Personagens da Bíblia
O FILHO PRÓDIGO
COMO AFASTAR-SE DE DEUS
Lucas 15. 11 a 31
Os personagens das parábolas de Jesus não são pessoas reais, são
personagens pedagógicos. Jesus os apresenta e os usa para
evidenciar verdades que quer transmitir aos seus ouvintes e aos seus
seguidores. Assim é na Parábola do Filho Pródigo, título que ficou na
tradição. Podia ser a Parábola dos Dois Filhos; podia ser a Parábola
do Pai Amoroso. Mas, o incontestável nessa narrativa é que o pai
desempenha o papel de Deus (ou seria vice-versa?) e o filho é a
representação do ser humano. E esse filho virou o personagem
tema, pois de fato o enredo gira em torno dele.
Nos acostumamos com ele e seus desacertos. O transformamos em
paradigma do que o pecado faz e saímos à procura dele para
ajuda-lo a voltar para o lugar ao qual de fato pertence.
No entanto, há algo a mais para notarmos. Com esse moço, vemos
o processo, a sequência de como o ser humano vai se afastando
de Deus, sem o propósito de terminar no chiqueiro, mas passo após
passo caminhando inexoravelmente naquela direção. Nesse
sentido, a parábola não é para eles que estão lá e precisam voltar.
A advertência é para nós, que não estamos lá, mas, talvez
desapercebidamente, estejamos a passos largos em direção a.
Não quero
O filho moço toma a primeira atitude de rompimento com o seu
pai, sintetizada na expressão Não quero:
Pai, não quero mais viver em tua casa.
Pai, não quero mais depender da tua mesada.
Pai, não quero esperar você morrer para usufruir minha parte
da tua herança.
O moço dá o seu grito de independência: Chega de pai, chega de
tutela, chega de casa paterna, chega de dar satisfações.
Feliz, convencido da superioridade de sua visão de mundo diz algo
como:
Eu tenho meu projeto de vida! Meu pai se matando de
trabalhar nessa fazenda não percebe que há muito mais
além do horizonte. Os países distantes, ouvi dizer, são
fervilhantes de emoção é para lá que vou.
A despeito de tudo o que o pai pudesse ter feito por ele; a despeito
de tudo que o pai ainda fizesse para mostrar que a sua decisão era
imprópria e inconsequente, o moço estava decidido a fazer valer a
sua vontade e assim fez.
Fazer valer a nossa vontade é sinônimo de afastar-se de Deus. É
dizermos: Não quero ser abençoado; não quero ficar por perto, sob
Sua proteção; não quero desfrutar do que tem por aqui.
Dá para começar a nos enxergarmos nas roupas do filho mais
moço?
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O FILHO PRÓDIGO
Não sei
E o moço partiu. Tentando me colocar na cena do verso 13, fico
vendo o moço partir pisando duro, apressado, sequer olhando para
trás. Nos pensamentos dele não devia haver qualquer
probabilidade de que talvez um dia precisasse voltar. Isso não
estava no seu roteiro. Ele foi ser o filho pródigo.
Quando precisei estudar noções de Direito é que vim a aprender o
que é que significa pródigo. Para mim, desde criança pródigo era
quem fugia de casa e se libertava dos pais. Ao saber que pródigo
juridicamente é aquele que dissipa descontroladamente o seu
acervo, o seu patrimônio, a parábola ganhou um maior significado.
O detalhe, aprendi também, é que o prodigo pela lei brasileira é um
irresponsável. Independente da sua idade, se declarado tal, ele
volta à condição de relativamente incapaz e passa a ter um tutor
ou responsável que o representa nos atos que dizem respeito ao seu
patrimônio.
Se isso valesse também na Palestina do tempo de Jesus, o pai podia
ir atrás do filho e declará-lo pródigo. De fato não precisaria fazer
isso, pois o enredo da parábola enfatiza a bondade divina para
com o ser humano: não há dispositivo legal que obrigue alguém a
distribuir enquanto vivo o seu patrimônio como herança.
