Sistema de Determinação de Direção e Análise Espectral com Célula Bragg Multicanal Cap João Matos Pinheiro Filho, Profº José Edimar Barbosa Oliveira e Cap Maurício Henrique Dias I. INTRODUÇÃO Atualmente, diversas aplicações de interesse civil e militar exigem a utilização de sistemas de recepção capazes de determinar a direção de chegada (normalmente chamados de sistemas de DF, do inglês, Direction Finding determinação de direção) de uma radiação presente em um ambiente eletromagnético constituído por um número elevado de sinais com formas de ondas complexas e dinâmicas [1]. Dentre as várias tecnologias com potencial para prover soluções com este requisito, destaca-se aquela que emprega célula Bragg multicanal [2]. Esta opção, como decorrência do processamento paralelo, inerente à célula Bragg, além de prover DF com elevada resolução, também propicia tempo de resposta reduzido, em uma ampla faixa espectral. Os receptores, assim obtidos, são fundamentais em agências de gerenciamento e controle do espectro, empresas de telefonia móvel e instituições militares, as quais funcionalmente necessitam obter localizações de emissores e podem fazê-lo pelo uso de triangulação, a qual necessita da direção de chegada da emissão. Adicionalmente, destaca-se que um receptor a célula Bragg pode apresentar elevada imunidade eletromagnética. A representação esquemática do sistema de DF proposto consta na Fig. 1, utilizando ilustrativamente uma célula Bragg com dois canais. O “front - end” de RF é constituído de duas unidades independentes, formadas por antena e amplificador. Portanto uma onda eletromagnética, com certo ângulo de chegada, gera dois sinais de RF que são acoplados aos dois transdutores piezelétricos da célula Bragg [2]. Desta forma são geradas duas ondas acústicas que, por meio do efeito acusto-óptico, modulam a permissividade elétrica do material da célula Bragg. Fig. 1. Sistema de DF Óptico com Célula Bragg Multicanal [3] Por outro lado, o “front - end” óptico do sistema mostrado na Fig. 1 consiste de um feixe laser com conformação espacial e orientação requeridas para se obter interação acustoóptica em regime de Bragg. Em síntese, as duas ondas acústicas constituem uma rede de difração dinâmica e bidimensional, que geram um sinal óptico cujas características, espacial e temporal, são controladas pelo sinal de RF. Adicionalmente, o sinal óptico de saída da célula Bragg incide em uma lente óptica, a qual, em seu plano focal, proporciona a transformada espacial de Fourier do sinal óptico de saída da célula Bragg. A localização do centróide desta saída permite estimar a freqüência e o ângulo de chegada da onda eletromagnética. A próxima seção consiste de uma revisão do princípio de operação de um receptor DF a célula Bragg. Com base nesta compreensão, apresentam-se modelos que permitem determinar a composição espectral e a direção de chegada dos sinais de RF. Por outro lado, na terceira seção, recorrer-se às figuras de méritos regularmente utilizadas em estudos de célula Bragg para identificar os materiais que melhor atendem às necessidades de receptores para DF enfocados por alguns grupos de pesquisa nacional. Por fim, utilizam-se os resultados de simulações numéricas para discutir algumas das vantagens e limitações do sistema proposto. II. FUNDAMENTOS DA INTERAÇÃO ACUSTOÓPTICA Uma revisão detalhada do princípio de operação da célula Bragg multicanal, com ênfase em aplicações de interesse de Guerra Eletrônica, pode ser encontrada em [3] e [4]. Entretanto, neste artigo preferiu-se uma formulação simplificada, que explora as características geométricas da interação acustoóptica, em regime de Bragg, por meio das propriedades da rede de difração bidimensional criada pelas ondas acústicas e pela distribuição espacial dos transdutores piezelétricos [5]. Ressalta-se que uma das dimensões da rede de difração se deve à distribuição espacial dos transdutores piezelétricos, enquanto a outra decorre da modulação espacial do índice de refração, por meio do efeito fotoelástico. Será mostrado que a rede de difração, assim formada, permite mapear as características de fase e freqüência do sinal de RF, no plano focal de uma lente de Fourier, posicionada na saída da célula Bragg. Sem