A busca por sinergia entre a Política Externa e de Defesa Lucas Kerr Oliveira, Giovana Esther Zucatto e Bruno Gomes Guimarães Boletim Mundorama, 06 Jan 2014 No dia 18 de dezembro de 2013, o Ministro da Defesa, Celso Amorim, anunciou o resultado da concorrência FX-2, com a compra de 36 caças Gripen NG da empresa sueca Saab. Tal escolha vai ao encontro das diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa (END), de unir capacidades de defesa ao desenvolvimento da indústria nacional e regional de defesa. Produz, ainda, uma importante sinergia entre a área de Defesa e de Política Externa, apoiando a estratégia de inserção internacional mais autônoma do Brasil, que perpassa a consolidação geopolítica do processo de Integração Regional Sul-Americana e de estabilização de um mundo multipolar. Dentre os concorrentes do FX-2 o Gripen NG mostrou-se a aeronave mais adequada às necessidades tático-operacionais de defesa aérea brasileira. Além de ser mais barato que os concorrentes, este caça supersônico multiemprego apresenta o menor custo por hora de voo (US$ 4 mil/h). Isto porque possui uma única turbina, que apesar da grande potência, permite ao Gripen consumir menos combustível e torna sua manutenção mais rápida e econômica. Sendo mais leve e com capacidade para até sete toneladas de combustível, o avião tem 1.300 km de raio de combate plenamente armado e alcance máximo de 4.000 km (SAAB, 2011). Isto é fundamental para um país de dimensões continentais como o Brasil, que precisa de caças capazes de sair do Planalto Central e alcançar rapidamente outras bases áreas na Amazônia ou no litoral. Capaz de patrulhar a zona do Pré-Sal, pode ameaçar uma frota inimiga no Atlântico Sul, mesmo que necessite de reabastecimento em voo na volta. Com capacidade para pousar e decolar em pistas bem pequenas, de apenas 500 metros, pode utilizar uma grande diversidade de bases para abastecimento e reparos durante operações, inclusive pistas curtas existentes na Amazônia. Isto permite distribuir os caças por diversas bases no Brasil, aumentando a capacidade operacional em todo o país. Embora sua capacidade de carga seja menor do que a dos concorrentes, o Gripen pode decolar com carga máxima de 16,5 toneladas, incluindo até 7,2 toneladas de armas (SAAB, 2011). Este caça pode levar uma grande variedade de mísseis ar-ar, antinavio, assim como bombas guiadas para ataque a alvos em terra e no mar. Como a versão NG está em fase de desenvolvimento, deverá incorporar a capacidade de lançar os mísseis ar-ar e antinavio em desenvolvimento no Brasil pela Avibrás e Mectron. O Gripen conta, ainda, com outras inovações tecnológicas de última geração, como recurso de Guerra Centrada em Rede (NCW) que operará em combinação com o sistema E-99 Erieye (SAAB, 2011), dos aviões EMB-145 AEW&C da Embraer. 1 Os modelos anteriores do Gripen são utilizados na Suécia, África do Sul, Tailândia, República Tcheca, Hungria e Suíça, sendo que já foram fabricadas mais de 240 unidades até o presente. O “Gripen NG BR”, por outro lado, será desenvolvido em parceria entre a Saab e a Embraer, que participará da produção da aeronave, juntamente com outras empresas brasileiras, a Aeroeletrônica, Akaer, Atech, INBRA e Mectron. Cerca de 40% das novas tecnologias empregadas poderão ser desenvolvidas e fabricadas nacionalmente. Diversos sistemas e componentes serão fabricados unicamente pela indústria brasileira, que serão instalados em todos os Gripen NG vendidos pela Saab, inclusive para a Força Aérea da Suécia. Fica claro, portanto, que o grande trunfo do Gripen está na disposição sueca em transferir tecnologias sensíveis e desenvolvê-las junto com o Brasil. Esta é uma variável determinante para o país, que já havia explicitado a necessidade de conjugar a defesa nacional com aquisição de tecnologias e desenvolvimento na Estratégia Nacional de Defesa, publicada pelo governo Lula em 2008 e no Livro Branco de Defesa Nacional de 2012 (BRASIL, 2008a; 2008b; 2012). Importa ressaltar que a instalação de parte da linha de produção do Gripen no Brasil será um impulso fundamental para a construção da Base Industrial de Defesa nacional: a indústria aeronáutica terá um novo fôlego, atuando como mais um vetor do desenvolvimento tecnológico, da criação de empregos técnicos de alta qualificação e para a geração de renda no país. Em termos geopolíticos, tudo indica que também pesou nesta escolha, o papel do crescente militarismo e da agressividade da política externa francesa e americana na última década. Em contraposição, a parceria estratégica com a Suécia mostra-se muito mais interessante no médio e longo prazo, especialmente considerando a tradição pacífica, de neutralidade e independência da política externa sueca, além da defesa de interesses e valores comuns