1
2
Fala,
Presidente!
C
omo pano de fundo, as reportagens de destaque desta
edição mostram o trabalho dos procuradores da República na defesa dos direitos do cidadão. São matérias que
abordam temas caros para o país, como as revelações de
uma época obscura de nossa história recente, que estão
vindo à tona com os levantamentos feitos pela Comissão Nacional da
Verdade (CNV). Para isso, entrevistamos o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles, que compõe a CNV.
Buscamos desvendar também a realidade cruel a que são submetidas milhões de vítimas do tráfico de pessoas. Segundo a Organização
das Nações Unidas, a prática está no rol de crimes que mais movimentam dinheiro no mundo, atingindo cerca de R$ 32 bilhões ao ano, dos
quais aproximadamente 85% provêm da exploração sexual. Encarregado de promover a ação penal, o Ministério Público Federal (MPF) é
protagonista nesses casos.
A revista A República entra, ainda, no cotidiano de servidores e
membros do MPF, para enaltecer ações bem sucedidas e mostrar lacunas
que precisam ser preenchidas. É o caso, por exemplo, do I Prêmio República de Valorização do MPF. Lançada este ano pela ANPR, a iniciativa
busca identificar, reconhecer e estimular o trabalho dos procuradores da
República no cumprimento de suas obrigações institucionais.
Já por meio de requerimento administrativo, a entidade de classe
defende a equiparação das licenças adotante e maternidade. O objetivo é proporcionar às famílias um tempo mínimo de adaptação à chegada de uma criança, não importando se de forma biológica ou se por
uma relação de adoção.
Momentos importantes para os integrantes do MPF, ocorridos ao
longo dos últimos meses, também ficam registrados nesta edição. A
eleição de Lista Tríplice para o cargo de procurador-geral da República
foi um dos pontos altos, com a realização de cinco debates entre os
candidatos. A lista já foi encaminhada à Presidência da República e ao
Ministério da Justiça.
No Congresso Nacional, ganhou repercussão nacional a campanha contra a Proposta de Emenda à Constituição nº 37/2011 – a PEC
da Impunidade –, que restringe a investigação criminal às polícias federal e civis. Mais de mil procuradores e promotores marcharam até a
Câmara dos Deputados para entregar manifesto contra a proposição.
O presidente da Casa, Henrique Alves, montou grupo de trabalho para
discutir o tema.
Outro destaque foram as eleições para Diretoria e Colégio de Delegados da ANPR. Mais uma vez, a chapa Nova ANPR foi a única a
registrar candidatura e vai permanecer no comando da entidade de
classe por mais dois anos. Agradeço aos colegas pela renovação da confiança. Vejo nisso uma responsabilidade ainda maior com a carreira.
Boa leitura!
Alexandre Camanho de Assis
Revista A República
Esta é uma publicação da Associação
Nacional dos Procuradores da República
Diretoria Biênio 2011/2013
Presidente
Alexandre Camanho de Assis (PRR1)
Vice-Presidente
José Robalinho Cavalcanti (PR/DF)
Diretor de Comunicação Social
Alan Rogério Mansur (PR/PA)
Diretor para Aposentados
José R. Ferreira (aposentado/PGR)
Diretora-Secretária
Caroline Maciel (PR/RN)
Diretor Financeiro
Gustavo Magno Albuquerque (PR/RJ)
Diretor de Assuntos Legislativos
Sergei Medeiros Araújo (PRR3)
Diretora Cultural
Monique Cheker de Souza (PR/RJ)
Diretor de Assuntos Corporativos
Maria Hilda Marsiaj Pinto (PRR4)
Diretor de Assuntos Institucionais
Léa Batista de Oliveira (PR/GO)
Diretor de Assuntos Jurídicos
Antônio Edílio M. Teixeira (PRR5)
Diretora de Eventos
Zani Cajueiro (PR/MG)
Revista A República
Junho de 2013
Tiragem: 4.000 exemplares
Foto da capa: Pedro Lino
Jornalista Responsável
Renata Freitas Chamarelli
MTB – 6945/15/172-DF
Edição:
Renata Freitas Chamarelli
Textos:
Rafania Almeida, Shirley de Medeiros e
Sylvia Dimittria
Projeto Gráfico:
Pedro Lino
Contato:
SAF Sul Quadra 4 Conjunto C Bloco B
Salas 113/114 – Brasília (DF)
Cep 70.050-900
Fone: 61 – 3961-9025
Fax: 61 – 3201-9023
e-mail: [email protected]
Twitter: @Anpr_Brasil
Facebook: ANPRBrasil
www.anpr.org.br
3
Índice
Curtas
5e6
Capa
Integração
Vítimas
invisíveis
Arrecadação
por madeiras
apreendidas
beneficiará reserva
extrativista
10-13
Parlamento
PEC da
Impunidade:
mobilização
leva à criação de
grupo de trabalho
7
Entrevista
Para que não
se esqueça,
para que
nunca mais
aconteça
ANPR recomenda
Nossos
escritores
14-17
21
Em Destaque
Mobilização
Artigo
- Lista Tríplice
Direitos
iguais
para mães
biológicas e
adotantes
Justas
férias de
60 dias
- 1º Prêmio
República
8-9
4
20
18-19
22
Curtas
Chapa “Nova ANPR” é reeleita para o Biênio 2013/2015
Ocorreram no dia 12 de
abril as eleições para a Diretoria e o Colégio de Delegados da
ANPR (Biênio 2013/2015). A chapa “Nova ANPR”, única a registrar candidatura, foi reeleita com
308 votos válidos.
A solenidade de posse deu-se
no dia 14 de maio. Parte dos membros continuará nos cargos, mas
houve modificações em algumas
diretorias.
Reassumem os cargos:
Alexandre Camanho de Assis (PRR1)
Presidente
Confira os nomes dos
integrantes:
José Robalinho Cavalcanti (PR/DF)
Vice-presidente
Monique Cheker de Souza (PR/RJ)
Diretora Cultural
Zani Cajueiro T. de Souza (PR/MG)
Diretora de Eventos
Novos diretores:
Antônio Edílio M. Teixeira (PRR5)
Diretor de Assuntos Jurídicos
Caroline Maciel da Costa (PR/RN)
Diretora Secretária
José R. Ferreira (aposentado/PGR)
Diretor para Aposentados
Gustavo M. G. De Albuquerque (PR/RJ)
Diretor Financeiro
Léa Batista de Oliveira (PR/GO)
Diretora de Assuntos
Institucionais
Ascom/ANPR
Alan Rogério Mansur Silva (PR/PA)
Diretor de Comunicação Social
Maria Hilda Marsiaj Pinto (PRR4)
Diretora de Assuntos Corporativos
Sergei Medeiros Araújo (PRR3)
Diretor de Assuntos Legislativos
Adicional por Tempo de Serviço (ATS) é tema
prioritário em 2013
A ANPR, juntamente com as
demais entidades que compõem
a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público da
União (Frentas), elegeu o restabelecimento do Adicional por Tempo de Serviço (ATS) como um dos
temas prioritários em 2013.
As ações se voltam, especialmente, para a votação da PEC do
ATS (PEC 5/2011) – e apensadas –,
projetos que, entre outros pontos,
reintroduzem o adicional como
componente da remuneração das
carreiras do Judiciário, do Ministério Público, da Advocacia e da
Defensoria Pública. Atualmente,
a PEC tramita no Senado Federal
e deve passar, ainda, pelo crivo da
Câmara dos Deputados.
O presidente da ANPR,
Alexandre Camanho, integra
a comissão criada pela Frentas para executar um Plano de
Trabalho que prevê estratégias
políticas e de engajamento dos
membros das magistraturas
para sensibilizar os parlamentares acerca do tema.
A Associação já encaminhou nota técnica ao Senado Federal referente às propostas. No
documento, a entidade declara
ser a favor dos projetos, uma vez
que objetivam o retorno de uma
vantagem financeira voltada à
valorização do servidor e ao reconhecimento da sua qualificação
profissional, adquirida pelo tempo de serviço.
No início do ano, o relator
da PEC do ATS, na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJ), senador Gim Argelo (PTB/
DF), visitou a ANPR para tratar
sobre o assunto. Recebido por
Camanho, o senador afirmou que
dará atenção especial ao projeto,
visando a corrigir distorções e
melhorar o quadro do MP.
