1Co 1.18-25.
“Que a graça e a paz de Deus, o nosso Pai, e do Senhor
Jesus Cristo estejam com vocês.”
Prezada comunidade de Jesus Cristo!
Não é incomum ouvir-se dizer que em nossos dias o
mundo está louco, ou, que a vida está uma loucura!
Muita gente, também nós, experimenta a vida como uma
doideira da qual se desconhece o sentido e o rumo. Há
muitas coisas que sucedem diariamente que nos fazem
suspeitar que o mundo enlouqueceu. E a gente até busca
refúgio na Igreja e na fé cristã, na expectativa de superar
as tantas loucuras vividas no dia-a-dia.
O apóstolo Paulo, em seu tempo, porém, experimentou
justamente a fé cristã como uma loucura. Ele foi acusado
de anunciar uma fé que, do ponto de vista humano e
racional, não fazia nenhum sentido: um Deus que sofre,
um Deus que se solidariza com as pessoas
marginalizadas, um Deus que conhece a dor e que foi
condenado à Cruz, como poderá representar auxílio para
quem está precisando de ajuda? Então a Deus não
pertencem outras qualidades, tais como a onipotência –
aquele que tudo pode? Não está ele assentado em seu
trono no alto céu de onde controla tudo e todos?
Ouçamos o que Paulo escreveu: Leitura de 1Co 1.18-25.
“O apóstolo Paulo aproximou-se de uma metrópole
(portuária) na Grécia do 1º século. Junto com as
mercadorias que passavam por Corinto, iam e vinham
também pensamentos, filosofias, (religiões) e estilos de
vida. Ali, ele pregou a Jesus Cristo: Deus encarnado que
morreu numa cruz! Com certeza muitas pessoas devem
ter olhado Paulo e o chamado de doido. (Naquela
cidade), (uma tal pregação) era vista (pelos gregos)
como loucura (e para os judeus que lá viviam) isso era
blasfêmia, (uma ofensa contra Deus). Ainda assim, a
pregação de Paulo surtiu efeito. Foi possível semear uma
comunidade em Corinto. No meio do absurdo, (muitas)
pessoas que não tinham nada e (algumas) pessoas de
posses materiais terminaram aceitando a possibilidade de
que Deus aproximou-se tanto da sua criação que se
tornou humano. (Tornaram possível o que parecia ser um
sonho doido: uma comunidade de seguidores e
seguidoras de Jesus, o Cristo).”
Paulo escreve que chegara ao seu conhecimento que
havia desavenças na comunidade de Corinto (1.11). As
pessoas estavam divididas em grupos, cada qual se
julgando mais sábio ou mais perfeito. Havia os de Apolo,
os de Cefas, os de Paulo e os que se entendiam cheios
do Espírito. Em comum estes grupos tinham o fato de
que confiavam mais na sabedoria humana e naquilo que
seu conhecimento ou experiência religiosa pode oferecer
do que na mensagem da Cruz. Todos estavam
empenhados em construir um caminho para chegar a
Deus e cegos para o caminho que Deus escolheu para
chegar até eles e até nós. Também estavam dispostos a
seguir o Cristo ressurreto e glorioso, mas não o Jesus
crucificado. Paulo lembra que Deus escolheu “as coisas
fracas”, mas não no sentido de menosprezar as
potencialidades humanas, colocar-se contra o progresso e
os avanços das ciências ou sacrificar valores culturais. A
questão é simplesmente esta: o ser humano não é capaz
de operar a sua salvação. Muito bem o expressa Lutero
em um hino que diz: Perante ti não tem valor virtudes e
cuidados; somente tua graça e amor absolvem dos
pecados. Ninguém se pode enaltecer, a ti devemos só
temer, vivendo em tua graça.
Em Corinto, o apóstolo “foi encurralado entre duas
frentes. Por um lado, o mundo grego com sua filosofia e
sabedoria. Além do mundo mágico dos deuses, existe o
mundo da razão e do entendimento. (Segundo este
conhecimento racional) o divino é visto como perfeito,
tão perfeito que não pode misturar-se com o humano.
Por isso, acreditar em Deus feito carne é loucura. E maior
loucura ainda é pensar que todos os seres humanos são
iguais. Neste mundo, diziam, manda o masculino, o livre,
o grego, aqui entendido como cultura superior e sábia.
Como será possível Deus entrar em contato com os
escravos, com as mulheres e com as crianças? Isso é tão
impossível que vira loucura.
