1 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE U MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS Mauro Monteiro Mondin INTRODUÇÃO Recentemente, em setembro de 2009, um juiz de Sidney, Austrália, surpreendeu várias pessoas ao, em uma palestra, admitir publicamente sua luta de mais de trinta anos com a depressão. De acordo com a notícia divulgada [1] , isso foi feito HU UH para inspirar outros juízes. É essa a razão deste meu despretensioso texto. Dar o meu testemunho pessoal e compartilhar um pouco do pouco que aprendi sobre estresse e depressão, esperando que se possa dar início a um debate sério sobre tais doenças que atingem com bastante freqüência a classe dos magistrados, mas que, por preconceito, são pouco debatidas publicamente. 2 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS Tenho 38 anos de idade e sou magistrado desde abril de 1997. No entanto, há quase um ano e meio, desde julho de 2008, estou compulsoriamente afastado de meu cargo, respondendo a um processo administrativo de aposentadoria compulsória por invalidez. Este processo de aposentadoria compulsória por invalidez foi instaurado em razão de decisão tomada em processo administrativo disciplinar, no qual fui absolvido e consideradas improcedentes as acusações de cometimento de faltas funcionais. As faltas funcionais a mim imputadas diziam respeito ao atraso injustificável para despachar ou sentenciar processos, e fui absolvido porque, no processo administrativo disciplinar, ficou comprovado, por perícias psicológicas e psiquiátricas, que no período em que as faltas foram cometidas eu já sofria de estresse e depressão bastante graves, com redução da minha capacidade laborativa. Comprovado que o atraso nos processos deu-se em razão de doença, fui absolvido no processo disciplinar, mas instaurou-se o processo para aposentadoria compulsória. Não tenho o objetivo de dar um testemunho apenas pessoal, falando dos problemas pelos quais passei como se fosse algo isolado. Meu objetivo é demonstrar que esses problemas de ordem mental e emocional são muito mais freqüentes do que se pensa, e devem ser tratados sem preconceito, pois o estresse e a depressão são doenças, e não fraqueza de caráter. Se o estresse e a depressão são doenças, não há razão alguma para que alguém sinta vergonha por estar deprimido. No entanto, o preconceito é muito grande, e eu mesmo fui vítima desse preconceito, preconceito esse que para mim se revelou em sua pior forma: o auto-preconceito. Os primeiros sintomas de estresse e depressão começaram a aparecer, para mim, no ano de 2003. No entanto, demorei muito tempo para admitir que estava com problemas e que precisaria de um tratamento especializado. No ano de 2003 ou 2004, não me lembro agora ao certo, cheguei a passar por uma consulta com uma psicóloga, porém, como eu já sentia uma preocupação excessiva com o atraso e acúmulo de serviço, equivocadamente eu concluí que a melhor solução seria eu tentar trabalhar ainda mais, de modo que eu não poderia “perder tempo” com sessões de psicoterapia. Com o passar do tempo, meus problemas foram se agigantando como uma bola de neve. Quando, por alguma razão, algum processo ficava atrasado por mais tempo do que aquilo que eu julgava justificável, eu sentia um verdadeiro bloqueio mental que me impedia de me aproximar daquele processo. Assim, mais tempo se 3 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS passava, e maior era o bloqueio que eu sentia. Quando chegava a noite, a preocupação tomava conta de mim e eu não conseguia dormir. Ficava acordado me culpando por não ter feito o trabalho que devia ter sido feito e, no dia seguinte, cansado da noite mal dormida, tinha menos condições de trabalhar. Na vida pessoal, sentia-me desanimado e triste, apesar de ter uma esposa maravilhosa, apesar do excelente cargo ocupado e da situação financeira confortável. Tinha pouca vontade de conversar com as pessoas. Volta e meia a preocupação com o trabalho tomava conta de mim, e isso fazia com que eu me sentisse um profissional incapaz. O estresse e a depressão se faziam acompanhar da ansiedade, e com ela um medo enorme e irracional do que poderia acontecer comigo. Passei a ter medo de entrar em meu gabinete (houve um período de quase um ano e meio que trabalhei sem entrar em meu gabinete, chegando no máximo até a sala de audiências); tinha medo de entrar no Fórum e, durante um certo tempo, somente conseguia entrar no Fórum pela porta de acesso à cela anexa ao Tribunal do Júri, pois não conseguia entrar no Fórum pelas entradas normais; tinha medo de abrir correspondências, inclusive as particulares; quando ouvia tocar o telefone de meu gabinete, o coração disparava. Não tinha coragem para abrir meus e-mails, o que fez com que eu ficasse em falta com muitos amigos e parentes que me encaminhavam mensagens. Sentia até mesmo medo de tirar dinheiro no caixa eletrônico, pois tinha receio de ver o meu saldo bancário. A ansiedade me causava profundo mal estar físico: sentia o coração disparado, as pernas bambas e náuseas. Passei a evitar tudo aquilo que me lembrasse o trabalho: encontros com outros juízes e até mesmo as seções de livros jurídicos das livrarias. Não conseguia nem mesmo ler o jornal às segundas-feiras, pois é o dia da semana em que no jornal é publicada uma coluna sobre o Poder Judiciário. Pensamentos recorrentes sobre o trabalho dificultavam minha concentração e, com isso, minha memória passou a ficar comprometida. Não só me esquecia de fazer algumas coisas, como também me esquecia de ter feito algumas coisas. Minha vida, profissional e particular, tornou-se um caos. Felizmente, em março de 2005, aconteceu algo muito doloroso e, ao mesmo tempo, muito importante para a minha vida e, sou sincero em dizer, agradeço muito a Deus pelo que aconteceu. Houve uma Inspeção Correicional na minha comarca. Essa Inspeção Correicional constatou a desordem em que estava meu trabalho. Muito 4 