Em março, Camanho também se reuniu com o presidente
do Supremo Tribunal Federal,
ministro Joaquim Barbosa, para
discutir temas de interesse das
carreiras do Judiciário e do Ministério Público. Na ocasião, o presidente da ANPR pediu o apoio de
Barbosa na tramitação da proposta sobre o pleito.
5
Curtas
MP brasileiro receberá prêmio por Mensalão
dos pelos membros do Ministério
Público Federal durante a investigação, o processo e o julgamento da ação penal do Mensalão.
Indicação - Em março, a ANPR,
por meio da procuradora regional da República Carla de Carli
(PRR4), apresentou a ação e os cinco membros do Ministério Público Federal envolvidos no caso ao
Prêmio de Procuradores do Ano
Ascom/ANPR
O Comitê Executivo da Associação Internacional de Procuradores (na sigla em inglês
Internacional Association of Prosecutors - IAP) decidiu por unanimidade conceder o “Special
Achievement Award” (Prêmio
de Realização Especial) à Procuradoria Geral da República do
Brasil. A decisão é um reconhecimento pelo esforço, eficiência e
excelência dos trabalhos realiza-
de 2013. Foram indicados: o procurador-geral da República, Roberto
Gurgel; o subprocurador-geral da
República aposentado Antônio
Fernando Barros e Silva de Souza, que ocupou o cargo de PGR
de 2005 a 2009; os procuradores
regionais da República Alexandre
Espinosa Bravo Barbosa (PRR1) e
Raquel Branquinho Pimenta Mamede Nascimento (PRR1) e o procurador da República José Alfredo
de Paula Silva (PR/BA).
O evento é organizado anualmente pelo órgão e a entrega da
premiação ocorrerá durante a cerimônia de abertura da 18ª Conferência Anual da IAP, em Moscou,
de 8 a 12 de setembro.
Associação protocola ações coletivas contra a União
A ANPR protocolou duas
ações coletivas contra a União. A
primeira, apresentada em março,
requer o pagamento de indenização pelo descumprimento do
artigo 37-X da Constituição Federal – relativo à revisão anual do
subsídio – nos últimos cinco anos.
Entre os fundamentos defendidos, o documento ressalta que o
inciso X foi alterado pela Emenda
Constitucional nº 19 de 1998, que
afirma: “a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que
trata o § 4º do artigo 39 somente
poderão ser fixados ou alterados
por lei específica, observada a
iniciativa privativa em cada caso,
assegurada a revisão geral anual,
sempre na mesma data e sem distinção de índices”.
Dessa forma, não haveria dúvida de que o novo texto constitucional impôs à União um dever
jurídico, cujo descumprimento
acarreta a obrigação de indenizar
6
os danos dele recorrentes. Outro
ponto destacado é de que, devido
aos índices de inflação acumulados nos últimos anos, o desrespeito a essa obrigação levou à perda
do poder aquisitivo que tinha o
subsídio em 2005.
Já a segunda ação foi protocolada em maio e postula a não-incidência de Imposto de Renda sobre o terço constitucional
de férias. A Associação destaca
que, por ocasião da concessão
de férias anuais, a classe recebe
o terço constitucional a que se
refere o § 3º do artigo 220, da Lei
Complementar nº 75, de 1993
– quantia constitucionalmente
prevista no 7º, XVII, da Constituição Federal.
“Os valores recebidos não
podem ser objeto de Imposto de
Renda retido na fonte, consoante
o complexo normativo de regência do tema, bem como a reiterada
jurisprudência do Supremo Tribu-
nal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que reconhece a natureza indenizatória da parcela,
devendo ser afastado o desconto
e devolvidos os valores já tributados nas folhas de pagamentos do
adicional”, destaca o documento.
Consulta à classe - Em dezembro do ano passado, conforme
previsto em estatuto, a ANPR
convocou os associados para
participarem, via internet ou de
forma presencial, de Assembleia
Geral para definir sobre o ajuizamento de três ações. O pleito
resultou em parecer positivo por
parte dos membros. A próxima
ação a ser protocolada será o pedido da equiparação remuneratória dos subsídios da categoria
com os dos membros do Poder
Legislativo - dado o caráter remuneratório das parcelas salariais adicionais instituídas para
as carreiras desse Poder.
Parlamento
PEC 37: Grupo de Trabalho discute
aperfeiçoamento da investigação
Shirley de Medeiros
para a instituição ministerial. Nossa
abertura é para regulamentar com o
Congresso Nacional regras e procedimentos para investigação criminal do MP”, pontuou Camanho. O
coordenador do Grupo, secretário
de Reforma do Judiciário Flávio
Crocce Caetano, ressaltou a importância da construção do consenso
sob as premissas de cooperação e integração entre o Ministério Público
e as Polícias.
Camanho destacou que o
panorama nacional mostra claramente o trabalho conjunto feito
pelo MP com a polícia e que isso
deve ser considerado no debate.
“Temos uma dinâmica de cooperação. O MP e a polícia trabalham
na produção de provas para a elucidação do crime”, afirmou.
Por fim, no encontro ocorrido
dia 27 de maio, o GT decidiu que
as discussões serão prorrogadas até
20 de junho, data limite estipulada
pelo presidente da Câmara e pelo
ministro da justiça para a entrega
dos resultados das atividades. Caetano antecipou que já existe um
acordo entre delegados e procuradores da República participantes
de que o MP permanecerá atuando
nas investigações criminais.
Para Camanho, os trabalhos
do colegiado serão mais frutíferos
se o tema for debatido por mais
tempo e com mais responsabilidade. “Nosso objetivo é fortalecer as
instituições, promovendo, inclusive, o monitoramento do orçamento das secretarias de Segurança
Pública nos estados”, disse.
de Emenda à Constituição 37/2011
(PEC 37) em Brasília, que reuniu
mais de mil participantes, entre procuradores, promotores, representantes de entidades e da sociedade
civil, no Congresso Nacional. Na
ocasião, foi entregue um manifesto
ao presidente da Câmara, Henrique
Eduardo Alves (PMDB-RN), que se
comprometeu a discutir o assunto e
a colocar a PEC na pauta do plenário em junho deste ano.
Durante o encontro, Camanho reforçou que a PEC 37/2011
representava um retrocesso. “Subtrair uma prerrogativa visceral do
MP é um atentado contra a Democracia e contra a cidadania, e nos
parece claro que o Congresso Nacional não vai cometer essa falta
de juízo”, declarou. O presidente
da ANPR destacou que o momento seria de dar um passo à frente
e promover uma discussão mais
acertada: a modernização da investigação criminal.
Buscando um acordo entre
as partes envolvidas na discussão
da proposição, Alves convocou o
ministro da justiça, José Eduardo
Cardozo, membros do Ministério
Público Federal, delegados de polícia e parlamentares para reunião
sobre o tema, que culminou na
criação do GT.
Ascom/ANPR
D
esde o início de maio,
a ANPR participa
ativamente das reuniões do Grupo de
Trabalho de Aperfeiçoamento da Investigação. O presidente da Associação, Alexandre
Camanho, representa o Ministério
Público Federal no colegiado, criado durante reunião entre o presidente da Câmara dos Deputados,
Henrique Eduardo Alves, o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo,
e representantes do MP, da Polícia
Federal e da Polícia Civil, quando se
debatiam os rumos da PEC 37/2011.
A medida foi uma tentativa
de promover uma ampla discussão
sobre a proposição – que pretende
concentrar o poder investigatório
nas mãos da polícia judiciária – e
apresentar ao Congresso Nacional
um projeto abrangente, alternativo a ela, que regulamente a investigação criminal no país. Integram
o Grupo quatro representantes do
MP, quatro das polícias, um do Ministério da Justiça, o senador Vital
do Rêgo (PMDB-PB) e os deputados federais Bernardo Santana
(PR-MG) e Fabio Trad (PMDB-MS).
Vários foram os cenários desenhados durante as reuniões feitas
pelo colegiado. Os representantes
do orgão ministerial já apresentaram uma proposta de projeto de
lei que regulamenta a investigação
criminal tanto pelo MP quanto pela
polícia judiciária. Mas os delegados
de polícia não chegaram a um acerto em relação ao poder investigatório do MP, nem se devem colaborar
com uma proposta de aperfeiçoamento dos trabalhos.
