Processo judicial eletrônico:
Aspectos gerais e ações iniciais
Fernanda Dias Soares
1 Introdução ...................................................................................................................... 3
2 Informatização judicial no Brasil: Emenda Constitucional nº 45/2004 ........................ 7
3 O processo eletrônico: aspectos gerais e ações iniciais ............................................... 11
4 Dos programas e softwares: Projudi ............................................................................ 17
5 Conclusão .................................................................................................................... 21
Referências ..................................................................................................................... 22
1 Introdução
Para o jurisdicionado, a longa duração dos processos implica ineficácia e
inutilidade do provimento judicial. Essa morosidade compromete não só a efetivação do
direito buscado, no âmbito da lide, mas também abala a credibilidade do Poder
Judiciário, perante a sociedade, para solução dos litígios, dado o sentimento geral de
denegação da justiça e de restrição do acesso à jurisdição.
No intuito de mudar esse quadro, a Emenda Constitucional nº 451 alterou o
inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
- CR/88 -, fazendo constar que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de
sua tramitação”.
Essa modificação do texto constitucional atendeu à reclamação da comunidade
jurídica por um processo mais célere e eficaz, no sentido de viabilizar o efetivo
cumprimento das decisões judiciais e a satisfação dos direitos subjetivos.
Alexandre Freitas Câmara, lecionando sobre o princípio do devido processo
legal, afirma que
“A garantia de acesso à ordem jurídica justa, assim, deve ser entendida como a
garantia de que todos os titulares de posições jurídicas de vantagem possam ver prestada
a tutela jurisdicional, devendo esta ser prestada de modo eficaz, a fim de se garantir que
a já referida tutela seja capaz de efetivamente proteger as posições de vantagem
mencionadas” (CÂMARA, 2007, p. 36).
Entre as diversas alterações promovidas pela referida Emenda, sob o título de
Reforma do Judiciário, a transição do modelo convencional de processo judicial, em
meio físico, para o modelo eletrônico foi uma das ações pensadas para proporcionar
maior celeridade e economia processual, assim como ampliação do acesso à jurisdição.
De fato, um dos fatores que contribuem para a morosidade dos processos é o
modelo atual de gestão judicial, que, segundo descreve Pierpaolo Cruz Bottini, em “A
1
que entrou em vigor em 31 de dezembro de 2004
Reforma do Judiciário: aspectos relevantes”, “padece da falta de modernização,
informatização e racionalidade.” (BOTTINI, 2006, p. 221).
A solução desse entrave está inserida na “terceira onda renovatória” proposta por
Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na obra “Acesso à justiça”, na qual esses juristas
apontam os mecanismos necessários à facilitação do acesso à jurisdição.
A primeira “onda” de mudança diria respeito à garantia de assistência judiciária;
a segunda, à proteção dos interesses metaindividuais, coletivos e difusos. Já a terceira
“onda” se relacionaria à ampliação e facilitação do “acesso à justiça”, por meio de um
movimento de reforma dos procedimentos processuais e da estrutura dos órgãos
judicantes.
Entre as muitas propostas e fundamentos de alteração da legislação processual
civil - algumas já consolidadas -, têm-se a diminuição do número de recursos, a criação
de juizados especiais para causas de menor valor financeiro, a redução dos custos do
processo, a redução do seu tempo de duração e a garantia de tratamento isonômico entre
as partes.
É neste cenário de busca de ampliação do acesso à jurisdição que se inserem a
informatização judicial e a instituição de um processo eletrônico, como instrumentos de
uma gigantesca reforma do Poder Judiciário.
A importância da mencionada correlação já foi apontada por José Carlos de
Araújo Almeida Filho (2008, p.17), em sua obra dedicada à informatização do
Judiciário. Segundo esse autor, considerando-se a necessidade de realização de reformas
processuais e procedimentais, pode-se concluir que a implantação do processo
eletrônico corresponde à idéia de ampliação do acesso à jurisdição.
Não se quer, na verdade, criar um novo processo judicial, mas apenas
informatizá-lo e desburocratizar o trâmite processual, mediante a utilização de recursos
tecnológicos e de informática.
Enfim, trata-se de uma reformulação das rotinas processuais e internas, com
vistas à desmaterialização dos atos processuais e à racionalização dos procedimentos,
bem como à otimização da prestação jurisdicional e dos serviços judiciários,
conferindo-se concretude aos princípios da celeridade processual, da economicidade e
da instrumentalidade e ao direito fundamental à efetividade, a partir do abandono de
formalidades arcaicas na tramitação do processo.