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS envergonhado perante meus colegas, juízes auxiliares da Corregedoria, conversei com um deles, Doutor Fábio. Foi a primeira vez em que relatei para alguém tudo aquilo que me atormentava, pois, até então, eu nunca tinha tido coragem de falar o que eu sentia nem mesmo para minha esposa, que também é juíza de direito. Após me ouvir com muita atenção, o Doutor Fábio me disse: “Mauro, você não precisa tirar férias para colocar o serviço em dia. O que você precisa é de um tratamento sério e urgente”. Foi depois dessa Inspeção Correicional e da conversa que tive com o Doutor Fábio que eu finalmente tive coragem de conversar com minha esposa e de admitir, para mim mesmo, que eu passava por problemas. Todavia, apesar de reconhecer que precisava de tratamento médico, minha apatia era tão profunda que foi preciso que minha esposa procurasse um médico e me levasse até a primeira consulta. Assim, iniciei um tratamento de psicanálise em abril de 2005, o qual, infelizmente, não trouxe resultados positivos, de modo que em outubro de 2007 eu mudei de médico, e passei a fazer uso de anti-depressivo e ansiolítico receitados por um psiquiatra, e iniciei psicoterapia com uma psicóloga. As falhas constatadas naquela Inspeção Correicional serviram como base para a instauração de um processo administrativo disciplinar. No processo administrativo disciplinar passei por perícias psicológica e psiquiátrica que demonstraram que meu estresse, minha depressão e ansiedade eram anteriores à data da Inspeção Correicional. Os laudos periciais foram muito expressos no sentido de que eu padecia de uma doença que reduzia minha capacidade laborativa, e foram expressos no sentido, também, de que eu deveria fazer uso de medicamentos, sendo que foi isso que me encorajou a trocar de médico, já que o médico com quem me tratei durante dois anos e meio não era adepto do uso de medicamentos. Assim, com base nas perícias, fui absolvido e decidiu-se instaurar o processo de aposentadoria. Esta foi, de modo bastante resumido, a minha estória pessoal. Por causa dessa minha experiência, passei a pesquisar bastante sobre estresse, síndrome de burnout e depressão. Minhas pesquisas foram feitas em livros e em sites da Internet. É o resultado dessas pesquisas que desejo compartilhar com o leitor. Assim, tratarei primeiro do estresse, burnout e depressão sob uma perspectiva geral e, depois, tratarei dessas doenças enfocando a figura do magistrado. 5 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS ESTRESSE E TRABALHO Como leigo, eu poderia dizer que o estresse é o acúmulo das tensões e preocupações do dia-a-dia que levam a um esgotamento nervoso. Muitas das tensões e preocupações nossas dizem respeito ao trabalho, de modo que o trabalho com excesso de preocupações, excesso de tensão, excesso de cobranças, pode causar o estresse, e o estresse pode ser um dos fatores que desencadeiam a depressão, pois altera o funcionamento químico do cérebro elevando os níveis de cortisol, causando uma diminuição dos níveis de serotonina, o que ajuda a “pôr em funcionamento a realidade da depressão” [2] . HU UH Para se ter uma idéia de como o estresse no trabalho pode trazer conseqüências terríveis, menciono aqui o caso, bastante atual, da empresa France Telecom. De fevereiro de 2008 a outubro de 2009, 25 (vinte e cinco) funcionários da France Telecom cometeram suicídio, sem contar algumas tentativas de suicídio. A 23ª funcionária a cometer suicídio, em 14.9.2009, foi uma mulher de 32 anos de idade que saltou de um prédio. O 24º funcionário a se suicidar, em 28.9.2009, foi um homem de 51 anos de idade, casado e pai de dois filhos, que se jogou de um viaduto. O 25º funcionário a praticar esse ato extremo foi um engenheiro de 48 anos de idade, que se enforcou em casa no dia 15.10.2009. Vários dos funcionários que cometeram suicídios deixaram cartas dizendo que cometiam o suicídio em razão do “ambiente infernal” que se vivia na empresa, ou então em razão do “excesso de trabalho” e do “gerenciamento por meio do terror” adotado na empresa. Segundo os sindicatos, os suicídios foram cometidos em razão do estresse motivado pela gestão empresarial e pelas condições de trabalho, principalmente pelas “mobilidades forçadas” dos funcionários e pela instituição de metas individuais de produtividade. Notícias a respeito podem ser encontradas com facilidade na Internet, indicando-se as seguintes páginas: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2009/09/18/ult2682u1316.jhtm ; HU UH http://economico.sapo.pt/noticias/france-telecom-24-suicidios-em-18-meses_70792.html ; HU UH e http://br.invertia.com/noticias/noticia.aspx?idNoticia=200910151757_AFP_78469349&idtel ; HU UH http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=26157 . HU UH 6 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS A situação acima descrita, que felizmente não diz respeito a magistrados, é bastante reveladora sobre o quanto o trabalho pode ser estressante e sobre o quanto o estresse pode causar danos terríveis para qualquer pessoa. O espanhol JOSÉ LUIS TRECHERA, que é Mestre em recursos humanos e Doutor em psicologia escreveu um livro intitulado “A sabedoria da tartaruga – sem pressa, mas sem pausa”, o qual trata a respeito da relação entre o trabalho e o homem, abordando em capítulos específicos os temas do estresse e da síndrome de burnout. Segundo ele, “os ritmos de vida da sociedade atual, em que imperam a pressa e a aceleração, desencadeiam estados de tensão e mal-estar que cobram um preço e se voltam contra o próprio ser humano” [3] . Sobre as HU UH conseqüências negativas do estresse, ele menciona: Fisiológicas – taquicardia; aumento da pressão arterial; suor excessivo, tensão muscular; aumento do metabolismo basal e colesterol; inibição do sistema imunológico; sensação de secura e nó na garganta; Psicológicas – preocupação; indecisão; baixo nível de concentração; perda de memória; desorientação; mau