A LIQUIDAÇÃO EXTRA-JUDICIAL DA SOCIEDADE PELO
CÓDIGO CIVIL
Dr. Rénan Kfuri Lopes
I- CONCEITO
A “liquidação da sociedade” só ocorre após resolvida a dissolução da
sociedade, pois necessário esteja revelada a intenção em não mais prosseguir no
negócio.
Assim, num primeiro passo, mister que se proceda à dissolução da
sociedade em alguma de suas formas: de pleno direito, nas situações que a
própria lei ou o contrato prevêem expressamente; extrajudicial ou voluntária, na
qual os interessados amigavelmente deliberam pela dissolução, e , judicial,
observando o procedimento previsto no art. 1.218 inciso VII do CPC, que remete o
processamento aos arts.655 usque 674 do CPC de 1.939 tanto para a dissolução
quanto para a liquidação.
Insta pontuar a necessidade de se respeitar na fase da liquidação, as
disposições de vontade estampadas no ato constitutivo da sociedade e no
instrumento que deliberou pela dissolução. A sociedade tem o direito de traçar a
forma que vai se proceder à liquidação, desde que respeitados os princípios legais
de direito e não venha a trazer prejuízos aos credores em benefício dos sócios. De
igual maneira, a liquidação tem de acompanhar diretrizes porventura traçadas na
decisão judicial que ordenou a liquidação.
O objetivo precípuo da liquidação da sociedade é se apurar o patrimônio
social (bens), que consiste no seu ativo, aí incluindo a cobrança judicial de
créditos com terceiros, vender o ativo e satisfazer integralmente o passivo.
Havendo sobra, procede-se ao rateio entre os sócios e acionistas dentro da
proporção de seus direitos.
A sociedade no transcurso do estado de liquidação não pode ser
considerada como uma massa falida. Nada disto. Ela tem vida própria,
continuando a gerir seus negócios, só que a ótica adotada não é de manter a
atividade social contemplada na sua constituição, mas sim o desejo de satisfazer
os credores através da liquidação.
Com o término da liquidação, sobrevem a extinção da personalidade
jurídica da sociedade, pois seu objetivo esvaiu ante a ausência de interesse na
continuação de suas atividades.
II - A LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DA SOCIEDADE
II.1- NOMEAÇÃO DO LIQUIDANTE
A condução do processo de liquidação da sociedade é realizada por um
LIQUIDANTE, escolhido pelos administradores e em consonância com o contrato
social, que atuará durante a fase da liquidação até a extinção da sociedade.
O liquidante poderá até ser um dos próprios administradores da sociedade,
acaso assim preveja o contrato social, norma estatutária ou pela assembléia geral
que aprovou a dissolução.
Não prevê a lei que o liquidante seja pessoa física ou pessoa jurídica, e daí
abrindo ensanchas para que a escolha recaia sobre qualquer um, desde que,
obviamente, se trate de um liquidante com conhecimento técnico da atividade que
desenvolverá, idoneidade moral e financeiramente, oferecendo condições seguras
para o desenvolvimento de sua tarefa para a qual foi escolhido.
Também a lei não especifica se poderão ser nomeados mais de um
liquidantes, o que permite interpretar esta possibilidade.
Nomeado o liquidante, ele se investirá do cargo em termo próprio lavrado, e
sua nomeação será averbada no contrato social da empresa, perante o órgão
competente, para que todos tenham conhecimento que a sociedade está em fase
de liquidação (art. 1.102 parágrafo único do CC).
A escolha do liquidante deve observar o contrato social ou o estatuto e a lei
civil, adequando-o conforme o tipo jurídico da sociedade que entrará no processo
de liquidação:
- sociedade simples, sociedade em nome coletivo e sociedade em
comandita simples, bastará uma alteração no contrato social ou um termo de
deliberação dos sócios;
- sociedade limitada, uma assembléia de sócios (para aquelas com 11 ou
mais sócios) ou uma reunião com a presença de todos os sócios lavrando-se um
documento na escolha do liquidante;
- sociedades por ações (companhias e sociedades em comandita por
ações) através de uma assembléia geral extraordinária (Lei 6.404/86, art.208 e
280 a 284 e arts.1.088, 1.089, 1.091 e 1.092 do Código Civil);
- cooperativas, convocação de assembléia geral (Lei 5.764/71, arts. 63,I, 65
e arts.1.093 a 1.096 do Código Civil).
Registrada perante terceiros a liquidação, estar-se-á dando efetivamente o
início à fase de liquidação, e obrigatoriamente, será acrescido ao nome da firma a
cláusula “em liquidação”. Assim, os documentos, petições, atos e comunicações
de qualquer natureza, o nome da sociedade deverá vir acrescido da expressão
“em liquidação”. As leis especiais prescrevem que na liquidação extrajudicial, o
acréscimo é da expressão “em liquidação extrajudicial”, enquanto na falência, é
antecedida a expressão “massa falida de”.
