. E nessa altura, Silva não se coloca apenas como dono da
obra, mas como artista-arquitecto desta obra. Ora, isso não é possível, não se trata
de uma arquitectura, trata-se de uma escultura e isto é evidente. A polémica nasce
de uma leitura deste monumento como obra arquitectónica e não escultórica. Este é
o problema da polémica.
Adon Peres
Isto que disse é um ponto muito interessante, porque este monumento, diz-se que
se vem ver Landowski só pelas mãos e pela cabeça. Ora bem, em primeiro lugar, era
um homem celebérrimo com obras por toda a parte e duvido que lhe tenham dito
«fazes-me umas mãos e uma cabeça e basta»! Em segundo lugar, chega-se com um
projecto relativamente ao qual ele pede autorização para o transformar em nome da
liberdade do criador. Depois a forma final, estilisticamente, a forma da edificação
final, se é assim que a podemos chamar, é Landowski. Ele com a sua forma de
trabalhar, de colaborar, não se preocupou nada em saber se era uma escultura ou
uma arquitectura. Hoje podia fazer-se o contrário. O problema é a encomenda. Desde
que se pague alguém, não se pode dizer «eu pago-te, tu calas-te» Um grande artista
de seu calibre vive disso. Precisa disso, é a sua existência que está em jogo. Por isso
penso que é uma polémica que não existe porque à partida isto não foi encarado
desta forma. Como disse, não preciso de ver o contrato porque para mim, a obra é
de Landowski, é e basta, não é preciso entrar em polémica!
Alguém na sala
No contrato, Landowski cedeu os seus direitos de autor?
Adon Peres
Ora, isso é outra polémica. Ao que parece, Landowski teria cedido os seus direitos
para que o turista pudesse comprar estes gadgets, os bibelôs que os turistas podem
lá comprar.
Elisabeth Caillet
Não, do tempo de Landowski não existiam estes «bibelôs». Landowski cedeu os seus
direitos para algumas reproduções da maqueta, a famosa maqueta de 4,75 m que
hoje está desaparecida e que se encontrava na base do Cristo e não foi de todo
estragada na altura da ampliação mas que foi roubada, disse-me Bel Noronha. Foi
roubada não há muito tempo. Existe alguém que deve ter a maqueta, esta segunda
ou terceira maqueta.
Outra coisa é que houve um segundo contrato de que ele fala no seu Diário. Diz ter
terminado o seu primeiro contrato e que espera bem obter um novo contrato para
o pedestal. Portanto houve um primeiro contrato para a maqueta, um segundo
contrato para a cabeça e as mãos e são os direitos respeitantes ao primeiro contrato,
portanto o da maqueta, que ele cedeu, mas não foi de todo relativamente aos direitos
de reproduções ulteriores da obra; naquela altura isto não faria sentido. Ele não
imaginava que poderia haver borrachas e lápis produzidos a partir de uma obra de
arte. Ninguém imaginaria uma coisa dessas em 1928…
Adon Peres
Porque no seu Diário existe uma passagem em que menciona este mal-estar a
respeito desta escultura que é utilizada para vários fins. Cedeu os direitos à Igreja a
fim de ajudar o financiamento do monumento, não foi para outra coisa. Isto
corrobora o que dizia a advogada, que o artista não só tem os direitos da sua obra,
mas também o direito de saber o que com ela se faz. Para um artista é decepcionante
e, novamente, anacrónico e hoje nenhum artista permitiria tal coisa, os artistas
zelam pelos seus direitos e são muito rigorosos.
Marcio Roiter
Deve ainda salientar-se a diferença entre os dois países no que toca às leis do direito
de autor. No Brasil nunca se fala em direitos de autor enquanto em França existe
uma série de leis. É uma questão cultural. Surge agora um movimento de artistas
que buscam uma protecção. Mas, por exemplo, num leilão, quando se vende um
quadro ou uma escultura, nunca existe uma percentagem para os artistas. É algo
inexistente.