humor; hipersensibilidade a críticas; falta de controle emocional; ansiedade; medos; fobias; depressão; sensação geral de insatisfação; Comportamentais – fala rápida; tremores; gagueira; explosões emocionais; consumo de drogas ou substâncias estimulantes; impulsividade; descontrole alimentar; alterações no sono e insônia; cansaço e esgotamento; etc [4] . Mais adiante em sua obra, TRECHERA trata da HU UH síndrome de burnout, que é um estresse crônico característico de profissionais cujo trabalho repercute diretamente sobre a vida de outras pessoas, em profissões que envolvem excessivas demandas psicológicas. Segundo o referido autor, “esta síndrome afeta as pessoas que alimentam um ideal elevado e se esforçaram para alcançá-lo. Pode ser produzida pelo desajuste entre as expectativas dos profissionais e a realidade do trabalho. Quando não conseguem os objetivos propostos, embora mobilizem todos os recursos possíveis, são invadidos pelo sentimento que pode desencadear a sensação de “estar queimado”. À sobrecarga emocional costuma se somar um excessivo acúmulo de trabalho, unidos à falta de tempo e de recursos materiais. Em geral, são pessoas que se cobram em demasia, já que são responsáveis e encaram o trabalho com entusiasmo e seriedade. Entretanto, pouco a pouco vão tendo uma sensação de derrota ao não obterem o resultado que esperavam, apesar do esforço realizado. Começa uma perda de ilusão, aumenta o sentimento de negatividade, cresce a frustração e, por fim, 7 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS aparecem os efeitos do burnout. A conseqüência final é uma queda quantitativa e qualitativa em seu rendimento” [5] . HU UH Normalmente as matérias relacionadas ao burnout não mencionam expressamente os juízes como profissionais possíveis de adquirirem o burnout; no entanto, a descrição da síndrome de burnout permite que enquadremos os magistrados como uma das classes profissionais sujeitas a tal síndrome. Todavia, na Internet localizei uma página italiana que, sob o título “Medicina: Burnout, faz estar mal quem faz o bem”, inclui expressamente os juízes como uma das classes de profissionais que corre o risco do burnout [6] . Entre nós, a Revista Novos Rumos, da AMAPAR – HU UH Associação dos Magistrados do Paraná e JUDICIMED, em sua edição nº 129, de junho de 2007, traz uma matéria específica sobre a Síndrome de Burnout (págs. 08/09), revelando uma louvável preocupação com a possibilidade de burnout entre magistrados. Há um excelente site denominado PsiqWeb-Psiquiatria GeralGJBALLONE no qual encontramos a seguinte descrição do estresse nas relações de trabalho e síndrome de burnout: “(...)O desgaste emocional a que pessoas são submetidas nas relações com o trabalho é fator muito significativo na determinação de transtornos relacionados ao estresse, como é o caso das depressões, ansiedade patológica, pânico, fobias, doenças psicossomáticas, etc. Em suma, a pessoa com esse tipo de estresse ocupacional não responde à demanda do trabalho e geralmente se encontra irritável e deprimida. A sobrecarga de agentes estressores também pode ser considerada um fator importante para eclosão do estresse patológico no trabalho. A sobrecarga de estímulos estressores é um estado no qual as exigências do ambiente excedem nossa capacidade de adaptação. Os quatro fatores principais que contribuem para a demanda excessiva de agentes estressores no trabalho são: 1. urgência de tempo; 2. responsabilidade excessiva; 3. falta de apoio; 4. expectativas excessivas de nós mesmos e daqueles que nos cercam. A chamada Síndrome de Burnout é definida por alguns autores como uma das conseqüências mais marcantes do estresse profissional, e se caracteriza por 8 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS exaustão emocional, avaliação negativa de si mesmo, depressão e insensibilidade com relação a quase tudo e todos (até como defesa emocional). Definida como uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto, excessivo e estressante com o trabalho, essa doença faz com que a pessoa perca a maior parte do interesse em sua relação com o trabalho, de forma que as coisas deixam de ter importância e qualquer esforço pessoal passa a parecer inútil. Os sintomas básicos dessa síndrome seriam, inicialmente, uma exaustão emocional onde a pessoa sente que não pode mais dar nada de si mesma. Em seguida desenvolve sentimentos e atitudes muito negativas, como por exemplo, um certo cinismo na relação com as pessoas do seu trabalho e aparente insensibilidade afetiva. Finalmente o paciente manifesta sentimentos de falta de realização pessoal no trabalho, afetando sobremaneira a eficiência e habilidade para realização de tarefas e de adequar-se à organização. Esta síndrome é o resultado do estresse emocional incrementado na interação com outras pessoas. Algo diferente do estresse genérico, a Síndrome de Burnout geralmente incorpora sentimentos de fracasso. Seus principais indicadores são: cansaço emocional, despersonalização e falta de realização pessoal”. Como é possível ver, o trabalho pode ser um fator causador do estresse, e este pode vir a causar depressão ou o burnout. O estresse, por si só, pode causar a redução da capacidade laborativa, ainda que não desencadeie a depressão ou o burnout. Uma questão trazida à tona por JOSÉ LUIZ TRECHERA é a de que “o vício em trabalho é muito difícil de questionar, pois pode ser alimentado pela própria pressão do ambiente profissional ou por certas “causas justas”. Por exemplo: obter maior produtividade com o consequente benefício para a empresa (...) Consequentemente, a tendência a trabalhar em excesso, para além dos próprios limites e necessidades pessoais, por mera dependência psicológica, poderia ser compreendida como o sofrimento que os outros aplaudem. O perigo é que ele aumente à medida que é reforçado pelo ambiente social. O mais lamentável é que esse “prêmio social” pode desembocar no desastre físico ou psicológico de