RUY RAMOS E SUA TRAJETÓRIA HISTÓRICA Promoção da Casa do Alegrete, em Porto Alegre, na Semana Farroupilha de 2011 Orador: ALDO FAGUNDES 2 Dra. Flora Leães, DD Presidente da Casa do Alegrete Meus conterrâneos e Minhas conterrâneas. “O culto dos grandes homens não tem apenas um sentido de saudade e reverência. Não é só um regresso no tempo para fixar, em vida e ação, um vulto que sobressaiu e iluminou uma era extinta” ............................ “Um grande homem, vivo ou morto, afirma e recomenda uma raça. É um fruto da Terra e do sangue que se converte em semente para fecundar a História. É um ponto elevado no cenário humano, que serve de roteiro na marcha dos povos”. (Perfis Parlamentares 40, pág. 879) Este conceito de “um grande homem”, tomei do magnífico discurso que o Deputado Ruy Ramos fez, na Câmara dos Deputados, na Sessão de homenagem à memória do Senador Pinheiro Machado. 3 Valho-me do texto do Tribuno para aplicá-lo a ele, por inteiro. Um grande homem Ruy Ramos foi, pela palavra e pelo exemplo. Também ele foi “Semente que fecundou a História...” Declaro que me sinto feliz ao participar desta cerimônia. Estou na Casa do Alegrete e a simples evocação deste nome me enche de emoção, pois aqui se conjugam a força e o estímulo dos primeiros tempos da minha vida. E me vejo guri. E é tudo começo e esperança: casa paterna, família, irmãos e irmãs, o Colégio Oswaldo Aranha, a Igreja Metodista. A namoradinha, que depois foi noiva e esposa, matriz do filho e das filhas. A carreira teve, também, a marca de Alegrete, na Advocacia e na Política. Sim, quanto Alegrete é para mim! No cenário gaúcho, Alegrete é muito especial, com características marcantes, que todos proclamam. Por exemplo: é nome masculino. Se tivesse nome de mulher, suas marcas seriam a flor, a beleza, a ternura. Mas tem nome másculo e por isso suas marcas são a coragem e a intrepidez da luta em busca da vitória. Hernani Schmidt, em poema que foi musicado como Hino, disse que Alegrete surgiu em plena savana “nas guerras da Cisplatina”. E o poeta Jayme Caetano Braun, em versos que exaltam a Região do Estado onde está Alegrete, escreveu: “Lendária Fronteira-Oeste, falquejada a ferro e bala...” 4 Ruy Ramos, falando do nosso passado, disse que as lutas na fronteira meridional, marcaram um tempo “formoso e bárbaro da nossa História...” E os irmãos Nico e Bagre Fagundes, aliás meus irmãos também, escreveram no Canto Alegretense: “Não me perguntes onde fica o Alegrete, segue o rumo do teu próprio coração...” Tudo isto é para dizer que Alegrete tem História e enche de orgulho os seus filhos e as suas filhas. Pois bem, feita esta introdução emocional, devo passar agora ao sentido maior deste encontro de gaúchos e gaúchas, em plena celebração da Semana Farroupilha deste ano. Mas era preciso deixar claro assim como uma preliminar que é marca de Alegrete o apego aos seus filhos e suas filhas. Lembro-me que quando assumi a Liderança da Bancada da Oposição, na Câmara dos Deputados, em 1973, a Zero Hora quis traçar, em entrevista, o meu perfil e a manchete foi esta: “Sou de Alegrete, e basta!” Minha procedência é, de fato, facho de luz que ilumina a minha caminhada. Alegrete tem seus filhos próprios, aqueles que nasceram e se criaram à sombra das barrancas do Ibirapuitã e desde novos aprenderam a contemplar, fraternidade e da paz. ao longe, os horizontes da 5 E tem, também, os seus filhos adotivos, aqueles que pela opção ou pelo afeto fizeram de Alegrete o seu pedaço de chão. Não há distinção entre uns e outros. Todos são iguais, legitimados e irmanados, nos sentimentos de amor, gauchismo, Pátria, Justiça e Liberdade. Disse, na introdução deste discurso, que falaria de um grande homem: Ruy Ramos, um filho pelo coração, crioulo do Rincão de São Donato, em Itaqui, mas legitimado alegretense nas ruas e nas praças, na bela certidão de nascimento que só o povo escreve. Imaginei um Decálogo, relacionando o perfil de Ruy Ramos através de tópicos de atividades