“Sempre sinalizei que não vamos negociar investigação temática
Entenda a criação do GT - No
dia 24 de abril, ocorreu a mobilização nacional contra a Proposta
7
Em destaque
ANPR encaminha Lista Tríplice para Presidência
da República e Ministério da Justiça
Ascom/ANPR
Shirley de Medeiros
E
m ofício dirigido à presidente da República, Dilma Rousseff, a ANPR encaminhou, no dia 19 de abril, a Lista Tríplice
para o cargo de Procurador-Geral da
República. O documento apresentou
os nomes dos subprocuradores-gerais da República Rodrigo Janot, que obteve 511 votos, Ela Wiecko
(457 votos) e Deborah Duprat (445 votos).
O presidente da ANPR, Alexandre Camanho, ressaltou no ofício a importância de a escolha ser apenas entre os agentes políticos que
atuam na mesma área, com os mesmos objetivos
e atribuições do procurador-geral da República,
sob pena de perder por completo seu sentido.
Após sua decisão, a chefe do Poder Executivo enviará o nome escolhido para suceder o atual
procurador-geral da República, Roberto Gurgel
– no cargo até dia 15 de agosto –, ao Senado Federal, para ser sabatinado.
888 membros do MPF (ativos e inativos), associados à ANPR. A escolha do candidato foi plurinominal, facultativa e secreta. Com 271 votos, a
candidata Sandra Cureau ficou em quarto lugar
e não entrou na lista.
“Tenho certeza de que a presidente da República, que lutou pela democratização do país,
prestigiará mais uma vez esse momento democrático dos procuradores da República”, afirmou
Alexandre Camanho, presidente da ANPR, ao
anunciar o resultado do pleito.
Ao registrar seu voto, o procurador-geral
da República, Roberto Gurgel, salientou a relevância da eleição. “Mais uma vez a carreira tem
a oportunidade de influir na escolha de quem
irá chefiar a instituição nos próximos dois anos.
Como a Constituição Federal não nos assegurou
essa escolha, a formação da Lista Tríplice é um
processo valioso para a classe”, declarou Gurgel.
Ministério da Justiça – Durante reunião com as
associações do MP sobre a PEC 37/2011 – a PEC
da Impunidade – realizada no dia 24 de abril,
Camanho entregou a Lista Tríplice ao ministro
da Justiça, José Eduardo Cardozo, presente no
evento. Na ocasião, Cardozo solicitou o envio
dos currículos dos candidatos, pedido que já foi
providenciado pela ANPR.
Consulta à classe - Há dez anos a Associação
organiza a consulta aos procuradores da República. Embora a presidente da República não seja
obrigada a aceitar a Lista Tríplice encaminhada
pela ANPR, nem haja previsão constitucional
para tal, a Associação mantém esta prática democrática, representativa da vontade da categoria.
Nesta eleição, a entidade inovou durante
as campanhas dos candidatos, aumentando o
número de debates entre os concorrentes de um
para cinco. Os eventos tiveram lugar nas cidades
de Brasília (DF), São Paulo (SP), Porto Alegre (RS),
Recife (PE) e Rio de Janeiro (RJ) e possibilitaram
um amplo contato entre candidatos e membros
da instituição, associações de membros e servidores do MPU e jornalistas.
Eleições - O resultado da Lista Tríplice foi fruto
da consulta à classe feita no dia 17 de abril pela
ANPR, nas unidades do Ministério Público Federal (MPF). A eleição, que virou tradição nos últimos 10 anos - tendo sido respeitada pelos presidentes da República Luiz Inácio Lula da Silva e
Dilma Rousseff -, contou com a participação de
8
1º Prêmio República de Valorização do MPF
divulga vencedores
A
ANPR organizou,
no dia 26, a cerimônia do 1º Prêmio
República de Valorização do Ministério Público Federal. Em evento
realizado em Brasília, os vencedores foram agraciados com troféu. Durante a abertura, Camanho lembrou as lutas do MP e as
perseguições que o órgão sofre
na defesa da sociedade.
“Temos sido perseguidos e sabotados por aquilo que fazemos de
bom e de certo. Nossa exemplaridade tem nos custado um preço. Com
esse prêmio, lembramos como é
bom e o quanto nos orgulha sermos procuradores da República”,
destacou o presidente da ANPR.
Também presente na cerimônia, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, declarou
que o Prêmio realça o trabalho de
excelência que os membros fazem
por todo o País. “Uma das únicas
formas de reconhecimento no MP
eram as representações dirigidas
contra os colegas procuradores”,
disse Gurgel.
Participaram da premiação
o vice-presidente da ANPR, José
Robalinho Cavalcanti e a representante da Diretoria da ANPR
Monique Cheker de Souza. Os trabalhos estão disponíveis no site:
www.anpr.org.br/premiorepublica.
Confira os vencedores:
1. Constitucional e Princípios
Institucionais
André de Carvalho Ramos –
Ação da Procuradoria Regional
Eleitoral em São Paulo que agiu
nos casos de candidatos a cargos
majoritários, cujos registros ha-
Ascom/ANPR
Rafania Almeida
viam sido indeferidos por inelegibilidades da “Lei da Ficha Limpa”.
2. Criminal e Controle Externo
da Atividade Policial
Daniel de Resende Salgado – Manual de Controle Externo, de autoria
coletiva, que visa a facilitar a atuação
do controle externo do MP e melhoramento da atividade policial.
3. Consumidor e Ordem Econômica
Sérgio Monteiro Medeiros – Ação
precursora, elaborada e proposta
para proibir o fumo em voos partindo de Roraima. Na época, era permitido fumar a bordo de aeronaves.
4. Meio Ambiente
Daniel César Azeredo Avelino –
O MPF no Pará identificou toda a
cadeia produtiva da pecuária – atividade apontada como a principal
responsável pelo desmatamento
na Amazônia – e iniciou um amplo
processo de mobilização e acordos
com cerca de cem municípios paraenses. O resultado foi a redução
de mais de 40% do desmatamento
na Amazônia.
5. Patrimônio Público e Social
Pedro Antônio de O. Machado –
Investigação que constatou um
boicote das empresas farmacêuticas e distribuidoras de medicamentos na venda de produtos ao
Poder Público, com o objetivo de
furtar-se a obedecer o regime de
preços legalmente fixado (Lei nº
10.742/2003 e Resoluções da Câmara de Medicamentos).
6. Índios, Comunidades Tradicionais e Minorias
Anelise Becker – Ação Civil Pública objetivando o restabelecimento
do pagamento do seguro defeso
às mulheres que tradicionalmente
exercem a pesca artesanal no estuário da Lagoa dos Patos (RS).
7. Direitos do Cidadão
André Carlos de A. Pimentel Filho – Foi levantado, por meio de
contato com pessoas cegas ou de
baixa visão, bem como com suas
respectivas associações, que a então cédula do Real não permitia
a identificação por essas pessoas
com deficiência. Em fevereiro de
2010, embora sem fazer menção à
recomendação, a Casa da Moeda
anuncia o novo design das cédulas, contemplando integralmente a
recomendação.
9
Capa
Vítimas invisíveis
Falta de denúncias, dificuldade
em investigar o crime e
legislação falha dificultam o
combate ao tráfico de pessoas
no Brasil
Rafania Almeida
O
tráfico de seres humanos é um
dos crimes que mais movimenta dinheiro no mundo. Segundo
a Organização das Nações Unidas, são cerca de R$ 32 bilhões
ao ano, dos quais aproximadamente 85% provêm da exploração sexual.
Os números são preocupantes. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes
(UNODC) calcula que o tráfico de seres humanos
já fez 2,5 milhões de vítimas em diversos países.
O Ministério Público Federal (MPF) é o órgão encarregado de promover a ação penal. Tem,
portanto, protagonismo nesses casos. Compete
a ele não só processar judicialmente os suspeitos
identificados durante a investigação criminal,
mas também auxiliar na elaboração de estratégias de prevenção e de investigação. “Cabe ao
MPF atuar na investigação criminal, com o intuito de assegurar que a prova produzida na fase
pré-processual tenha qualidade e seja em quantidade suficiente para permitir a punição judicial
dos responsáveis”, explica o procurador regional
da República Luiz Lessa.