quem está sofrendo [7] ”. De fato, HU UH infelizmente o trabalho em excesso é algo que é estimulado entre nós por meio de cobranças excessivas e fixação de metas de trabalho inexeqüíveis. Creio eu que esse 9 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS tipo de atitude deva ser repensada. O atletismo é algo que nos pode servir de exemplo: sabemos perfeitamente bem que uma prova de fundo, como os 5.000 ou 10.000 metros, não pode ser corrida no mesmo ritmo de uma prova de 100 ou 400 metros, sob o risco de o atleta nem mesmo conseguir terminar a prova. É comum vermos, nas provas mais longas, a figura do “coelho”, que vem a ser um atleta que, propositadamente, inicia a prova em um ritmo mais rápido do que o normal, buscando fazer com que outros competidores o acompanhem e, assim, se desgastem antes do fim da prova, a fim de que seu companheiro vença a competição. Normalmente o atleta que faz o papel de “coelho” lidera a prova até o terceiro quarto da corrida, mas a termina em último lugar ou, em muitos casos não a termina. Nós, juízes, não podemos ser coelhos. Não se pode exigir que o magistrado, enquanto pessoa, se sacrifique pessoalmente para suprir as deficiências estruturais do Poder Judiciário. É pouco inteligente exigir do magistrado em excesso pois, depois de algum tempo de elevada produtividade, o excesso de cobrança, de tensão, de preocupação com a produtividade, poderá causar um estresse que faça com que o magistrado tenha sua capacidade laborativa reduzida, prejudicando-se a sua produtividade, o que prejudica, em última análise, o próprio Poder Judiciário. Todavia, infelizmente, a tendência que se percebe é a de que se exija que o magistrado corra uma maratona ao ritmo de uma corrida de 100 metros rasos. DEPRESSÃO E REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORATIVA Dados estatísticos PAULA FONTENELLE [8] , citando dados da Organização Mundial da HU UH Saúde (OMS), traz os seguintes dados sobre a depressão: a) A doença afeta 121 milhões de pessoas em todo o mundo; b) menos de 25% dos deprimidos têm acesso a tratamento; c) a combinação remédio-psicoterapia é eficiente em 80% dos casos; d) é a 4ª doença mais presente no mundo; e) a previsão é que em 2020 chegue ao 2º lugar. Notícia da Folha de São Paulo de 12/12/2001 dizia que a Organização Mundial da Saúde nos alerta para o fato de que a Depressão já é a quarta causa de 10 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS incapacitação para o trabalho e que deverá chegar a ser a segunda causa em 10 anos [9] . HU UH Já foi escrito também que “a maior causa de incapacitação para as atividades profissionais é a Depressão, e entre as 10 maiores causas de incapacitação para o trabalho, 05 são patologias psiquiátricas (quadros depressivos, alcoolismo, drogadição, transtorno bipolar de humor, esquizofrenia), sem falar no absenteísmo e sofrimento psíquico do paciente e familiares” [10] . HU UH Outro dado numérico que muito impressiona pode ser encontrado no site www.eagora.com.br , no qual o artigo intitulado “MAIOR CUSTO DA DEPRESSÃO H H É COM A PERDA DA PRODUTIVIDADE” informa que nos Estados Unidos calculase que os custos sociais com a depressão girem em torno de US$ 44 bilhões por ano. Afirma-se, no artigo em comento, que aproximadamente 10 milhões de brasileiros sofrem de depressão, doença que é “grave, incapacitante e onerosa”. Segue o artigo dizendo que “o mais grave, porém, é que por falta de informação, apenas dois terços dos pacientes com depressão procuram tratamento”. Em seguida, prossegue o artigo afirmando: “A depressão resulta em um grande prejuízo na vida profissional do paciente. Segundo o Prof. Dr. Kalil Duailibi, psiquiatra e chefe da Disciplina de Psiquiatria da Universidade de Santo Amaro (Unisa), de São Paulo, ‘são grandes as chances de um paciente com depressão ser demitido, pois sua capacidade de trabalhar é comprometida, bem como seu desempenho, concentração, energia e iniciativa’ (...) ‘O impacto da depressão na saúde ocupacional, portanto, vai além das faltas no trabalho, pois ela afeta sensivelmente o rendimento do trabalhador deprimido’”. Continua o artigo afirmando que “tratar inadequadamente, ou simplesmente deixar de tratar a depressão, causa um prejuízo muitas vezes irreversível para o paciente e para a sociedade como um todo. Incapacitação, perda da produtividade no trabalho (...) são as principais conseqüências. Além dessas questões, para o paciente existem os danos afetivos e psicológicos que variam de pessoa para pessoa, como o afastamento dos amigos e familiares, a dificuldade em se relacionar, a perda do sentido do prazer em quase tudo o que se faz, qualidade de vida ruim e a conseqüência extrema que é a perda da vontade de viver, podendo acabar com a própria vida”. Se o custo com a depressão mencionado no artigo acima é algo assustador, é mais assustadora ainda a informação de que aquele número pode estar equivocado, e que o custo é muito maior. No livro intitulado “Biologia da Depressão”, 11 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS encontramos a informação de que “uma estimativa do custo econômico da depressão, nos Estados Unidos, ultrapassou os 100 bilhões de dólares em 2001” [11] . HU UH Conseqüências e sintomas da depressão Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que, como já foi escrito, “depressão não é preguiça nem falta de força de vontade”, e que “não é sinal de fraqueza de caráter e nem passa somente com ‘pensamento positivo’” [12] . HU UH Uma boa descrição do que é a depressão e de quais são seus sintomas pode ser encontrada no site gballone.sites.uol.com.br/voce/dep.html: “A Depressão é, portanto, uma doença afetiva ou do humor, não é simplesmente estar na "fossa" ou com "baixo astral" passageiro. Também não é sinal de fraqueza, de falta de pensamentos positivos ou uma condição que possa ser superada apenas pela força de vontade ou com esforço. As pessoas com doença depressiva (estima-se que 