que lhe marcaram a existência. Não segui uma ordem cronológica, pois não há a preocupação com datas. DECÁLOGO RUY RAMOS 1. Contemporâneo da história 2. Advogado 3. Reformador Social 4. Pregador do Evangelho 5. Tribuno 6. Político 7. Gaúcho 8. Poeta 9. Dª Nehyta 10. Meu testemunho 6 1. Contemporâneo da História Bem-aventurados os que vencem o tempo e acompanham as gerações. Não ficam para trás, porque sempre apontam para o futuro. Uns são lembrados pelo que fizeram, mas eu gosto de citar aqueles que são lembrados pelo que disseram. No que fizeram estão as obras, apresentadas como uma centelha material, envoltas no cifrão, muitas vezes. Mas eu destaco o pensamento e as idéias, pois são os valores do espírito que permanecem. Por isso, incluo Ruy Ramos no rol dos contemporâneos da História. Ele pode ser citado. Foi além do seu tempo, como inspiração para o que há de vir. É dele este pensamento. “Nós somos a herança de todos aqueles que deveriam ter falado e calaram; dos que deveriam ter reagido e toleraram; dos que podendo protestar se acomodaram...” Penso que ele carregava sempre, como legenda, o discurso de Pedro e João perante o Sinédrio. “...nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (At 4.20) Estes tópicos estão para pensarmos no homem destinatário desta homenagem, seu tempo e seu testemunho. Alegretenses de minha geração, homens e mulheres, certamente dele se lembram, nos auditórios e na praça pública, sempre com uma palavra de conscientização e esperança. Mas 7 os mais novos não o conheceram nem o ouviram. E é até natural que se perguntem: “quem foi” ou “de quem se trata”? Aqui vai um breve perfil, com tintas de memória. Uma lembrança do que precisa ser lembrado. A Bíblia, em sua mensagem eterna, revela uma preocupação permanente com a memória, ao registrar: “lembra-te”, “não te esqueças”, “ouve”, “conta a teus filhos” e assim por diante, pois antes de Gutemberg a história era contada de geração em geração. Ruy Ramos tem o que ser lembrado: falou, escreveu, viveu. Nele o passado sempre renasce, como uma primavera cheia de flores e de frutos. Não se pode ignorar que ele viveu mais intensamente nas décadas de 40 – a segunda metade – e 50. O Brasil era outro e outro também era o mundo: o fim da II Guerra, a contestação das potências capitalistas, a ênfase ao social, as populações cada vez mais urbanas, a industrialização, as massas obreiras, a máquina, a tecnologia, a comunicação. O avanço científico foi de tal ordem que a terra se tornou pequena e os homens se lançaram à conquista do espaço sideral. Para os países novos, como o Brasil, o após guerra foi um tempo de semeadura, para a colheita de uma nova aurora. No campo político, mudaram-se conceitos: o processo eleitoral, novos partidos, nova constituição, a valorização do povo como a fonte do poder. 8 Também uma nova formatação do Estado. O iluminismo de Montesquieu na independência dos poderes precisava ajustar-se à realidade do social, na distribuição da responsabilidade coletiva. Nesse tempo viveu Ruy Ramos. E seu nome há de ser citado entre os líderes que tiveram da política a visão do bem comum, aqueles que não trabalharam na defesa dos próprios interesses e olharam além, onde jazem os que sofrem e precisam do Estado. 2. Advogado Parece-me próprio que comece a vida pública do homenageado pelo exercício profissional. Foi um grande Advogado. Atuou em todos os campos, mas é justo que se destaque o uso que fez da tribuna judiciária. Primeiro, como Promotor, depois como Defensor. De um lado ou de outro, o mesmo mandatário zeloso e fiel. O argumentador perspicaz. O Tribuno arrebatador. E os júris que fez em Alegrete e na fronteira até hoje são recordados com a mais viva emoção, pelo calor que ele imprimia aos debates e pelo vigor de sua palavra vibrante. 