A prodigalidade humana com a herança divina é notória. Não é
necessário elaborar a respeito. Agora, o que se desperdiça, se
acaba, e o filho pródigo viu acabar a sua herança e com ela
acabaram suas festas, seus amigos e tudo o mais. Acabou o seu
projeto de vida. O grande e brilhante projeto de vida não previa o
fim do caixa, e não subsistia a ele. Tampouco, continha um capítulo
sobre o que se fazer quando os tempos ruins chegassem. O filho
pródigo ficou sem saber o que fazer. Passou a ser levado pelas
circunstancias, e pelas circunstancias acabou junto aos porcos.
Se ele soubesse que o seu pai o estava diuturnamente aguardando,
desejando com fervor a sua volta, sentindo a sua falta!
Ah, se soubesse! Quanta humilhação teria sido evitada.
Dizem que a ignorância é a mãe das misérias. Em nenhuma área
isso é mais verdade que no âmbito espiritual. Ser pego no contrapé,
nas circunstâncias da vida, sem conhecer a Deus e o seu proposito
para o ser humano é tragédia. Deixar as coisas irem rolando, por
desconhecimento é o caminho mais curto para acabar no
chiqueiro. O filho pródigo que o diga.
Não posso
E aí chegamos à terceira etapa do processo de como se afastar de
Deus. É quando o projeto que se queria gorou, quando já no
lamaçal, premido pelo pior, lotado de frustração, se começa a
ponderar: como é que eu cheguei aqui...
A sensação de impotência é total. O que se pensava ser importante
está agora chafurdado. O estado de apatia gera inércia e tudo se
apresenta como impossível:
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O FILHO PRÓDIGO
Não posso voltar para casa depois que fracassei;
depois que gastei tudo; depois de ter chegado nessa
situação de desgraça.
Não posso mais ser chamado e ser tratado como filho.
E enquanto a inercia do “não posso” imperar, o caminho do retorno
permanece bloqueado.
Será que também nós não ficamos no não posso? – Isso não é para
mim. Esse versículo não me diz respeito. Esse sermão não é pra mim.
Eu já passei dessa fase; não acredito nisso mais.
É preciso da coragem resoluta do “eu me porei e caminho e me
voltarei para o meu pai...” Ai, o processo se interrompe e começa a
reversão em direção ao restabelecimento de relações.
É possível. Só é necessário crer. Só é necessário coragem para
vencer a apatia; coragem para reconhecer que o projeto de
autossuficiência não era assim tão autossuficiente. A casa do pai é
necessária. A sua presença faz falta. O que tem lá não se acha em
nenhum outro lugar.
Fico outra vez dando asas à imaginação. O moço voltando para
casa, repetindo e repetindo de novo o que declararia ao chegar.
Ensaiando mais uma vez, na esperança de melhor ensaiado, melhor
aceito pelo pai: “Pai, pequei contra o céu e contra ti. Não sou mais
digno de ser chamado seu filho; trate-me como um dos teus
empregados.”
E então, chegando, só metade do ensaiado foi dito. Nada mais
precisa ser dito. Tudo ainda era possível.
Desfazer a trilha já percorrida do afastar-se de Deus é o que
importa. Fomos longe ou começamos agora não faz diferença. Faz
diferença a meia volta.
Eu posso voltar. Deus me ama e nunca deixou de me amar. A
rejeição, a impossibilidade é um encucamento meu. Nada, além
da minha vontade impede de retornar.
Eu sei que tenho de voltar. Conheço o amor de Deus. Sei que lá é o
meu lugar. Países distantes até podem exercer atração, mas sei que
é na casa do Pai que me sinto bem.
Eu quero voltar. Quero sua presença. Quero sua proteção, Quero
sua benção. Quero o Pai celeste para chamar de meu.
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