Vitória, 03 de janeiro Mensagem Nº. 001 de 2008 /2008 Senhor Presidente: Veio-me, com o OF. Nº 923/SGP/ALES, o Autógrafo de Lei nº 355/2007, de autoria do Deputado Luiz Carlos Moreira para que o Poder Executivo se manifestasse quanto a sanção ou veto ao Projeto de Lei nº.479/2007, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade da compensação das emissões de Gases de Efeito Estufa – GEE, por meio do plantio de árvores e do manejo adequado dos resíduos gerados pelos eventos realizados no Estado do Espírito Santo”. Fazendo uso, portanto, das competências que me são outorgadas pela Constituição Estadual em seus artigos 66, § 2º e 91, IV, decidi vetar totalmente o Projeto de Lei em referência por entendê-lo padecer de vício de inconstitucionalidade formal e material. A fundamentação deste veto está baseada no Parecer da Procuradoria Geral do Estado, que aprovei e transcrevo: “Passando ao largo das inúmeras discussões técnicas e jurídicas que o vertente autógrafo suscita (razoabilidade, proporcionalidade etc.), tem-se que ele não vence um juízo de constitucionalidade por duas razões de fácil apreensão; que são: (a) incompetência legislativa do Estado-membro para tratar do assunto nos moldes propostos; (b) violação do princípio da legalidade, por delegar ao regulamento matérias que, pela sua importância, deveriam ser disciplinadas em nível legal. Do transbordo da competência legislativa deferida ao Estado-membro pelo art. 24, VI, da CF/88. A confecção pela Assembléia Legislativa do Autógrafo de Lei n.º 355/2007 não se deu com amparo na competência legislativa concorrente deferida aos Estados pela CF/88 (art. 24, inciso VI), para cuidar do tema afeto à proteção do meio ambiente e à conservação da natureza. E isso se diz por duas razões. A primeira é que, a meu sentir, o autógrafo de lei em análise, ao estabelecer e impor aos particulares mecanismos inovadores compensação das emissões de gases de efeito estufa, configura verdadeira norma geral de direito ambiental. Realmente, tal assunto constitui matéria de interesse nacional, a demandar tratamento uniforme em todo o território brasileiro. Ora, as normas em comento não especificam tratamento jurídico porventura existente acerca dessa matéria, não constituem uma solução optativa escolhida sob a influência determinante de uma norma geral. Pelo contrário, elas inovam o ordenamento, criando um direito/dever dantes não previsto, e que é do interesse de toda a sociedade brasileira. Não se trata, portanto, de tratamento específico de diretrizes veiculadas por uma norma geral, em adaptação às peculiaridades regionais. Em suma: a matéria objeto das normas veiculadas pelo Projeto de Lei em estudo (a) demanda um tratamento geral e uniforme, por ser de interesse nacional; (b) não configura mero desdobramento de disciplina contida em um regramento geral preexistente; (c) não têm nenhuma conexão com as peculiaridades locais do Estado federado. O Supremo Tribunal federal já se posicionou no sentido de que é da competência da União editar normas de cunho geral no campo da proteção ao meio ambiente. Veja-se o seguinte julgado: Ementa CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA. LIMINAR. OBRA OU ATIVIDADE POTENCIALMENTE LESIVA AO MEIO AMBIENTE. ESTUDO PREVIO DE IMPACTO AMBIENTAL. Diante dos amplos termos do inc. IV do par. 1. do art. 225 da Carta Federal, revela-se juridicamente relevante a tese de inconstitucionalidade da norma estadual que dispensa o estudo prévio de impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais. Mesmo que se admitisse a possibilidade de tal restrição, a lei que poderia viabilizá-la estaria inserida na competência do legislador federal, já que a este cabe disciplinar, através de normas gerais, a conservação da natureza e a proteção do meio ambiente (art. 24, inc. VI, da CF), não sendo possível, ademais, cogitar-se da competência legislativa a que se refere o par. 3. do art. 24 da Carta Federal, ja que esta busca suprir lacunas normativas para atender a peculiaridades locais, ausentes na espécie. Medida liminar deferida. (ADI-MC 1086/SC, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Julgamento: 01/08/1994, Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO) Ainda que se entenda que a União Federal não seja competente para legislar sobre o tema em foco, com a assunção da premissa de que as normas em apreço não ostentam a generalidade acima propalada, é certo que o Estado-membro também não portará atribuição constitucional para tanto. Isso porque, na forma como o Autógrafo de Lei n.º 355/2007 foi positivado, ele diz respeito a assuntos de predominante interesse local, fazendo incidir, nesse toada, a norma de competência estampada no inciso I do art. 30 da Lex Legum federal; in verbis: CF/88 Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; [...] A identificação do interesse local é feita a partir da clara ingerência do texto normativo sob análise em assuntos próprios da municipalidade, como são os requisitos para a realização de eventos, as condições para a emissão de alvarás de autorização, a forma de manejo dos resíduos gerados em eventos locais e a definição das áreas onde deverão ser plantadas árvores. Tudo isso sem contar a insofismável imposição de atribuições a órgãos públicos municipais, que está veiculada em tal ato. Eis os preceitos do autógrafo em disquisição que tratam de tal temário: Art. 1º. [...] § 2º Para a realização dos eventos referidos neste artigo é imprescindível