A despeito de não ter no MPF um grupo que
trate especificamente do assunto, o tráfico de pessoas é um dos temas da Procuradoria Federal dos
Direitos do Cidadão. Além disso, a subprocuradora-geral da República Ela Wiecko explica que,
recentemente, a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão convocou interessados para compor Grupo
de Trabalho sobre Escravidão Contemporânea,
mas a composição ainda não foi noticiada.
“O MPF precisa definir uma estratégia de
atuação, não só no campo da persecução penal
como também das políticas públicas de prevenção”, avalia Ela Wiecko. Para a subprocuradora-
10
-geral, o órgão deve ter uma visão multidisciplinar do problema e buscar respostas abrangentes,
para além de metas de condenação penal.
A fala do ministro ganha força na argumentação da senadora Vanessa Grazziotin (PcdoB/
AM), presidente da CPI do Tráfico de Pessoas do
Senado, encerrada no ano passado. “Há registros
esparsos de todos esses tipos de casos, porém não
há uma estatística confiável ainda”, explicou. Isso
se deve não só às poucas denúncias como à dificuldade de se identificar a conduta delituosa.
Na Câmara, outra CPI sobre o assunto está
em andamento. A comissão foi criada em fevereiro de 2012 e o término está previsto para setembro deste ano. Presidida pelo deputado Arnaldo
Jordy (PPS-PA), a CPI já recebeu diversas denúncias de pessoas desaparecidas, mulheres forçadas
ao trabalho escravo, adoção ilegal de crianças e
até mesmo sobre mercado clandestino de tráfico
de órgãos. Porém, Jordy explica a dificuldade da
apuração pela invisibilidade das vítimas. Por isso,
os parlamentares trabalham na sensibilização e
conscientização da opinião pública. “Mostramos
que esse crime é mais próximo do que nós podemos imaginar”, disse Jordy.
O deputado avalia que é preciso aparelhar
melhor o Estado, que ainda é ineficaz no enfrenta-
Para Cardozo, outro problema é que a legislação brasileira é inadequada, pois
aborda o tráfico de pessoas apenas para fins de exploração sexual
Divulgação
Cenário nacional
De acordo com relatório do Ministério da
Justiça, entre 2005 e 2011, a Polícia Federal instaurou 514 inquéritos de tráfico interno de pessoas
e 344 de trabalho escravo. No mesmo período,
foram registrados 157 inquéritos por tráfico internacional de pessoas. Já o Departamento Penitenciário Nacional revela que, dos 381 indiciados
por tráfico internacional de pessoas para exploração sexual, apenas 158 foram presos -, menos
da metade. Isso porque existe a dificuldade em
reunir provas, o que dificulta a punição.
Lessa lamenta o fato de os números serem
tão baixos para um crime que movimenta tanto
dinheiro e já fez mais de 2 milhões de vítimas.
“Sem o trabalho do MPF, a punição dos autores
desses crimes é impossível no Brasil”, argumenta.
A atuação do MP deve ser abrangente tanto
no plano da repressão penal quanto no da prevenção. Ela Wiecko exemplifica com o caso de
trabalhadores bolivianos encontrados em situação análoga à escravidão em São Paulo, uma vez
que o Brasil não apenas “exporta” traficados, mas
também existem aqui quadrilhas “importadoras”
dessas vítimas. Eles eram explorados pelo ateliê
de costura de uma grife internacional. “O MPF,
por exemplo, vem atuando em prol da regularização da imigração boliviana. O Ministério Público
do Trabalho vem cobrando e acompanhando o
cumprimento das normas de proteção do trabalho nos ateliês de costura”, garante.
Dados do Sistema Nacional de Estatística de
Segurança Pública e Justiça Criminal (SINESPJC)
indicam que 1.735 pessoas foram vítimas de tráfico interno de pessoas para fins de exploração sexual no Brasil, entre 2006 e 2011. Contudo, essas
informações ainda não mostram um panorama
real do crime no Brasil e no mundo. As autoridades afirmam que não existe uma cultura de registro do fenômeno, poucas pessoas colaboram com
denúncias por medo ou vergonha e poucos são
punidos, entre outros pontos.
Para o ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, outro problema é que a legislação brasileira é inadequada, pois aborda o tráfico de pessoas apenas para fins de exploração sexual. Outras modalidades do crime não são enquadradas
como sequestro ou “contrato” para remoção de
órgãos ou o trabalho escravo.
11
mento do tráfico e na assistência às vítimas, além
de produzir uma legislação mais eficiente.
O crime já acontece há anos; entretanto, o
procurador regional Luiz Lessa, especialista no
assunto, aponta que ele se tornou uma preocupação há pouco tempo. O tráfico de seres humanos
só ganhou projeção internacional a partir de 2003.
No Brasil, isso aconteceu em março de 2004, com a
vigência do Protocolo Adicional à Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres
e Crianças. “Ainda hoje é possível notar uma deficiência de infraestrutura, dados e informações
que impedem os estados de combater esse tipo de
crime de forma efetiva”, esclarece.
A subprocuradora-geral afirma que o registro de informações será possível, de forma gradativa, com a implantação da Metodologia Integrada de Coleta e Análise de Dados e Informações,
elaborada por um Grupo de Trabalho, sob coordenação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça. “O MPF fez parte desse grupo
comigo e com o procurador da República Daniel
de Resende Salgado (PR/GO)”, diz.
A senadora Vanessa Grazziotin diz não ser
possível afirmar que houve um aumento no número de casos, mas as denúncias começaram a
aparecer. “Antes, esse crime passava despercebido, quase invisível mesmo, porque as vítimas tinham - e ainda têm - muito medo de denunciar,
ou se pensavam em fazer isso, não sabiam nem
como e nem para quem fazê-lo”.
No dia 13 de maio, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) entregou, para a senadora Ana Rita (PT-ES), nota
técnica referente ao Projeto de Lei do Senado
(PLS) nº 479/12 – que dispõe sobre a prevenção
e punição ao tráfico interno e internacional de
pessoas. A parlamentar é relatora do PLS na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ).
12
Além de se posicionar favorávelmente à proposta, as ANPR sugeriu ajustes na fundamentação de pontos como: colaboração premiada; vítima e isenção de pena; abrangência das medidas
assecuratórias; adequação redacional quanto ao
artigo 7º, parágrafo segundo – sobre a autoria do
crime –; e cooperação internacional.
Perfil das vítimas
Segundo declarações de organizações de
apoio às vítimas de escravidão e exploração sexual – feitas durante a CPI do Senado –, o perfil
das pessoas procuradas para tal finalidade é de
mulheres com menos de 30 anos, mães solteiras,
provedoras da família que, além dos filhos, têm
a mãe e mais algum parente para sustentar.
Há muitos casos de mulheres que sofreram
violência doméstica em seus relacionamentos
ou violência sexual na adolescência. Em geral,
engravidaram muito jovens e buscam melhoria
das condições de vida, porque suas experiências de trabalho foram sub-remuneradas. No
entanto, são registrados, ainda, casos de crianças e adolescentes sendo explorados ou vendidos para adoção.
O UNODC avalia que grande parte dos explorados e dos agentes criminosos são do gênero
feminino. O número de crianças traficadas corresponde a cerca de 20% do total de vítimas.
O procurador Luiz Lessa afirma que os traficados costumam integrar a parcela mais pobre
e, portanto, menos informada da população. “São
pessoas carentes de serviços e que não têm acesso
ou facilidade para compreender os riscos a que se
submetem”, explica.
Ele avalia que a mídia em geral tende a
apresentar os grandes centros urbanos, sejam
nacionais ou estrangeiros, como fonte inesgotável de riquezas e oportunidades. A discrepância
entre a remuneração paga nos países centrais
aos trabalhadores não-qualificados – como ope-
rários, domésticos e faxineiros, dentre outros– e
o salário oferecido nas nações de origem é enorme. Ele cita o exemplo dos Estados Unidos, onde
as chances de progressão econômica aparecem
como muito atrativas para esses imigrantes. “No
Brasil, quantos não foram os nordestinos que,
fugindo da seca ou de condições de miséria, mudaram para cidades como São Paulo, Brasília e
Rio de Janeiro, para ter uma chance de um emprego digno?”, questiona.
