MENINAS QUE
ADESTRAM LOBOS
Mara Chan
Aviso legal: As informações contidas neste livro têm caráter
meramente reflexivo e não substituem acordos entre médicos e
pacientes.
Edição Especial
Espanha/2015
Direitos reservados
Nota da autora
No inverno de 2013, em uma viagem que fiz ao Brasil, justamente na
temporada que o país se encontrava em uma paralisação nacional devido às
greves e manifestações de seus cidadãos, no qual o objetivo principal era uma
melhoria na área da saúde e educação. Em paralelo a esses fatos, os
funcionamentos de diversos órgãos públicos foram afetados, inclusive, o
sistema único de saúde. Porém, foi neste exato momento, que me deparei com
a dura realidade que estavam enfrentando os doentes crônicos brasileiros, que
em grande porcentagem, dependem da saúde pública. Voltei para Europa, com
o meu coração dilacerado, depois de presenciar na pele a aflição de cada uma
dessas pessoas, que algumas vezes se encontram desprotegidas e impotentes,
em relação ao rumo de seus próprios destinos. Sem poder escolher e nem
opinar, frente a poderes maiores.
Por esta questão, propus em meu coração em aproximar-me de diversos
grupos de apoio aos pacientes com lúpus do Brasil, em prol de fazer algo por
cada um deles.
Sendo que, mais de 90% dos pacientes são mulheres, resolvi dedicar-me
especialmente ao caso delas, tendo em vista que o emocional para as mulheres
é algo muito mais delicado (este é o principal propósito deste livro).
Tive a oportunidade de conhecer mulheres nas mais variadas situações.
Algumas com frequentes complicações, dores e debilidades. A maioria em
estados depressivos e sem forças para continuar a batalha. Porém, a flecha que
acertou meu coração, foi conhecer algumas meninas tão jovens, com desejos
suicidas, sem nenhum ânimo de vida, por não saberem conciliar os transtornos
da adolescência, juntamente com as dores, dúvidas e medos que a doença lhes
proporcionam. Curiosamente, tem um assustador número de pacientes
lúpicas recém diagnosticadas nesses últimos tempos.
Mulheres que de repente depararam-se com uma transformação em suas
vidas completamente desconhecida, sem muitas vezes receberem
informações e atenção exata no momento que elas mais precisam.
Mulheres que assim como eu, em algum momento da minha vida, tenho
sentido como se houvessem me empurrado para dentro de um trem, rumo à
uma viagem desconhecida, sem direito a passagem de volta.
Mulheres frágeis, sensíveis e delicadas. Sinceras e transparentes ao ponto de
não saberem esconder suas lágrimas e incertezas perante o mundo lá fora.
Mulheres, que por dentro serão para sempre doces meninas, que sonham com
uma vida cor de rosa e cheia de sorrisos.
Com todo carinho, às lúpicas e seus familiares.
Mara Chan
“E disse-me: A minha graça te basta
Porque o meu poder se aperfeiçoa na debilidade”
(2 Coríntios 12:9)
Prólogo
“Admiro a Ana, tem tanta energia e tanto entusiasmo, que
a sua força te contagia e você acaba sendo igual a ela; fazendo
mil coisas, criando projetos, amando a vida...
Admiro a Nelida, com a sua determinação e capacidade tão
transbordante de trabalho, que quando eu converso com ela,
me pergunto: Por que eu não faço mais coisas a cada dia?
Admiro a Carmen, tenaz e insistente, seus objetivos estão
bem esclarecidos em sua vida. Uma magnífica artista que
mostra o seu talento para todo o mundo. De onde ela tira
tempo?
Admiro a tantas mulheres que tenho conhecido nesses
últimos anos, que às vezes me esqueço que elas têm lúpus.
São mulheres que não permitem a doença ser mais forte do
que elas.
Tem brotes, claro, mas somente no corpo, seu espírito de luta
se mantém sempre intacto.
Eu admiro a todas!
Um beijo enorme para as amigas lúpicas do Brasil. “
Isabel De Ron
Índice
* Capítulo 1: O encontro com o Lobo.
* Capítulo 2: Na solidão da montanha.
* Capítulo 3: No vale da sombra da morte.
* Capítulo 4: Averiguando o oponente.
* Capítulo 5: Estratégias de adestramento.
* Capítulo 6: Por que eu?
* Capítulo 7: Levanta-te e resplandece.
* Depoimentos de excelentes adestradoras.
