DISCURSO POR OCASIÃO DA
CERIMÓNIA DE TOMADA DE POSSE DO
PRESIDENTE DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
DO PORTO
Porto, 14 de Junho de 2010
Senhor Presidente do Tribunal da Relação do Porto,
Desembargador José António de Sousa Lameira
São para V. Exa. as minhas primeiras palavras, neste momento festivo do
Judiciário Português quando os desembargadores deste Tribunal da
Relação lucidamente o elegeram para a Presidência de um dos pilares da
orgânica jurídica deste país.
E V. Exa. merece-o pelo que é, e pelo que foi o seu passado como aval do
seu futuro; daí que possamos prever, sem riscos de grandes erros, que V.
Exa. deixará – exactamente como deixou o seu antecessor, a quem aqui
presto a minha homenagem – um marco inapagável na liderança deste
Tribunal.
V. Exa. teve a experiência insubstituível da direcção do associativismo
sindical da judicatura naquela fase de mudança estrutural quando era
essencial fundar os caboucos de um sistema de verdadeira independência
dos juízes (o que eu ouvi em Maio do ano passado em Wurzau/Berlim, por
parte dos juízes alemães sobre a independência do nosso sistema encheria
de orgulho qualquer magistrado judicial europeu que não pertencesse a
um país habituado à maledicência crónica da nossa pequenez periférica);
V. Exa. teve a experiência doseada de vogal eleito pelos seus pares para o
órgão supremo de gestão dos juízes, de composição democrática,
multifacetada e não corporativa, o Conselho Superior de Magistratura,
onde teve que julgar tantas vezes aquilo que desagradava àqueles
mesmos que o haviam escolhido; V. Exa. foi, agora, eleito presidente do
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Tribunal Superior a que pertence, numa prova inequívoca de confiança
indesmentível que faz jus a esse passado conhecido.
É frequente ouvir-se dizer aos juízes italianos - que têm uma orgânica
judiciária lassa mas um sistema de independência do mais avançado que
há na Europa, gerado no fim do fascismo e conquistado a par e passo em
confrontos directos com os donos de monopólios e interesses dificilmente
decifráveis – é frequente ouvir-se-lhes dizer que o juiz só deve ocupar um
lugar institucional no Judiciário do estado depois da tarimba e da chancela
que a experiência associativa lhes permitiu porque só então ele tem a
resistência e a visão equilibrada das coisas e das soluções correctas para a
cidadania e para a polis.
A eleição de V. Exa. é a prova disso mesmo.
O que nos leva a concluir muito mais: não é só V. Exa. que merece palavras
de apreço; é também o Tribunal que o elegeu.
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Caros Colegas
Estamos, hoje, no centro de uma crise económica estrutural que atinge
ciclicamente as civilizações a ponto de fazer renascer as teorias
organicistas de Oswald Spengler com cem anos de vida.
O que isto significa é que os cálculos de custo que se vão fazendo na vida
social têm que ser feitos também no mundo judiciário e levantar questões
perturbadoras que, ou é melhor esquecer como coisas menores de
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interesses maiores ou vê-las então como faits-divers que convém não
discutir, se se pretende manter tudo como dantes.