No item “Razões da crise”, Pierpaolo Cruz Bottini revela o caminho para a
reforma da gestão judicial, ressaltando:
“Sabe-se que parte significativa da demora no andamento dos processos não
decorre do tempo que o mesmo passa nas mãos dos advogados para recorrer, nem nas
mãos do magistrado para decidir (mais uma vez, excetuados os casos teratológicos),
mas do tempo que os autos aguardam diligências, ofícios ou um andamento burocrático
específico. É nesses pontos de estrangulamento que deve atuar uma reforma de gestão
da Justiça, utilizando os instrumentos tecnológicos disponíveis para conferir maior
rapidez à sua superação.” (ob. cit., p. 221)
Espera-se, portanto, que essa nova forma de trabalho proporcione não somente
celeridade processual, mas também redução de custos, maior acessibilidade e
publicidade e, ainda - questão de suma importância na atualidade -, a possibilidade de
contribuir significativamente para a preservação do meio ambiente, na medida em que
se dispensa o meio físico e os materiais utilizados para a formalização de atos.
Para tanto, editou-se, posteriormente à EC nº 45, a Lei nº 11.419, de 19
dezembro de 2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial a partir da
digitalização de documentos e da dispensa do uso do papel, do arquivamento e do
manuseio virtual dos autos, bem como do acesso e da transmissão de dados, da prática
de atos processuais e da prestação de serviços judiciários por meio eletrônico, através da
rede mundial de computadores - internet.
O presente estudo tem como objetivo apresentar o panorama de gradativa
informatização do processo judicial no Brasil a partir da utilização aleatória de novas
tecnologias, até chegar-se à previsão legal de um modelo abrangente de processo
eletrônico.
Objetiva também abordar aspectos gerais da Lei nº 11.419/06, sua correlação
com os princípios que regem o processo, bem como destacar as principais ações
iniciadas pelos tribunais, orientadas e supervisionadas pelo Conselho Nacional de
Justiça - CNJ -, na busca da regulamentação e implantação de um processo e de
procedimentos totalmente eletrônicos.
Figura 1- Representação do Processo Eletrônico
2 Informatização judicial no Brasil: Emenda Constitucional nº 45/2004
Desenvolver-se-á, neste tópico, escorço histórico da modernização judicial, em
que serão apresentadas as diversas previsões legislativas e administrativas anteriores de
informatização do processo, culminando, por fim, na criação do processo eletrônico.
Inicialmente, cabe ressaltar que a agilização do trâmite processual e a celeridade
na prestação jurisdicional sempre foram fontes de preocupação do legislador e do
operador do direito.
No art. 125, II, do Código de Processo Civil - CPC -, já se determinara a rápida
solução do litígio; e outros dispositivos desse Código, como os que preveem o
procedimento sumário e a tutela antecipada, procuram acelerar a solução da lide.
Em que pese a diversidade de previsões e inovações normativas sobre o dever de
celeridade na tramitação dos processos, o processo judicial brasileiro sempre foi
marcado por excessiva morosidade que, muitas vezes, acabava por inviabilizar a
efetivação da decisão judicial.
Em razão disso, foram várias as iniciativas legais de incorporação gradativa de
novas tecnologias para a prática dos atos processuais, que representaram verdadeiros
marcos no processo de informatização dos serviços judiciários.
Primeiramente, cabe reportar-se à Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, que
regulamenta o protesto de títulos e outros documentos de dívida e que, no parágrafo
único de seu artigo 8º, permite o apontamento de protesto de duplicatas mercantis por
meio magnético ou de gravação eletrônica de dados.
A Lei nº 9.800, de 26 de maio de 19992, por sua vez, permitiu às partes a
utilização de sistema de transmissão de dados e imagens do tipo fac-símile ou outro
similar para o encaminhamento de petições escritas, sem, contudo, afastar a necessidade
de apresentação dos originais em juízo e sua autuação no processo físico, a fim de
comprovar a sua autenticidade.
2
denominada Lei do Fax
Já a Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, que tratou da instituição dos juizados
especiais no âmbito da Justiça Federal, permitiu o uso do meio eletrônico no
recebimento de petições.
Importante avanço foi o trazido pelo Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005,
que, regulamentando a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, - que instituiu o pregão no
âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios - permitiu essa
modalidade de licitação na forma eletrônica, mediante lances realizados na rede mundial
de comunicação, para aquisição de bens e serviços comuns.
De forma mais ampla e abrangente, a EC nº 45/2004 introduziu, no título “Dos
Direitos Fundamentais”, a garantia à razoável duração do processo e aos meios que
garantam a celeridade de sua tramitação.
