RUY RAMOS
E SUA TRAJETÓRIA HISTÓRICA
Promoção da Casa do Alegrete,
em Porto Alegre, na Semana Farroupilha de 2011
Orador: ALDO FAGUNDES
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Dra. Flora Leães,
DD Presidente da Casa do Alegrete
Meus conterrâneos e
Minhas conterrâneas.
“O culto dos grandes homens não tem
apenas um sentido de saudade e reverência. Não é
só um regresso no tempo para fixar, em vida e
ação, um vulto que sobressaiu e iluminou uma era
extinta”
............................
“Um grande homem, vivo ou morto, afirma e
recomenda uma raça. É um fruto da Terra e do
sangue que se converte em semente para fecundar
a História. É um ponto elevado no cenário humano,
que serve de roteiro na marcha dos povos”. (Perfis
Parlamentares 40, pág. 879)
Este conceito de “um grande homem”,
tomei do
magnífico discurso que o Deputado Ruy Ramos fez, na Câmara
dos Deputados, na Sessão de homenagem à memória do
Senador Pinheiro Machado.
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Valho-me do texto do Tribuno para aplicá-lo a ele, por
inteiro. Um grande homem Ruy Ramos foi, pela palavra e pelo
exemplo. Também ele foi “Semente que fecundou a História...”
Declaro que me sinto feliz ao participar desta cerimônia.
Estou na Casa do Alegrete e a simples evocação deste nome me
enche de emoção, pois aqui se conjugam a força e o estímulo
dos primeiros tempos da minha vida. E me vejo guri. E é tudo
começo e esperança: casa paterna, família, irmãos e irmãs, o
Colégio Oswaldo Aranha, a Igreja Metodista. A namoradinha, que
depois foi noiva e esposa, matriz do filho e das filhas.
A carreira teve, também, a marca de Alegrete, na
Advocacia e na Política. Sim, quanto Alegrete é para mim!
No cenário gaúcho, Alegrete é muito especial, com
características marcantes, que todos proclamam. Por exemplo: é
nome masculino. Se tivesse nome de mulher, suas marcas
seriam a flor, a beleza, a ternura. Mas tem nome másculo e por
isso suas marcas são a coragem e a intrepidez da luta em busca
da vitória.
Hernani Schmidt, em poema que foi musicado como
Hino, disse que Alegrete surgiu em plena savana “nas guerras
da Cisplatina”. E o poeta Jayme Caetano Braun, em versos que
exaltam a Região do Estado onde está Alegrete, escreveu:
“Lendária Fronteira-Oeste,
falquejada a ferro e bala...”
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Ruy Ramos, falando do nosso passado, disse que as
lutas na fronteira meridional, marcaram um tempo “formoso e
bárbaro da nossa História...”
E os irmãos Nico e Bagre Fagundes, aliás meus irmãos
também, escreveram no Canto Alegretense:
“Não me perguntes onde fica o Alegrete,
segue o rumo do teu próprio coração...”
Tudo isto é para dizer que Alegrete tem História e enche
de orgulho os seus filhos e as suas filhas.
Pois bem, feita esta introdução emocional, devo passar
agora ao sentido maior deste encontro de gaúchos e gaúchas,
em plena celebração da Semana Farroupilha deste ano. Mas era
preciso deixar claro assim como uma preliminar que é marca de
Alegrete o apego aos seus filhos e suas filhas.
Lembro-me que quando assumi a Liderança da Bancada
da Oposição, na Câmara dos Deputados, em 1973, a Zero Hora
quis traçar, em entrevista, o meu perfil e a manchete foi esta:
“Sou de Alegrete, e basta!” Minha procedência é, de fato, facho
de luz que ilumina a minha caminhada.
Alegrete tem seus filhos próprios, aqueles que nasceram
e se criaram à sombra das barrancas do Ibirapuitã e desde novos
aprenderam
a
contemplar,
fraternidade e da paz.
ao
longe,
os
horizontes
da
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E tem, também, os seus filhos adotivos, aqueles que pela
opção ou pelo afeto fizeram de Alegrete o seu pedaço de chão.
