REFLETINDO O CONCEITO DE SAÚDE IMPLÍCITO NAS
ABORDAGENS PROMOÇÃO DA SAÚDE E CULTURA CORPORAL,
EM EDUCAÇÃO FÍSICA, A PARTIR DE PAULO FREIRE
Agostinho da Silva Rosas39 e Sérgio Luiz Cahú Rodrigues
Introdução
O presente trabalho trata-se de uma reflexão acerca do termo saúde aplicado à
Educação Física Escolar. Durante muitos anos o pensamento higienista e militar exerceram
influências nas práticas pedagógicas da Educação Física. Neste sentido, tanto as estratégias
didáticas como o saber selecionado pelos professores, desta área de conhecimento, foram
organizados, predominantemente, sob uma perspectiva positivista. O culto ao corpo forte, viril
e ágil respondia aos argumentos políticos de civismo e amor à Pátria, uma questão de
segurança nacional. Noutra direção, a estética, a criação de hábitos higiênicos, respaldados
pelo saber produzido pela medicina, atribuiu à Educação Física o argumento de autoridade
científica. Estas características, no contexto escolar, vão interagir com os propósitos de uma
educação tecnicista e noutros tempos, sob a imposição do treinamento desportivo preparando
os jovens à competição. Seja como for, o termo saúde parece estar sempre presente nas
abordagens teóricas em Educação Física.
Aqui, duas destas abordagens foram selecionadas com a intenção de identificarmos o
sentido/significado atribuídos ao termo saúde e, por conseguinte, à Educação Física Escolar –
Promoção da Saúde e Cultura Corporal. Em nossa opinião, saúde, como é identificado por
estas abordagens, não atende as nossas inquietações. Motivo pelo qual nos reportamos aos
princípios sócioeducacionais implícitos no pensar e agir de Paulo Freire. Assim, para facilitar
a compreensão do leitor, este texto foi projetado em três etapas: a primeira, comenta o
percurso histórico da Educação Física enfatizando as influências militar e higienista; a
segunda, refere-se a apresentação das duas abordagens selecionadas e, a terceira, inicia nossa
reflexão sob a perspectiva de interagir saúde à perspectiva paulofreireana de educação. Assim,
trata-se de um convite ao debate, em aberto, sobre saúde e educação.
Breve passagem pelo caminho histórico da Educação Física brasileira
Com o objetivo de informar ao leitor acerca da travessia da Educação Física no Brasil,
de maneira a possibilitar o entendimento sobre a necessidade de refletirmos a compreensão de
saúde/educação/escola, tomamos como ponto de partida o período colonial tal qual o fez
Paulo Freire na ocasião de sua Tese de Concurso para a cadeira de História e Filosofia da
Educação na Escola de Belas Artes (Educação e Atualidade Brasileira, 1959) e em seu
primeiro livro comercializado, Educação como Prática da Liberdade (1967), quando discute a
transição social brasileira.
Neste sentido, apesar de não haver registros na literatura, que identifiquem a prática
pedagógica da Educação Física. sob influência direta dos Jesuítas (Brasil Colônia), pode-se
perceber que “a extrema rigidez jesuítica veio a ser uma característica que se mantém
marcante nestes profissionais, não por herança dos jesuítas, mas por outra via – a dos militares
-, que só se manifestou durante o Império e ao longo da República” (Oliveira, 1998, 4). Para
Bercito, contudo, (In Ferreira Neto, 1996), o momento político de transição do Brasil Colônia
à República foi fortemente influenciado pela miscigenação. As diferenças raciais, cujo
domínio dos colonizadores transformou índios e negros em sub-raças, conseqüência da crença
de que a miscigenação era absolutamente condenada como fator de degeneração física e
social. Aspecto este que vai provocar distinções na composição da grade curricular da escola
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Universidade de Pernambuco e Centro Paulo Freire - Estudos e Pesquiisas.
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vigente: disciplinas teórica versus prática, aquelas que cuidam do intelecto versus as que
cuidam do físico. A Educação Física, enquanto área de intervenção é, assim, considerada, por
muitos, como uma das disciplinas que cuida do corpo/físico. Como que pela dicotomia
positivista assumisse a condição de treinar o físico, não lhe cabendo a perspectiva do
intelecto.