Esse acréscimo trazido pela Emenda significou a consagração constitucional do
princípio da celeridade processual e a sua elevação a direito e garantia fundamental,
fundamentos de várias legislações posteriores.
Nesse sentido, a Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, trouxe modificações
ao art. 154, parágrafo único do CPC, permitindo aos tribunais a comunicação dos atos
judiciais mediante certificação digital.
Vê-se que se tratava de legislações esparsas, que permitiam o uso de recursos
tecnológicos e de informática nos tribunais; todavia, como bem ressalta Leonardo
Greco, até então não havia ocorrido uma “mudança radical do modus operandi do
processo ou do sistema normativo processual” (GRECO, 2001, p. 12).
Foi com a Lei nº 11.419/06, originária do Projeto de Lei nº 5.828/01,
apresentado como anteprojeto pela Associação dos Juízes Federais do Brasil - Ajufe -,
que se pretendeu dar um grande passo na informatização do processo e na positivação
do direito constitucional a um processo célere, introduzido pela EC nº 45/2004.
A referida lei previu a implantação de um processo judicial totalmente virtual,
desde a petição inicial até o provimento jurisdicional, inclusive com a comunicação
eletrônica dos atos processuais.
Para Daniel do Amaral Arbix, com a criação de um processo eletrônico,
“procurou-se substituir a fragmentação de instrumentos tecnológicos então observada
por um orientação abrangente e dinâmica do uso de ferramentas como a Internet e a
digitalização.” (ARBIX, 2009, p. 321).
De fato, a informática tornou-se, hoje, instrumento indispensável à informação e
comunicação,
e
as
reformulações
estruturais
do
Poder
Judiciário
exigem,
primordialmente, a informatização do processo judicial e das rotinas administrativas.
Seria inconcebível que o Poder Judiciário se mantivesse à margem da onda
tecnológica e da revolução da informação que se operaram nas sociedades a partir da
ampliação do acesso a dados e serviços por meio da rede mundial de computadores e do
estabelecimento de uma nova forma de situar-se e movimentar-se no mundo, o que
levou a uma mudança nas relações institucionais com o público externo e na forma de
atuação dos operadores com o processo.
Nehemias Gueiros Júnior (2004), no artigo “Mundo jurídico quer acompanhar
celeridade digital”, destaca que os recursos tecnológicos, como aqueles que permitem o
armazenamento, a manipulação, a transmissão e a recepção de informações viabilizadas
pelo código binário dos computadores através da internet consistiram em um marco para
a humanidade, pois permitiram a administração de dados e informações por pessoas
comuns e fora do ambiente acadêmico e científico.
Luiz Flávio Gomes (2004), no artigo intitulado “Judiciário não pode resistir aos
avanços tecnológicos”, discorrendo sobre a importância da era digital, defende que não
há como evitar que os recursos tecnológicos e informáticos sejam ampla e eticamente
utilizados pelo Poder Judiciário, desde que tomadas as devidas cautelas e preservados os
direitos e garantias fundamentais - particularmente os dos acusados - no campo do
direito processual penal.
Esse pensamento foi de suma importância para se alcançarem grandes outras
conquistas no terreno da informatização dos procedimentos processuais.
É o caso da Lei nº 11.900, de 8 de janeiro de 2009, que autorizou a realização de
interrogatório e de outros atos no processo penal por meio da videoconferência.
Importa ressaltar que a própria jurisprudência andou à frente do tempo e do
legislador. Diante da renovação tecnológica a que se assistia, os tribunais pátrios
passaram a expedir normas administrativas autorizadoras do uso de recursos
tecnológicos e informáticos em seus procedimentos.
A Resolução nº 16, do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, e o
Provimento 02, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, permitiram, já nos anos
de 1993 e 1996, respectivamente, a apresentação de peças processuais por meio do
aparelho de fac-símile, condicionando a validade dessas, nessa altura, à apresentação
dos documentos originais.
A Resolução nº 287 do Supremo Tribunal Federal - STF -, de 14 de abril de
2004, permitiu a prática de atos processuais por e-mail, sejam esses petições ou
documentos. Já a Resolução nº 13 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de 11 de
março de 2004, foi mais adiante, autorizando a implantação do processo eletrônico nos
juizados especiais e limitando, em seu artigo 2º, a partir de sua implantação, o ingresso
e a postulação apenas pelo meio eletrônico.