Não há distinção entre uns e outros. Todos são iguais,
legitimados e irmanados, nos sentimentos de amor, gauchismo,
Pátria, Justiça e Liberdade.
Disse, na introdução deste discurso, que falaria de um
grande homem: Ruy Ramos, um filho pelo coração, crioulo do
Rincão de São Donato, em Itaqui, mas legitimado alegretense
nas ruas e nas praças, na bela certidão de nascimento que só o
povo escreve.
Imaginei um Decálogo, relacionando o perfil de Ruy
Ramos através de tópicos de atividades que lhe marcaram a
existência. Não segui uma ordem cronológica, pois não há a
preocupação com datas.
DECÁLOGO RUY RAMOS
1. Contemporâneo da história
2. Advogado
3. Reformador Social
4. Pregador do Evangelho
5. Tribuno
6. Político
7. Gaúcho
8. Poeta
9. Dª Nehyta
10. Meu testemunho
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1. Contemporâneo da História
Bem-aventurados
os
que
vencem
o
tempo
e
acompanham as gerações. Não ficam para trás, porque sempre
apontam para o futuro. Uns são lembrados pelo que fizeram, mas
eu gosto de citar aqueles que são lembrados pelo que disseram.
No que fizeram estão as obras, apresentadas como uma
centelha material, envoltas no cifrão, muitas vezes. Mas eu
destaco o pensamento e as idéias, pois são os valores do
espírito que permanecem.
Por isso, incluo Ruy Ramos no rol dos contemporâneos
da História. Ele pode ser citado. Foi além do seu tempo, como
inspiração para o que há de vir.
É dele este pensamento. “Nós somos a herança de
todos aqueles que deveriam ter falado e calaram; dos que
deveriam ter reagido e toleraram; dos que podendo protestar
se acomodaram...”
Penso que ele carregava sempre, como legenda, o
discurso de Pedro e João perante o Sinédrio.
“...nós não
podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos”
(At 4.20)
Estes
tópicos
estão
para
pensarmos
no
homem
destinatário desta homenagem, seu tempo e seu testemunho.
Alegretenses de minha geração, homens e mulheres,
certamente dele se lembram, nos auditórios e na praça pública,
sempre com uma palavra de conscientização e esperança. Mas
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os mais novos não o conheceram nem o ouviram. E é até natural
que se perguntem: “quem foi” ou “de quem se trata”?
Aqui vai um breve perfil, com tintas de memória. Uma
lembrança do que precisa ser lembrado. A Bíblia, em sua
mensagem eterna, revela uma preocupação permanente com a
memória, ao registrar: “lembra-te”, “não te esqueças”, “ouve”,
“conta a teus filhos” e assim por diante, pois antes de Gutemberg
a história era contada de geração em geração.
Ruy Ramos tem o que ser lembrado: falou, escreveu,
viveu. Nele o passado sempre renasce, como uma primavera
cheia de flores e de frutos.
Não se pode ignorar que ele viveu mais intensamente
nas décadas de 40 – a segunda metade – e 50. O Brasil era
outro e outro também era o mundo: o fim da II Guerra, a
contestação das potências capitalistas, a ênfase ao social, as
populações cada vez mais urbanas, a industrialização, as
massas obreiras, a máquina, a tecnologia, a comunicação. O
avanço científico foi de tal ordem que a terra se tornou pequena e
os homens se lançaram à conquista do espaço sideral.
Para os países novos, como o Brasil, o após guerra foi
um tempo de semeadura, para a colheita de uma nova aurora.
No campo político, mudaram-se conceitos: o processo
eleitoral, novos partidos, nova constituição, a valorização do povo
como a fonte do poder.
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Também uma nova formatação do Estado. O iluminismo
de Montesquieu na independência dos poderes precisava
ajustar-se
à
realidade
do
social,
na
distribuição
da
responsabilidade coletiva.
