BEATA ALEXANDRINA 13/10/2012 Celebramos, com fé e alegria, a memória litúrgica da Beata Alexandrina Maria da Costa. Celebrámo-la no seu «dies natalis», dia do nascimento para o Céu, precisamente há cinquenta e sete anos. Dia em que, curiosamente, se celebrava a peregrinação aniversaria da aparição de Outubro, em Fátima, daquela Senhora que se apresentou como Imaculado Coração de Maria e cuja devoção Alexandrina tanto se empenhou em divulgar a partir do seu leito de doença. De facto, Paixão de Cristo, culto eucarístico e devoção ao Imaculado Coração de Maria constituem o tripé onde assenta a espiritualidade de Alexandrina, como refere a Coleta desta Missa. E que, quer nela quer em nós, foram e são condições de nos “tornarmos morada do Espírito Santo e testemunhas autênticas” do amor de Deus. Para além destas considerações, absolutamente fundamentais para a espiritualidade católica, gostaria de me referir a dois assuntos cujo desenvolvimento deixo à vossa inteligência crente. Um é o tema da fé. Todos sabemos que o Papa declarou este ano pastoral de 2012/13 como “Ano da Fé”. O pretexto é o cinquentenário da abertura dessa efusão do Espírito Santo para a Igreja dos nossos tempos que foi o Concílio Vaticano II e os vinte anos de publicação do Catecismo da Igreja Católica. Mas a razão de fundo é a «crise da fé» no nosso mundo rico do Ocidente, onde convivem dois extremos: uma multidão assinalável de homens e mulheres que não só fazem da fé a estrela polar das suas vidas, mas, para cuja difusão e vivência, lhe dedicam muito do seu tempo e das suas energias; o outro extremo é constituído pelas enormes massas que vivem no mais profundo indiferentismo religioso, como se Deus não existisse. E, entre estas, estão as novas gerações. O que coloca sérias condicionantes, no futuro, à transmissão da fé. Esta preocupação está presente no Sínodo sobre a nova evangelização, a decorrer em Roma, e para o qual solicito a vossa oração. Mas o que é a fé e porquê o seu abandono por alguns? Consideremos a Beata Alexandrina. Embora tivesse frequentado a Escola Primária na Póvoa de Varzim –um verdadeiro «luxo», naqueles primeiros anos do século XXnão foi pela via de uma cultivada inteligência especulativa que ela atingiu Deus, mas sim pela experiência do seu abandono filial nas mãos d’Aquele em quem ela descobriu, existencialmente, que podia pôr a sua confiança. Daqui a sua profunda união com Jesus Cristo, a ponto de compartilhar misticamente o Seu sofrimento, oferecendo-se como vítima pelos pecadores. É que a fé não consiste num conjunto de argumentos articulados. Isso mais seria opinião ou ideologia. Quem tem fé não se limita a aceitar a existência de um Ser superior, mas confia plenamente n’Ele, abandona-se confiadamente a Ele, entrega-lhe a sua vida. E daqui resulta um novo modo de se relacionar com o Sobrenatural, com os outros e com o mundo. A ponto de enfrentar as duras provas da existência, a maior das quais é a morte. Por isso, o Concílio apresenta a fé nestes termos: “Pela fé, o homem entrega-se inteira e livremente a Deus, oferece-Lhe a homenagem total do seu entendimento e vontade, concedendo assentimento livre ao que Deus lhe revela” (DV 5). O segundo assunto que queria referir tem a ver com a doença, realidade tão experimentada por Alexandrina. Há poucos dias, os meios de comunicação social, não sem aquele sensacionalismo que caracteriza vários deles, traziam-nos a notícia de que um organismo de aconselhamento estatal admitia a hipótese de certos medicamentos, particularmente caros, deixarem de ser fornecidos a doentes que deles carecem para sobreviverem. Li demoradamente o parecer. E fiquei preocupado. É que, partindo de pressupostos éticos contestáveis, esse parecer «embrulha-se» em considerandos e opiniões que abrem a porta a todas as possibilidades. A medicina ocidental, desde sempre, assentou em quatro pilares que lhe concederam credibilidade. Um é o da justiça, que manda distribuir os recursos (humanos, financeiros e técnicos) por todos. Mas não de forma matemática. Tal como um pai que, no seu lar, gasta mais com o filho que mais precisa –por exemplo, um doente- e menos com o que não necessita de especiais cuidados. É a justiça sensata. Do mesmo modo tem de ser no mundo da saúde. É evidente que se alguém pode pagar, deve pagar algo; se não pode, não paga. E que se um medicamento que custa cinco faz o mesmo efeito de um outro que custa cinquenta, não se vai para este, mas sim para o primeiro. Mas se não há alternativas ao caro, obviamente, por nada deixaríamos morrer alguém por falta desse medicamento. Particularmente se, por pobreza, essa pessoa não o pode comprar do seu bolso. Trago isto à reflexão, pois está em causa a nossa visão da sociedade e da dignidade humana. Se estabelecemos critérios artificiais, mesmo que em nome de uma pseudo-inteligência bem-pensante, corremos o risco de cair no plano inclinado que nos projeta para todas as arbitrariedades. Como a do aborto: estabelecer, pela mera vontade, quem deve viver e quem deve morrer. A fé cristã segue outra via: a da integração, responsabilização e estabilização social. Também nós poderemos repetir o que dizia um leigo alemão do século XVIII (Zinzendorf) -por sinal protestante- a respeito da responsabilidade social para com os necessitados: “Todo o homem deve comer do seu próprio pão. Mas se é velho, doente ou sem recursos, deve ser a comunidade a sustentá-lo”. Pedimos a Deus, por intercessão da Beata Alexandrina, nos faça saborear o dom maravilhoso de uma fé de diálogo filial e ajude a nossa sociedade a encontrar expressões de justiça e de fraternidade, fundamentalmente para com os mais necessitados. Nisso se verificará quanto, daqui a pouco, pediremos na oração sobre as oblatas: “purificados da velhice do homem terreno, cresçamos na vida nova do homem celeste”. ╬ Manuel Linda