No entanto, esta prerrogativa que hoje encontra-se em transição, tem sua explicação no
passado com a criação da primeira escola de formação profissional em Educação Física. Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD/1929), de origem militar, a qual
defendia, de acordo com Andrade de Melo (In Ferreira Neto, 1996), os “interesses do governo
de execução em decurso. A Educação Física, mais do que uma disciplina escolar, estava
ligada a um projeto de segurança nacional” (1996, 43). Defendia o culto ao patriotismo e
corpo saudável. De certa maneira, o discurso militar fragmentava a formação do profissional,
reforçando a dicotomia platonica corpo versus mente. Por outro lado, carentes da projeção de
conhecimentos, cientificamente produzidos, os militares vão, aos poucos, perdendo sua
hegemonia, dando novo rumo à formação acadêmica em Educação Física. Com a influência
dos médicos na administração da ENEFD, na opinião de Andrade de Melo (in Ferreira Neto,
1996), “percebe-se, fundamentalmente, maiores preocupações com o embasamento científico
e com a qualidade da formação profissional do que as anteriores preocupações com os desfiles
cívicos e demonstrações militarizadas de civismo e amor à pátria” (1996, 48). Mais uma
vez, assim como sob controle dos militares, agora sob a orientação dos médicos, a
fragmentação entre o teórico e o prático é ainda mais acentuada. Aos médicos cabiam a
função e status dos teóricos, enquanto que aos professores, a operacionalização didática/a
aplicação prática. De fato esta diferenciação traz em si um tom pejorativo que termina por
desqualificar, melhor dizer, diminuir a função social do professor de Educação Física frente
ao conjunto das ações profissionais. Na verdade, esta dicotomia entre o teórico e o prático não
é nada novo. Para Souza Junior (1999) citando Vázquez (1977), as práticas relacionadas com
o trabalho manual (físico), eram consideradas, na antigüidade grega e romana, como indignas,
“imprópria aos homens livres” (1999, 149). Na continuidade da história da Educação Física
brasileira, com o passar dos tempos, os professores (mesmo que influenciados pela concepção
higienista de educação) vão apropriando-se de sua própria formação. Ao assumir a
administração da ENEFD, atribuem um novo eixo teórico, o pedagógico. No começo, dirigida
pelos militares (concepção militarista), os quais foram substituídos pelos médicos (concepção
higienista), posteriormente pelos profissionais da própria Educação Física. Estes, a partir de
suas produções, contribuíram para a implementação da Reforma Universitária de 1968,
difundindo o curso para os vários Estados brasileiros (antes, no Rio de Janeiro).
A partir dos anos 70, início dos 80, a Educação Física brasileira entra em crise. Para
Medina (1983), em a Educação Física cuida do corpo...e “mente”, a crise se fazia necessária
para ultrapassarmos a barreira da miséria das consciências (corpo/mente; teoria/prática),
Fazia-se necessário identificar sua identidade teórica, seu papel social, sua relação com a
educação. Fazia-se necessário ultrapassar práticas pedagógicas conservadoras (do Brasil
Colônia à República). Neste sentido, convida-nos a entendermos o homem sob a perspectiva
paulofreireana. A entendermos que o papel da escola seja o de proporcionar uma educação
libertadora, humana e humanizante, que respondesse aos desafios da transição social.
Transição esta marcada pela inexperiência democrática, assistencialista, com a qual, ao
massificar homens, torna-os objeto dos dominantes, opressores, dirigentes, governantes
(daquela época). O Brasil pós-Golpe/64, reativa essas características, impondo uma prática
autoritária de educação, em que prevalece a consciência transitiva ingênua. A Educação
Física, neste contexto, reforça tanto a concepção militar como a higienista através do
tecnicismo e exacerbação do ímpeto desportivo competitivo.
De lá para cá, contudo, Educação Física / Saúde (concepção higienista), é binômio
que, de certa maneira, permanece ativo na memória do teórico e do popular. Neste sentido, a
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formação profissional em Educação Física (a exemplo da prática seletiva do vestibular), ainda
hoje, encontra-se classificada como área da saúde. Motivo pelo qual, discutir saúde em
Educação Física. é problemática atual. Até mesmo para que sejam confirmados os critérios de
sua classificação ou, noutro sentido, para de sejam relacionados outros argumentos que
justifiquem sua (re)locação.