Outras regulamentações surgiram no âmbito do Superior Tribunal de Justiça STJ - e da Justiça Federal, como a Resolução nº 397, de 18 de outubro de 2004, do
Conselho da Justiça Federal - CJF -, que autoriza a utilização de certificação digital; o
Ato Normativo nº 34, do STJ, de 2 de março de 2005, que institui o fornecimento on
line de certidão de andamento processual; o Ato Normativo nº 88, do STJ, de 14 de
junho de 2002, criando a Revista Eletrônica da Jurisprudência; o Ato Normativo nº 267
do STJ, de 8 de setembro de 2004, que valida como documento oficial as decisões
monocráticas disponíveis na página específica de seu o site.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG -, por sua vez, mediante o
Ofício-Circular nº 24/2005, da Corregedoria-Geral de Justiça, e, após Convênio de
Cooperação Técnico-Institucional celebrado entre o Superior Tribunal de Justiça, o
Conselho da Justiça Federal e o Banco Central do Brasil, para fins de acesso ao Sistema
BACEN-JUD, autorizou os juízes a proceder à penhora on line, ou seja, a proceder ao
bloqueio de contas bancárias e ativos financeiros por meio de um comando eletrônico,
pela internet, e mediante senha criptografada, em substituição do meio físico de
intimação - o ofício.
3 O processo eletrônico: aspectos gerais e ações iniciais
Serão abordados sucintamente aspectos gerais da Lei nº 11.419/06, mais
atinentes às ações iniciais já implantadas ou em fase adiantada de estudo e planejamento
pelos tribunais, sob a orientação do CNJ, sem a pretensão de aprofundar-se, portanto,
em aspectos eminentemente processuais da lei, uma vez que esses não guardam
correspondência com a especialização cursada.
Nesse contexto, o Capítulo I da Lei nº 11.419/06 diz respeito à informatização
do processo judicial; o Capítulo II fixa as regras pertinentes à forma de comunicação
dos atos, e o Capítulo III aborda a forma do processo eletrônico. Por fim, tem-se o
Capítulo IV, que traz alterações em dispositivos do Código de Processo Civil.
No Capítulo I da lei em análise, destaca-se a descrição legal de alguns termos
técnicos da área de informática.
A partir da idealização de um processo eletrônico, com a utilização de
ferramentas de informática, foi inevitável a incorporação ao mundo jurídico e ao texto
legal de termos técnicos afetos a esse ramo, como “meio eletrônico”, “transmissão
eletrônica” e “assinatura eletrônica”.
Em que pese a tecnicidade das expressões mencionadas, essa nova linguagem,
certamente, não escapará à compreensão do usuário, seja ele membro, servidor ou
jurisdicionado, haja vista que a utilização da informática vem-se incorporando
naturalmente à vida cotidiana, por demonstrar ser instrumento indiscutivelmente
vantajoso sob o ponto de vista da produção, do tempo e do custo.
Vantagens como a agilidade, a publicidade, a comodidade e a acessibilidade vêm
proporcionando inigualável facilitação das rotinas de trabalho, otimizando a informação
e a comunicação institucional, assim como a prestação de serviços para a sociedade,
ensejando o afastamento de qualquer resistência infundada.
Daniel do Amaral Arbix (2009) ressalta que são expressivos os ganhos em
acesso à jurisdição e em concretização do princípio constitucional da celeridade que o
processo eletrônico propiciará, a partir da postulação em juízo, por meio eletrônico, e da
facilitação da consulta pública de informações judiciárias.
É prudente buscar, constantemente, adaptação à nova forma de trabalho, uma
vez que os recursos tecnológicos e informáticos têm sido cada vez mais utilizados pelas
grandes organizações, alterando em velocidade desafiadora e, muitas vezes, a todo
custo, as rotinas de trabalho.
Impende ressaltar que não só o Poder Judiciário, mas também todos os demais
órgãos da Administração Pública - estejam ou não ligados à atividade judicante necessitarão de reformular-se estruturalmente para integrarem a rede de comunicação e
serviços que se firmará com a implantação do processo judicial eletrônico, para garantir
o pleno exercício da cidadania consubstanciada no direito de acesso à jurisdição.
Renato Campos Pinto De Vitto e André Luis Machado de Castro, em artigo
intitulado “A Defensoria Pública como instrumento de consolidação da democracia”,
ressaltam a necessidade de reestruturação dos órgãos da Administração Pública,
decorrente da informatização do Poder Judiciário:
“Não se olvide a necessidade premente da informatização da Defensoria Pública,
fator de reconhecida importância na agilização e organização do serviço, bem como de
redução de custos a médio e longo prazos. As reformulações na Justiça já apontam para
uma crescente informatização dos processos judiciais e, dado o abismo hoje existente
entre a estrutura do Poder Judiciário e da Defensoria Pública, esse salto tecnológico
poderá ter o deletério efeito de exclusão em relação aos assistidos da Defensoria
Pública, caso a instituição que promove sua defesa não esteja equipada para
acompanhar esse avanço.” (DE VITTO; DE CASTRO, 2006, p. 237)
Sob o ponto de vista dos profissionais da advocacia, a resistência ou a
indiferença às mudanças acarretará uma defasagem tecnológica que constituirá uma
grande barreira ao desempenho do exercício profissional e comprometerá a atividade
jurídica e a permanência competidora no mercado de trabalho.