9 3. Reformador Social. Diz-se que para as pessoas que se destacam há sempre uma palavra-chave, capaz de defini-las, inteiramente, ao seu simples enunciado. Para umas, essa palavra é glória. Para outras, cifrão. Para outras, poder. Para outras, ambição. Para outras, inveja. Para outras, ódio. Para poucas, serviço. Para muito poucas, amor. Tenho para mim que se a Ruy Ramos fosse aplicada essa regra, a palavra para nomeá-lo seria esta: autenticidade. Isto ele foi: um homem autêntico. Por ser autêntico, nunca se pode conformar em viver para si mesmo. Primeiro, nas lutas da Tribuna Judiciária, depois nas trincheiras populares da catequese democrática. Ele foi sempre um paladino da Justiça Social. E ele que poderia ter dedicado sua vida para amealhar patrimônio financeiro na advocacia, renunciou ao fascínio dos bens materiais para consumir-se na pregação ideológica e democrática do despertar de uma nova aurora, melhor e mais feliz para o povo brasileiro. Em 1942, muito antes, portanto, da vivência que projetou a força de sua liderança, na Moção de Alegrete, notável Documento encaminhado ao Presidente Getulio Vargas, com sugestões de Governo, Ruy Ramos escreveu: - “Não é possível conceber, na era em que vivemos, dentro dos limites geográficos de um mesmo povo, a coexistência de milionários e famintos”. 10 - “ É imprescindível que esses extremos se aproximem. O Brasil, como Nação Civilizada e cristã, não pode mais permitir que uma parte da população goze de todas as vantagens, enquanto a outra – imensamente superior em número – não disponha sequer dos elementos primários da vida: o pão, a roupa, o teto e a instrução”. Com a proximidade do fim da Guerra, na Europa, na primeira parte da década de 40, as elites no Brasil começaram a movimentar-se para a organização de novos Partidos Políticos e a redemocratização do País. Alberto Pasqualini, um dos fundadores do trabalhismo, divulgou alguns textos, na década de 40, com idéias modernas, com ênfase ao social, distante do conservadorismo reacionário das classes dominantes daquela época. Esses textos foram a semente que germinou no PTB – Partido Trabalhista Brasileiro e que contou com Ruy Ramos como um dos expoentes. Em 1944, na correspondência que os dois líderes trocaram, foi encontrada esta carta: “Prezado colega e amigo Dr. Ruy Ramos Saudações Foi para mim uma grande satisfação receber sua carta e a cópia do seu discurso de paraninfo proferido em dezembro de 1943. Maior satisfação ainda foi notar a perfeita identidade de sustentamos. teses e pontos de vista que ambos 11 Isso significa que não devemos andar afastados da verdade, verdade que, cedo ou tarde, há de triunfar. Desejo felicitá-lo por sua primorosa oração e uno os meus votos aos seus de que o futuro traga a realização dos ideais de justiça e de humanidade pelos quais nos batemos. Queira o prezado amigo aceitar o meu afetuoso abraço. Alberto Pasqualini” (Ob.cit. pag. 83). 4. Pregador do Evangelho Ele era Protestante, filiado à Igreja Metodista, um dos ramos desse Movimento, justamente, aliás, marcado pela ênfase que dá à mensagem da justiça social do Evangelho. Foi um metodista zeloso e fiel, com presença no púlpito e ativa participação em reuniões administrativas e Concílios, inclusive Conferências Internacionais. No púlpito, seu texto bíblico preferido era o Evangelho de João 10.10: “...eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” E argumentava: “como falar na plenitude da vida diante da semivida, quase vida, não vida, pela fome e pela miséria?”. 12 5. Tribuno Talvez eu devesse ter começado este Decálogo com esta marca: Tribuno, pois é a sua característica mais conhecida. Mas os tópicos foram sendo arrolados sem preocupação com o tempo. Para a palavra há sempre tempo. E o tempo para a palavra é agora. Como falava bem! Agripino Grieco, crítico literário famoso pela ironia e pela mordacidade das frases, definiu um certo orador desta forma: “Ele confunde oratória com saúde pulmonar. É uma voz à procura de idéias”. Em Ruy Ramos, em matéria de oratória, era tudo perfeito: a voz, a postura, a eloquência, o conteúdo. Tudo! Não sei quantas vezes o vi na Tribuna e quantas