Lessa salienta que o drama não é a pessoa
migrar para outros lugares em busca de melhores
condições de vida. O problema ocorre quando a
promessa de trabalho não se concretiza ou quando a migração é feita de forma clandestina e a um
preço muito alto. “Nesses casos, quer seja por
necessidade de se manter, quer seja por dívidas
cobradas pelos responsáveis por trazer o trabalhador para o país, quer seja mesmo por estarem
cativas, essas pessoas acabam se colocando em situações iguais ou piores das que se encontravam
no seu país de origem”, diz.
Entre os agravantes para o risco das vítimas,
ele pontua os fatos de: na maior parte das vezes, o
trabalhador não falar a língua do país para onde
é enviado; o medo de sofrer alguma represália
das organizações criminosas que fazem o tráfico;
a crença de que se encontra em uma situação temporária e que, em breve, conseguirá vencer e se
estabelecer no país novo; algumas serem viciadas
em drogas; ou em função de contratos ou documentos que assinou, acreditar que se encontra em
dívida com o empregador.
Foi o que aconteceu com pelo menos 14 garotas que eram exploradas em um bordel na região Norte do país. Quem investiga o caso é a procuradora da República Thais Santi (PR/PA). Essa
é uma das ocorrências de tráfico de pessoas mais
recentes registrada no Brasil. Jovens eram levadas
do Rio Grande do Sul até o município de Altamira (PA), onde eram exploradas sexualmente para
atenderem a clientes na região das obras da Usina
de Belo Monte. “Vinham com a promessa de ganhar dinheiro e já chegavam com uma dívida de
R$ 13 mil da viagem, que se somaria às dívidas
de roupas, salão de beleza e alimentação, tudo
anotado em caderneta”, relata. As garotas não
poderiam ir embora enquanto não saldassem a
dívida, que só aumentava. “Além disso, tinham
que trabalhar sempre que fossem requisitadas, 24
horas por dia, e as condições físicas do local eram
de insalubridade”, afirma.
As jovens foram ouvidas pelo MPF em Belém e a procuradora recebeu inquéritos e depoimentos. A preocupação de Thais Santi é a amplitude do tráfico, uma vez que ele não se organizava
apenas no município de Altamira, mas também
no Sul do País, onde as mulheres eram aliciadas.
Os objetivos da procuradora são a efetivação da
prisão dos membros e que a investigação alcance
outros estados, o que deverá garantir a prisão de
toda a quadrilha e a segurança das vítimas.
Combate contra o crime ganha força
No dia 26 de fevereiro, o Ministério da Justiça, a Secretaria de Direitos Humanos e a Secretaria de Políticas para Mulheres lançaram o II
Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
O objetivo é promover a integração e o fortalecimento das políticas públicas, redes de atendimento e organizações para prestação de serviços.
O MPF apoia o Plano, que tem como uma
de suas metas o incentivo à denúncia por parte
das vítimas ou de pessoas ligadas a elas. Para isso,
devem ser dadas condições – especialmente proteção às pessoas traficadas, que não se sentem a
vontade para informar o crime às autoridades e
correm o risco de ficar à mercê dos aliciadores ou
das organizações criminosas.
A ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, diz que é necessário
instituir uma política de enfrentamento ao
problema que garanta a cidadania e a liberdade das vítimas.
13
Entrevista
Divulgação
Para que não se esqueça,
para que nunca mais aconteça
Integrante da Comissão Nacional da Verdade, o ex-procurador-geral
da República Claudio Fonteles afirma que o objetivo dos trabalhos
é garantir uma rede forte de proteção à Democracia, para que as
mazelas de um Estado ditatorial militar não voltem a se repetir
Shirley De Medeiros
A
Comissão Nacional da Verdade
(CNV) foi instituída em maio de
2012, pela presidente da República
Dilma Rousseff. De acordo com a
lei de criação, sua finalidade é apurar graves violações aos Direitos Humanos, ocorridas entre 1946 e 1988, com ênfase no período
da ditadura militar (1964-1985). Composta por
sete integrantes, um ano após sua instalação,
a CNV já promoveu mais de 10 audiências públicas pelo Brasil e, nas apurações, tem contado
com o auxílio de cerca de 40 outras comissões,
formadas por instituições da sociedade civil.
O prazo para finalizar os trabalhos é
maio de 2014, quando o grupo deverá entregar à presidente da República um relatório circunstanciado, detalhando todas as atividades
desenvolvidas e os resultados. Nesta edição da
revista, o ex-procurador-geral da República
Claudio Fonteles, um dos membros da CNV,
conta sobre a atuação do grupo e afirma que
o principal objetivo dos trabalhos é garantir
14
uma rede forte de proteção à Democracia,
para que as mazelas de um Estado ditatorial
não voltem a se repetir.
Dentro do esquema de revezamento feito
pelos integrantes do grupo à frente da Comissão, Fonteles coordenou os trabalhos por cinco
meses. Duas vezes por semana, visita o Arquivo
Nacional – órgão que possui um acervo de 16
milhões de papéis sobre o período – para realizar sua pesquisa documental e já divulgou 14
textos, nos quais analisa casos ocorridos no regime militar.
Aposentado pelo Ministério Público Federal desde 2008 – onde atuou por 35 anos –,
Fonteles exerceu o cargo de procurador-geral da
República entre 2003 e 2005. Humanista cristão,
natural do Rio de Janeiro, é membro leigo da Ordem de São Francisco e, desde que saiu do MPF,
faz trabalhos voluntários em comunidades pobres e com dependentes químicos, além de lecionar na Faculdade de Teologia da Arquidiocese
de Brasília (FATEO).
Como surgiu o convite para compor a Comissão Nacional da Verdade?
Meu nome foi uma escolha pessoal da presidente da República, Dilma Rousseff. Ela me
chamou em seu gabinete e disse que queria alguém com o meu perfil para compor o grupo:
um humanista cristão.
vítimas, parentes e amigos de pessoas que morreram durante o regime; e no levantamento pericial, onde a equipe, a partir de informações e
imagens, examina locais, refaz cenários e elabora laudos.
Já que as recomendações não possuem
carácter punitivo, na sua opinião, qual
será o maior legado da CNV para a socieE o senhor é um humanista cristão?
dade brasileira?
Sim, me considero. Sempre lutei pelos DiO principal ponto é dar uma resposta às
reitos Humanos e pela defesa da vida em sua
famílias que perderam entes queridos e reconsplenitude. Esse convite foi uma oportunidade
truir a história do país, trazendo a verdade à
para retomar meus ideais da juventude. Cotona. Acredito que quando os verdadeiros fatos
mecei minha militância aos 15 anos de idade,
são conhecidos, cria-se
no movimento estudanuma rede forte de defesa
til do colégio Elefante
da Democracia, de modo
Branco, em Brasília, e fui
“O principal ponto é dar
que as mazelas de um
membro da Ação Popular
uma
resposta
às
famílias
Estado ditatorial militar,
(AP), movimento estutorturador e assassino,
dantil ligado à esquerda
que perderam entes
jamais sejam esquecidas
católica. Também tenho
queridos e reconstruir a
formação em Teologia
história do país, trazendo e nunca mais se repitam.
Por outro lado, o Ministée, atualmente, leciono a
a verdade à tona ”
rio Público também pode
disciplina Doutrina Soresponder com ações que
cial da Igreja.
partam das recomendações apresentadas, para
exame do Poder Judiciário.
De acordo com a lei de sua criação (Lei nº
12.528/11), a Comissão tem a finalidade de
Na prática, já houve uma resposta do poder
examinar e esclarecer as graves violações de
público para alguma recomendação da CNV?
Direitos Humanos ocorridas no período enSim. Um exemplo foi o caso do assassinato
tre 1946 e 1988. Como se dá a legitimidade
do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975.
do trabalho da Comissão?