17% das pessoas adultas sofram de uma doença depressiva em algum período da vida) não podem, simplesmente, melhorar por conta própria e através dos pensamentos positivos, conhecendo pessoas novas, viajando, passeando ou tirando férias. Sem tratamento, os sintomas podem durar semanas, meses ou anos. O tratamento adequado, entretanto, pode ajudar a maioria das pessoas que sofrem de depressão. A Depressão, de um modo geral, resulta numa inibição global da pessoa, afeta a parte psíquica, as funções mais nobres da mente humana, como a memória, o raciocínio, a criatividade, a vontade, o amor e o sexo, e também a parte física. Enfim, tudo parece ser difícil, problemático e cansativo para o deprimido. A pessoa deprimida não tem ânimo para os prazeres e para quase nada na vida, de pouco adiantam os conselhos para que passeiem, para que encontrem pessoas diferentes, para que freqüentem grupos religiosos ou pratiquem atividade exóticas. Os sentimentos depressivos vêm do interior da pessoa e não de fora dela e é por isso que as coisas do mundo, as quais normalmente são agradáveis para quem não está deprimido, parecem aborrecedoras e sem sentido para o deprimido. A Depressão é medicamente mais entendida como um mal funcionamento cerebral do que uma má vontade psíquica ou uma cegueira mental para as coisas boas que a vida 12 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS pode oferecer. A pessoa deprimida sabe e tem consciência das coisas boas de sua vida, sabe que tudo poderia ser bem pior, pode até saber que os motivos para seu estado sentimental não são tão importantes assim, entretanto, apesar de saber isso tudo e de não desejar estar dessa forma, continua muito deprimido. A Depressão Típica se apresenta através de sintomas afetivos diretamente relacionados ao humor. Pode haver angústia, acompanhada ou não de ansiedade, tristeza, desânimo, apatia, desinteresse e irritabilidade. Não é obrigatória a presença de todos esses sintomas ao mesmo tempo. Na esfera intelectual há uma certa preguiça do pensamento, tornando-o lento e trabalhoso. Há diminuição da memória, a qual pode falhar e confundir as coisas, dificuldade para resolver problemas antes considerados fáceis e tendência à pensamentos negativos ou pessimistas. Por causa desses pensamentos negativos surge insegurança e auto-estima diminuída. Fisicamente pode aparecer indisposição geral, apatia, sensação de peso ou pressão na cabeça, e zonzeira . Não é raro uma queixa de "bolo na garganta", como uma coisa que não sobe nem desce. A Depressão proporciona ao paciente um estado que pode ser chamado de Inibição Psíquica Global, uma espécie de lentificação de todos os processos mentais, como uma preguiça cerebral geral. Isso acomete, por exemplo, o desempenho sexual, o apetite (que pode estar aumentado ou diminuído), a disposição e ânimo gerais, a capacidade de concentração e memória, a qualidade do sono. Essa baixa performance psíquica resulta em dificuldades para resolução dos afazeres do cotidiano e para tomar decisões”. No “site” Saúde Vida on Line encontramos um artigo da Dra. SANDRA R. S. GASPARINI no qual ela escreve que a depressão “é uma doença séria e incapacitante”, afirmando que “não é o indivíduo incapaz que tem depressão, mas a depressão que incapacita o indivíduo para o viver saudável e pleno (...) A pessoa deprimida sente-se incapaz, desinteressada pelas coisas, com sua energia vital diminuída (...) As atividades antes feitas naturalmente, como tomar banho, vestir-se, cuidar de suas coisas, dar conta dos compromissos, agora são feitas com um esforço enorme. O indivíduo fica desleixado, tudo perde a importância, a cor (...) o indivíduo tem consciência do seu sofrimento e do sofrimento que causa; não consegue encontrar um motivo que justifique esta tempestade emocional, ao mesmo tempo que não 13 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS consegue reagir a esta tendência interior (...) A depressão deve ser tratada, na maioria das vezes com medicamentos e psicoterapia (...) É importante saber que o deprimido não tem controle sobre as manifestações da doença, não é um ‘louco’ ou um caso ‘perdido’, entende, mas não consegue responder a estímulos ou conselhos. Precisa de amor e compreensão, até que esta ‘fase’ passe”. Os sintomas da depressão podem ser os seguintes: a) perda do interesse ou prazer em atividades rotineiras (anedonia); b) sentir-se triste durante a maior parte do dia, quase todos os dias; c) isolamento, embotamento afetivo; d) desesperança; e) queda da libido; f) perda ou ganho de peso; g) alterações no sono; h) irritabilidade, agressividade; i) sensação de cansaço, fraqueza e falta de energia (adinamia); j) sentir-se inútil, culpado, um peso para os outros; k) ansiedade; l) dificuldade de concentração, de tomada de decisões e de iniciativa e dificuldade de memória; m) apresentar pensamentos freqüentes de morte e suicídio; n) ter pavor das atividades diárias; n) senso de autocrítica exagerado; o) irregularidade na menstruação; p) pensamentos negativos [13] ; q) prejuízo nas atividades ocupacionais, principalmente nas pessoas com HU UH atividades intelectualmente exigentes; r) apatia; s) sofrimento moral, ou sentimentos de menos-valia ou culpa, de autodepreciação, de auto-acusação, de incompetência ou inferioridade, de baixa autoestima [14] . HU UH Os sintomas acima não precisam estar presentes todos de uma vez, e para que a depressão seja caracterizada devem estar presentes por pelo menos duas semanas, e não devem ser decorrentes de uma situação de luto. O site www.michbar.org , do “Lawyers & Judges Assistance Program” H H apresenta um auto-teste, onde relaciona os seguintes sintomas da depressão: 1 – Sou incapaz de fazer coisas que costumava fazer; 2 – Sinto desesperança sobre o futuro; 3 – Não posso tomar decisões; 4 – Sinto-me lento ou agitado; 5 – Estou ganhando ou perdendo peso; 6 – Fico cansado sem motivo; 7 – Estou dormindo muito ou muito pouco; 8 – Sinto-me infeliz; 