Neste contexto histórico, na tentativa de superação da crise apontada por Medina,
várias abordagens teóricas dirigidas à Educação Física, tomaram forma e expressão. Contudo,
para nossa reflexão, escolhemos duas delas: uma denominada Promoção da Saúde,
influenciada pelo biologicismo, e outra, Cultura Corporal sob a concepção crítico-superadora.
A primeira definida pelas características biológicas (concepção higienista), vai sistematizar a
aprendizagem de conteúdos relacionados com a qualidade de vida, sob a dimensão da saúde,
incorporando “hábitos de prática de atividade física e saúde para toda a vida” (Guedes e
Guedes, 1993 In Rodrigues, 2000, 55/56). A segunda, representada pelo modelo materialistahistórico-dialético, visa a aprendizagem da “expressão corporal como linguagem” (Coletivo
de Autores, 1992, 62), - concepção pedagógica.
A questão que se coloca, tendo em vista a influência da medicina na prática
pedagógica do profissional de Educação Física, é: qual a relação existente entre os conceitos
articulados pelas duas abordagens teóricas (Promoção da Saúde e Cultura Corporal) acerca do
termo saúde, quando direcionado ao contexto educacional, portanto à Educação Física
Escolar? Para nós, reflexões elaboradas a partir da discussão sobre saúde/educação/escola e a
prática pedagógica da Educação Física, nos remeteu à necessidade de ultrapassarmos os
conceitos identificados nestas abordagens. A discussão permanece em aberto. É neste sentido
que acreditamos que a perspectiva paulofrereana nos sugere elementos que nos remete à
(re)leitura do termo saúde, bem como sobre o envolvimento dos indivíduos (médico/paciente)
no trato com a doença. De certa maneira, um retorno à reflexão iniciada por Medina (1983)
que, aqui, toma a dimensão da temática saúde/Educação Física.
Para tanto, na continuidade do trabalho será apresentado nossa interpretação de alguns
dos termos-geradores à reflexão sobre indicadores que caracterizam cada uma das abordagens
selecionadas.
Compreendendo saúde na Educação Física brasileira: Promoção da Saúde e Cultura
Corporal
Na tentativa de respondermos a nossa inquietação maior, pelo momento, afim de
entendermos a aplicação do termo saúde associado a prática pedagógica da Educação Física
Escolar, tomamos como ponto de partida a identificação dos seguintes aspectos: a) o
propósito atribuído a Educação Física Escolar, quando articulada as abordagens Promoção da
Saúde e Cultura Corporal, e b) a especificidade delimitada ao termo saúde em cada uma das
abordagens.
Promoção da Saúde
Sem perder de vista a dimensão histórica da Educação Física, identificamos que, na
abordagem Promoção da Saúde, o pensamento higienista de natureza biológica é
predominante. Para Guedes e Guedes (In Rodrigues, 2000), com o ensino da Educação Física
(Promoção da Saúde) pretende-se conscientizar, crianças, jovens e adultos, acerca da
importância de adotarmos um estilo de vida mais ativo. Assim, na medida em que o homem
seja orientado à adquirir um estilo de vida mais ativo, estará promovendo sua qualidade de
vida à saúde. Na opinião de Guedes e Guedes (1992), este processo dar-se-á justamente por
compreender que a qualidade de vida de uma pessoa é determinada, fundamentalmente, pelos
seus próprios hábitos e decisões pessoais. Decisões estas, que mesmo estando influenciadas
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pelos aspectos sócio-econômicos, são tomadas mediante as necessidades de sobrevivência
humana.