Nesse tempo viveu Ruy Ramos. E seu nome há de ser
citado entre os líderes que tiveram da política a visão do bem
comum, aqueles que não trabalharam na defesa dos próprios
interesses e olharam além, onde jazem os que sofrem e
precisam do Estado.
2. Advogado
Parece-me próprio que comece a vida pública do
homenageado pelo exercício profissional. Foi um grande
Advogado. Atuou em todos os campos, mas é justo que se
destaque o uso que fez da tribuna judiciária. Primeiro, como
Promotor, depois como Defensor. De um lado ou de outro, o
mesmo mandatário zeloso e fiel. O argumentador perspicaz. O
Tribuno arrebatador. E os júris que fez em Alegrete e na fronteira
até hoje são recordados com a mais viva emoção, pelo calor que
ele imprimia aos debates e pelo vigor de sua palavra vibrante.
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3. Reformador Social.
Diz-se que para as pessoas que se destacam há sempre
uma palavra-chave, capaz de defini-las, inteiramente, ao seu
simples enunciado. Para umas, essa palavra é glória. Para
outras, cifrão. Para outras, poder. Para outras, ambição. Para
outras, inveja. Para outras, ódio. Para poucas, serviço. Para
muito poucas, amor.
Tenho para mim que se a Ruy Ramos fosse aplicada
essa regra, a palavra para nomeá-lo seria esta: autenticidade.
Isto ele foi: um homem autêntico.
Por ser autêntico, nunca se pode conformar em viver
para si mesmo. Primeiro, nas lutas da Tribuna Judiciária, depois
nas trincheiras populares da catequese democrática. Ele foi
sempre um paladino da Justiça Social.
E ele que poderia ter dedicado sua vida para amealhar
patrimônio financeiro na advocacia, renunciou ao fascínio dos
bens materiais para consumir-se na pregação ideológica e
democrática do despertar de uma nova aurora, melhor e mais
feliz para o povo brasileiro.
Em 1942, muito antes, portanto, da vivência que projetou
a força de sua liderança, na Moção de Alegrete, notável
Documento encaminhado ao Presidente Getulio Vargas, com
sugestões de Governo, Ruy Ramos escreveu:
- “Não é possível conceber, na era em que vivemos,
dentro dos limites geográficos de um mesmo povo, a
coexistência de milionários e famintos”.
10
-
“
É
imprescindível
que
esses
extremos
se
aproximem. O Brasil, como Nação Civilizada e cristã, não
pode mais permitir que uma parte da população goze de
todas as vantagens, enquanto a outra – imensamente
superior em número – não disponha sequer dos elementos
primários da vida: o pão, a roupa, o teto e a instrução”.
Com a proximidade do fim da Guerra, na Europa, na
primeira parte da década de 40, as elites no Brasil começaram a
movimentar-se para a organização de novos Partidos Políticos e
a redemocratização do País.
Alberto Pasqualini, um dos fundadores do trabalhismo,
divulgou alguns textos, na década de 40, com idéias modernas,
com ênfase ao social, distante do conservadorismo reacionário
das classes dominantes daquela época.
Esses textos foram a semente que germinou no PTB –
Partido Trabalhista Brasileiro e que contou com Ruy Ramos
como um dos expoentes.
Em 1944, na correspondência que os dois líderes
trocaram, foi encontrada esta carta:
“Prezado colega e amigo Dr. Ruy Ramos
Saudações
Foi para mim uma grande satisfação receber sua
carta e a cópia do seu discurso de paraninfo proferido em
dezembro de 1943. Maior satisfação ainda foi notar a perfeita
identidade
de
sustentamos.
teses
e
pontos
de
vista
que
ambos
11
Isso significa que não devemos andar afastados da
verdade, verdade que, cedo ou tarde, há de triunfar.
Desejo felicitá-lo por sua primorosa oração e uno os
meus votos aos seus de que o futuro traga a realização dos
ideais de justiça e de humanidade pelos quais nos batemos.