Estabelecer regras inflexíveis de concessão de crédito ao consumo para
que o lobo não continue a comer o Zé Povinho, mesmo que alguns arautos
da desgraça digam o contrário vendendo produtos avariados, deixar de
pensar que a orgânica judiciária de Lisboa e Porto tem que ser diferente da
do resto do país, admitir que a capitação de juízes em relação à
população total é equilibrada, existindo, sim, uma má distribuição de juízes
pelo território (com o centro das duas áreas metropolitanas beneficiado e
as restantes cidades periféricas prejudicadas), rever de uma vez por todas
a proporção juiz-magistrado do Mº Pº que na União Europeia anda sempre
pelos 3/1 ou 4/1 e nunca pelos números distorcidos que temos em Portugal
à custa de uma falsa paridade, transformar os julgados de paz em sistema
complementar e eficaz dos tribunais e não em jóia da coroa, cara e com
pouco uso, acabar com o patrocínio judicial obrigatório como forma de
subsidiar o excesso de advogados no mercado (quem quer advogado
contrata-o, quem não quer não pode ser obrigado a tê-lo à força), instituir
o defensor público como o melhor meio de defesa dos direitos da
cidadania de quem é verdadeiramente carenciado, democratizar os
órgãos dirigentes de todas (repito, de todas) as Ordens profissionais porque
é inadmissível que o estado lhes atribua o estatuto de direito público com
os benefícios inerentes e, a seguir, se demita de fiscalizar o modo como se
exerce a sua gestão permitindo situações de orçamentos não aprovados
que perduram anos a fio como se estivéssemos perante questões privadas,
flexibilizar as formas processuais para que cheguem rapidamente ao fim e
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não sejam um fim de si mesmo, alterar as regras de mobilidade dos oficiais
de justiça que permitem que oficiais supranumerários de Lisboa recusem
coadjuvar os de Sintra e permitem aos de Sever do Vouga recusar-se a
coadjuvar os colegas de Aveiro, ter a coragem de extinguir tribunais que
estão tão a mais que nem juiz privativo precisam de ter mas implicam
custos a diversos níveis - avançar neste leque restrito de medidas
apontadas é o mínimo denominador que pode mudar alguma coisa por
muito que alguns velhos do Restelo profetizem a beleza que as falsas
partidas conferem.
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Senhor Presidente do Tribunal da Relação,
Nos países avançados, os Supremos Tribunais ficam confinados, cada vez
mais, a julgar o que é importante e a uniformizar a jurisprudência como
garantia de segurança e igualdade sociais.
Dai que os Tribunais da Relação assumam, neste cenário, uma importância
crescente cujo fim não se vislumbra.
Basta pensar que o Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos julgou, em
2006, 75 recursos apenas recusando todos os outros que lhe surgiram,
enquanto, entre nós, no mesmo ano, o nosso Supremo Tribunal julgou 4728
recursos e no ano passado (2009) entraram 3568 processos e foram julgados
3576.
Se a isto adicionarmos que as doze secções cíveis do Supremo Tribunal
Federal alemão julgam, em média, por mês, cerca de 50 recursos enquanto
entre nós as quatro secções cíveis julgaram, só no mês de Maio passado,
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216 recursos, teremos bem a dimensão das diferenças que alguns querem
esconder quando falam em público.
Os meios logísticos de apoio aos Tribunais Superiores portugueses são quase
nulos: no nosso Supremo Tribunal há um assessor para seis juízes conselheiros
enquanto, por exemplo, no Brasil, se a memória não me trai, cada juiz do
Superior Tribunal de Justiça tem cinco assessores e cada juiz do Supremo
Tribunal Federal tem dez assessores.
Quando dizemos que os Tribunais Superiores do nosso país são os mais
rápidos da União, queremos dizer, sim, que os seus juízes sabem conjugar
sabiamente qualidade e rapidez.
É certo que há quem pense que o S.T.J. tem juízes a mais (sessenta) e que,
por isso, mesmo trabalhando praticamente sem assessoria, não fazem favor
nenhum quando julgam em tempo que não tem comparação na Europa;
o que escondem é que, por exemplo, a Cour de Cassation francesa tem
271 juízes e a Corte di Cassazione italiana tem 253 conselheiros, faltando-lhe
ainda preencher mais 106.
Colegas,
O que custa, tantas vezes entre nós, é reconhecer que, afinal, há coisas
que funcionam bem; e quando isso acontece ou há um manto de silêncio
ou a deturpação inflamada.
E no entanto ela move-se, como diria Galileu; porque na generalidade, os
nossos Tribunais Superiores funcionam bem.
E se funcionam bem, é porque isso sai da pele dos seus juízes.
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Luís António Noronha Nascimento
14 de Junho de 2010
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