Internamente aos órgãos judiciários, será necessária a adoção de políticas de
treinamento e reciclagem de servidores, de modo que esses se conscientizem das
mudanças estruturais vindouras e se capacitem para a operação adequada e eficiente do
novo sistema, em ambiente virtual.
Outro ponto importante da Lei nº 11.419/06 quanto à forma dos atos praticados
em meio digital é a necessidade de criação de uma assinatura eletrônica e da
implantação de ferramentas de proteção suficientes para evitar a alteração, adulteração e
violação de documentos eletrônicos, com o fim de assegurar-lhes autenticidade,
segurança e credibilidade na prática dos atos e serviços virtuais.
Esses mecanismos são importantes para concretizar o princípio do devido
processo legal. O processo eletrônico, no entendimento de Edilberto Barbosa
Clementino (2007, p.144), deverá obedecer às mesmas formalidades essenciais do
processo judicial convencional, de modo a observar o procedimento legalmente previsto
para a apuração da verdade e realizar os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Para cumprir o requisito da validade do documento eletrônico, a Lei nº
11.419/06 possibilita a identificação dos signatários de atos processuais através da
assinatura eletrônica, mediante cadastramento pessoal no próprio órgão judicial. Caso
não se utilize o sistema particular de cada tribunal, essa Lei permite a prática de atos
processuais por meio de assinatura digital “baseada em certificado digital emitido por
Autoridade Certificadora credenciada”, segundo dispõe o seu artigo 1º, § 2º, III, “a”.
No Brasil, a Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de2001, criou um
sistema de certificação digital chamado Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira, a
ICP-Brasil. Esse sistema atribui validade jurídica plena a documentos eletrônicos
produzidos segundo suas disposições, e sua autenticidade e integridade são oponíveis a
qualquer pessoa.
A exigência de identificação pessoal do interessado perante o tribunal, no
entanto, deve ser repensada ou interpretada de forma mais prática, haja vista que a
obrigatoriedade de cadastramento do advogado, pessoalmente, em cada tribunal em que
atue, acarretará grandes ônus e transtornos. O ideal seria a criação de um cadastro único
nacional para utilização em todos os tribunais.
Quanto ao Capítulo II da Lei nº 11.419/06, este trouxe um grande avanço no
campo da comunicação e publicação dos atos oficiais, administrativos e judiciais.
Segundo o artigo 4º dessa Lei, os tribunais ficam autorizados a criar Diário de
Justiça eletrônico, disponibilizado em seu site, substituindo a publicação oficial - antes
feita em meio físico -, para a publicação de atos judiciais, administrativos próprios e dos
órgãos a eles subordinados, bem como de comunicações em geral. Cabe ressaltar que o
seu artigo 6º excetuou da publicação por meio eletrônico as citações e intimações
pessoais a serem realizadas no processo penal e infracional.
No Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG -, por exemplo, o modelo
eletrônico de intimação foi adotado a partir de 31 de maio de 2008, após
disciplinamento interno pela Portaria Conjunta nº 119, de 2008, substituindo-se
integralmente o jornal em papel.
Essa Portaria dispõe que os documentos objeto da publicação pelo Diário
Eletrônico sejam previamente armazenados em meio eletrônico, mediante emprego de
recursos criptográficos definidos e fixados em Certificado de Segurança da Informação
Eletrônica, expedido por Autoridade Certificadora integrada à ICP-Brasil, destinados
à cifragem e ao impedimento de alteração dos conteúdos, conferindo-se à publicação
autenticidade, integridade e validade jurídica.
Os artigos seguintes da Lei nº 11.419/06 tratam da forma das intimações,
citações, cartas precatórias, rogatórias e de ordem.
Com a implantação do processo eletrônico, as intimações serão feitas por meio
eletrônico, em portal do órgão judiciário, segundo dispõe o artigo 5º dessa Lei. As
citações também poderão ser eletrônicas, inclusive quando for parte passiva a Fazenda
Pública, exceto aquelas relativas aos direitos processuais criminais e infracionais,
conforme estabelece o artigo 6º. Já o artigo 7º prevê que “as cartas precatórias,
rogatórias, de ordem e, de um modo geral, todas as comunicações oficiais que transitem
entre órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e os dos demais Poderes,
serão feitas, preferencialmente, por meio eletrônico.”