Após recomendação da CNV, atendendo soliciA lei determina que elaboremos Relatório
tação da família Herzog, a Justiça de São Paulo
circunstanciado para, em seguida, apresentardeterminou a mudança do registro de óbito para
mos recomendações a serem observadas. Para
que a causa da morte fosse alterada de asfixia
isso, trabalhamos em três principais frentes: na
mecânica para morte em decorrência “de lesões
busca de documentos para a produção de proe maus-tratos sofridos em dependência do II
vas documentais – em órgãos públicos e entiExército – SP (DOI-Codi)”. Também já houve a
dades, como o Arquivo Nacional, por exemplo;
devolução simbólica dos mandatos dos deputana coleta de depoimentos de pessoas – como
Divulgação
Vladimir Herzog morreu no dia 25 de outubro de 1975, durante uma sessão de tortura em um prédio utilizado pelo
Destacamento de Operações Internas – Comando Operacional de Informações do II Exército
15
dos cassados durante a ditadura, em sessão solene
da Câmara federal, presidida pela deputada Luiza
Erundina (PSB/SP).
regiões geográficas do
país. À atuação espon“Acreditamos que
tânea dessas Comissões
a contribuição
e da sociedade civil organizada soma-se cada
da sociedade é
vez mais a incessante
indispensável para
Dentro da Comissão,
busca pela verdade no
a criação dessa rede
como é dividido o traesclarecimento dos faprotetiva
em
torno
da
balho para a apuração
tos e das circunstâncias.
Democracia.”
dos fatos?
Qualquer pessoa ou insA equipe foi divitituição que tenha inforda em 12 grandes grupos temáticos que, inmações para contribuir com o trabalho pode
ternamente, seguem a metodologia citada
entrar em contato conosco.
anteriormente. Os temas abrangem a questão de pessoas torturadas, mortas e desapaQual a maior dificuldade enfrentada pelo
recidas no regime militar, a Guerrilha do
grupo em seu primeiro ano de atuação?
Araguaia, a Operação Condor, as violações
Na minha opinião, o curto prazo de temaos direitos de indígenas, o papel da igreja
po que temos para produzir - dois anos - e a fase
durante a ditadura, as violações de Direitos
de ajustamento entre os membros, pessoas que
Humanos de brasileiros no exterior e de esnunca tiveram a tradição de atuarem juntos.
trangeiros no Brasil e a perseguição a militaNão achei tão complicado coletar informações,
res que se opuseram ao regime, entre outros.
por exemplo. Todos os textos que escrevi são baseados em provas documentais produzidas pelo
Há a participação da sociedade civil organizada?
Estado ditatorial militar, fruto de pesquisas feiAcreditamos que a contribuição da societas no Arquivo Nacional, que possui um acervo
dade é indispensável para a criação dessa rede
de 16 milhões de papéis sobre o período.
protetiva em torno da Democracia. De acordo
com o previsto na Resolução nº 4 da CNV, foMas o acesso à informação nos órgãos miliram fechados diversos acordos técnicos com
tares foi facilitado?
instituições como a Ordem dos Advogados, o
Passado o mal-estar inicial, entramos em
Programa das Nações Unidas para o Desenvolum processo evolutivo de diálogo com os milivimento (PNUD), a Federação Nacional dos
tares, que não se negaram a contribuir. O Estado
Jornalistas (Fenaj), a União Nacional dos EsMaior do Exército já nos encaminhou documentudantes (Une), a Associação Juízes para a Detação, conforme havia se comprometido. As Formocracia (AJD), a ONG Movimento de Justiça
ças Armadas são corporações fundamentais para
e Direitos Humanos, entre outros. Mais de 40
o Estado Democrático e a nova geração de militaentidades da sociedade civil têm nos auxiliado
res tem uma outra visão sobre a importância da
nas investigações.
sua atuação, o que inclui não se envolver em assuntos políticos partidários, cuja definição há de
Em fevereiro, a mídia divulgou que, de acorcaber nos exatos termos da estruturação constido com levantamentos da CNV, a ditadura
tucional democrática à Presidência da República,
havia violado direitos de cerca de 50 mil
ao parlamento e ao Supremo Tribunal Federal.
pessoas, incluindo presos, exilados e torturados. Como o trabalho do grupo consegue
Como o senhor analisa as críticas vindas de
ter abrangência nacional?
militares, que tacharam o trabalho da CoIncentivamos a criação de Comissões
missão de revanchismo do governo atual?
da Verdade estaduais e municipais. Elas já
Essa é a opinião de militares antigos, 90% deles
existem em estados como Alagoas, Espírito
da reserva. Não há revanchismo. O Estado brasileiSanto, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro já reconheceu que a ditadura violou gravemente
ro e Rio Grande do Sul. Além disso, percorreos direitos da pessoa humana por seus agentes púmos o Brasil realizando audiências públicas
blicos. A propósito, basta que se veja a Lei 9104/95.
para colher depoimentos de vítimas e levanCumprir a legislação é dever sagrado para todos nós
tarmos informações. Já estivemos nas cinco
que nos empenhamos na defesa da Democracia.
16
Então, manter viva a memória é uma maneira de garantir a Democracia?
Sim. A juventude precisa ser incentivada a
não cair na alienação e a conhecer profundamente o passado. No dia da minha primeira
visita ao Arquivo Nacional, havia um piquete
montado na porta do órgão. Quando ponde-
rava com o grupo de grevistas sobre a importância de realizarmos o trabalho da CNV nas
dependências da instituição, ouvi de um jovem
funcionário público: “Estão mortos, estão sossegados”. Essa frase perturba-me. É um desrespeito a tantos e tantas que ofertaram a própria
vida em defesa das liberdades democráticas,
dentre elas, o próprio direito de greve.
Recentemente, a filha do deputado Rubens
Paiva agradeceu, publicamente, a CNV
pelo esclarecimento da morte do parlamentar. Como o senhor se sentiu com as
declarações?
Uma sensação pessoal de estímulo para que
eu continue com todo empenho nessa missão.
Após todos esses meses de trabalho, como o
senhor resumiria o sistema ditatorial militar
no Brasil?
Uma página violenta, obscura e que nunca
mais pode ser vivida em nossa história.
Divulgação
O trabalho da CNV pode contribuir para mudar o conceito de que o brasileiro é omisso
com relação ao seu passado?
É o que esperamos. Inclusive criamos uma
política na Comissão de pedir a preservação dos
locais que se notabilizaram pela repressão do estado ditatorial militar. A ideia é que esses espaços
de tortura e assassinatos transformem-se em museus, espaços vivos de memória e de construção
da história, para que essas mazelas nunca mais
aconteçam. Já emitimos ofícios solicitando, por
exemplo, a preservação das sedes dos DOI-Codis
do Rio de Janeiro e de São Paulo e do imóvel onde
funcionou a Casa da Morte, em Petrópolis.
17
Mobilização
Direitos iguais para mães
biológicas e adotantes
Prorrogação de licença-adotante é pleiteada junto à
administração do Ministério Público. O estatuto interno do órgão
não garante o previsto na Constituição
Sylvia Dimittria
A
Ascom/ANPR
chegada de uma criança ao lar é um
dos momentos mais esperados pela
família, seja por aquela que aguardou ansiosamente os nove meses
de gestação, ou aquela que está na
fila de espera da adoção. Ter nos braços alguém
para chamar de filho é o desejo da maioria das
mulheres, como Carolina Longo (foto), servidora do Ministério Público Federal em Brasília, que
sempre quis ser mãe. “A ideia inicial era ter um
filho biológico e adotar outro”, afirma. Os planos
tiveram que mudar. Por problemas de saúde, ela
foi impedida de gerar o filho biológico e acabou
optando pela segunda alternativa: adotar os dois
filhos que tanto desejou ter.
Carolina procurava por irmãos com idade entre 1 e 8 anos, até que encontrou Gabriel e
Thaís, à época com 5 e 1 ano respectivamente, no
abrigo Nosso Lar. Segundo ela, a adoção tardia
foi uma escolha, porém é um processo complicado. A construção da relação entre pais e filhos é
mais difícil e demorada. Nessa fase de adaptação
e concepção de uma nova identidade das crianças recém-chegadas ao lar, há um longo caminho
18
a ser percorrido. “É muito importante a presença
constante dos pais nessa etapa. Quanto mais próximos à criança, melhor”, defende ela.