A partir daí, ou seja, durante o período da liquidação, a sociedade será
representada pelo liquidante, tanto extrajudicial como judicialmente, posto que o
art. 12 inciso VI do CPC dicciona que as pessoas jurídicas são representados em
juízo por quem designarem os estatutos. E os estatutos, em face da liquidação
informam que a presença do liquidante como representante da sociedade.
II.2 - DEVERES DO LIQUIDANTE
O liquidante atua na liquidação extrajudicial em semelhança com o
desempenho administrativo do síndico numa falência, buscando a consolidar um
ativo para com ele pagar o passivo.
Substituindo os administradores, o liquidante assume as obrigações e
responsabilidades daqueles que substituiu, de acordo com a tipo jurídico da
sociedade liquidanda.
A remuneração dos serviços prestados pelo liquidante é decisão que deve
ser tomada no ato da sua escolha, pois a lei não prevê percentuais sobre o ativo
(como faz a lei de quebra) e não há vínculo empregatício. Por isso, estabelecida a
remuneração do liquidante esta há de ser paga preferencialmente sobre qualquer
outra despesa, em face do indispensável trabalho desenvolvido na liquidação da
sociedade, sem o qual não se terá condições de reverter benefícios para os
credores da liquidanda.
Os deveres do liquidante vêm basicamente condensados nos nove incisos
do art. 1.103 do Código Civil.
Incumbe ao liquidante averbar na junta comercial ou órgãos competentes a
ata ou o instrumento que deliberou pela dissolução da sociedade e a instalação de
sua fase de liquidação, bem como publicar em jornal considerado de grande
circulação a dissolução da sociedade e o início da liquidação.
O liquidante tem a tarefa de arrecadar os bens, livros e documentos da
sociedade, onde quer que estejam localizados, lavrando-se um auto específico
para estas diligências. O liquidante, como administrador da empresa (e de seus
bens), precisa ter pleno conhecimento do patrimônio (para fins imediato de
conservação e de vindoura alienação) e dos documentos, especialmente os
contábeis, para identificar as obrigações (direitos e deveres) de responsabilidade
da liquidanda e promover aos acertos contábeis da sua administração, vez que ao
final está obrigado a prestar contas.
E nesta análise contábil averiguará a situação da empresa, financeira,
econômica e as necessidades de aporte de capital pelos sócios.
Até no prazo de 15 (quinze) dias depois da investidura do cargo, elaborará
o inventário e o balanço geral do ativo e do passivo, podendo solicitar dos
administradores auxílio nesta empreitada, para que seja satisfeita esta
empreitada. Todavia, caso o liquidante não consiga proceder a este levantamento
no prazo legal, deverá comunicar por escrito aos administradores, justificando o
retardamento da diligência e informando o novo para necessário para providenciar
a relação dos bens e o balanço geral.
Terá o liquidante de ultimar os negócios da sociedade, significa dizer dar
termo nos seus contratos, pois o prosseguimento das obrigações não se afeiçoa
com o propósito da liquidação de vender os bens culminando com a extinção da
sociedade.
Poderá o síndico transacionar e cobrar dos devedores da sociedade,
receber pagamentos de dívidas e dar quitação, ingressar em juízo, representando
a sociedade contra os devedores e em qualquer situação que exija buscar o
judiciário.
Autorizado pelo contrato social ou em decisão da assembléia, o liquidante
poderá contrair empréstimos, gravando com ônus reais os móveis e imóveis.
Entretanto, esta diligência tem de ser justificada, deixando demonstrado que os
gravames no patrimônio só se dão para solver obrigações inadiáveis (por
exemplo, salários, tributos, títulos em via de protesto que podem gerar pedido de
falência ou execução com penhora de bens), visando atingir o objetivo máximo de
pagamento aos credores e extinção da sociedade.
II.3 - A REALIZAÇÃO DO ATIVO E PAGAMENTO AOS CREDORES
A realização do ativo é feita através da venda dos bens da sociedade pelo
liquidante, diretamente ao comprador ou por leilão público. Pode ser que o
contrato social ou em decisão de assembléia se tenha estabelecido previamente a
forma da alienação dos bens. Fundamental que estas vendas sejam realizadas
com transparência e dando a maior publicidade possível, para evitar
questionamentos quanto a lisura da alienação.
Obtendo a sociedade recursos, o liquidante pagará os encargos
despendidos no período da liquidação da sociedade e os credores da massa
liquidanda. O saldo remanescente será distribuído entre os sócios e acionistas,
proporcionalmente aos seus direitos frente à sociedade. Poderá acontecer que
essa partilha do saldo remanescente aos sócios se proceda antecipadamente ao
final da liquidação, mas isto só dará depois de pagos os credores e por
deliberação da maioria dos sócios (art.1.107 do Código Civil).