vezes ouvi a ministração de seus ensinamentos. Vejam: isto foi na minha adolescência e na minha mocidade. Já estou ficando velho e ainda sei de cor muitas palavras que dele ouvi, como estas: - “Primeiro é preciso fazer o povo pensar. Depois é fácil fazê-lo querer”. Para a conscientização política, há definição mais clara, singela e verdadeira do que esta? Ou, então: - “A praça pública é a Universidade do povo. O palanque é a cátedra das ruas”. Refere-se ao caráter pedagógico daquele que fala em público. Ou, ainda: - “Falo aos moços como um revoltado, porque eles são tudo aquilo que eu jamais serei do novo. Mas se dos moços me separam os cabelos brancos, aos moços me volto, pela renovação das minhas idéias”. 13 Ainda dele “O silêncio não revela. É neutro e cômodo. É a omissão. Fala e eu te direi quem és” e “Uso a palavra para expressar o pensamento e não para ocultá-lo”. (Ob. cit. pág. 17). Sob a inspiração de Ruy Ramos, pode-se dizer: que força tem a palavra! Porque a palavra expressa a idéia e a idéia transforma o presente e aponta o futuro. Os imobilistas, os conservadores, os reacionários cedem à força das idéias que a palavra contém. Na alma, a palavra apropriada desperta sonhos e esperanças. 6. Político Ruy Ramos foi Deputado Federal em duas Legislaturas. De 1951 a 1955 e de 1959 a 1963. No intervalo entre os mandatos, concorreu ao Senado, juntamente com os nomes de maior expressão da época, João Goulart e Alberto Pasqualini para o Governo do Estado, sendo até hoje inexplicável a derrota do PTB na ocasião. O mandato de Deputado foi cumprido, o primeiro, sob o Governo de Getulio Vargas, a maior parte. E, no segundo, o Governo era do Presidente Juscelino Kubistchek. Ambos os Presidentes eram amigos e admiradores do Deputado de Alegrete e ele, então, pode dialogar, sem problemas, com as autoridades públicas da época. Muito preparado para o exercício 14 do mandato, foi um excelente Deputado, com iniciativas brilhantes, além de sugestões oferecidas em diversos projetos. Vou citar apenas duas realizações, com a marca de sua atuação parlamentar e reflexo na Fronteira-Oeste: a construção da Usina termoelétrica Oswaldo Aranha, em Alegrete e a criação do Plano de Valorização da Fronteira-Oeste. O propósito do Plano era voltado para o desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul, mas me lembro bem de vê-lo contar: no Congresso Nacional, as Bancadas de Mato Grosso e Goiás gritaram tanto que o Plano saiu para a Fronteira Sudoeste, desfigurando o Projeto original. Vale o registro da iniciativa. O segundo fato referido foi a Construção de uma usina Termoelétrica. Para não dizer o óbvio, não vou me alongar na análise da importância de uma fonte energética para Alegrete e a Região. No fundo, as duas iniciativas tem a mesma marca: desenvolvimento econômico, para uma vida melhor. No lançamento da pedra fundamental da Usina, com a presença do Governador Leonel Brizola, Ruy Ramos assemelhou as linhas da moderna energia, às linhas das tropas revolucionárias, que em 23, no mesmo local, se enfrentaram balizando o progresso e o futuro. Vejam a maravilha dos conceitos: 15 “Há cerca de 40 anos passados, em 1923, neste mesmo local se travava a batalha do Ibirapuitã, entre as forças revolucionárias do General Honório Lemos, que atacaram a cidade e as forças governistas do General Flores da Cunha, que a defendiam... - “As linhas estendidas, que se desfaziam e se recompunham nas oscilações da Cavalaria, assinalavam os últimos impulsos de um estágio sociológico superado, formoso e bárbaro. - “Hoje, depositado o velho armamento, pacificadas as legendas, aproximados os homens noutros rumos de interesse, aqui se estendem outras linhas de combate, outros acampamentos, de mais força, de mais calor, de mais luz, de uma outra energia inanimada mas dinâmica e vital para o futuro, para o bem estar, para o conforto geral do Povo, para o Rio Grande em Paz, para o Brasil no caminho da História. Ainda neste tópico – Político – desejo incluir a marcante atuação de Ruy Ramos na Câmara dos Deputados, no episódio do Parlamentarismo. A renúncia do Presidente Jânio Quadros gerou uma enorme crise política no País. O vice-presidente João Goulart estava fora, em viagem oficial à China, e aqui, forças conservadoras e reacionárias, movimentavam-se para não lhe dar posse. 