a prévia comunicação à autoridade competente. § 3º A comunicação prevista no § 2º deverá ser acompanhada de termo de responsabilidade firmado pelo realizador do evento. Art. 2º. A pessoa física ou jurídica, responsável pelo evento, deverá apresentar, em conjunto com o termo de responsabilidade, a estimativa técnica das emissões de Gases de Efeitos Estufa – GEE, que serão geradas pela atividade e a compensação dessas emissões em plantio de árvores. [...] § 2º. Em qualquer caso, o laudo técnico será avaliado pelo órgão governamental competente. Art. 3º. O número de árvores a serem plantadas será definido na regulamentação desta Lei, levando-se em consideração ao volume de emissão de GEE. § 1º A área que será beneficiada com o plantio das árvores deverá ser delimitada em croqui com dimensionamento e detalhamento de onde será feita a compensação ambiental, não necessitando estar localizada na respectiva área do evento. § 2º As árvores a serem plantadas serão obrigatoriamente essências nativas. Art. 4º. A pessoa física ou jurídica responsável pelo evento providenciará a reciclagem, o aproveitamento ou o manejo e descarte dos resíduos gerados, assegurando, quando possível, o adequado uso social. [...] Art. 5º. O responsável pelo evento deverá comprovar documentalmente o cumprimento do determinado nesta Lei. Prágrafo único. Os documentos comprobatórios deverão ser encaminhados ao órgão responsável pelo alvará para a realização do evento dentro do prazo de trinta dias, a contar da realização do evento. Art. 6º. A pessoa física ou jurídica que violar, ou de qualquer forma concorrer para a violação do disposto nesta Lei, incidirá nas seguintes sanções: [...] II – terá indeferido permanentemente quaisquer outros pedidos de alvará para futuros eventos, e; [...] Tanto isso é verdade que há Municípios que já cuidam da matéria versada no vertente autógrafo, por meio de atos normativos próprios, como, por exemplo, o Município de Campinas/SP (Lei Municipal n.º 13.030/2007). Emerge, com isso, a inconstitucionalidade formal do autógrafo de lei em apreço, já que, por qualquer prisma de análise, o Estado-membro não pautou a sua atividade legiferante nos termos da competência concorrente traçada no inciso VI e parágrafos do art. 24 da CF/88. Da violação ao princípio da legalidade – omissão do Autógrafo de Lei n.º 355/2007 em definir o responsável pela aquisição/fornecimento das áreas que serão (re)florestadas. Um reforço argumentativo adere-se à invalidez formal acima evidenciada: o autografo sob exame viola o princípio constitucional da legalidade. Decerto, o Autógrafo de Lei n.º 355/2007 não define quem será o responsável pela aquisição/fornecimento da área na qual será plantada as árvores destinadas a compensar a emissão dos gases de efeito estufa. Essa omissão, por si só, se não representa a ineficácia total do vertente autógrafo, cristaliza insofismável violação ao princípio da legalidade, pedra angular do Estado Democrático de Direito. O inciso II do art. 5º da Carta de Outono apregoa que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Se assim é, somente diploma com status legal configura veiculo normativo apropriado para a imputação de dever jurídico à pessoa física ou jurídica, pública ou privada. Vale dizer: regulamento e quejandos não poderão, a toda evidência, estatuir quem será o sujeito obrigado a adquirir/fornecer a área na qual serão plantadas em árvores em questão. Essa conclusão encontra arrimo nas lições apresentadas por PONTES DE MIRANDA acerca das funções dos decretos regulamentares no direito pátrio: Onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos, não há regulamentos – há abuso de poder regulamentar, invasão de competência legislativa. O regulamento não é mais do que auxiliar das leis, auxiliar que sói pretender, não raro, o lugar delas, mas sem que possa, com tal desenvoltura, justificar-se e lograr que o elevem à categoria de lei”. (Comentários à constituição de 1967 com a emenda n. 1 de 1969. 2. ed., t. III. RT: São Paulo, 1970, p. 314) Explicando melhor: o texto normativo ora em estudo representa aguda intervenção do domínio econômico, donde se infere que a imposição aos particulares do dever de adquirir ou providenciar as áreas que serão (re)florestadas deveria estar claramente estatuída, notadamente porque o amplo número de eventos que estão situados em seu campo objetal (eventos com mais de 1.000 pessoas) revela a pujança do impacto de tal medida nos mais diversos campos (econômico, urbanístico, planejamento, pessoal etc). D’outro lado, também não se dúvida que esse dever precisaria estar fixado em lei, caso se pretenda que o Executivo forneça tal área. Assim, também por esse prisma, mostra-se ilegítimo o Autógrafo de Lei n.º 355/2007. Do exposto, conclui-se que o inteiro teor do Projeto de Lei n.º 355/2007 deve ser objeto de veto a ser efetivado pelo Excelentíssimo Governador do Estado do Espírito Santo, tendo em vista que esse ato normativo: (a) padece do vício de inconstitucionalidade formal, seja por se tratar de normas gerais sobre proteção ao meio ambiente que se situam fora da competência dos Estados prevista no art. 24, e parágrafos, da CF/88, seja por se tratar de normas que se situam na competência legislativa privativa Municípios (inciso I do art. 30 da CF/88); (b) padece do vício de inconstitucionalidade material, por malferimento ao princípio da legalidade (art. 5º, II, da CF/88). Atenciosamente PAULO CESAR HARTUNG GOMES Governador do Estado