Se os bens forem insuficientes para a integral satisfação dos credores, o
pagamento será feito proporcionalmente ao valor das dívidas vencidas. As dívidas
“vincendas” serão pagas com o devido desconto correspondente ao prazo que
falta para o vencimento da obrigação (art. 1.106 do Código Civil).
O art. 1.106 no seu caput traz interessante observação no sentido de que
as dívidas vincendas haverão de ser pagas junto com as vencidas, mas “com
descontos”. Ora, o pagamento parcial (com descontos) de uma dívida necessita
do consentimento do credor, pois quando contratou com a sociedade esta não se
encontrava em estado de liquidação, e muitas das vezes apenas parcelou o valor
do principal de uma compra e venda, para exemplificar, o que acarretaria prejuízos
a terceiros credores. Também, se o credor não concordar com o desconto (e é seu
direito inarredável), causaria prejuízos para a massa liquidanda ter de aguardar o
vencimento para o pagamento, atrasando sobremaneira o processo de liquidação
e trazendo ônus para a sociedade. Daí que na prática, não admitindo o credor
ofertar qualquer desconto, e vislumbrando uma possibilidade de prejuízos no
retardamento da liquidação, data venia, entendemos possível que o liquidante
efetue o pagamento integral da dívida vincenda se dispuser de ativo.
Não resta dúvida que sucede o princípio maior de que todos os credores
terão igual direito sobre os bens comuns do devedor. Entretanto, a ordem de
preferência dos pagamentos concede privilégio outorgado por lei a um credor para
ser pago com preferência a outro. Neste quadrante, são considerados credores
preferenciais os “credores com privilégio” e os “credores com direitos reais”. Têm
privilégio especial os credores relacionados nos artigos 964 (de natureza pessoal,
verbi gratia, custas com a arrecadação e liquidação, benfeitorias necessárias e
úteis, credor de materiais, dinheiro ou serviços, frutos, produto de colheita, etc.) e
965 (de natureza geral, ad exemplificandum, despesa de funeral do devedor,
despesas com arrecadação, luto do cônjuge, despesas com fazenda pública no
transcorrer da liquidação, salários dos empregados domésticos, etc.). Já os títulos
legais de preferência, são os direitos reais de garantia sobre coisa alheia: penhor,
hipoteca, anticrese e caução de título de crédito.
Mas no direito hodierno, existem legislações especiais que consagram a
preferência absoluta dos créditos trabalhistas (CLT, arts. 144 e 449 § 1º),
enquanto o CTN dá privilégio ao crédito fiscal sobre qualquer outro.
Entendemos utilizar da interpretação adotada na lei de falências para dirimir
a questão da preferência no pagamento dos credores. Assim, primeiramente se
pagam os encargos da massa liquidanda (remuneração do liquidante e despesas
para a manutenção e processamento da liquidação), posteriormente os credores
na seguinte ordem: trabalhistas, fiscais, com garantia real, com privilégio especial
sobre determinados bens, com privilégio geral e quirografários (art.102 da Lei de
Quebra);
É permitido que o liquidante exija dos quotistas a integralização de suas
quotas, quando insuficiente o ativo, para dar solução do passivo nos limites da
responsabilidade de cada um e proporcional ao débito. Clama remarcar a
obrigatoriedade do sócio quotista que se encaixa dentro da qualidade jurídica e
própria da sociedade, para ver a obrigatoriedade de sua obrigação. Os sócios que
atenderem à chamada do liquidante serão credores frente aos sócios insolventes.
Esta integralização tem de ser formal e justificada por elementos extraídos do
balanço.
II.4 -CONVOCAÇÃO PERIÓDICA DA ASSEMBLÉIA DOS COTISTAS
O liquidante convocará a assembléia ou reunião dos administradores e
quotistas a cada 06 meses, apresentando relatório dos seus atos administrativos,
balanço contábil informando a atual situação da sociedade, as perspectivas de
pagamentos e as providências necessárias. Também nesta oportunidade da
assembléia, como também no transcurso da liquidação, o liquidante tem a
obrigação de esclarecer aos quotistas/acionistas as dúvidas e questionamentos
levantados de maneira fundamentada.