Os (sábios de Corinto) acreditavam que pela sabedoria
podiam entender e decifrar o mundo, e além do mundo,
o espírito. Pensavam que podiam ir além das limitações
humanas. Em nossa linguagem, podemos dizer que
julgavam “poder chegar até Deus”. Neste caminho para
Deus, o que não pode ser explicado racionalmente não é
possível e não existe. Então, como explicar de forma
razoável que Deus, o único e verdadeiro Deus, ao entrar
em contato direto com a humanidade, permite acontecer
a morte na cruz? Deus entra na história e se aproxima da
humanidade de forma totalmente diferente, sim, absurda.
Existia também a outra frente, o mundo judeu com o seu
pensamento sobre o Messias e a vergonha da cruz. Para
o povo oprimido, o Messias deveria chegar mandando e
governando. Ele deveria expulsar as tropas invasoras e
sentar-se no trono de Davi. Isso é que seria o Messias!
Todo mundo quer estar do lado do vencedor. E com o
povo judeu não foi diferente. As pessoas queriam uma
terra livre, sem opressão. O povo esperava o tão
prometido messias e Paulo apresentou Jesus. Ora, Jesus
foi um homem que conseguiu muita atenção, fez com
que as cidades se mexessem. Trouxe a realidade do
Reino de Deus para perto das pessoas. Até aí tudo bem.
É isso que queremos! Mas, ao deparar com o sofrimento
de Cristo na cruz, tudo muda. Ser pendurado num
madeiro e não sentar-se no trono de Jerusalém? Esse
não podia ser o Messias! Foi assim que com certeza
pensaram. Quais são as provas? Onde estão os milagres
que atestam o que ele diz? Parece que Paulo confrontouse com a dureza do coração.”
Estamos no tempo da quaresma. Tempo para meditar
nos sofrimentos e na cruz de Jesus por nós. Conheci um
estudante de teologia que, numa oportunidade de
diálogo, colocou-me a seguinte questão: eu consigo
entender a pregação e os gestos de Jesus ajudando
muita gente em suas andanças pela terra santa, mas não
posso compreender como a morte de Jesus tenha sido
por nós. Qual o sentido da confissão de que Jesus morreu
pelos nossos pecados? Deus não quis a morte do seu
Filho, mas transformou mesmo esta loucura no modo
supremo de falar-nos do seu amor. Ao conhecer o
fracasso em sua própria existência, Jesus está bem
próximo de nós em nossos fracassos. Ao experimentar o
sofrimento e a morte, ele está bem próximo de nós em
nossas cruzes. Mais ainda: ao suportar a Cruz ele
denuncia as cruzes injustas que as pessoas são obrigadas
a carregar. Seu sacrifício foi definitivo, não se justificam
mais os sofrimentos impostos injustamente. A vida depois
da cruz de Jesus é vida na perspectiva da reconciliação –
paz, perdão, vida nova, salvação. Ora, nós cremos nele e
mesmo assim o sofrimento nos atinge! Sim, enquanto
este mundo for mundo, conviverão sombra e luz, mas a
loucura consiste em crer e confessar que a luz vencerá a
escuridão.
Deus escolheu o caminho da cruz, não o da glória e do
poder, para estar bem perto de nós. Em geral os
caminhos que, em nossa sabedoria humana, construímos
para chegar a Deus, o colocam no trono da glória,
apontam seu poder e majestade. O caminho dele para
chegar até nós começa pela humildade da manjedoura,
passa por seu cuidado com os pobres e excluídos,
contesta os poderosos que oprimem, chama ao
arrependimento e assume a cruz como doação em nosso
favor. Neste tempo quaresmal, também quando inciamos
as reflexões sobre um novo tema do ano, “a pergunta
básica a fazer-nos pode ser: Nossa maneira de ser igreja
é um reflexo claro da ação de Deus por intermédio de
Jesus Cristo? (Sempre lembrando que a maneira de Deus
é o caminho da humildade e do serviço.)
“A Quaresma nos oferece a oportunidade de discernir em
oração e em comunidade qual a autêntica sabedoria e a
quem seguir. Deixemo-nos transformar por Deus neste
tempo de preparação.”
A paz de Deus, que supera o nosso entendimento,
guarde nossas mente e corações em Cristo Jesus. Amém.
(As citações foram tomadas de uma pregação do P. J.Kowalska
em: http://www.predigten.uni-goettingen.de/aktuell.php).
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