16 O governador Leonel Brizola desencadeou o movimento pela posse, conhecido como a Campanha da Legalidade. Ruy fêla repercutir no Congresso e deu-lhe sustentação parlamentar. A crise foi superada por um acordo político: a adoção do Parlamentarismo, com a escolha de Tancredo Neves para Primeiro Ministro. Houve paz por algum tempo, mas todos sabiam que a solução parlamentarista era artificial. A reforma constitucional fora uma emergência e era necessário voltar ao Presidencialismo. Outra crise, com resultado coerente com nossa tradição democrática. Em ambos os episódios, foi ativa a participação de Ruy Ramos, na busca de uma solução pacífica, sem derramamento de sangue ou violência. Hoje, que se passou algum tempo, podese dizer, com segurança, que na conciliação nacional há a presença e a participação do Deputado do Alegrete. 7. Gaúcho Ele era profundamente gaucho. Gostava das pilchas, que usava com elegância e bom gosto. Teve presença marcante no Movimento Tradicionalista, especialmente como orador e conferencista nos Congressos. Usava apropriadamente o linguajar campeiro. Ficou muito conhecido o discurso que fez, em 1950, no encerramento da campanha do Senador Ernesto Dornelles, para o Governo do Estado. Metaforicamente, ele 17 assemelhou o Rio Grande a uma Estância que precisava de reparos, dizendo: “Há muita cerca caída e muita “trama” quebrada; muita mangueira por terra e muito rancho sem “quincha”; há muito açude arrombado com falta de aterro nas taipas...” “Pode contar, Senador Ernesto, com a peonada do Rio Grande. Abra a porteira e deixe correr a tropa. Não quebre a ponta. Faça o “fiador” sem medo e ponteie, “no mais”. E, na linguagem gauchesca, parece que estava pensando no Tio Anastácio quando disse: “No dia em que fui “doutor” não deixei de ser o mesmo gaúcho da minha origem, sensível aos dramas e necessidades do meu povo” (ob cit pág 67). Na campanha eleitoral de 1958, Ruy Ramos elegeu-se Deputado Federal novamente e voltou ao Parlamento. Foi usado, na propaganda do candidato, o poema “O Mouro do Alegrete”, do grande poeta missioneiro, sobrinho de Ruy, Jayme Caetano Braun. Vejam a maravilha do texto: O MOURO DO ALEGRETE Este é o mouro do Alegrete Les digo – florão de flete Que arranha num dezessete De cepo em terra lavrada Pingo de raça provada Que alevantado no freio Reparte a cancha no meio 18 Para toda a matungada Parece até uma mentira E chega a ser desaforo Que um pingo com esse moro Viva no campo atirado, Crinudo e casco rachado, Cruzando de um fundo a outro Ele que foi desde potro Orgulho do nosso Estado E quanto matungo existe Que não agüenta lombilho Por aí comendo milho Com nome de parilheiro Gastando tempo e dinheiro Quando a gente sabe ao certo Que mesmo saindo perto Não dão pra laçar terneiro. E nesta volteada grande Que em Cinquenta e oito tem Sabemos que o mouro vem Porque nós vamos volteá-lo, E certos de dar um “palo” Junto à mangueira da Estância Esperaremos com ânsia A voz de pegar cavalo. E nós temos a certeza Que esse mouro “chacoalhado” Leviano e casco aparado De laço atado nos tento. Cacho quebrado a contento Como pra roubar mulata Será o pingo de mais pata Na cancha do Parlamento. 