II.5 - PEDIDO DE CONCORDATA PREVENTIVA OU DE AUTO-FALÊNCIA
Plenamente possível o liquidante impetrar concordata preventiva, se
vislumbrar que a concessão deste benefício legal, que atinge apenas os credores
quirografários, conseguirá alcançar resultados positivos para ao final satisfazer
todo o acervo de credores. Deferido o processamento da concordata preventiva,
será nomeado um comissário (que não poderá ser o próprio liquidante), para
acompanhar e fiscalizar a concordata judicial dentro das recomendações da lei
falencial. Na hipótese de sobrevir a rescisão da concordata preventiva,
transformando-a em falência, o síndico nomeado pelo juiz, ao assumir o cargo,
ocupará o cargo do liquidante, desaparecendo a liquidação extrajudicial, dando
lugar à falência.
Noutra senda, verificando o liquidante que a empresa é insolvente, sem a
menor possibilidade de solver seus débitos, com um passivo superior ao ativo, tem
o liquidante o dever de confessar a falência, instruindo o pleito perante o juízo
competente, dentro da recomendação da lei civil e do art. 8º do Decreto-Lei
7.661/45, acompanhado do balanço do ativo e passivo, avaliação dos bens,
relação nominal dos credores comerciais e civil e contrato social. Também na
liquidação extrajudicial regulada pela Lei n. 6.024/74 que trata das empresas
ligadas ao sistema financeiro e consórcios), o liquidante nomeado pelo BACEN
pode pedir a auto-falência, confessando a situação de bancarrota da sociedade
(art. 21, letra ´b´). Preservando o direito ao contraditório, os sócios ou diretores
são citados para contestar o pedido de falência. Cabe aqui ressaltar, que não
comungamos que o balanço contábil elaborado pelo liquidante para justificar o
pedido de falência, em nenhuma das formas da liquidação de uma sociedade,
tenha a seu favor uma presunção absoluta de tornar a sua conclusão indene de
qualquer questionamento. Esse pensamento de uma respeitada parte da
jurisprudência não pode prevalecer, pois estes balanços são peças produzidas
unilateralmente, e não raras vezes trazem em si flagrantes equívocos. Daí nosso
posicionamento, que vem atrelado à experiência vivida por longos anos nas varas
de falência, da necessidade de ser instaurado o contraditório, com a maior
amplitude de defesa, não se podendo falar em risco aos credores por eventual
retardamento de uma sentença de quebra, pois os bens se encontram
indisponíveis pela arrecadação perpetrada pelo liquidante que geralmente figura
como depositário.
II.6 - ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO COM RELATÓRIO FINAL E
PRESTAÇÃO DE CONTAS
A liquidação com a realização do ativo, pagamento aos credores e eventual
partilha entre os sócios do saldo remanescente. O liquidante apresentará seu
“relatório da liquidação” e a “prestação final de contas”. O relatório e a prestação
de contas serão apresentados aos sócios em reunião ou assembléia
especialmente convocados para este propósito. Nesta mesma assembléia,
aprovadas as contas, o liquidante considerará encerrada a liquidação, gerando o
efeito imediato da extinção da sociedade, averbando-se referida ata perante o
cartório ou repartição comercial competente, seguindo-se com imediata publicação
da ata em jornal de grande circulação (arts. 1.103, VII e 1.109 caput do Código
Civil).
III
QUESTIONAMENTOS
DAS
RESPONSABILIDADE CIVIL DO LIQUIDANTE
CONTAS
PRESTADAS
E
Se algum dos sócios entender que as contas do liquidante não estão bem
prestadas, no prazo decadencial de 30 dias a contar da publicação da ata da
reunião ou assembléia que deliberou sobre as contas, poderá vir a juízo impugnálas com as argumentações que lhes forem pertinentes. Em tese, o prazo de 30
(trinta) dias estabelecido no art.1.109 parágrafo único do Código Civil, conflita com
o prazo de 03 (três) anos previsto no art. 206 § 3º, VI do próprio Código Civil que
trata da pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé.
Também os credores, após encerrada a liquidação, que entenderem não ter
recebido seus créditos integralmente, poderão exigir a diferença que ainda lhes
cabe, através de ação ordinária a ser proposta individualmente contra cada um
dos sócios (na sociedade de responsabilidade limitada ou ilimitada). A lei diz que a
cobrança será individual para cada sócio, pois ele só responde pelo limite do
quantum que recebeu na partilha do saldo remanescente. O prazo prescricional é
de 01 (um) ano, iniciado da publicação do documento que extinguir a sociedade
(art.206 § 1º, V do Código Civil).
Ao credor é permitido acionar o liquidante, se constatado ter sido feita a
partilha do saldo remanescente em favor dos sócios, antes de pagar integralmente
os débitos da sociedade, considerando este proceder do liquidante como que
dissidioso. Entretanto, necessário que o credor demonstre, pois é seu o ônus, que
o liquidante agiu com culpa. A responsabilidade do liquidante nestas
circunstâncias e relativa (art. 1.110 do Código Civil).
Sub censura.
Belo Horizonte, março de 2004.
Rénan Kfuri Lopes, adv.
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