perda de generalidade, deu-se preferência pelo uso de materiais opticamente isotrópicos, os quais permitem a utilização de simplificações matemáticas no estudo da transmitância da célula Bragg multicanal [6]. Combinando-se as considerações acima com as informações apresentadas na Fig. 1, obtém-se a representação esquemática ilustrada na Fig. 2, a qual, além de facilitar a visualização da localização das ondas ópticas e acústicas, também ressalta os parâmetros geométricos e os eixos coordenados utilizados na modelagem da resposta da célula Bragg com dois canais. O espaçamento entre os dois transdutores é “s” e as ondas acústicas por eles geradas se propagam ao longo do eixo x2. O vetor de onda do feixe óptico incidente está contido no plano x2 – x3. Visando reduzir a complexidade da ilustração, omite-se a lente de Fourier, que entre outras funções, focaliza o feixe óptico difratado, no plano x2 - x3. ϕ A' = ϕ B' = Fig. 2. Ilustração da interação acustoóptica com célula Bragg de dois canais A orientação do feixe óptico incidente depende da freqüência do sinal de RF. Para a interação acustoóptica considerada neste trabalho, regime de Bragg, a orientação deste feixe, com relação ao eixo x1, obedece à seguinte relação [6]: sen α = λ 2Λ (1) onde é o ângulo de incidência, é o comprimento de onda de luz da fonte óptica e é o comprimento de onda acústico. As frentes de onda acústica, nas duas colunas, estão defasadas, entre si com a mesma diferença de fase das duas amostras de sinais de RF captadas no “front - end”, conforme mostrado na Fig.1. Postula - se que os amplificadores e os transdutores piezelétricos preservem esta diferença de fase. Como decorrência desta diferença de fase, as posições nas colunas acústicas onde ocorrem os valores máximos das variações da permissividade elétrica, induzidas pelo efeito fotoelástico, estão separadas por uma distância d, dada por: ∆d = Λ ∆γ 2π λ ∆γ 4π 4πnC λn L2 +ϕ A 4 (4) L2 + ϕ A + ∆γ 4 (5) Λ2 + Λ2 + onde n é o índice de refração do meio que circunda a célula Bragg, nC é o índice de refração do material da célula Bragg, A é a fase da frente de onda óptica na entrada da célula e L é a dimensão de cada uma das colunas acústica, na direção x1. O feixe óptico difratado, com as características acima descritas, incide em uma lente óptica biconvexa, a qual proporciona, em seu plano focal, um campo elétrico óptico proporcional à transformada de Fourier espacial do campo difratado na saída da célula Bragg [11]. Em geral, as colunas acústicas usadas são estreitas, portanto o processamento espacial realizado pela lente óptica pode ser descrito pela interferência eletromagnética, conforme se ilustra na Fig. 3 [8]. Para a situação ilustrada, que ilustra dois feixes ópticos, se as fases forem iguais, a máxima intensidade seria observada exatamente sobre a origem do sistema de coordenadas. Entretanto, na condição descrita por (4) e (5), a intensidade máxima será observada em posições que obedecem à relação: ϕ B' − ϕ A' = 2πN , N = 0, ± 1, ± 2, ± 3, ... (6) onde N é a ordem da difração. (2) onde é o comprimento de onda acústico e é a diferença de fase das colunas acústicas. Da geometria esquematizada na Fig. 2, deduz-se que a separação l entre as frentes de onda do feixe óptico que atinge a coluna acústica superior e a inferior será dada por: ∆l = 4πnC λn (3) As fases dos feixes ópticos difratados no regime de Bragg após atravessar a coluna superior, A’, e a coluna inferior, B’, são, respectivamente: Fig. 3. Processamento na lente de Fourier: feixes ópticos difratados com fases distintas Normalmente se está interessado na difração de ordem nula (N = 0), a qual corresponde a uma intensidade óptica máxima. Por meio de análise geométrica, deduz-se, com auxílio da Fig. 3, que para uma dada defasem entre os feixes ópticos a posição, no eixo p3, onde se obtém a máxima intensidade óptica, comparado com a situação de diferença de fase de RF nula, é dada por: ∆p 3 = λ s2 ∆γ F 2 + 2πs 4 (7) onde s é a distância média entre as duas colunas acústicas e F é a distância focal da lente de Fourier. Se considerarmos ainda um par de antenas com a metros de separação entre elas, do qual uma é tomada como referência, esse desvio passará a ser dado por: ∆p 3 = λ a c s f RF sen θ F 2 + s2 4 (8) onde é o ângulo de chegada da emissão indicado na Fig. 1, c é a velocidade da luz no ar e a é a separação média das antenas. No que tange à composição espectral do sinal de RF, o sistema proposto utiliza-se das características mais familiares da célula Bragg. Desta forma, cada componente espectral poderá ser obtida por meio da variação do ângulo de Bragg, como previsto em (1). A lente de Fourier fará a concentração dos feixes difratados, conforme ilustrado na Fig. 4, de forma que: ∆p 2 = Fλ Λ donde se pode escolher estes parâmetros de forma a atender requisitos operacionais, tais como imunidade a vibrações, peso e volume, entre outros. (9) Fig. 4. Processamento na lente de Fourier: deflexão dos feixes ópticos difratados em função da freqüência das colunas acústicas A escolha dos parâmetros a, , F e s impõe requisitos sobre as características do detector óptico a ser utilizado. Por exemplo, a relação de proporcionalidade entre p3 e a, conforme mostrado em (8), estabelece compromissos entre separação das antenas, a resolução e o comprimento do sistema de detecção. No que tange ao tipo de laser empregado, é fundamental que apresente largura espectral reduzida e bastante estável. Experimentos com laser de He-Ne e diodo laser, regularmente empregados em instrumentação óptica de rotina, têm sido apresentados por diversos autores [1], [2] e [3]. Os resultados apresentados em (8) e (9), revelam que diversas características do sistema proposto neste trabalho dependem da distância focal da lente de Fourier, F, bem como o espaçamento médio entre as duas colunas acústicas, s. Para escolha de F e s, considera-se o espaço que se pretende ocupar com o processador, as possibilidades de intermodulação acústica, as dificuldades de fabricação da célula e a colimação do feixe óptico. Eles podem ser determinados numericamente observando-se a Fig. 5, onde se traçou curvas de p3 em função de s e F, Fig. 5. Variação de p3 em função de s e F. III. PROCESSAMENTO NECESSÁRIO PARA A OBTENÇÃO DA DIREÇÃO DE CHEGADA E A FREQÜÊNCIA No sistema proposto nesta trabalho, faz-se necessário um processador de sinais e uma rede de fotodetectores para identificar uma emissão, tal como um CCD (Charge Coupled Device - Componente de Cargas Acopladas), que permita relacionar as p2 e p3 , no plano focal da lente de Fourier, permitam calcular a freqüência, fRF, e a direção de chegada , , do sinal de RF. O CCD é basicamente uma matriz bidimensional de sensores ópticos capazes de medir a intensidade, o comprimento de onda incidente e sua posição bidimensional. Por razões de completeza, as expressões matemáticas que relaciona as grandezas referenciadas são apresentadas abaixo: f RF = sen θ = va ∆p 2 Fλ 2cs λaf RF 4 F 2 + s 2 (10) ∆p 3 (11) Para a análise da resposta do sistema para um sinal modulado, deixa-se de lado a idéia de difração em um ângulo fixo e passa-se a raciocinar com um feixe em forma de um setor circular, com as bordas do setor correspondendo à freqüência da portadora de RF mais e menos a máxima freqüência do sinal modulante. Isso porque se pode usar o princípio de superposição para considerar cada onda do grupo independentemente, analisálas separadamente e depois integrá-las. Isso acarreta o surgimento de uma figura de interferência bidimensional. Se o sinal introduzido como RF for modulado em amplitude (AM), a figura de interferência ocupará uma área centrada numa posição fixa, correspondente à portadora. Setores brilhantes secundários aparecerão nas extremidades, correspondendo à separação entre eles à largura de banda do sinal. Se for introduzida uma RF modulada em freqüência (FM), a figura de interferência ocupará uma área muito maior centrada numa posição fixa, correspondente à portadora. Setores brilhantes secundários aparecerão nas extremidades. A largura de banda do sinal poderá ser obtida usando-se o critério da queda para menos que dez por cento da luminosidade máxima das áreas brilhantes secundárias, conforme a sensibilidade do CCD. Se o CCD for extremamente sensível, será possível fazer a análise detalhada do espectro de um sinal modulado com extrema facilidade. IV. MATERIAIS PROPOSTOS PARA A FABRICAÇÃO DA CÉLULA Para confecção da célula