Adon Peres
Conforme Agnès Tricoire sublinhou, existe uma diferença muito grande entre um
artista célebre e um artista em início de carreira, a relação é diferente; mas quanto
ao contrato, nunca se pensa fazê-lo no início. Mas quando se trata de um artista de
renome, este vai elaborá-lo logo no início, porque ele sabe que se pretende este
mesmo artista pelo seu renome. É incrível que se chegue a dizer, por exemplo, a
Buren, «faça-me aí uns dedos…»
Anne Demeurisse
Faço-me porta-voz dos escultores dos anos trinta; é extremamente difícil lutar pela
salvaguarda das obras que pertencem, por exemplo à cidade ou ao Estado. Portanto,
claro, quando se é Buren… Tenho a maior das dificuldades em fazer com que se
respeitem, por exemplo, as esculturas que se encontram na esplanada do palácio de
Tóquio. Penso também em todas as obras incluídas naquele 1% que se está a
degradar. Destas obras que pertencem à cidade, ao Estado ou por vezes à Educação
nacional, já nem se sabe a quem nos devemos dirigir a fim de mandar restaurar as
obras quando a lei deveria proteger as obras e fazer com que o direito de autor fosse
respeitado. São necessárias medidas extraordinárias, é preciso intentar processos.
Penso que estou a falar em nome de várias pessoas com direitos que se encontram
nesta sala. É verdadeiramente um combate permanente.
Alguém na sala
Queria assinalar um problema em particular, ligado às técnicas, porque é a época em
que temos técnicas de ampliação ou de miniaturização. E já na altura de Rodin se
colocava a questão das reproduções que não são simplesmente cópias, mas que são
de certo modo metamorfoses técnicas. E portanto, por exemplo, em relação ao Cristo
temos o problema de uma metamorfose por ampliação. Na América Central, na Costa
Rica, onde existiu um monumento feito pelo escultor Carrier-Belleuse que pertencia
a uma dinastia de escultores dos quais um tinha sido o mestre de Rodin e o escultor
do monumento de Costa Rica, o filho, estudou no ateliê de Rodin; deste monumento
fizeram-se reproduções em miniatura. Ora, hoje sabe-se evidentemente onde se
encontra o monumento nacional, mas perdeu-se o controle das miniaturas que se
privatizaram sem mais ligação com o próprio escultor, e, por maioria de razões, com
os seus direitos. E por este motivo gostaria de colocar a pergunta sobre a evolução
das técnicas, que quase se sobrepunham ao autor, e sobre o direito que dificilmente
acompanha esta evolução das técnicas. Quando um escultor entrega uma maqueta
ou constrói um modelo, como é que é possível definir os papéis se a transformação
é deste género e, por maioria de razões quando o escultor não se desloca e não
acompanha a evolução técnica da sua obra.
Juliette Singer
A sua intervenção é particularmente pertinente e evoca o que há pouco dizia Robert
Belot que, por sua vez, evocava o que dizia Walter Benjamin acerca da
reprodutibilidade técnica. Todavia, no caso preciso do Cristo, tratava-se logo à
partida de uma obra monumental e Landowski associou-se à Albert Caquot e tudo
estava previsto para realizar, precisamente, a obra monumental segundo os desejos
de Landowski. Os cálculos estavam feitos, viram-se plantas particularmente
precisas. Landowski fala da necessidade de fazer uma segunda maqueta, da
ampliação do corpo e diz que não é possível ampliar a cabeça e, portanto vai realizar
ele próprio a cabeça e as mãos no tamanho definitivo. No caso do Cristo a obra final
é esta mesma. Mas isto abra caminho à questão das reproduções, numa escala
diferente, ulteriores à obra.
Daisy Peccinini
A realização da estátua do Cristo apelou à participação de toda a sociedade católica
do Rio. As mulheres colaram em telas muito finas pedacinhos de pedra-sabão. Isto
cria um direito social de intervenção, porque houve um grande movimento.
Adon Peres
Sim, faziam-se peditórios durante as missas.
Juliette Singer
Sim, isto também contribuiu para a apropriação identitária da estátua pelo povo do
Rio e do Brasil.
Estamos de novo no tema do contrato público na carreira de um artista: O escultor
face a esta problemática da encomenda. Demonstra a passagem da escultura à
estátua e sobre o modo como uma obra se torna propriedade de todos, como se vê
com Landowski com os monumentos aos mortos nas mais pequenas aldeias.
Ficaremos por aqui. Publicaremos as actas e continuaremos esta reflexão. Obrigado
a todos.
Marcio Roiter
É pena ter acabado….
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Debate Juliette Singer Não sabia que havia tantos