Capítulo 1
O encontro com o Lobo
Não terás medo do terror de noite, nem da seta que voa de dia.
Nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que
assola ao meio-dia. (Salmos 91:5-6)
Desde a infância aprendemos, que toda vez que
adoecemos, nossa mãe sempre tinha solução para tudo.
Nossa amada aparecia no momento clave da dor, como
uma fada a favor do nosso socorro. Ela chegava com a sua
"colher mágica", acompanhada de uma "poção" capaz de
curar a nossa gripe, tosse, febre, dor de barriga...
Assim, o nosso psicológico, foi preparado para receber a
cura de todos os males. Tal como todos os seres humanos,
que por mais céticos que sejam, nesses momentos de
dores e angústias, fica aquela velha lembrança da infância,
“a mãezinha protetora”. Ela nos cuidava, levava ao
médico, nos animava em tomar os medicamentos dizendo;
“toma tudo para ficar bem!” ... E assim, tudo se resolvia.
A comoção de adoecer subitamente e não descobrir o que
se tem, é realmente pavoroso. São infinitas classes de
exames, e diversas provas com diferentes tipos de
medicamentos, em busca de algo que funcione em nosso
organismo.
Enquanto nossas dores a cada dia aumentam e novos tipos
de sintomas começam a surgir, opiniões de pessoas por
todos os lados tentam decifrar o que está acontecendo.
Com isso tudo, muitas vezes nos enfraquecemos
psicologicamente, talvez, mais pelo desespero de não
descobrir o motivo de estarmos adoecendo. Qual afinal é
a peça do quebra-cabeça que nos falta? Por que desta vez
a nossa fada não tem nenhuma poção mágica para o nosso
problema? São tantas atormentações por todo o corpo,
desde o momento que abrimos os olhos pela manhã, até
ao anoitecer. Muitas vezes, o único momento de paz e
sossego, encontramos somente quando mergulhamos em
sono profundo.
Segundo o quadro clínico que apresentamos, alguns
profissionais da saúde, se arriscam em dar alguns palpites
de possíveis doenças que estaríamos enfrentando, dizem
nomes de doenças que nunca ouvimos na vida, ou até
mesmo confundem com algumas infecções severas, às
vezes câncer ou mesmo HIV. O que tortura ainda mais as
nossas emoções e o psicológico.
Os longos dias se passam, e finalmente o médico - às vezes
apenas um, entre tantos médicos que recorremos-,
encontra a resposta, uma pedra filosofal do ângulo, a que
peça faltava para chegar a conclusão exata de um difícil
diagnóstico – é Lúpus!
Nossa mente viaja no espaço por determinadas frações de
segundos e retorna à terra, mais uma vez, encarando a
realidade... E ali de novo, dentro do consultório, sentada
de frente com um médico dizendo que você tem uma
doença incurável e com este nome estranho. Sua mente
retoma a cena da realidade, sem poder acreditar direito no
que está escutando ...
Sim é Lúpus!!!
Infelizmente, não estamos protagonizando um dos
episódios da série estadunidense; Dr. House, onde ele se
intriga com todos os mistérios desta doença rara e
misteriosa, cheio de enigmas por serem descobertos, mas
que no final de todos os exames a resposta final seria...
“Nunca é Lúpus!”
Porém, a sensação de escutar da boca de um especialista
com bastante experiência nessa área, revelando os
resultados concretos e definitivos da doença - e por
suposto POSITIVO-, é muito difícil de explicar. Somente
quem passa por esta situação sabe o tamanho do
"arrombo" que faz no coração.
E a partir deste exato momento, absolutamente tudo
começa a dar um giro de trezentos e sessenta graus, tanto
por dentro como por fora. A maneira de enxergar a vida
muda, somente pelo fato de saber que algo apareceu no
seu caminho para ficar e transformar tudo para sempre.
Tentar aceitar a ideia que todos os dias teremos que estar
dependentes de medicamentos, e que possivelmente, não
sabemos até quando o corpo pode aguentar com os efeitos
colaterais desses medicamentos, debilitando o organismo
com o passar do tempo. Em paralelo a esse choque, tentar
compreender que precisamos abrir mão de alguns
projetos e objetivos que não serão mais compatíveis com
a nossa nova maneira de viver. Aprender a temer ao sol,
tão amado e admirado desde a nossa infância, mas que
agora o calor do seu brilho tem se tornado um inimigo para
nossa saúde.