Queira o prezado amigo aceitar o meu afetuoso
abraço. Alberto Pasqualini” (Ob.cit. pag. 83).
4. Pregador do Evangelho
Ele era Protestante, filiado à Igreja Metodista, um dos
ramos desse Movimento, justamente, aliás, marcado pela ênfase
que dá à mensagem da justiça social do Evangelho.
Foi um metodista zeloso e fiel, com presença no púlpito e
ativa participação em reuniões administrativas e Concílios,
inclusive Conferências Internacionais.
No púlpito, seu texto bíblico preferido era o Evangelho de
João 10.10: “...eu vim para que tenham vida e a tenham em
abundância.” E argumentava: “como falar na plenitude da
vida diante da semivida, quase vida, não vida, pela fome e
pela miséria?”.
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5. Tribuno
Talvez eu devesse ter começado este Decálogo com esta
marca: Tribuno, pois é a sua característica mais conhecida. Mas
os tópicos foram sendo arrolados sem preocupação com o
tempo. Para a palavra há sempre tempo. E o tempo para a
palavra é agora. Como falava bem! Agripino Grieco, crítico
literário famoso pela ironia e pela mordacidade das frases, definiu
um certo orador desta forma: “Ele confunde oratória com
saúde pulmonar. É uma voz à procura de idéias”.
Em Ruy Ramos, em matéria de oratória, era tudo
perfeito: a voz, a postura, a eloquência, o conteúdo. Tudo! Não
sei quantas vezes o vi na Tribuna e quantas vezes ouvi a
ministração de seus ensinamentos. Vejam: isto foi na minha
adolescência e na minha mocidade. Já estou ficando velho e
ainda sei de cor muitas palavras que dele ouvi, como estas:
- “Primeiro é preciso fazer o povo pensar. Depois é
fácil fazê-lo querer”. Para a conscientização política, há
definição mais clara, singela e verdadeira do que esta? Ou,
então:
- “A praça pública é a Universidade do povo. O
palanque é a cátedra das ruas”. Refere-se ao caráter
pedagógico daquele que fala em público. Ou, ainda:
- “Falo aos moços como um revoltado, porque eles
são tudo aquilo que eu jamais serei do novo. Mas se dos
moços me separam os cabelos brancos, aos moços me
volto, pela renovação das minhas idéias”.
13
Ainda dele “O silêncio não revela. É neutro e cômodo.
É a omissão. Fala e eu te direi quem és” e “Uso a palavra
para expressar o pensamento e não para ocultá-lo”. (Ob. cit.
pág. 17).
Sob a inspiração de Ruy Ramos, pode-se dizer: que
força tem a palavra! Porque a palavra expressa a idéia e a
idéia transforma o presente e aponta o futuro. Os imobilistas, os
conservadores, os reacionários cedem à força das idéias que a
palavra contém. Na alma, a palavra apropriada desperta sonhos
e esperanças.
6. Político
Ruy Ramos foi Deputado Federal em duas Legislaturas.
De 1951 a 1955 e de 1959 a 1963. No intervalo entre os
mandatos, concorreu ao Senado, juntamente com os nomes de
maior expressão da época, João Goulart e Alberto Pasqualini
para o Governo do Estado, sendo até hoje inexplicável a derrota
do PTB na ocasião.
O mandato de Deputado foi cumprido, o primeiro, sob o
Governo de Getulio Vargas, a maior parte. E, no segundo, o
Governo era do Presidente Juscelino Kubistchek. Ambos os
Presidentes eram amigos e admiradores do Deputado de
Alegrete e ele, então, pode dialogar, sem problemas, com as
autoridades públicas da época. Muito preparado para o exercício
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do mandato, foi um excelente Deputado, com iniciativas
brilhantes, além de sugestões oferecidas em diversos projetos.