A utilização do meio eletrônico nas comunicações judiciais faz cumprir o
princípio da oralidade na medida em que reduz o número de documentos escritos; além
disso, assegura a conservação da prova oral, mediante o arquivamento digital.
Entende-se, todavia, que as cartas rogatórias serão expedidas em papel ainda por
muito tempo, haja vista a ausência de legislação, em muitos países, sobre a implantação
de um processo eletrônico, bem como de convênios e tratados internacionais para a sua
viabilização, impossibilitando, portanto, a interação entre os órgãos judiciários em um
futuro próximo.
Quanto à forma do processo eletrônico, a Lei nº 11.419/06 permitiu aos tribunais
manter autos total ou parcialmente digitais, de forma que se verifica que a Lei não
pretendeu extirpar totalmente os autos em papel. Assim é que o § 5º de seu artigo 11
prevê a possibilidade de arquivamento físico, custodiado na secretaria do juízo, de
documentos cujo estado de conservação ou o grande volume não viabilize a sua
digitalização e juntada nos autos eletronicamente gerados, sendo devolvidos à parte
após o trânsito em julgado da decisão.
Ressalte-se que, ante a realidade orçamentária atual dos tribunais, seria prudente
também a digitalização apenas dos processos judiciais distribuídos a partir da
implantação do processo eletrônico, permanecendo em papel os processos anteriores.
Isso porque a digitalização integral dos autos em tramitação acarretará um grande ônus
para os tribunais - dada a estrutura física e logística que o procedimento exige - e,
principalmente, para os profissionais atuantes em tais processos, seja em termos
financeiros, seja quanto ao prazo de adaptação ao uso do novo sistema de
processamento.
Ademais, em que pese a importância incontestável desse grande avanço que será
o processo eletrônico, a sua implantação deve ser feita com cautela, com avaliação
constante das funcionalidades do sistema, procedendo-se aos ajustes necessários para
garantir a sua eficiência e evitar mudanças que sacrifiquem as relevantes conquistas já
auferidas pelo cidadão, em nível constitucional e processual.
Merece destaque ainda, nesse capítulo, o artigo 10 da Lei em análise, que dispõe
sobre a distribuição e juntada de petições iniciais, contestações, recursos e petições em
geral. Segundo o referido dispositivo, essas funções “podem ser feitas diretamente pelos
advogados públicos e privados, sem a necessidade da intervenção do cartório ou
secretaria judicial.” Ou seja, os tribunais ficarão dispensados das funções de distribuição
e juntada de petições, pois a atuação será automática, mediante fornecimento de recibo
eletrônico de protocolo.
Da mesma forma, o próprio advogado é quem fará a juntada do documento
protocolado na pasta específica do processo, sem a intervenção do serventuário.
Para Daniel do Amaral Arbix, essas inovações tecnológicas possibilitam que os
órgãos judiciários “redimensionem, quantitativa e qualitativamente, os recursos
humanos, orçamentários, financeiros e logísticos necessários para o aprimoramento da
prestação jurisdicional.” (ARBIX, 2001, p. 332).
Em longo prazo, ter-se-á, portanto, uma redução das rotinas de trabalho nos
tribunais, bem como do tempo gasto para a execução de algumas delas, exigindo-se um
número menor de servidores para o encaminhamento dos atos processuais, a partir de
agora gradativamente informatizadas, proporcionando a racionalização no uso dos
recursos públicos.
Outra questão de extrema relevância no momento atual da humanidade é o
ganho ecológico. Isso, porque o processo eletrônico proporcionará a diminuição radical
do uso do papel, impressoras, tintas e tantos outros materiais, contribuindo para a
preservação do meio ambiente.
Segundo dados do site Consultor Jurídico, o Judiciário brasileiro gasta 46
milhões de quilos de papel por ano - o equivalente a 690 mil árvores ou 400 hectares de
desmatamento e 1,5 milhão de metros cúbicos de água, e apenas o Supremo Tribunal
Federal movimentou, no ano de 2006, mais de 680 toneladas de papel.
O Juiz de Direito Renato Luiz Faraco, no lançamento do Curso de Capacitação
no Sistema CNJ - Processo Judicial Digital - Projudi -, em 15 de junho de 2009,
ministrado pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes do TJMG, destacou
que, com a utilização do processo eletrônico na Comarca de Belo Horizonte, “houve
uma economia de cerca de 60 mil capas, 120 mil grampos e três milhões de folhas de
papel.”