9 – Fico irritado ou ansioso; 14 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS 10 – Penso em morrer ou em me matar. De acordo com o site mencionado, se a pessoa responder “sim” para 5 ou mais perguntas, e estiver se sentindo assim todos os dias por várias semanas, há uma grande chance de estar sofrendo de depressão, e se, a resposta for “sim” para a questão número 10, a pessoa deve procurar ajuda imediatamente, independentemente das respostas para qualquer outra pergunta [15] . HU UH Há na literatura relatos bastante chocantes sobre os sintomas da depressão. Talvez o livro mais conhecido, hoje, sobre depressão, seja o de ANDREW SOLOMON, intitulado, “O Demônio do Meio-Dia: uma anatomia da Depressão”, no qual o autor, além de sua experiência pessoal, relata casos de várias outras pessoas. No livro “Biologia da Depressão” encontramos um trecho onde uma pessoa faz a seguinte descrição de seus sintomas: “Para mim, a depressão é como tentar fazer as coisas que tenho que fazer como se estivesse me arrastando em um pântano lamacento. A menor coisa já é um grande esforço. Combinada com a desesperança que sinto quando estou deprimida, seguidamente me pergunto: ‘Por que se incomodar?’, ‘Qual é a utilidade disso?’” [16] . PAULA FONTENELLE, na obra já mencionada, conta a estória de uma HU UH enfermeira que termina assim seu relato: “A depressão acaba com uma pessoa, e o depressivo não tem que ter uma pessoa que fique enxugando suas lágrimas. Ele precisa de uma pessoa que saiba identificar os sintomas e levá-lo ao médico. É disso que ele precisa, não é pena, não é piedade, porque a depressão é uma doença. Trate a depressão como você trata a diabete, um problema cardíaco, porque no caso da depressão, ou ela mata você ou você se mata” [17] . HU UH Ansiedade Merece destaque especial a ansiedade, que tanto pode estar presente nas situações de estresse como na depressão, como já vimos. A ansiedade crônica traduz-se em sintomas físicos que também prejudicam a capacidade laborativa, e que merecem ser listados: 01 - tremores ou sensação de fraqueza; 02 - tensão ou dor muscular; 03 – inquietação; 04 - fadiga fácil; 05 - falta de ar ou sensação de fôlego curto; 06 – palpitações; 07 - sudorese, mãos frias e úmidas; 08 - boca seca; 09 - vertigens e 15 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS tonturas; 10 - náuseas e diarréia; 11 - rubor ou calafrios; 12 - polaciuria (aumento de número de urinadas); 13 - bolo na garganta; 14 – impaciência; 15 - resposta exagerada à surpresa; 16 - dificuldade de concentração ou memória prejudicada; 17 - dificuldade em conciliar e manter o sono; 18 – irritabilidade [18] . HU UH ESTRESSE E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS Conforme pudemos observar, os sintomas do estresse e da depressão interferem bastante na capacidade laborativa, já que tais doenças podem ter como sintomas a apatia, cansaço, dificuldade de concentração, perdas de memória, dificuldade para a tomada de decisões, ansiedade, medos de tarefas diárias, lentidão de pensamento, etc. É óbvio que tais problemas, em um magistrado, farão com que sua capacidade laborativa fique reduzida, o que causará um prejuízo ao próprio Poder Judiciário. Assim, deve ser de interesse das associações de magistrados, buscando o bem estar de seus associados, e de interesse dos Tribunais de Justiça, buscando evitar a redução da capacidade laborativa dos magistrados, buscar estudar melhor os problemas de estresse e depressão em magistrados e, mais ainda, criar programas de apoio para evitar o estresse e a depressão em magistrados, bem como ajudar os magistrados que já estejam passando por problemas de estresse e depressão. No Brasil são poucos os trabalhos que digam respeito especificamente à magistratura em relação ao estresse e à depressão. Em sua tese de mestrado intitulada “FATORES DESENCADEANTES U DE ESTRESSE NOS MAGISTRADOS – O CASO DE MINAS GERAIS” , a psiquiatra U JUDITE PEREIRA DA SILVA, especialista em medicina do trabalho e em saúde mental e professora de medicina legal, constata que para os magistrados a sobrecarga de trabalho “corresponde a prazos não cumpridos, outro fator de grande tensão, o que leva às horas extras de trabalho, causando fadigas, que culminarão em estresse (...) Ainda a lei os obriga a residir na sede da comarca, fiscalizar os subordinados, os cartórios e exercer função de coordenação e administração quando estão empossados no cargo de diretor do Fórum. Como descrevemos no capítulo anterior, a função de diretor do Fórum é sentida como uma atividade muito estressante (...) Ao fazermos este 16 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS paralelo com as proposições de Dejours, demonstramos que, segundo este autor, nenhum profissional está isento de envolvimento com seu trabalho, o que exige um esforço concentrado por parte dos judicantes, para cumprirem as suas funções com neutralidade. Tendo os senhores magistrados a necessidade de se manterem serenos sem serem frios, lógicos sem serem calculistas, humanos sem envolvimentos e, sobretudo, honestos e perspicazes na interpretação da lei, vivem diariamente sob os fatores estressantes do trabalho e a pressão da sociedade”. Em suas considerações finais a autora relaciona os seguintes fatores intrínsecos ao exercício da magistratura capazes de provocar estresse nos magistrados: a) carga de trabalho e pressão do tempo; b) responsabilidade por vidas; c) viagens e mudanças; d) papel na organização do Poder Judiciário, enfatizando as dificuldades do cargo de Diretor do Fórum e a indefinição dos critérios promocionais; e) conciliação da carreira com a família. Outro trabalho que merece destaque é intitulado “ STRESS E U QUALIDADE DE VIDA EM MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO: DIFERENÇAS ENTRE HOMENS E MULHERES ”, das autoras MARILDA E. U NOVAES LIPP e MARIA SACRAMENTO TANGANELLI, as quais revelam que pesquisa realizada com juízes do trabalho apontou que 