19 8. Poeta Esta marca de nosso homenageado nem sempre aparece na sua biografia. A poesia não foi o seu traço marcante, é verdade, mas ele merece o título de Poeta, pela sensibilidade, o gosto pela beleza e a linguagem da ternura, que usava tão bem. A produção literária que chegou até nós é bastante limitada, mas é uma boa amostra do talento do Tribuno, nesta área. Vejam os versos “Velhos Troncos”, talvez o mais conhecido dos seus Poemas: VELHOS TRONCOS De cavalo pela rédea apeado na sombra mansa volto aos tempos de criança e o pensamento desato: percorro sangas e mato e os varzedos de pastagem da minha antiga paragem nos campos de São Donato. Revejo árvores fortes que deixei na juventude, hoje velhas, sem saúde, desgrenhadas, infelizes, porém, daquelas matrizes do seu último retovo, começa tudo de novo no milagre das raízes... Velho tronco enraizado no subsolo da gente, nem se sabe exatamente 20 se é terra, pessoa ou céu, alto e sozinho, ao léu isolado do arvoredo como se fosse um rochedo com corpo, roupa e chapéu. Parece um braço de terra de mão aberta ao relento, suplicando ao firmamento a sua libertação: é um grito de coração, que se esparrama nos galhos, através de mil atalhos, numa mesma direção... Tem alma como um vivente e sofre, chora e maldiz, tem ferida e cicatriz de desengano e saudade, dá fruto de qualidade, Tem venenos e espinhos, abriga feras e ninhos no mesmo pé de igualdade. Há quem diga que o meteoro despencado da cratera, rolando na atmosfera veio bater neste mundo, e penetrou chão a fundo, rebentando em estilhaço, pra prolongar no espaço esse bólido fecundo... 21 E assim os troncos ficaram cheios de estrelas douradas E a horas das madrugadas que as corolas estremecem, as estrelas aparecem e chamas pra o ceu, em festas, o perfume das florestas quando os troncos adormecem Pra um gaúcho primitivo, meio touro e meio galo, mistura de índio e cavalo, um tronco sempre dá medo: há um mistério de segredo, quer na vida quer na morte, no destino de igual sorte do gaúcho e do arvoredo... Tronco e gaúcho nasceram no mesmo pampa deserto, pelearam de peito aberto, enfrentando vendavais: um no lombo dos baguais, outro na fúria do vento, sempre livres, ao relento, como centauros iguais... 9. Dª Nehyta Não queria escrever Ruy e Nehyta porque seriam duas pessoas. Eu queria representar os dois como se fossem uma só unidade, para proclamar a união dos dois, sempre juntos, desde a juventude até a hora da abertura dos portões da eternidade. Estavam de mãos dadas. 22 Dona Nehyta foi mulher extraordinária, na família e no lar, na cátedra e na liderança política; ao lado do marido na pregação da esperança. Fui seu aluno na minha adolescência, quando eu mal e mal conhecia alguma coisa do Rio Grande, além do Alegrete. E quanto aprendi ao ouvi-la falar do Brasil. A extensão geográfica, a fusão de raças, a civilização de carangueijos olhando o mar, a conquista do oeste, Brasília e o futuro, segurança e fé. Peço licença para uma citação pessoal, além do raciocínio lógico, porque perto do coração. Quero citar o relacionamento dela com a Luiza, minha mulher, sua discípula e admiradora fiel e respeitosa. Na década de 50, a mulher recém estava despertando para a sua emancipação. Não era comum vê-la na militância partidária e, muito menos, nos palanques da pregação política. Dª Nehyta foi uma precursora e não tenho dúvida em dizer que foi uma notável influência na Luiza, que lhe seguiu os passos. De Dª Nehyta guardo gratas recordações, desde que me iniciei na política. Compreendo hoje que ela, não apenas acreditava, mas apostava na carreira daquele moço. Como me ajudou. Há um episódio que sempre me emociona, cada vez que me lembro dele. 23 Em 1962, o Dr. Ruy era candidato a Deputado Federal e eu a Deputado Estadual. Ele precisou ficar em Brasília, na Câmara, para atender a discussão e a votação de projetos importantes. Dona Nehyta ficou aqui, dirigindo a campanha e mandava informações periodicamente para o Líder. Em um destes relatórios que a Ecilda – filha do casal – incluiu no livro “Perfis Parlamentares”, editado pela Câmara dos Deputados em memória de Ruy Ramos, há este trecho: “procurei falar com alma na boca, mostrando a impossibilidade de tua presença, a importância da decisão – a integridade do partido – e me dirigi ao Aldo como a um filho político”. 