A ARTE DAS
MINHAS MÃOS
BRUNO BIG
[Artista plástico, designer gráfico e produtor cultural]
Recebi o convite para palestrar e expor o meu trabalho na sexta
edição dos Seminários Internacionais Museu Vale, que tem como
tema Homo faber: o animal que tem mãos. Assim, falo aqui um pouco
da minha trajetória, profissional e pessoal, e da minha relação com o
tema, as mãos, o maior instrumento do meu trabalho.
Sou Bruno Carneiro Mosciaro, tenho 30 anos, carioca e trabalho com artes plásticas, design gráfico, produção cultural, entre
outras coisas. Sou mais conhecido como Big ou Bruno Big, apelido
que me acompanha desde pequeno e assim permaneceu. A partir
do momento que me vi crescendo senti que tinha dois grandes companheiros, o lápis e o papel, e os carregava para todos os lados.
Percebi que me expressava muito melhor com as imagens
do que com as palavras, e isso foi decisivo nas minhas preferências,
já que fui um aluno atípico na escola e sempre preferi cursos de
artes, realizados em locais como o Parque Lage, à sala de aula tradicional. Olhando para trás, vejo que essa trajetória despertou meu
interesse em algumas disciplinas na faculdade.
Na dúvida entre belas-artes e desenho industrial, escolhi o
desenho, na PUC-Rio, mas confesso que me sentia, na época, um
pouco inseguro e descrente sobre a dinâmica do mercado de arte no
Brasil e, mais ainda, em relação ao mercado do Rio de Janeiro. Com
essas questões em mente, optei por me tornar um designer.
Em 2000 entrei na faculdade e a princípio estudei Projeto-Produto e foi muito interessante, pois aprendi a desenvolver uma
ideia, conceituar e descobri os processos de produção e seus materiais. Durante seis períodos estava muito feliz com o que aprendia,
mas quando a parte de projetos ficou muito técnica perdi o interesse
e resolvi mudar para o curso de Comunicação Visual. Curso que encontrei satisfação profissional e pessoal, pois o pensamento gráfico
é um universo fascinante.
81
mão de obra
Sempre busquei estudar, em matérias eletivas na faculdade,
disciplinas que me proporcionassem prazer e, com isso, encontrei
temas e professores que aumentaram meu interesse, o que me levou a ser monitor em algumas aulas mais artísticas. Meus mentores
são professores ativos no universo das artes, como Thereza Miranda,
professora de gravura; Amador Perez, professor de ilustração; e Cristina Salgado, professora de linguagem visual. Sempre digo que tirei
a sorte grande, por aprender, acompanhar e ensinar ao lado desses
nomes que, assim como outros, me ajudaram a desenvolver uma
visão mais integrada entre artes e design.
Além da relação com os professores, na época da faculdade
fiz outros laços importantes, criados pela afinidade e interesses em
comum, o que gerou engajamento dos alunos e nos uniu em prol
dos nossos ideais. Com isso, fiz amigos e colegas de trabalho para
a vida toda e descobri, também, que é possível lutar e conquistar
as coisas, pontos que me lembram do período em que fui representante dos alunos do Departamento de Arte e Design, durante
dois anos consecutivos, e ministrei oficinas de stencil, no Centro de
Repre­sentantes dos Alunos de Arte, em outros eventos da PUC.
Depois de passar por vários estágios, ainda na faculdade, percebi o quanto gostava de ser independente, ser meu próprio chefe, e
foi assim que decidi abrir um estúdio de design, para começar a trabalhar regularmente e de maneira legalizada. Em parceria com um
sócio alugamos um espaço na Lapa e um dos nossos projetos próprios foi a idealização e desenvolvimento do site Lá Na Lapa (lanalapa.
com.br), que hoje é referência para quem deseja buscar informações
sobre o bairro mais boêmio do Rio de Janeiro.
Em todos os trabalhos sempre busquei impor um diferencial: trabalhar manualmente, para aproveitar os meus talentos em
ilustrações e os das pessoas que trabalhavam comigo. Atitude que
nos valorizou como profissionais, já que o computador para nós era,
82
A ARTE DAS MINHAS MÃOS
e continua sendo, mais uma ferramenta e não a única. Nosso trabalho cresceu no mercado e participamos do surgimento do Polo do
Novo Rio Antigo, no Centro do Rio de Janeiro, mas com o passar dos
anos já não me sentia realizado e decidi conhecer novas culturas.