Para eles, instala-se na sociedade um processo de patologias relacionadas ao aumento
de enfermidades crônico-degenerativas, decorrentes do estilo de vida moderno, do avanço
tecnológico, que colocam o homem em condições favoráveis ao sedentarismo, provocando
alterações significativas em seu estado de saúde. Este fato vai direcionar a prática pedagógica
da Educação Física, promovendo atividades físicas que venham contrapor aos estilos de vida
com carência de movimentos sistemáticos. Neste sentido, Guedes e Guedes, fazem crítica as
abordagens teóricas que articulam o professor como mero “coadjuvante do processo
educacional, responsável por entreter, recrear, organizar e acompanhar atividades
comemorativas, ensinar habilidades relacionadas ao esporte, orientar atividades lúdicas e
ginástica” (Rodrigues, 2000, 62). Em seu lugar, propõem a utilização de programas de
Educação Física orientados à promoção da saúde, tornando as crianças, os jovens e os adultos
aptos fisicamente para toda a vida. Para tanto, compete ao professor: prescrever e orientar
programas de atividade física relacionados à saúde; propiciar variedade de rotinas motoras;
acessar os alunos, conforme sua capacidade de compreensão, às informações teóricas que dão
pressuposto à atividade física e saúde e produzir imagem favorável à opção por um estilo de
vida mais ativo. Os conteúdos a serem desenvolvidos nas aulas, devem estar, o mais
diretamente possível, relacionados com a promoção da saúde. Semelhantemente ao processo
de desenvolvimento cognitivo, focaliza uma prática pedagógica hierárquica, numa seqüência
que se estende do desenvolvimento de habilidades motoras e o gosto pelo desempenho da
atividade física, à aprendizagem dos componentes da aptidão física relacionadas à saúde.
Através das aulas de Educação Física, cabe ao professor transmitir informações que, de certa
maneira, venham formalizar a aprendizagem de hábitos motores compatíveis com a
manutenção de um “estado de completo bem estar físico, mental e social” (Breslow, 1990 In
Rodrigues, 2000, 67), que ultrapasse a perspectiva de saúde como ausência de doenças.
Saúde, como sugere Guedes e Guedes, é definida nos termos de Bouchard (1990 In
Rodrigues, 2000), que a consideram “associada com a capacidade de apreciar a vida e de
resistir aos desafios do cotidiano, e não meramente a ausência de doenças” (68). Não apenas
refere-se aos aspectos da categoria médica, como adota a perspectiva educacional. Trata-se de
formalizar, no interior da escola, práticas pedagógicas convergentes à criação de estilos de
vida mais ativo, promovendo a saúde.
Cultura Corporal
Diferentemente da perspectiva anterior, Cultura Corporal é abordagem teórica que, ao
transcender a perspectiva biológica, identifica-se ao modelo materialista-histórico-dialético.
Acredita que as transformações corpóreas identificadas na estrutura corporal humana sejam
decorrentes de sua própria história, resultado “da relação do homem com a natureza e com
outros homens” (Coletivo de Autores, 1992, 38). Em sociedade, os homens criam suas
culturas, transformam a natureza e a si próprio. Através do corpo, movimentando-se, criam
formas de linguagem com as quais se comunicam expressando seus saberes, história, cultura,
afetividade. Ao movimentar-se, trabalha produz.
Neste sentido, à Educação Física é atribuída a função de sistematizar a aprendizagem
de movimentos, formas de trabalho, sendo compreendida como área de conhecimento e
formação profissional. É considerada trabalho, na medida em que os movimentos são
transformados em produção simbólica, conseqüência de seu emprego “sistematizado,
ordenado, articulado e institucionalizado” (39). Com isto, o jogo, a dança, o esporte, a
ginástica, as lutas são identificados como conteúdos/temas a serem desenvolvidos durante o
processo de ensino-aprendizagem. Estes conteúdos/temas expressam um sentido/significado
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onde se interpenetram, dialeticamente, a intencionalidade/objetivos do homem e as
intenções/objetivos da sociedade.
A Educação Física, sob a perspectiva da Cultura Corporal - enquanto forma de
linguagem-, articula os conteúdos/temas de ensino ao programa pedagógico que, por sua vez,
deve ser orientado por um projeto político-educacional comprometido com os grandes
problemas sociopolíticos, a exemplo da saúde pública, papéis sexuais, ecologia, problemas
provenientes da ergonomia, preconceitos sociais, raciais, de deficiência, velhice entre outros.