Vou citar apenas duas realizações, com a marca de sua
atuação parlamentar e reflexo na Fronteira-Oeste: a construção
da Usina termoelétrica Oswaldo Aranha, em Alegrete e a criação
do Plano de Valorização da Fronteira-Oeste.
O propósito do Plano era voltado para o desenvolvimento
econômico do Rio Grande do Sul, mas me lembro bem de vê-lo
contar: no Congresso Nacional, as Bancadas de Mato Grosso e
Goiás gritaram tanto que o Plano saiu para a Fronteira Sudoeste,
desfigurando o Projeto original. Vale o registro da iniciativa.
O segundo fato referido foi a Construção de uma usina
Termoelétrica. Para não dizer o óbvio, não vou me alongar na
análise da importância de uma fonte energética para Alegrete e a
Região. No fundo, as duas iniciativas tem a mesma marca:
desenvolvimento econômico, para uma vida melhor.
No lançamento da pedra fundamental da Usina, com a
presença do Governador Leonel Brizola, Ruy Ramos assemelhou
as
linhas
da
moderna
energia,
às
linhas
das
tropas
revolucionárias, que em 23, no mesmo local, se enfrentaram
balizando o progresso e o futuro. Vejam a maravilha dos
conceitos:
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“Há cerca de 40 anos passados, em 1923, neste
mesmo local se travava a batalha do Ibirapuitã, entre as
forças revolucionárias do General Honório Lemos, que
atacaram a cidade e as forças governistas do General Flores
da Cunha, que a defendiam...
- “As linhas estendidas, que se desfaziam e se
recompunham nas oscilações da Cavalaria, assinalavam os
últimos impulsos de um estágio sociológico superado,
formoso e bárbaro.
- “Hoje, depositado o velho armamento, pacificadas
as legendas, aproximados os homens noutros rumos de
interesse, aqui se estendem outras linhas de combate,
outros acampamentos, de mais força, de mais calor, de mais
luz, de uma outra energia inanimada mas dinâmica e vital
para o futuro, para o bem estar, para o conforto geral do
Povo, para o Rio Grande em Paz, para o Brasil no caminho
da História.
Ainda neste tópico – Político – desejo incluir a marcante
atuação de Ruy Ramos na Câmara dos Deputados, no episódio
do Parlamentarismo.
A renúncia do Presidente Jânio Quadros gerou uma
enorme crise política no País. O vice-presidente João Goulart
estava fora, em viagem oficial à China, e aqui, forças
conservadoras e reacionárias, movimentavam-se para não lhe
dar posse.
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O governador Leonel Brizola desencadeou o movimento
pela posse, conhecido como a Campanha da Legalidade. Ruy fêla repercutir no Congresso e deu-lhe sustentação parlamentar.
A crise foi superada por um acordo político: a adoção do
Parlamentarismo, com a escolha de Tancredo Neves para
Primeiro Ministro.
Houve paz por algum tempo, mas todos sabiam que a
solução parlamentarista era artificial. A reforma constitucional
fora
uma
emergência
e
era
necessário
voltar
ao
Presidencialismo. Outra crise, com resultado coerente com nossa
tradição democrática.
Em ambos os episódios, foi ativa a participação de Ruy
Ramos, na busca de uma solução pacífica, sem derramamento
de sangue ou violência. Hoje, que se passou algum tempo, podese dizer, com segurança, que na conciliação nacional há a
presença e a participação do Deputado do Alegrete.
7. Gaúcho
Ele era profundamente gaucho. Gostava das pilchas,
que usava com elegância e bom gosto. Teve presença marcante
no Movimento Tradicionalista, especialmente como orador e
conferencista
nos
Congressos.
Usava
apropriadamente
o
linguajar campeiro. Ficou muito conhecido o discurso que fez, em
1950, no encerramento da campanha do Senador Ernesto
Dornelles, para o Governo do Estado. Metaforicamente, ele
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assemelhou o Rio Grande a uma Estância que precisava de
reparos, dizendo:
“Há muita cerca caída e muita “trama” quebrada;
muita mangueira por terra e muito rancho sem “quincha”; há
muito açude arrombado com falta de aterro nas taipas...”