O perfil buscado pela servidora se assemelha à nova realidade da adoção em Brasília. De
acordo com a Seção de Colocação em Família
Substituta da 1ª Vara de Infância e da Juventude
do Distrito Federal, a preferência por cor e gênero não é mais algo determinante. Em 2012, houve crescimento de 23% na procura por crianças
negras e maiores de 1 ano. Foram adotadas 18
crianças na faixa etária de 4 a 11 anos, e 43 de 0
a 3 anos de idade, totalizando 63 acolhimentos.
Nos processos de pedido de guarda, a adoção
tardia já demonstra crescimento, por isso precisa ser analisada de outra forma. Neste ponto,
a equiparação entre as licenças maternidade e
adotante é o principal pleito a ser discutido.
Buscando atender ao pedido dos servidores e membros do MPF, a ANPR formulou requerimento administrativo, solicitando revisão
do posicionamento institucional. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC)
também defende a equiparação entre as licenças
adotante e maternidade no âmbito do Ministério Público da União. O órgão enviou ofício ao
procurador-geral da República, Roberto Gurgel,
solicitando que a administração do MPU modi-
fique o entendimento quanto à não equiparação
da extensão da licença-adotante.
A administração do MPU baseia-se na Lei
n° 8.112/90 e na Lei Complementar n° 75/93.
O estatuto interno da instituição prevê que
membros e servidoras que adotem ou recebam
a guarda de criança menor de um ano têm diPara a procuradora da República (PRR3) Luiza Friescheisen, a licençareito à licença-adotante de noventa dias. No
maternidade tem a ver também com o convívio da criança e a nova família
caso de criança maior de um ano, o prazo é de
30 dias. Em ambos os casos, a licença pode ser
prorrogada por mais sessenta dias, nos termos
como a criação de vínculos e confiança é algo que
da Portaria PGR/MPU n° 510/2008.
deve ser conquistado com o tempo e a convivênO pedido de equiparação feito à administracia. Para as mães adotantes, isso seria uma granção do Ministério Público atende a um requeride conquista”, acrescentou.
mento da procuradora regional da República LuiO principal ponto defendido pela procuraza Cristina Fonseca Friescheisen (PRR3) que, ao
dora regional Luiza Cristina Fonseca Friescheisen
analisar o estatuto do órgão, considerou-o restrié a necessidade da criança, uma vez que a Constivo, tanto no que se aplica às servidoras quanto às
tituição defende os interesses sem distinções. A
mulheres membros do MPU. De acordo com a proprorrogação da licença mostrou a mudança do encuradora, toda a discussão
tendimento feita pela Consé se as normas do estatuto
tituição. Antes, entendiapodem ser aplicadas no
-se que a presença da mãe
“A
prorrogação
do
período
caso das mães adotantes,
abrangia o momento da
da licença-adotante é
passando por cima dessa
amamentação, justificando
necessária, principalmente, o curto período para crianequiparação prevista na
Constituição. “O que está
pelas questões psicológicas ças maiores de 1 ano. Conse fazendo é uma intertudo, para Friescheisen,
que envolvem os pais
pretação mais restritiva da
a licença-maternidade
e
a
criança.”
Lei para a Constituição,
não tem a ver apenas
não da Constituição para
com amamentação
a Lei, como deve ser feito. É evidente que o direito
e sim com o convívio da criança que cheé da servidora”, ressalta Friescheisen. Argumento
ga ao seio familiar, não importando se de
importante destacado por ela é que casos de adoforma biológica ou se por uma relação
ção tardia merecem a mesma atenção e tempo que
de adoção.
os de nascimento ou acolhimento de crianças com
A presidente da ONG Aconchego, Soraidade menor requer.
ya Kátia Pereira, explica que a relação afetiva vai
além do DNA. “A genética não garante filiação.
Relação de afeto - A prorrogação do períoPara se tornar filho, mesmo que gerado e criado
do da licença-adotante é necessária, principalpela própria mãe, é preciso ser adotado, é precimente, pelas questões psicológicas que envolvem
so que haja afinidades ”, destaca. A equiparação
os pais e a criança. A servidora Carolina Longo
entre os períodos de vivência se torna fundamenlembra que é neste período em que se constrói a
tal ao perceber que a adoção tardia precisa de
relação de família. “O prazo concedido às mães é
mais tempo e cuidado, já que a construção
curto e impede a adaptação a rotina. Trinta dias
de vínculos é conquistada mediante a prede licença é pouco, mal dá para fazer a matrícusença. “É uma relação instituída através
la na escola”, alega. Segundo ela, a prorrogação
do olhar, cheiro, toque, cumplicidade.
por mais 60 dias é razoável, mas ainda é pequena
É uma comunicação além da verbal, é
porque em 90 dias a criança ainda não está habiafetiva”, certifica Soraya. Outro fator
que deve ser levado em conta para defituada com a nova realidade, além de a presença
nir a equiparação é a formação psíquidos pais ser indispensável para a construção de
ca da criança – que ocorre na primeira
uma nova identidade. “O Gabriel está há seis meinfância, período desde o nascimento
ses fazendo terapia e até hoje não se sente à vonaté os 6 anos de idade.
tade para falar sobre sua história. Isso demonstra
19
Integração
Arrecadação por madeiras apreendidas
beneficiará reserva extrativista
Leilão de madeira ilegal no Pará concederá 50% do valor
arrecadado a unidade de preservação
SyLVIA DIMITTRIA
E
m março de 2010, ocorreu a maior apreensão
de madeira ilegal no
Brasil. A Operação Arco
de Fogo – ação conjunta entre Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Polícia
Federal, Força Nacional e Instituto
Chico Mendes de Biodiversidade
(ICMBio) – encontrou, escondidos
em uma floresta, 64,5 mil metros
cúbicos de madeira: mais de 23 mil
toras, com valor estimado em R$10
milhões. A floresta fica dentro da
reserva extrativista Renascer, unidade de conservação criada em 2009
que protege 400 mil hectares de área
verde, localizada em Prainha (PA). O
agravante é que junto à comunidade
estão serrarias que, antes dessa data,
obtiveram licença para operar na
região e se recusam a deixar o lugar.
Naquele mesmo ano, começaram as negociações para o acerto do
Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC), que surgiu de uma ação civil
do procurador da República Marcel
Brugnera (PR/PA). O objetivo era fazer com que a madeira apreendida
fosse destinada às comunidades extrativistas locais. Em 15 de janeiro de
2013, o documento assinado entre
Ministério Público Federal no Pará
(MPF/PA), ICMBio, Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à
Fome e a Reserva Extrativista (Resex)
Renascer foi enviado à Justiça Federal.
O acordo prevê a realização do leilão
dentro de nove meses a partir da data
20
de sua homologação. O termo autoriza a destinação de 50% dos recursos
para o programa Fome Zero e o restante para investir no desenvolvimento sustentável da resex Renascer.
Representante do Ministério
Público no TAC, o procurador da
República Luiz Antonio Miranda
Amorim Silva (PRM/Santarém) destaca que a concessão do benefício à
reserva é uma forma de mostrar o reconhecimento do MP pelo trabalho
de proteção ao meio ambiente que
estas comunidades desempenham.
“Foi decidido que iria para a resex
primeiro pela atuação de preservação. Segundo, pela forma contundente como atuam na extração legal
de recursos, sempre preocupados em
proteger e não em explorar”, afirma.
A porcentagem do dinheiro
destinada à Renascer será administrada pelo Instituto Chico Mendes. É
responsabilidade do órgão planejar
e investir o valor em prol da comunidade. Delfem Ferreira, vereador
suplente e na época da fundação
da resex e presidente do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Prainha, ressalta que a população é carente em infraestrutura e precisa de
investimentos, principalmente nas
áreas de educação e saneamento. “A
resex foi criada para que a comunidade trabalhe sem agredir o meio
ambiente, mas precisa de políticas
públicas que garantam melhores
condições de moradia”, aponta.
Outra forma positiva de uso
do valor a ser recebido é através de
inovações tecnológicas. Para o Professor Doutor em Análise Ambiental e Desenvolvimento Sustentável,
Luiz Carlos Nasser, as reservas extrativistas têm papel primordial na
preservação, uma vez que mantém
intacta uma área explorada. Porém, funcionam de forma precária
e ganhos em causas desse tipo podem garantir melhores formas de
trabalho. “Investir em tecnologia
pode ser a saída para aumentar o
rendimento e a qualidade do produto, além de incentivar a extração
sustentável”, destaca. De acordo
com o professor, o reconhecimento
feito pelo Ministério Público contribui para que outros órgãos se
posicionem. “Parcerias com a Embrapa, por exemplo, podem ajudar
na adoção de tecnologias sustentáveis”, acredita.