4 Dos programas e softwares: Projudi
O artigo 14 da Lei nº 11.419/06 estabelece a preferência pelo uso de programas
com códigos abertos, acessíveis a todos por meio da rede mundial de computadores; e
recomenda, ainda, a padronização dos sistemas a serem desenvolvidos pelos tribunais
para o processamento em meio eletrônico do processo judicial.
Nesse aspecto, o Conselho Nacional de Justiça disponibilizou para os tribunais
do País um software de tramitação, armazenamento e manipulação de processos em
meio digital, denominado Projudi, que reproduz todo o procedimento judicial em meio
eletrônico.
Em Minas Gerais, o sistema foi implantado, inicialmente, como projeto piloto
nos Juizados Especiais, a partir de agosto de 2007, estendendo-se gradativamente para
as Turmas Recursais Cíveis, chegando, posteriormente, na Justiça Comum de 1ª
Instância, na Vara de Registros Públicos.
Em 29 de dezembro de 2009, foi disponibilizada a versão 1.10 do sistema, que
trouxe novas melhorias. Ele foi aperfeiçoado, de modo que o manuseio de suas
ferramentas e o acesso às informações sejam feitos por meio de ícones.
Além dessa melhoria, foi aperfeiçoado o sistema de pesquisa, que passou a ser
fonética; ampliou-se a comunicação com sistemas eletrônicos de outros órgãos,
permitindo o acesso, por exemplo, à base de dados da Ordem dos Advogados do Brasil OAB - e o envio de recurso extraordinário eletrônico ao Supremo Tribunal Federal STF -, através do WebService.
Segundo Declieux Dantas, Diretor do Departamento da Tecnologia da
Informação do CNJ,
“A ferramenta permite gerenciar e controlar os trâmites de processos judiciais
nos tribunais de forma eletrônica, reduzindo tempo e custos. O sistema é um dos passos
para a completa informatização da Justiça brasileira, reduzindo a burocracia dos atos
processuais e permitindo o acesso imediato aos processos”.
Cabe destacar a contribuição do Tribunal de Justiça de Minas Gerais no cenário
nacional de informatização do processo. Esse órgão foi escolhido para utilizar a nova
versão do Projudi como projeto piloto para teste de suas funcionalidades; projeto que,
depois, será expandido para os demais tribunais do País.
Impende também ressaltar a importância, neste momento, de um esforço
conjunto entre os tribunais e do CNJ na busca de um sistema único, padronizado, que
viabilize futuramente a prestação eficiente dos serviços judiciários.
Para tanto, faz-se necessária, primordialmente, a padronização das rotinas
processuais de cada tribunal, de forma a permitir a construção de um sistema de
informática que atenda a todas as realidades e permita o diálogo a e interoperabilidade
entre entrâncias, instâncias e órgãos do Poder Judiciário.
Nesse sentido, em 24 de novembro de 2009, o CNJ editou a Resolução nº 99,
segundo a qual, até 31 de março de 2010, os tribunais deverão apresentar um
Planejamento Estratégico de Tecnologia da Informação e Comunicação.
A exigência de um planejamento de tecnologia da informação e comunicação
tem como objetivos a promoção da interação e troca de experiências de tecnologia entre
os tribunais - no âmbito nacional e internacional - e o desenvolvimento de sistemas
interoperáveis, ou seja, que permitam a comunicação entre si de modo harmônico, a
partir da observância de um conjunto mínimo de especificações técnicas.
Ações conjuntas que facilitem o intercâmbio de conhecimentos, tecnologias e
soluções, assim como de interação de sistemas, serão extremamente importantes para a
unificação dos trâmites em todos os tribunais e para a agilização dos processos.
Nesse aspecto, os Tribunais de Justiça de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul
firmaram, em 18 de janeiro de 2010, o Termo de Cooperação Tecnológica nº 002/2010.
O objetivo do referido termo é a cooperação e o intercâmbio de inteligência entre os
tribunais nas áreas área da Tecnologia da Informação, nas atividades de
desenvolvimento de sistemas, de ambiente operacional e de comunicação de dados.
Quanto a esta última, cumpre ressaltar que o Conselho Nacional de Justiça
determinou aos tribunais a implantação de sistema de malote eletrônico até março de
2010, recomendando o Sistema Hermes, desenvolvido pela Secretaria de Informática do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, ficando a critério dos tribunais o
desenvolvimento de outros sistemas, desde que compatíveis entre si.
O sistema permitirá a comunicação eletrônica entre os tribunais mediante o
envio de um grande volume de documentos pela internet. Proporcionará também a
simplificação e a agilidade na comunicação dos atos processuais e administrativos,
contribuindo para acabar com o trânsito de documentos em papel e apresentando,
portanto, economia e segurança na tramitação dos processos.