ao do Brasil, como a defesa da Democracia, do desenvolvimento, da não intervenção e da estabilização de um mundo multipolar (KERR OLIVEIRA, et al., 2013). Dentre as perspectivas da parceria Brasil-Suécia pode-se esperar, em um cenário otimista, até mesmo processos de aquisições acionárias ou uma fusão parcial entre Embraer e Saab. Como a Suécia demonstra intenções de desenvolver turbinas aeronáuticas novas a partir das turbinas licenciadas atualmente fabricadas pela Volvo, esta parceria pode finalmente viabilizar o projeto brasileiro de fabricar turbinas de grande potência. Principalmente porque a demanda de outros países pode viabilizar, finalmente, a escala necessária pra tal empreendimento, e tanto Brasil como Suécia ganhariam em autonomia tecnológica e estratégica. Ainda, o país poderá vender aeronaves consideradas as mais avançadas dentre as de 4ª geração (classificadas como de 4,5ª geração) para os países da UNASUL e, possivelmente, a outros países emergentes, pois o acordo prevê a reserva de certos mercados ao Brasil. Considerando a perspectiva de integração das cadeias produtivas sul-americanas, é factível ponderar que tal caça fortaleça o desenvolvimento de uma Indústria de Defesa Sul-Americana, facilitando, inclusive, a incorporação de outros parceiros estratégicos do Brasil, como a Argentina ao projeto, principalmente porque tal aeronave pode ter como mercado os países da região. Em relação aos os países emergentes, importa destacar a parceria que o Brasil já 2 possui com a África do Sul, com a qual desenvolvemos os mísseis A-Darter usados nos Gripen sul-africanos. Em relação ao desafio tecnológico de desenvolver uma aeronave de 5ª geração, sem a dependência tecnológica das grandes potências tradicionais, fica claro que a parceria estratégica com a Suécia abre novas perspectivas geopolíticas para o Brasil. Incorporar, dominar e desenvolver tecnologias aeronáuticas do Gripen NG representam apenas o primeiro passo para o futuro design de aeronaves de 5ª geração. Considerando a escala necessária para viabilizar economicamente a produção destas aeronaves, fica claro que Brasil e Suécia irão precisar de mais parceiros estratégicos entre os países emergentes, como, por exemplo, Argentina, Coréia do Sul, Turquia e África do Sul. Dessa forma, a escolha do Gripen é um marco na Política de Defesa brasileira, pois aumenta nossas capacidades dissuasórias, de desenvolvimento industrial-tecnológico, e, simultaneamente, estabelece novas parcerias estratégicas para o Brasil, consolidando uma Política Externa que busca uma inserção internacional mais autônoma e soberana. Possui, portanto, elevado potencial para produzir sinergia entre os principais objetivos estratégicos do país, de desenvolvimento nacional e regional, de consolidação da Integração Regional na América do Sul e de construção de um mundo multipolar mais estável e pacífico. Referências Bibliográficas: BRASIL (2008a). Decreto nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008. Aprova a Estratégia Nacional de Defesa, e dá outras providências. Presidência da República. Brasília, DF. BRASIL (2008b). Estratégia Nacional de Defesa. Ministério da Defesa, Secretaria de Assuntos Estratégicos. Brasília, DF. <http://www.sae.gov.br/site/wp- content/uploads/Estrat%C3%A9gia-Nacional-de-Defesa.pdf>. Acesso em: 20/12/2013. BRASIL (2012). Livro Branco de Defesa Nacional. Ministério da Defesa. Brasília, DF. <https://www.defesa.gov.br/arquivos/2012/mes07/lbdn.pdf>. Acesso em: 20/12/2013. KERR OLIVEIRA, Lucas, et al. (2013). Gripen NG: a decisão pela autonomia tecnológica e estratégica. ISAPE Blog, 27/12/2013. <http://isape.wordpress.com/2013/12/27/gripen-ng-adecisao-pela-autonomia-tecnologica-e-estrategica/>. Acesso em: 27/12/2013. SAAB (2011). Gripen NG – Tecnologia independente para o Brasil. Portal da SAAB, Saab Group. Publicações da SAAB, Fact sheets. Disponível em: <http://www.saabgroup.com/Global/Documents%20and%20Images/Air/ Gripen/Gripen%20segment%20solution/Gripen_factsheet_Brazil_V2.pdf>. Acesso em: 20/12/2013. 3 Lucas Kerr Oliveira é Professor Adjunto no curso de Relações Internacionais e Integração da Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA e pesquisador colaborador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia – ISAPE. ([email protected]) Giovana Esther Zucatto é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul -UFRGS e pesquisadora associada do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia – ISAPE. ([email protected]) Bruno Gomes Guimarães é mestrando em Relações Internacionais em programa conjunto da Universidade Livre de Berlim, da Universidade de Potsdam e da Universidade Humboldt e pesquisador associado do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia – ISAPE. ([email protected]) 4