Para as meninas (mulheres) que sonhavam em colocar
algum tipo de prótese por estética, como exemplo; silicone
nos seios, nem sonhar mais! Já que corremos um grande
risco de rejeição. E para as supervaidosas que adoram
tratamentos químicos de beleza, precisarão adotar novos
estilos de vida, com a beleza mais natural possível para
evitar qualquer tipo de problemas para corpo.
Para as mais românticas que sonhavam em conhecer as
famosas pirâmides do Egito, ou os desertos mais famosos
do planeta, agora serão sonhos praticamente impossíveis
de serem realizados, já que os trajetos incluem dias na
solidão absoluta das areias ardentes, "debaixo do sol".
Geralmente quando as pessoas ouvem falar de doenças
incuráveis, raramente pensam na suposição de acontecer
com elas mesmas, enquanto tudo parece bem, nenhuma
hipótese de cair de cama com febre passa pela cabeça. É
aquela história de que, tudo sempre pode acontecer na
casa do lado, mas nunca na nossa. É por estas e outras
razões, que a sociedade caminha tão despreparada
emocionalmente para as surpresas que surgem quando o
assunto é saúde. Não estamos prontos para encarar as
mudanças da realidade, mesmo com diversos males nos
rodeando e tão presentes em dias atuais.
Também, pelas mesmas razões, que muitos doentes
crônicos são tão mal compreendidos, às vezes por seus
próprios familiares e amigos, já que estamos programados
em viver em um mundo onde tudo se passa, e tudo se
resolve com uma "poção mágica".
Infelizmente, são momentos confusos em nossos
sentimentos, desequilíbrios emocionais e momentos de
adversidades. Tentamos parecer fortes, para não abalar
aqueles que amamos, ou inclusive enganar a nós mesmos,
fazendo de conta que está tudo bem. Tentando buscar um
consolo para a dor em nossa alma, nos convencendo que
não há o que temer.
Porém, em nossa dura realidade, precisamos de atenção,
carinho e compreensão mais do que nunca. Precisamos do
total apoio da nossa família e entes queridos. Pelo menos,
até que possamos administrar com maturidade psicológica
e espiritual todas as nossas perturbações e temores por
este novo caminho desconhecido.
Muitas vezes fazemos lembrar, de algumas semelhanças
ao conto de aventura de Chapeuzinho Vermelho. Um
drama infantil, por coincidência, voltado para as meninas.
Sempre ficávamos aterrorizadas e torcendo para que a
Chapeuzinho e a vovozinha conseguissem escapar das
garras afiadas e malvadas do lobo mau. Podemos trazer
também uma pequena lembrança da fábula romântica
entre "A Bela e a Fera", onde a mocinha fica presa em um
castelo junto a uma fera. E inclusive também, recordamos
as mais comovedoras histórias de saga e, neste caso, o final
da história geralmente a mocinha é protegida e salva por
seu herói.
Porém, somos muito mais valiosas que todas essas
mocinhas que fizeram sucesso nos contos e nas telinhas.
Somos as mocinhas em perigo da vida real. Esquecidas e
abandonadas por grandes homens poderosos, que
poderiam ser os nossos heróis.
Somos portadoras de uma doença rara, desconhecida,
pouco divulgada e dificilmente investida. Somos Belas
presas em castelos com a Fera; somos bonecas frágeis de
porcelana que precisam ser manejadas com muito
cuidado. Princesas adormecidas à espera "do beijo de um
príncipe para sobreviver". Somos Brancas de Neve
envenenadas por maçãs. Chapeuzinhos Vermelhos nas
garras de um Lobo Mau. Somos a realidade de todos os
contos que lemos em nossa infância.
Somos tão românticas quanto elas, temos sonhos,
sentimentos, vontade de viver, formar uma linda família,
ter filhos. Mas ainda estamos à espera dos nossos heróis,
os grandes cientistas, laboratório, indústrias farmacêuticas
e governantes; que andam muito ocupados em outras
prioridades, enquanto muitas princesas estão perecendo,
enquanto esperam por seus heróis.
"Mergulho no mais profundo da minha amargura e chamo
pela noite,
Em meio deste transe desconhecido que enfrenta a
Minh‘alma.
Que se vá o sol que me castiga,
E que venha a lua iluminar a minha escuridão.
Desejo ardentemente o sossego da madrugada.
Onde as vozes que me ferem estejam adormecidas.
No silêncio da minha aurora, eu posso ouvir o teu uivado.
Quem é você que faz do meu corpo a tua cova? "
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