O uso do benefício em recursos tecnológicos também é defendido por Delfem. “Investir para que
haja desmatamento zero é uma
causa válida. Com mais tecnologia,
podemos aproveitar melhor as capoeiras sem agredir a floresta”, lembra. A fiscalização do destino dado
aos recursos será feita pelo MPF/PA,
e o prazo para aplicá-los foi estimado em cinco anos. O procurador da
República Luiz Antonio Amorim
defende a iniciativa. “Esse tipo de
acordo faz com que autoridades
beneficiem comunidades carentes.
Espero que os órgãos atuem para
que produtos apreendidos possam
ir para esses grupos”, afirma.
ANPR recomenda
Nossos escritores
Autor: Procuradora Regional da República Maria Iraneide O. Santoro Facchini
Livro: Flores no caminho
Editora: SSUA Editora
Sinopse: Segundo livro de autoria da procuradora, assim como o primeiro – intitulado “Insubstituível” –, “Flores no Caminho” é uma coletânea com 50 poesias, umas das paixões de
Facchini. A procuradora vê na poesia uma forma de expressar reflexões e registrar seu ponto
de vista sobre os fatos cotidianos. O livro contempla poemas feitos entre 2008 e 2012, escritos
após a publicação da primeira obra. “Apaziguar a dor” é um texto em homenagem à Maria
Luíza, irmã falecida da escritora, e um de seus preferidos :
“Roubei do sol a alegria/de um dia cálido, enrubescido/e por momentos me senti feliz!
Sem embargo, tenho que seguir:/há coisas a fazer/estórias a contar/poemas a escrever...”
O livro pode ser encontrado nas livrarias Martins Fontes e Cultura.
Arquivo Pessoal
Perfil do autor: Amante do Direito e da poesia, Maria Iraneide Olinda Santoro Facchini iniciou a carreira pública como
procuradora do município de São Paulo. Em 1992, ingressou no Ministério Público Federal na Procuradoria Regional do
Estado. Hoje atua na área criminal da PRR3, além de ser membro suplente, pela segunda vez, da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão da PGR. A literatura é uma de suas paixões, além da música, escultura, fotografia, cinema e natureza. Gosta
de cantar e há seis anos se apresenta nos shows de talento do Encontro Nacional dos Procuradores da República.
Autor: Procurador da República Edilson Vitorelli Diniz Lima
Livro: Estatuto da Igualdade Racial e Comunidades Quilombolas
Editora: Juspodivm
Sinopse: O livro compõe a coleção ‘Leis para concurso público’, voltada para estudantes
de direito, porém vai além da literatura já existente que contempla o assunto, pois analisa,
a partir de uma perspectiva crítica, pontos equivocados na Constituição. A publicação
é dividida em duas partes: a primeira aborda o Estatuto da Igualdade Racial, em que as
ações afirmativas, a liberdade religiosa e os direitos sociais recebem destaque. Já a segunda
Arquivo Pessoal
ressalta a questão das comunidades quilombolas, onde o autor conceitua o real significado deste termo, uma vez que é facilmente confundido com um conceito histórico. Dentro da obra, Vitorelli mostra
os dois pontos a partir dos entendimentos do MPF, além de diferenciar a situação de negros e quilombolas, que é
análoga, mas não idêntica. O livro pode ser encontrado nas principais livrarias e também no site da editora.
Perfil do autor: Procurador da República em Campinas, Edilson Vitorelli é membro do MPF há quatro anos. Doutorando em Direito pelo UFPR e mestre pela UFMG, começou a carreira pública como procurador do Estado de
Minas de Minas Gerais, cargo exercido por pouco mais de três anos até tornar-se juiz federal e, posteriormente, ingressar no MPF. Estatuto de Igualdade Racial e Comunidades Quilombolas é o terceiro livro de Vitorelli. O primeiro
– intitulado ‘Estatuto do Índio’ – também faz parte da coleção ‘Leis para concurso público’. O interesse pelos temas
de ambas as obras vem desde a atuação como procurador em Minas Gerais, onde defendeu casos como o da comunidade quilombola Marques, em Carlos Chagas (MG), e dos índios Maxacali.
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Ascom/ANPR
Artigo
Justas férias de 60 dias
Ailton Benedito*
O
jornal Folha de
São Paulo, na
edição do dia
23/2/2013, na seção “Tendências/
Debates”, publicou argumentos favoráveis e contrários às férias de 60
dias para membros do Poder Judiciário, extensíveis aos integrantes
do Ministério Público, por força de
igual constitucional. Naquela seção, o advogado Sergei Cobra Arbex, escrevendo “Não” às férias de
60 dias, pugnou por uma pretensa
“Regra única para todos”. Enquanto o desembargador Nelson Calandra, favorável, redarguiu para
“muito além dos factoides”.
Pois bem, é inatacável que
as férias de 60 dias aos membros
do Poder Judiciário e do Ministério Público são não apenas legais,
mas, sobretudo constitucionais, legítimas, perfeitamente adequadas
à justiça social.
Contudo, para dissimular os
assaques contra os direitos desses
agentes políticos, os acusadores,
comodamente encastelados nos
Poderes Legislativo e Executivo,
e, pasme-se, no Poder Judiciário e
Ministério Público, “esquecem-se”,
desejando que ninguém os lembre, de que o direito a 60 dias de
férias integram-se a um regime jurídico bastante mais complexo que
vinculam indelevelmente a vida
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pessoal, familiar e funcional e a
cidadania dos membros do Poder
Judiciário e do Ministério Público.
Exemplificativamente, os integrantes do Judiciário e do MP
são atingidos por proibições que
não alcançam outros agentes públicos, à medida que são proibidos
de: exercer outro cargo ou função,
salvo magistério; receber custas ou
participação em processo; dedicar-se à atividade político-partidária;
receber auxílios ou contribuições
de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as
exceções previstas em lei; exercer a
advocacia perante o órgão do qual
se afastou, antes de decorridos
três anos do afastamento do cargo
por aposentadoria ou exoneração;
além de outras atividades.
Prosseguindo, em confronto
com diversas categorias profissionais, integrantes do Judiciário e do
MP não se beneficiam de direitos
daquelas, tanto celetistas quanto
estatutários: horas extras remuneradas, descanso semanal remunerado, fundo de garantia por tempo
de serviço, remuneração do trabalho noturno superior ao diurno,
entre outros.
Também não se beneficiam
de direitos que lhas assistem,
malgrado os demagogos finjam-se de cegos, surdos e mudos:
aposentadoria especial de 25
anos de serviço, igualmente aos
delegados, agentes e escrivães;
não podem se aposentar com cinco anos a menos de idade e contribuição, como professores; não
recebem 14º, 15º salários, nem
verba de gabinete, nem plano de
saúde integral etc, analogamente
aos parlamentares federais.
Entretanto, não se observa
nenhum inconformismo daqueles
acusadores contra direitos dessas
categorias profissionais. Daqueles não se leem alegações de que
o caos na segurança pública (50
mil assassinatos por ano) deva-se
à aposentadoria especial de delegados, agentes e escrivães. Não se
ouvem invectivas contra a aposentadoria antecipada de professores,
à conta das mazelas da educação.
Não denunciam o leque de benefícios dos parlamentares entre as
causas de degradação da política.
Os demagogos de plantão
maculam os direitos e prerrogativas dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público
de injustos, de privilégios inaceitáveis, de causas de todos os problemas do sistema de justiça. Vislumbram ademais, extinguir esse
e outros direitos sem diminuir a
carga de deveres.
Assim, vão-se propagando
ideias de que os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público são beneficiários de injustos
privilégios. No entanto, não passam de falácias.
Enfim, ônus e prerrogativas
dos integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público compreendem a própria substância
dos mesmos. Dessa feita, o seu
regime jurídico deve ser responsavelmente entendido, debatido,
tratado e assegurado pela sociedade e pelos Poderes Executivo,
Legislativo e também pelo próprio
Judiciário e o Ministério Público.
*Procurador da República em
Goiás (GO)
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