Então viajei à Europa! Viagem que me abriu os olhos e
obser­vei o poder da arte de rua ao passar por cidades como Berlim,
Londres, Atenas e Barcelona, esta última foi onde me estabilizei.
No decorrer dessa temporada, meu objetivo, além de aprender e
conhe­cer mais sobre a cultura local, foi realizar uma vasta pesquisa
sobre o que acontecia nas ruas, já que o graffiti, stencil, pôsteres e ade­
sivos estão presentes em todos os lugares nas grandes capitais europeias. Em Barcelona tive a oportunidade de fazer cursos e repensar
meu trabalho, minhas ideias, aprimorar meu conhecimento em técnicas de gravura e ilustração, além de me envolver com a street art,
através do stencil e graffiti.
Voltei ao Rio, me formei e segui ministrando oficinas, porém
estava disposto a focar minhas energias na arte, já que, depois da experiência de pintar na rua no exterior, me sentia mais livre pintando com
os meus amigos, na minha cidade. Assim, resolvi investir no graffiti,
melhorar o meu trabalho e comecei a organizar exposições na HomeGrown, loja independente, no Rio de Janeiro, que apoia as expressões
artísticas no universo do street art. Para me adaptar ao novo mercado,
que desejava trabalhar, comecei a experimentar, buscar minha linguagem e acabei me envolvendo com produção cultural e curadoria.
Mas foi em 2010 que muita coisa aconteceu. Desenvolvi
trabalhos de ilustração e produção para a Nike do Brasil; desenvolvi
uma série de estampas para a Nike de Tóquio; participei de uma
campanha da Coca-Cola, em um anúncio que incluía a criação de
uma arte para a lata do refrigerante Sprite; fiz parte da coordenação
do espaço cultural Severo172 e, ao lado de Marcelo “Ment”, fui a
Paris a convite de um festival chamado Paris Hip Hop e para uma
83
mão de obra
residência artística. O ano de 2010 me abriu várias portas e todas as
oportunidades mostraram que posso construir muito com o meu
trabalho autoral.
Ao realizar um trabalho nas ruas prezo para que as pessoas
identifiquem a minha marca, através do meu traço, pois são raras
as situações em que assino minhas obras e busco que cada observador tire as próprias conclusões, que cada um se identifique a sua
maneira. O que pretendo é criar um pensamento livre, da mesma
maneira que me sinto livre ao pintar na rua. Podemos não escolher
algumas coisas que acontecem em nossa vida, mas podemos esco­
lher o caminho a seguir e que esse caminho seja lúdico.
A gravura e as minhas influências
Ainda na faculdade, no ano de 2002, tive uma das melhores surpresas: conheci a gravura e Thereza Miranda, que é a síntese do termo,
grande mestre das artes gráficas, que leciona na PUC há mais de 30
anos. No primeiro dia de aula, ela levantou um lápis para a sala e
perguntou “Alguém sabe o que é isto? Isto é um lápis, madeira em
volta e um grafite no meio, isso aqui é onde tudo começa!” e pensei
comigo “Vou gostar disso aqui.” E gostei muito, me apaixonei pela
técnica e por Thereza, que me ensinou tudo que sei sobre gravura
em metal e xilogravura. Esse interesse resultou em um convite para
me tornar seu monitor, experiência que durou alguns anos.
Com o processo da gravura descobri um prazer enorme,
passei a acreditar mais no meu traço e a buscar novos processos cria­
tivos. O processo da gravura para mim é como cozinhar, primeiro
você conhece a receita, depois faz as suas variações, a partir de experimentações, e finaliza com seu toque pessoal. Um exemplo disso
foi a exposição “Prensa”, criada e montada com cinco amigos, que
aconteceu por duas edições no Solar Grandjean de Montigny, na
PUC, para expor nossos trabalhos em gravura.
84
A ARTE DAS MINHAS MÃOS
Outra influência forte veio do querido professor Amador
Perez, com quem trabalhei como monitor em suas aulas, e descobri inúmeras técnicas de ilustração e impressão, desde o pincel e
ecoline até monotipias e o stencil, esta última me fez desenvolver
oficinas durante alguns anos. Alguns artistas e seus trabalhos, como
Banksy e Shepard Fairey, me fizeram acreditar e apostar no poder do
stencil e das intervenções urbanas.