Para avaliação do sistema Projudi nos tribunais, foi editada, ainda, pela
Presidência do CNJ a Portaria nº 570, de 24 de junho de 2009, que institui o Comitê
Gestor do Processo Judicial Digital. Seus integrantes serão responsáveis pelo
acompanhamento do sistema pelos tribunais, pelo incentivo à celebração de convênios
para utilização da tecnologia WebService e pelo recebimento de dúvidas e sugestões dos
órgãos do Poder Judiciário.
Entre os objetivos da implementação de um planejamento estratégico está
também a promoção da cidadania, a partir da disponibilização dos sistemas e serviços a
todos os cidadãos.
Cabe ressaltar a importância de o Judiciário disponibilizar, em suas
dependências, computadores para o livre acesso de toda pessoa interessada em realizar
consulta da movimentação processual, digitalização de documentos e utilização de
serviços.
Isso, porque, mesmo diante dos avanços tecnológicos de nossa época, não se
pode ignorar a ocorrência, em nossa sociedade, de uma situação de exclusão digital,
decorrente da hipossuficiência econômica, que, na verdade, revela um conceito mais
abrangente - o de exclusão social.
A exclusão digital revela que apenas um grupo de pessoas tem acesso aos
recursos de informática e tecnológicos e, portanto, às informações e serviços acessíveis
por meio deles. Tal fato, no âmbito do Judiciário, vai de encontro ao princípio da
publicidade e do direito de acesso à jurisdição.
Assim, conforme pondera Edilberto Barbosa Clementino (2007, p.141), como a
lei estabelece a obrigatoriedade de utilização do meio eletrônico para ajuizamento e
processamento de ações, é necessário que se adotem políticas públicas de inclusão
digital, de modo que o cidadão tenha condições de se inserir nesse novo modelo de
administração pública.
Por outro lado, a realização do princípio da publicidade deve ser plena, para
permitir o amplo acesso a informações e serviços, assim como para permitir a consulta
aos autos virtuais por todos os usuários, e não apenas às partes e ao Ministério Público,
conforme dispõe o artigo 12 da Lei nº 11.419/06.
A limitação seria um retrocesso - atentatório ao princípio da publicidade e ao
exercício da cidadania -, haja vista que, no processo judicial convencional, é permitida
aos autos físicos a consulta por todos os interessados, salvo nos casos de segredo de
justiça e interesse público.
Afinal, por meio do acesso aos autos, o cidadão realiza o objetivo primordial do
princípio da publicidade, qual seja, o de fiscalizar a adequação da atuação dos
magistrados, do Ministério Público e dos defensores, e do conteúdo de seus atos.
Vladimir Aras, referindo-se a Rui Barbosa, avalia que,
“Se estivesse vivo e conhecesse a internet, o grande jurista teria dito que a rede
mundial de computadores – que criou um “local” privilegiado de discussão, interação e
busca chamado ciberespaço, é que doravante desempenhará o papel de “olhos e
ouvidos” da Nação sobre as ações e práticas dos governos”. (ARAS, 2004, P. 122)
É de se entender, diante do exposto, que os tribunais devam permitir o acesso
pleno ao processo e a serviços, ressalvados, obviamente, os casos de sigilo obrigatório,
seja através de assinatura digital fornecida por eles próprios (o que daria, inclusive,
maior concretude ao princípio da igualdade, já que não há custo financeiro neste modelo
de assinatura), seja através da certificação por autoridade certificadora; mas,
principalmente, por meio da disponibilização de conteúdo em portal eletrônico, aberto a
consultas públicas.
5 Conclusão
Hodiernamente, a administração pública, em razão da velocidade e do volume
crescente das informações, exige a informatização de seus serviços e rotinas
processuais. No Judiciário, essa informatização é medida imperativa para concretizar o
princípio da celeridade processual e permitir a ampliação do acesso à jurisdição.
Em que pese significar um grande avanço na prestação dos serviços públicos, há
de se reconhecer a complexidade na implantação de um processo totalmente
digitalizado. É certo que não se podem perder de vista as dificuldades e entraves na
implantação e no uso de um procedimento virtual frente à realidade de cada tribunal,
seja em nível administrativo-operacional, econômico ou jurídico.
Tal empreitada exige cautela por parte do Poder Judiciário na implementação
dos sistemas eletrônicos de processamento e de certificação digital, com vistas à
eficiência e segurança dos serviços, bem como para a preservação dos princípios e
garantias fundamentais que norteiam esse processo e permitem a realização de um
Estado Democrático de Direito.
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