“Pode contar, Senador Ernesto, com a peonada do
Rio Grande. Abra a porteira e deixe correr a tropa. Não
quebre a ponta. Faça o “fiador” sem medo e ponteie, “no
mais”. E, na linguagem gauchesca, parece que estava pensando
no Tio Anastácio quando disse: “No dia em que fui “doutor”
não deixei de ser o mesmo gaúcho da minha origem,
sensível aos dramas e necessidades do meu povo” (ob cit
pág 67).
Na campanha eleitoral de 1958, Ruy Ramos elegeu-se
Deputado Federal novamente e voltou ao Parlamento. Foi usado,
na propaganda do candidato, o poema “O Mouro do Alegrete”, do
grande poeta missioneiro, sobrinho de Ruy, Jayme Caetano
Braun. Vejam a maravilha do texto:
O MOURO DO ALEGRETE
Este é o mouro do Alegrete
Les digo – florão de flete
Que arranha num dezessete
De cepo em terra lavrada
Pingo de raça provada
Que alevantado no freio
Reparte a cancha no meio
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Para toda a matungada
Parece até uma mentira
E chega a ser desaforo
Que um pingo com esse moro
Viva no campo atirado,
Crinudo e casco rachado,
Cruzando de um fundo a outro
Ele que foi desde potro
Orgulho do nosso Estado
E quanto matungo existe
Que não agüenta lombilho
Por aí comendo milho
Com nome de parilheiro
Gastando tempo e dinheiro
Quando a gente sabe ao certo
Que mesmo saindo perto
Não dão pra laçar terneiro.
E nesta volteada grande
Que em Cinquenta e oito tem
Sabemos que o mouro vem
Porque nós vamos volteá-lo,
E certos de dar um “palo”
Junto à mangueira da Estância
Esperaremos com ânsia
A voz de pegar cavalo.
E nós temos a certeza
Que esse mouro “chacoalhado”
Leviano e casco aparado
De laço atado nos tento.
Cacho quebrado a contento
Como pra roubar mulata
Será o pingo de mais pata
Na cancha do Parlamento.
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8. Poeta
Esta marca de nosso homenageado nem sempre
aparece na sua biografia. A poesia não foi o seu traço marcante,
é verdade, mas ele merece o título de Poeta, pela sensibilidade,
o gosto pela beleza e a linguagem da ternura, que usava tão
bem.
A produção literária que chegou até nós é bastante
limitada, mas é uma boa amostra do talento do Tribuno, nesta
área. Vejam os versos “Velhos Troncos”, talvez o mais
conhecido dos seus Poemas:
VELHOS TRONCOS
De cavalo pela rédea
apeado na sombra mansa
volto aos tempos de criança
e o pensamento desato:
percorro sangas e mato
e os varzedos de pastagem
da minha antiga paragem
nos campos de São Donato.
Revejo árvores fortes
que deixei na juventude,
hoje velhas, sem saúde,
desgrenhadas, infelizes,
porém, daquelas matrizes
do seu último retovo,
começa tudo de novo
no milagre das raízes...
Velho tronco enraizado
no subsolo da gente,
nem se sabe exatamente
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se é terra, pessoa ou céu,
alto e sozinho, ao léu
isolado do arvoredo
como se fosse um rochedo
com corpo, roupa e chapéu.
Parece um braço de terra
de mão aberta ao relento,
suplicando ao firmamento
a sua libertação:
é um grito de coração,
que se esparrama nos galhos,
através de mil atalhos,
numa mesma direção...
Tem alma como um vivente
e sofre, chora e maldiz,
tem ferida e cicatriz
de desengano e saudade,
dá fruto de qualidade,
Tem venenos e espinhos,
abriga feras e ninhos
no mesmo pé de igualdade.