São referências nacionais e internacionais como essas que
me fizeram seguir este caminho, me identifico e sigo conhecendo
técnicas, trabalhos e reciclando conhecimento.
Já no final do curso, depois de algumas pesquisas sobre o
que gostaria de desenvolver para o projeto final da faculdade, resolvi
que o tema da minha monografia seria a técnica que tanto apreciava: a gravura. Assim, criei um livro didático ilustrado, com todos os
processos da gravura em metal, um passo a passo e durante alguns
meses trabalhei focado no projeto, em registrar, detalhar, ilustrar e
escrever o livro, dedicação que me deu como nota final 9.3! E devo
isso aos meus professores, que me ensinaram e abriram meus olhos
para ver as possibilidades e os caminhos que eu poderia trilhar.
Quando estava em Barcelona fiz um curso de gravura expe­
rimental no ateliê de Nuria Duran, uma artista local, que me ensinou
técnicas mais livres e como utilizar diferentes suportes. Demonstrei
tanto interesse que a professora percebeu e me ofereceu a chave do
ateliê para trabalhar nos horários que não houvesse ninguém.
Depois dessa temporada na Europa tive outra visão sobre
a gravura, algo mais contemporâneo, mais misto, e ao voltar apliquei
algumas técnicas no curso da PUC, o que foi muito válido, já que até
hoje eu ensino algumas técnicas na aula da professora Thereza Miranda
e em oficinas para calouros do Departamento de Artes e Design.
Estudo o que me desperta interesse, por isso estou sempre em busca de novidades, cursos para me aperfeiçoar e conhecer
85
mão de obra
novas técnicas. Exemplo disso foi um curso de litogravura que fiz
em 2010, no Parque Lage, com a professora Tina Velho, além de ser
uma ótima oportunidade de conhecer pessoas incríveis. Pretendo
voltar lá este ano, mas é difícil escolher entre uma técnica nova ou
uma que já conheço, sempre fica a dúvida em mim.
Descobrir novas técnicas tornou-se fundamental para a cons­
trução da minha linguagem, sinto que a gravura me proporcionou pensar de maneira mais criativa, um pensamento que até então não existia
em mim, e também despertou a vontade de pesquisar e ensinar.
O graffiti
O meu primeiro contato com o graffiti aconteceu na faculdade, quando participei de uma oficina com o grupo Nação Crew. A princípio
não tive tanto interesse, acho que ainda era muito inseguro para
tentar levar alguma coisa para a rua, mesmo com alguns amigos
próximos expondo seus trabalhos pela cidade.
A curiosidade e o interesse foram despertados durante mi­
nha viagem à Europa, ao perceber que por lá esse tipo de trabalho
recebia o devido valor, pois o graffiti ainda é muito marginalizado, ao
mesmo tempo em que é reconhecido em diversos países do mundo.
Nas cidades por onde passei fiz questão de procurar a street art local
e registrar como pesquisa.
Com a street art ao meu redor, meus amigos Luis Otávio
“Madruga” e Marcelo “Ment” me impulsionaram a começar a pintar
pelas ruas de Barcelona usando o stencil como suporte e até participei de um encontro internacional de stencil por lá, o Difusor, mas
eu já sentia que o graffiti estava para entrar em minha vida. Experimentei, então, o spray à mão livre e percebi que poderia trabalhar
sem depender da matriz do stencil.
Essa descoberta, o graffiti como mais uma técnica de criação,
foi uma grande libertação para o meu trabalho, pois aprendi a usar o
86
A ARTE DAS MINHAS MÃOS
corpo todo para fazer uma linha, o que antes era trabalho apenas dos
dedos ou das mãos passou a ser gestual, mais que isso, corporal.
Depois disso mergulhei de cabeça nesse universo e escolhi
um tipo de traço que já estava habituado a desenhar, por acreditar que
conseguiria grafitar com ele. É muito interessante a minha relação
com o graffiti, porque inicialmente o meu desenho influenciou no
graffiti, depois foi a técnica que influenciou no meu traço. Aos poucos fui encontrando minha identidade e faço questão de não assinar
meus trabalhos na rua, deixo que o meu traço seja a assinatura.