71% da amostra apresentavam sintomatologia típica de stress, sendo que 1,3% se encontravam na fase de exaustão do stress. Segundo elas, esse elevado percentual (71%) foi o mais alto já encontrado nas pesquisas nacionais sobre o stress ocupacional. No exterior a preocupação com o estresse e a depressão entre magistrados já é bastante grande. Nos EUA existem programas de tratamento de depressão, estresse e burnout direcionados a advogados, promotores e juízes, conforme pode ser verificado nos “sites” do LCL-Lawyers Concerned for Lawyers, de Connecticut; do Lawyers Assistance Program de New Jersey (http://lawyersassistance.typepad.com/1/_workaholic_attorneys/index.html); do Lawyers Assistance Program de Delaware (www.de-lap.org/depression.htm); do Judicial Family Institute (jfi.ncsconline.or/depressionwarning.html); do Lawyers & Judges Assistance Program do State Bar of Michigan (www.michbar.org/generalinfo/jlap/selftests.cfm). O “site” da American Bar Association publicou artigo a respeito dos sintomas e conseqüências da depressão ( www.abanet.org/genpractice/magazine/2001/jul-aug/greiner1. html ) e também H H 17 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS artigo a respeito do burnout ( www.abanet.org/genpractice/magazine/2004/octH nov/ preventin gburnout.html). A depressão e as profissões jurídicas foi tema de artigo H publicado no “site” do Judges and Lawyers Assistance Program (JLAP) (www.in.gov/judiciary/ijlap/pubs/articles/vol23no4a.html). A preocupação com a depressão em magistrados também é existente no Canadá, onde foi instituído programa de tratamento e assistência para juízes sofrendo de depressão e problemas emocionais e psicológicos causados por estresse (National Judicial Counselling Program-NJCP), conforme se constata no “site” da Canadian Association of Provincial Court Judges ( www.judges-juges.ca/en/aboutus/assistance.htm ). No Reino Unido foi criada uma H H linha telefônica para auxílio para juízes com problemas emocionais e estresse causado pelo trabalho, conforme consta de reportagem do jornal Times On Line de 26.3.2007 ( http://business.timesonline.co.uk/tol/business/ law/article 1567311.ece). H H Na página do Times on Line que traz a notícia do “disque-ajuda” implantado no Reino Unido para juízes com problemas de estresse, menciona-se quais as causas que fazem com que o judiciário esteja sob tensão: a) aumento da carga de trabalho; b) tarefas administrativas; c) natureza do trabalho com exigências emocionais e intelectuais; d) maior avaliação pública; e) críticas pela imprensa e políticos; f) solidão e mudanças de comarca; g) desvantagens financeiras; h) falta de gratidão e de reconhecimento; i) crise da “meia-idade” (fonte: palestra do juiz australiano Michael Kirby, então presidente do Tribunal de New South Wales, datada de 1995). Os mesmos problemas que os juízes estrangeiros têm, nós temos no Brasil. Sendo assim, o estresse e a depressão não podem ser assuntos proibidos dentro do Poder Judiciário. Esconder o problema, tratar o estresse e a depressão com preconceito, com vergonha, como se os magistrados não fossem seres humanos comuns que possam ter fraquezas, significa o agravamento do problema. A atitude a ser tomada é a oposta: é o debate aberto e o enfrentamento sério da questão, com a adoção de medidas preventivas e de apoio. 18 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS Sugestões A primeira sugestão que faço tem caráter preventivo e de apoio. Sugiro que as associações de magistrados, atuando em conjunto com os tribunais, encaminhem aos magistrados questionários formulados por seus departamentos médicos, a fim de que sejam localizados possíveis casos de estresse e depressão, antes que tais casos se agravem. Feito isso, poderiam ser adotadas algumas medidas de apoio, tais como sessões de psicoterapia, reuniões de grupos onde os magistrados pudessem expor seus problemas, palestras, etc. Minha experiência pessoal mostrou-me o quanto foi importante saber que o problema de estresse e depressão entre juízes não era um problema só meu, um problema isolado. Quando eu soube que meu problema afligia diversos outros juízes no mundo inteiro, senti-me mais normal e reconfortado. Além desse tipo de apoio, penso que ao juiz com estresse e depressão deva ser dado um apoio mais concreto, mais efetivo, do ponto de vista laborativo. Penso eu que, ao se localizar os casos mais graves de estresse e depressão, os tribunais devem fazer com que a carga de trabalho daquele juiz seja diminuída, fazendo-se isso mediante o remanejamento dos juízes substitutos, implantação de regimes de exceção, de mutirões, etc. Sei bem que se um magistrado pedir licença médica, ela será concedida. Ocorre que, no caso do estresse e da depressão, nem sempre o afastamento por completo será a melhor solução. Em muitos dos casos, mesmo sob tratamento e com a capacidade laborativa reduzida, o juiz deverá continuar trabalhando, para o bem de sua própria saúde. Isso não significa que, por continuar trabalhando, estará com capacidade laborativa plena, e que poderá suportar integralmente as demandas de seu trabalho. Nessas hipóteses, é importante que o juiz trabalhe dividindo o trabalho com um colega, diminuindo a pressão sobre seus ombros. Além de uma diminuição de trabalho, de pressão, de responsabilidade, dar esse tipo de apoio ao magistrado significaria dizer que o tribunal compreende seu problema, que sabe que as dificuldades que ele apresenta no trabalho decorrem de doença, de algo independente de sua vontade. Uma atitude assim compreensiva faria, por si só, com que o magistrado sentisse uma pressão menor e ficasse mais relaxado, aumentando suas condições de superar o estresse e a depressão. 