Luiza Justus
O mais azedo prazer
- Você pode ter a vida que sempre desejou – disse a deslumbrante mulher,
estendendo suas mãos a mim com fins de finalizar nosso trato. Ela continuou: Aquela é a única condição. A decisão é sua.
Pensei um pouco e lembrei-me de tudo que vivera até ali. Tinha apenas
lembranças apagadas da vida sem sal e sem propósito que tive até meus trinta
anos; não me tornei o magnata milionário com Ferraris e helicópteros e modelos
maravilhosas se jogando aos meus pés. Não tive grande amor e nem nunca fui
bom em nada. Olhei para a mulher que me fazia a proposta e imaginei a vida que
agora poderia ter. A decisão rondava minha cabeça; hesitei um por um segundo e,
antes que eu pudesse impedir a mim mesmo, estiquei o braço e apertei a mão
dela.
- Negócio fechado.
Acordei em uma sala escura com ar condicionado. Liguei as luzes e me vi
rodeado de outras pessoas em camas como a em que eu estava, todos em sono
profundo. Sai da sala confusa, não sabia onde estava. O que aconteceu com
Gabrielle, minha linda esposa, ou com a minha mansão ou meu barco? Onde
estavam minhas coisas? Que roupas eram essas? Andei sozinho pelos corredores
até chegar a uma sala bem decorada.
- Olá, João.
Reconheci essa voz e me virei rapidamente, dando de cara com a linda
mulher que me fizera uma proposta uns vinte anos atrás. Ela sorria para mim um
sorriso maléfico, aqueles dentes perfeitos discretamente me ameaçando.
- Está na hora de honrar o seu lado da proposta, João. É simples: eu lhe dei
fama, dinheiro, Gabrielle e tudo o que você pediu. Agora é minha vez. Agora eu
tenho você. Por favor, fique a vontade.
Ela sumiu. Naquela hora eu já havia entendido o que estava acontecendo.
Era a hora de pagar pela minha ganância, pela minha luxúria. Avistei uma porta no
final da sala e sabia que lá encontraria meu destino. Preparei-me para o calor
fumegante, o fogo asfixiante, os torturadores e a eterna dor.
Abri a porta e quase caí de costas. Não havia fogo, nem tortura, o que eu vi
não era nada além de prazer e pecado.
Pessoas bebendo e se drogando, sexo em pleno lugar público, era uma
ressaca visual que parecia não ter fim. Logo fui obrigado a juntar-me a eles, a
engajar meu corpo naquela loucura, deixando a sanidade para trás. A cada bebida
que eu ingeria, eu perdia mais a noção de realidade. Não tinha limites, a loucura
não acabava, meu corpo ia se cansando, mas não havia o que fazer se não cansálo mais ainda. O tempo passa, meses, anos... Eu estava preso em uma ressaca
eterna. As alucinações começaram a ficar assustadoras, as cores mais embaçadas,
o efeito não ia embora. Era enjôo puro, mas não conseguia parar.
- Pois é, João – ouvi aquela voz familiar. A escolha foi sua. Agora sua alma é
só minha, meu querido... Para sempre... Seja bem vindo ao inferno.
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Luiza Justus O mais azedo prazer