Hoje vejo o Rio de Janeiro como o paraíso do graffiti, mas
confesso ter tido essa percepção após voltar da Europa, quando sair
para pintar com os amigos virou parte da minha vida e me possibilitou fazer novos amigos, contatos e ir a lugares que nunca havia ido,
como comunidades muito carentes, lugares abandonados e apartamentos luxuosos na cidade. A pintura me deu essas e outras oportunidades, abriu meus horizontes.
Relembrando as conquistas no ano de 2010, só tenho a
agradecer ao graffiti, pois foi o que me abriu várias portas e pude
trabalhar com grandes marcas. Além dos diferentes convites que
recebi, como uma residência artística e um evento em Paris, onde
ao lado de Marcelo “Ment” pintei o Painel brésilienne e uma tela coletiva, de 25 x 10 m, com, aproximadamente, 15 artistas, para a Anistia
Inter­nacional. Nessa temporada tive o prazer de conhecer e pintar
com alguns dos pioneiros do graffiti de Nova York, Paris, Barcelona, Ams­terdam e outros lugares. Apesar de me sentir o “caçula” do
grupo, sempre fui bem recebido e tratado com respeito.
Pintar na rua é algo extraordinário! Sempre encontramos
um desafio, renovamos técnicas e conhecemos companheiros para
desbravar os mais diferentes cantos da cidade, isso torna o graffiti
uma forma de expressão que envolve muito mais do que o simples
ato de pintar, cada muro é um suporte diferente, tamanho, texturas,
87
mão de obra
quinas. O improviso é algo fundamental para coexistir no mesmo
painel vários artistas, com processos e identidades diferentes.
Como são raros os momentos em que estamos sozinhos
nas ruas, a reação do público é quase imediata, essa resposta é o
que mais me interessa e, a meu ver, faz dessa arte uma das mais
democráticas que já existiram.
As mãos
Na escola, me sentia muito à vontade e atraído com os trabalhos
manuais, acho que eram raros os momentos em que conseguia focar
em algo e entrar em um estado criativo. Adorava desenhar, esculpir,
construir e todos aqueles processos que nos ensinam na escola.
Assim, descobri que poderia criar com minhas próprias mãos,
livremente, e sintetizar algumas ideias através do desenho. Essa percepção só me veio na faculdade, quando percebi que poderia trabalhar
melhor a minha vontade de criar manualmente. Mesmo em um universo, quase que, dominado pelo uso do computador, sempre acreditei
que a minha principal ferramenta eram minhas mãos aliadas à minha
criatividade, porque a parte fácil é desenhar; criar é o mais difícil.
Já envolvido com o graffiti, e realizando meus primeiros
trabalhos nas ruas, senti a necessidade de criar algo que me simbolizasse, que fizesse minha arte ser reconhecida pelas pessoas e
busquei inspiração na essência do meu trabalho, as mãos, símbolo
que atualmente é a minha marca registrada.
Com os anos fui aprimorando minha técnica, mas sempre
voltava ao mesmo tema (as mãos), isso me deu mais confiança para
tentar novas ideias, e o fato de sempre ter apreciado criar imagens
carregadas de simbologia colaborou para que eu encontrasse meu
caminho e identidade. Mas, muitas vezes, desejo e espero que o
próprio expectador crie e tire suas conclusões, para que minha obra
atinja cada um a sua maneira.
88
A ARTE DAS MINHAS MÃOS
Gosto de criar com as minhas mãos imagens de mãos, para
instigar a imaginação de cada indivíduo que as observa ao passar
pela cidade e que se crie uma comunicação entre o pedestre e o
muro, olhos e mãos, a minha arte e os seus sentidos.
E que a street art seja reconhecida como mais uma maneira
do homem se expressar, assim como os desenhos nas paredes das
cavernas, mãos e pigmentos deixando sua marca na história.
www.brunobig.com
89
Monotipia vininha, 2004
Gravura, técnica mista, 2009
Gravura em metal, 2005
Litogravura, 2010
Serigrafia, 2010
Graffiti, Paris, 2010
95
96
97
(páginas anteriores)
Stencil, “Evento-difusor”, Barcelona, 2007
Graffiti, Paris, 2010
98
99
Graffiti, Av. Chile, Centro, RJ, 2008
Graffiti, Teatro Sérgio Porto, 2009
Graffiti, Botafogo, RJ, 2011
101
Download

a arte das minhas mãos - Seminários Internacionais Museu Vale 2013