No tocante a nossa inquietação, contrariamente ao postulado pela abordagem
Promoção da Saúde, em Cultura Corporal a temática saúde não é tratada sob forma direta,
considerada conhecimento fundamental a ser desenvolvido nas aulas de Educação Física. De
outra maneira, focaliza, saúde, como um problema sociopolítico, dentre vários, que deve ser
discutido como uma sub-categoria de conhecimentos, durante as reflexões construídas no
decorrer do processo ensino-aprendizagem. No entanto, quando aborda a temática saúde, o faz
sob o pressuposto de saúde pública. Entende que a relação entre homem e saúde, assim como
os demais temas, deve ser interpretado a partir do referencial histórico, que será configurado
pelas condições materiais e concretas da existência do próprio homem, num processo
dialético, no qual tanto as circunstâncias exercem influência nos homens, como os homens
transformam as circunstâncias.
Tanto sob intervenção da abordagem Promoção da Saúde como da Cultura Corporal, a
prática da Educação Física associada ao contexto escolar, portanto, educacional, identifica a
temática saúde com o propósito de normatizar um saber pedagogicamente organizado. Assim,
são os princípios que fundamentam cada uma das abordagens, e por conseguinte, a prática
pedagógica da Educação Física, que fará a diferença quanto ao direcionamento desta mesma
relação. Com isto, identificamo-nos com o desejo por discutirmos saúde numa outra
perspectiva, uma que ultrapasse a dimensão do assistencialista (Promoção da Saúde) ou de
saúde pública (Cultura Corporal). Para nós, uma que aproxime-se aos princípios postulados
por Paulo Freire.
Especulando sobre saúde a partir de Paulo Freire: uma reflexão inacabada
Ao retornar ao propósito deste momento de reflexão, (re)interpretar saúde a partir das
abordagens selecionadas, é tarefa que se faz, justamente, por percebermos que tanto a
concepção positivista de cunho biológico e educacional, como a concepção críticosuperadora, não atendem as nossas inquietações.
De um lado, entender saúde sob a condição orgânica biologicista, seja pela definição
elaborada em 1948 pela Organização Mundial de Saúde - OMS (“um estado de completo
bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de afecção ou doença”), seja pela
denominação formalizada na Conferência Internacional sobre cuidados primários de saúde
(1978), que acrescenta ao conceito acima mencionado, a perspectiva de ser “direito
fundamental dos seres humanos; o acesso ao nível de saúde mais elevado possível é um
objetivo social extremamente importante, que interessa ao mundo inteiro e supõe a
participação de numerosos setores sócio-econômicos, e não exclusivamente daqueles ligados
à saúde” (Duchiade In Rodrigues 2000, 83), ou mesmo pela revisão de 1988 da OMS, que
considera: “saúde é um direito de todos e dever do estado, garantida mediante políticas sociais
e econômicas que visam a redução do risco de doença e de outros agravos, e o acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, em
qualquer um dos casos saúde permanece externa ao homem. Ou seja, tanto para o médico
como para o paciente, saúde é algo que distancia-se da condição de homem enquanto “ser de
relação”, como propõe Paulo Freire.
O homem, para Freire, é sujeito de sua própria história. Integra-se ao contexto na
medida em que “não apenas estar no mundo mas com o mundo” (Freire, 1967, 39). Toma
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decisões com a autonomia de quem, pela reflexão e crítica, radicaliza sua atitude. Com isto,
pensar saúde sob a perspectiva da consciência transitiva crítica exige a transição do conceito
orgânico, biológico, para um outro, que considere o homem em suas conotações de
pluralidade, transcendência, criticidade, conseqüência e temporalidade.
Semelhantemente, podemos especular que a especificidade da Cultura Corporal, não é
suficiente para superar a noção de saúde externa ao homem. Mesmo que o considere numa
dimensão histórica, dialética, cuja formação humana decline sobre a crítica e emancipação,
saúde não ultrapassa a esfera de saúde pública. É bem verdade que apresenta indicadores
favoráveis a uma interpretação qualitativa a exemplo da expressão de Minayo (1996 In
Rodrigues, 2000): “saúde enquanto questão humana existencial é uma problemática
compartilhada indistintamente por todos os segmentos sociais. Porém as condições de vida e
de trabalho qualificam a forma diferenciada a maneira pela qual as classes e seus segmentos
pensam, sentem e agem a respeito dela” (2000, 87). Ora, esta expressão mesmo que
ultrapassando a compreensão anterior, positivista funcionalista, biológica, cuja estrutura
social foi captada de maneira reflexa que, segundo Freire, coisifica o homem, o torna
submisso às relações de dominação econômico-política do modelo capitalista (massificação,
assistencialismo, paternalismo), nos permite perceber que sua ampliação conceitual
recomenda-nos associá-la ao postulado por Breilh (1991 In Rodrigues, 2000, 88), como saúde
coletiva.