Há quem diga que o meteoro
despencado da cratera,
rolando na atmosfera
veio bater neste mundo,
e penetrou chão a fundo,
rebentando em estilhaço,
pra prolongar no espaço
esse bólido fecundo...
21
E assim os troncos ficaram
cheios de estrelas douradas
E a horas das madrugadas
que as corolas estremecem,
as estrelas aparecem
e chamas pra o ceu, em festas,
o perfume das florestas
quando os troncos adormecem
Pra um gaúcho primitivo,
meio touro e meio galo,
mistura de índio e cavalo,
um tronco sempre dá medo:
há um mistério de segredo,
quer na vida quer na morte,
no destino de igual sorte
do gaúcho e do arvoredo...
Tronco e gaúcho nasceram
no mesmo pampa deserto,
pelearam de peito aberto,
enfrentando vendavais:
um no lombo dos baguais,
outro na fúria do vento,
sempre livres, ao relento,
como centauros iguais...
9. Dª Nehyta
Não queria escrever Ruy e Nehyta porque seriam duas
pessoas. Eu queria representar os dois como se fossem uma só
unidade, para proclamar a união dos dois, sempre juntos, desde
a juventude até a hora da abertura dos portões da eternidade.
Estavam de mãos dadas.
22
Dona Nehyta foi mulher extraordinária, na família e no lar,
na cátedra e na liderança política; ao lado do marido na pregação
da esperança. Fui seu aluno na minha adolescência, quando eu
mal e mal conhecia alguma coisa do Rio Grande, além do
Alegrete. E quanto aprendi ao ouvi-la falar do Brasil. A extensão
geográfica, a fusão de raças, a civilização de carangueijos
olhando o mar, a conquista do oeste, Brasília e o futuro,
segurança e fé.
Peço licença para uma citação pessoal, além do
raciocínio lógico, porque perto do coração. Quero citar o
relacionamento dela com a Luiza, minha mulher, sua discípula e
admiradora fiel e respeitosa. Na década de 50, a mulher recém
estava despertando para a sua emancipação. Não era comum
vê-la na militância partidária e, muito menos, nos palanques da
pregação política. Dª Nehyta foi uma precursora e não tenho
dúvida em dizer que foi uma notável influência na Luiza, que lhe
seguiu os passos.
De Dª Nehyta guardo gratas recordações, desde que me
iniciei na política. Compreendo hoje que ela, não apenas
acreditava, mas apostava na carreira daquele moço. Como me
ajudou.
Há um episódio que sempre me emociona, cada vez que
me lembro dele.
23
Em 1962, o Dr. Ruy era candidato a Deputado Federal e
eu a Deputado Estadual. Ele precisou ficar em Brasília, na
Câmara, para atender a discussão e a votação de projetos
importantes. Dona Nehyta ficou aqui, dirigindo a campanha e
mandava informações periodicamente para o Líder. Em um
destes relatórios que a Ecilda – filha do casal – incluiu no livro
“Perfis Parlamentares”, editado pela Câmara dos Deputados
em memória de Ruy Ramos, há este trecho: “procurei falar com
alma na boca, mostrando a impossibilidade de tua presença,
a importância da decisão – a integridade do partido – e me
dirigi ao Aldo como a um filho político”.
10. Meu testemunho
Certa feita, num episódio registrado em Mateus 16, Jesus
perguntou a seus discípulos: “Quem diz o povo ser o Filho do
Homem? E eles responderam: Uns dizem: João Batista;
outros: Elias; e outros: Jeremias ou algum dos profetas.”,
como se dissessem: “o senhor é um grande homem, do mesmo
nível dos maiores de nossa história”. “Mas vós, continuou ele,
quem
dizeis
que
eu
sou?”,
ou
em
outras
palavras,
personalizando e colocando um sabor gauchesco: “quem sou
eu para ti?”
24
Procurei mostrar até aqui que Ruy Ramos está no nível
dos maiores de nossa história, mas quero concluir este discurso,
com um toque pessoal, o que ele foi para mim e o que ficou
guardado em meu coração, como “palavras da vida eterna”.