10. Meu testemunho Certa feita, num episódio registrado em Mateus 16, Jesus perguntou a seus discípulos: “Quem diz o povo ser o Filho do Homem? E eles responderam: Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias ou algum dos profetas.”, como se dissessem: “o senhor é um grande homem, do mesmo nível dos maiores de nossa história”. “Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou?”, ou em outras palavras, personalizando e colocando um sabor gauchesco: “quem sou eu para ti?” 24 Procurei mostrar até aqui que Ruy Ramos está no nível dos maiores de nossa história, mas quero concluir este discurso, com um toque pessoal, o que ele foi para mim e o que ficou guardado em meu coração, como “palavras da vida eterna”. No tópico anterior já expressei a ativa participação do Dr. Ruy e Dona Nehyta em minha carreira política, desde a formação até a disputa do voto. Deles só recebi lições sobre os valores do espírito e no apelo para servir, na solidariedade aos fracos e oprimidos. Na árdua caminhada da vida pública o Tribuno sempre deixou claro qual deveria ser o meu lado. Apontou rumos como luz e esperança. Por isso as picadas estreitas não me atrapalharam. Eu sempre soube onde por o pé. É natural, portanto, que já caminhando para o encerramento deste discurso eu lhe dê uma dimensão memorial. Sei que não estou falando a desconhecidos movido tão somente pela frieza da razão e da lógica. Falo a alegretenses, conterrâneos e amigos, muitos dos quais podem dar testemunho da minha formação e do quanto recebi, na política e na vida, tanto do Dr. Ruy como de Dona Nehyta. Não me esqueço do exemplo deles e procuro perpetuálo. Quando assumi, pela primeira vez, o mandato de Deputado Federal em 1967, em memória de Ruy Ramos pronunciei estas palavras: 25 “Homem do povo, sem outro brasão, senão aquele que ostenta quem se identifica com as angustias e os sofrimentos dos seus semelhantes e quer servi-los na atividade pública, tenho consciência, pois sou um democrata, do significado deste Parlamento na vida do meu País. Honra é para mim integra-lo. E ao fazê-lo, pela proclamação pública que esta Tribuna representa, Sr. Presidente, volto-me respeitoso em homenagem à memória de um co-estaduano ilustre cuja voz alegretense, prematuramente silenciada pela morte, ecoou tantas vezes neste augusto recinto. Os Anais atestam, quando a ele se referem, a ação vigorosa de um homem público na ampla acepção do termo, que enalteceu e dignificou o mandato parlamentar. Sim, nesta minha primeira intervenção, quero homenagear a memória do Deputado Ruy Ramos, meu conterrâneo de Alegrete, cujos mandatos, como este que passo a exercer se originaram na distante fronteira-oeste riograndense. Lá, Sr. Presidente, os jovens que se iniciaram na Política conservam ainda as lições de civismo que o grande Líder ministrou. Sua confiança no futuro do Brasil. Sua fé inquebrantável na grandeza da Democracia e sua pregação constante em Liberdade. torno dos ideais da Justiça e da 26 Não tenho a audácia de dizer que aqui estou para substituí-lo, pois tenho visão da sua grandeza. Mas não posso dissociar minha presença aqui, neste momento de tão alto significado na vida da Nação brasileira sem proclamar a influência que ele exerceu na minha formação. E dizer, em sua memória, que, quanto em mim estiver, esforçar-me-ei para continuar a sua luta em prol do desenvolvimento do País”. Muito significativo o gesto da Casa do Alegrete, na promoção desta homenagem. Meus parabéns a sua Presidente, Dra. Flora Leães e aos seus colegas de Diretoria. A exaltação de Ruy Ramos é uma alvorada, como o sol que se levanta anunciando um tempo novo. Quem tem fé, sabe esperar. Tem esperança. Ao falar sobre este tema, o Apóstolo Paulo escreveu: “vai alta a noite e vem chegando o dia...” (Rm 13.12) Isto é, a noite, por mais escura que seja, sempre há de passar. Na Sociologia da fronteira-oeste, no Alegrete, no Rio Grande do Sul, quando a noite passar, o nome de Ruy Ramos há de brilhar, no esplendor da Justiça e da Liberdade. Muito obrigado! 27 Ruy Ramos / Nehyta Martins Ramos