Com isto, se pensarmos a Educação Física Escolar, e a ela associarmos o conceito de
saúde, deveríamos, antes mesmo, decifrar a compreensão de homem, mundo, educação que
daria suporte ao processo de ensino-aprendizagem. Para nós, a Educação Física no contexto
escolar deveria estruturar-se a partir da perspectiva crítica e reflexiva sugerida por Freire e
reforçada por Medina. Educar pela conscientização crítica pressupõe o engajamento dos
homens no processo de aprendizagem do qual são sujeitos em relação; pressupõe a transição
de uma consciência ingênua à crítica.
Assim, exercendo nossa capacidade imaginativa, especulamos que, possivelmente,
saúde para Freire seria interpretada sob uma dimensão sócio-educacional fundada na
consciência transitiva crítica e criticizadora. Distanciando-se da inexperiência democrática do
povo brasileiro, o homem (professor/aluno; médico/paciente) relaciona-se interagindo social e
economicamente, política e educacionamente no e com sua realidade. Aprende a respeitar e
interpretar a partir dos vários existires, das várias diferenças entre os homens. Diferentemente
de assumir uma tendência assistencialista, propõe a intervenção consciente, reflexiva, crítica e
democrática.
Se entendermos saúde atrelada ao modelo assistencialista, estaríamos extraindo do
homem-paciente a condição de tomar decisão consciente, responsável e critica. Neste sentido,
Paulo Freire afirma que, “no assistencialismo não há responsabilidade. Não há decisão. Só há
gestos e atitudes” (Freire, 1967, 58). Portanto, do homem lhe é retirada a condição de sujeito.
Pela ausência de informações acerca da saúde, bem como do seu efeito imediatamente
contrário, da doença, o homem-paciente estagna numa dimensão de consciência intransitiva “se caracteriza pela quase centralização dos interesses do homem em torno de formas mais
vegetativas de vida” (1967, 59), pela “limitação de sua esfera de apreensão-. No entanto,
como alerta Freire, mais grave que a intransitividade, é a forma de consciência
transitivamente ingênua que, neste caso em específico, levaria o homem a tomar decisões,
sobre seu estado de saúde/doença, caracterizadas pela simplicidade na interpretação dos
problemas; “pela fragilidade na argumentação. Por forte teor de emocionalidade. Pela prática
não propriamente do diálogo, mas da polêmica. Pelas explicações mágicas” (Freire, 1967, 61).
Homem saudável, possivelmente seria aquele que, diante de seu contexto, tempo,
apropriaria-se da condição reflexiva para tomar decisão comprometida com as conotações de
pluralidade, transcendência, criticidade, conseqüência e temporalidade. Pela sua vocação de
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apreender o contexto, culturalizado historicamente, assumiria, na transitividade de sua
consciência, a crítica.
O profissional, médico, ao superar a condição de consciência transitiva ingênua, mítica
e sectária, assumiria uma postura favorável ao diálogo autêntico que, através de sua
radicalização, comportaria as características do pensar e agir democrático. Por fim, médico e
paciente estariam em relação, interagindo em defesa da vida.
No entanto, como dito anteriormente, esta é, sem dúvida, uma discussão em aberta.
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Rodrigues, Sérgio L. Cahú (2000). Educação Física e Saúde: superações e atualizações nos
para digmas da aptidão física e da cultura corporal. Dissertação de mestrado orientada
pela Prfa Da. Celi Nelza Zülke Taffarel. Centro de Educação; Mestrado em Educação.
Recife/PE: Universidade Federal de Pernambuco/UFPE.
Souza Junior, M. (1999). O saber e o fazer pedagógico: a educação física como componente
curricular? Isso é história! Recife: EDUPE.
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Refletindo o conceito de saude implicito nas abordagens