No tópico anterior já expressei a ativa participação do Dr.
Ruy e Dona Nehyta em minha carreira política, desde a formação
até a disputa do voto. Deles só recebi lições sobre os valores do
espírito e no apelo para servir, na solidariedade aos fracos e
oprimidos.
Na árdua caminhada da vida pública o Tribuno sempre
deixou claro qual deveria ser o meu lado. Apontou rumos como
luz e esperança. Por isso as picadas estreitas não me
atrapalharam. Eu sempre soube onde por o pé. É natural,
portanto, que já caminhando para o encerramento deste discurso
eu lhe dê uma dimensão memorial. Sei que não estou falando a
desconhecidos movido tão somente pela frieza da razão e da
lógica. Falo a alegretenses, conterrâneos e amigos, muitos dos
quais podem dar testemunho da minha formação e do quanto
recebi, na política e na vida, tanto do Dr. Ruy como de Dona
Nehyta. Não me esqueço do exemplo deles e procuro perpetuálo.
Quando assumi, pela primeira vez, o mandato de
Deputado Federal em 1967, em memória de Ruy Ramos
pronunciei estas palavras:
25
“Homem do povo, sem outro brasão, senão aquele
que ostenta quem se identifica com as angustias e os
sofrimentos dos seus semelhantes e quer servi-los na
atividade
pública,
tenho
consciência,
pois
sou
um
democrata, do significado deste Parlamento na vida do meu
País. Honra é para mim integra-lo. E ao fazê-lo, pela
proclamação pública que esta Tribuna representa, Sr.
Presidente, volto-me respeitoso em homenagem à memória
de
um
co-estaduano
ilustre
cuja
voz
alegretense,
prematuramente silenciada pela morte, ecoou tantas vezes
neste augusto recinto. Os Anais atestam, quando a ele se
referem, a ação vigorosa de um homem público na ampla
acepção do termo, que enalteceu e dignificou o mandato
parlamentar.
Sim,
nesta
minha
primeira
intervenção,
quero
homenagear a memória do Deputado Ruy Ramos, meu
conterrâneo de Alegrete, cujos mandatos, como este que
passo a exercer se originaram na distante fronteira-oeste
riograndense. Lá, Sr. Presidente, os jovens que se iniciaram
na Política conservam ainda as lições de civismo que o
grande Líder ministrou. Sua confiança no futuro do Brasil.
Sua fé inquebrantável na grandeza da Democracia e sua
pregação constante em
Liberdade.
torno dos ideais da Justiça e da
26
Não tenho a audácia de dizer que aqui estou para
substituí-lo, pois tenho visão da sua grandeza. Mas não
posso dissociar minha presença aqui, neste momento de tão
alto significado na vida da Nação brasileira sem proclamar a
influência que ele exerceu na minha formação. E dizer, em
sua memória, que, quanto em mim estiver, esforçar-me-ei
para continuar a sua luta em prol do desenvolvimento do
País”.
Muito significativo o gesto da Casa do Alegrete, na
promoção desta homenagem. Meus parabéns a sua Presidente,
Dra. Flora Leães e aos seus colegas de Diretoria. A exaltação de
Ruy Ramos é uma alvorada, como o sol que se levanta
anunciando um tempo novo.
Quem tem fé, sabe esperar. Tem esperança. Ao falar
sobre este tema, o Apóstolo Paulo escreveu: “vai alta a noite e
vem chegando o dia...” (Rm 13.12) Isto é, a noite, por mais
escura que seja, sempre há de passar.
Na Sociologia da fronteira-oeste, no Alegrete, no Rio
Grande do Sul, quando a noite passar, o nome de Ruy Ramos há
de brilhar, no esplendor da Justiça e da Liberdade.
Muito obrigado!
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Ruy Ramos / Nehyta Martins Ramos
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RUY RAMOS E SUA TRAJETÓRIA HISTÓRICA