Bragg, optou-se pelo poliestireno porque possui excelente transparência, rigidez, moldabilidade, estabilidade dimensional e facilidade de processamento [12]. Além disso é isotrópico, com constantes acustoópticas p11 = 0,30 e p12 = 0,31, densidade de massa m = 1056 Kg/m3, velocidade longitudinal va = 2340 m/s e impedância acústica Za = 2,47x106 Kg/m2s [6][9]. Ele possui uma boa resposta devido à baixa atenuação acústica. Por não ser piezelétrico, há necessidade de crescimento de um cristal piezelétrico que funcionará como transdutor elétrico-mecânico, sendo indicado o niobato de lítio, cujas propriedades piezelétricas são muito boas [3][5]-[6]. O Brasil ainda não fabrica esses componentes acustoópticos e este artigo aproveita a oportunidade para tentar sensibilizar indústrias nacionais a desenvolver esses componentes, que podem ser empregados em diversas áreas voltadas para o processamento de sinais, desde moduladores até antenas de arranjos de fase. IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho apresentou-se brevemente uma proposta de um sistema de determinação de direção e identificação de espectro de sinais eletromagnéticos empregando células Bragg multicanal. As tecnologias que empregam célula Bragg multicanal permitem, como decorrência do processamento paralelo, prover DF com elevada resolução e tempo de resposta reduzido, em uma ampla faixa espectral. A abordagem adotada foi uma formulação simplificada, com o intuito de transmitir ao leitor uma idéia geral sobre o produto, ao invés da sua fundamentação teórica. Este artigo resultou de um trabalho de pesquisa realizado no Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Lá se montou um protótipo de um processador que permitia a visualização da interação acustoóptica, demonstrando a viabilidade prática da implementação do sistema. Notou-se na oportunidade que se necessita de células desenvolvidas no país, porque os países que as fabricam impõem barreiras a sua aquisição por considerá-los produtos de tecnologia sensível. O CCD é outro dispositivo que precisa dispor de alta resolução, com elementos fotossensíveis da ordem de oito micrômetros, com separação média da mesma ordem. Ressalta-se, finalmente, a importância do Brasil avançar nessa área de pesquisa, visto que ela promete uma infinidade de aplicações na indústria civil e de defesa. Os países que dominam essa tecnologia não a disponibilizam com facilidade. REFERÊNCIAS [1] NAUMOV, K. P. and PULIAEV, A. V. Acoustooptic Processing of Phased Array Antennas with Frequency Division of Channel – VII International Conference for Young Researcher – Wave Electronics, and its Applications in Information and Telecommunication Systems, ST. Petersburg, Russia, 12 – 15 September 2004. [2] JODLOWSKI, L., Otimisation of construction of two channel acoustooptic modulator for radio-signal phase detection, Opto-eletctronics Review, v.11, n. 1, p. 55-64, 2003. [3] TINOCO, A. F. S. , PIRES, A. M. F. , SILVA, A. C., PERRELLA, W. J. e OLIVEIRA, J. E. B. Estudo da Aplicação de Célula Bragg Multicanal em Medidas dce Apoio a Guerra Eletrônica , Revista Pesquisa Naval , No. 16, Outubro de 2003, pp – 25 – 38. Rio de Janeiro, RJ, Marinha do Brasil. [4] FILHO, J.M.P. Estudo de técnica de radiolocalização por obtenção de orientação de emissores eletromagnéticos empregando optoeletrônica, 2004. 213 f. Tese de mestrado - Instituto Tecnológico da Aeronáutica, São José dos Campos. [5] LEE, Jim P.Y., Interferometric acoustic signal processor for simultaneous direction finding and spectrum analysis, Applied Optics, v. 22, n. 6, p. 867-872, 1983. [6] YARIV, A.; YEH, P., Optical waves in crystals, New York: John Wiley & Sons, 1984. [7] YEH, P. Optical waves in layered media, New York: John Wiley & Sons, 1988. [8] BORN, M.; WOLF, E., Principles of optics, London: Pergamon Press, 1959. [9] RISTIC, Velemir M, Principles of acoustic devices, New York: John Wiley & Sons, 1983. [10] DIEULESAINT, E.; ROYER, D., Elastic waves in solids, New York: John Wiley & Sons, 1974. [11] DAS, P., Lasers and optical engineering. New York: SpringerVerlag, 1990. [12] BASF Group, Polystyrol 495F. Disponivel em: <http://www.basf.com.br/web/documentos/ficha_tecnica/495F.pdf.> Acesso em: 08 Abr 2006