19 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS A segunda sugestão que faço diz respeito ao que se poderia fazer quando, constatadas irregularidades no serviço de um magistrado, este alegar estar sofrendo de estresse ou depressão. Penso que deveria ser realizado um exame psicológico e psiquiátrico antes da instauração do processo disciplinar, objetivando justamente evitar a instauração desse tipo de processo. Eu passei por isso e sei o quanto é dolorida a instauração de um processo administrativo disciplinar. Antes mesmo da instauração do processo administrativo propriamente dito, o juiz passa por outros julgamentos. Primeiro, perante a Corregedoria de Justiça, quando sua “justificativa” é julgada. Depois, pelo Conselho da Magistratura, que encaminha a questão ao Órgão Especial. Depois, pelo Órgão Especial, que delibera pela instauração do processo administrativo disciplinar e, por fim, o julgamento do processo propriamente dito pelo Órgão Especial. Para quem está sofrendo de depressão, com uma auto-estima baixíssima, sentindo-se culpado e envergonhado, o processo administrativo disciplinar e essas fases que o antecedem são um golpe terrível, que faz com que o juiz se sinta ainda mais humilhado, com a autoestima ainda mais baixa, que aumente sua ansiedade e, consequentemente, aumentem seus medos e o próprio estresse ou a própria depressão. Durante o processo, se testemunhas forem arroladas em comarcas diferentes — como ocorreu em meu caso —, cada Carta de Ordem expedida faz com que o processo administrativo chegue ao conhecimento de mais pessoas, aumentando o sentimento de humilhação, ferindo-se ainda mais a auto-estima do juiz. Todas as conseqüências acima poderiam ser evitadas se, antes da instauração do processo administrativo disciplinar, o juiz fosse submetido a um exame psicológico e psiquiátrico. Constatando-se, antes da instauração do processo disciplinar, que o juiz está doente, com a capacidade reduzida em razão da depressão ou do estresse, o procedimento disciplinar poderia ser desde logo arquivado. Além dos graves danos psicológicos mencionados, essa “pré-perícia” poderia evitar a perda de tempo dos vários órgãos julgadores (Corregedoria, Conselho da Magistratura, Órgão Especial). Evitaria a perda de tempo dos juízes encarregados de cumprir as Cartas de Ordem, evitaria o gasto com a expedição de Cartas de Ordem, enfim, evitaria um processo bastante complexo e demorado. Seria evitado, até mesmo, o 20 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS prejuízo financeiro do juiz requerido, que não precisaria ter gastos financeiros com a contratação de advogados. Neste ponto, faço questão de esclarecer que não faço aqui qualquer tipo de crítica ao Desembargador Corregedor-Geral da Justiça à época da instauração do processo administrativo disciplinar contra minha pessoa, nem tampouco críticas a todos os Desembargadores que foram favoráveis à instauração do processo disciplinar. Tenho certeza de que não sofri qualquer perseguição pessoal ou injustiça. Se eu tivesse sido vítima de algum tipo de perseguição, os mesmos Desembargadores que foram favoráveis à instauração do processo disciplinar não teriam me absolvido quando do julgamento final daquele processo. Digo mais, no lugar deles, eu provavelmente teria tomado as mesmas atitudes. Isso porque, antes das perícias psiquiátrica e psicológica realizadas no curso do processo administrativo disciplinar, não havia nenhuma prova de que eu estivesse de fato doente. Havia apenas as minhas alegações, com a descrição de meus sintomas, e um atestado médico. Estou certo de que, se eu tivesse passado por algum exame psiquiátrico ou psicológico antes da instauração do processo disciplinar, os meus problemas de saúde teriam ficado evidenciados e o procedimento teria sido arquivado logo no começo. O que faltou, então, não foi compreensão por parte dos Desembargadores, mas faltou existir um meio, um mecanismo, que permitisse que eu pudesse comprovar minha doença antes do início do processo. É a criação desse mecanismo que eu pretendo sugerir. CONCLUSÃO Espero que esse meu modesto trabalho contribua, de alguma forma, para que o preconceito que cercam o estresse e a depressão sejam derrubados, dando início a um debate mais amplo que possa conscientizar os magistrados sobre os riscos do estresse e da depressão, bem como da urgente necessidade de dar apoio aos magistrados que, em razão dessas doenças, que são invisíveis, têm seus trabalhos e suas vidas pessoais drasticamente prejudicadas. 21 ESTRESSE OCUPACIONAL, BURNOUT E DEPRESSÃO ENTRE MAGISTRADOS: PROBLEMAS GRAVES QUE DEVEM SER DEBATIDOS E ENFRENTADOS Bibliografia - Solomon, Andrew. “O Demônio do Meio-dia: uma anatomia da depressão”. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002; - Tanner, Susan & Ball, Jillian. “Abaixo a depressão”. São Paulo: Editora Fundamento Educacional, 2004; - Fontenelle, Paula. “Suicídio – O futuro interrompido – Guia para sobreviventes”.São Paulo: Geração Editorial, 2008 - Trechera, José Luis. “A sabedoria da tartaruga – sem pressa, mas sem pausa”. 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Rio HU UH de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 55/57 [3] - Trechera, José Luis. “A sabedoria da tartaruga – sem pressa, mas sem pausa”. HU UH São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2009, p. 69. [4] Ob. Cit., p. 113 HU UH [5] Ob. Cit., p. 121 HU UH [6] http://www.dizlis.it/modules.php?name=News&file=article&sid=968 HU UH [7] Ob. Cit., p. 89 HU UH [8] Fontenelle, Paula. “Suicídio – O futuro interrompido – Guia para HU UH sobreviventes”.São Paulo: Geração Editorial, 2008, p. 53 [9] “site” virtualbooks.terra.com.br/marciofunghi/Entrevista_depressao.htm HU UH [10] “site” www.smcc.com.br/departamentos/psiquiat.html HU UH H [11] Licinio, Lucio; Wong, Ma-Li e colaboradores. “Biologia da Depressão”. Porto HU UH Alegre: Artmed, 2007, p. 235 [12] “site” www.mentalhelp.com/depressao.htm HU UH H [13] Fontenelle, Paula. “Suicídio – O futuro interrompido – Guia para HU UH sobreviventes”.São Paulo: Geração Editorial, 2008, p. 54/55; Tanner, Susan & Ball, Jillian. “Abaixo a depressão”. 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