JAN CARLZON OS MOMENTOS DA VERDADE Moments of Truth Traduzido do inglês por Maria do Rosário Nunes Conteúdos PREFÁCIO À EDIÇÃO PORTUGUESA DE FERNANDO PINTO PREFÁCIO À EDIÇÃO AMERICANA DE TOM PETERS CAPÍTULO 1 > UM MOMENTO DE VERDADE CAPÍTULO 2 > A TRANSFORMAÇÃO DA VINGRESOR E DA LINJEFLYG CAPÍTULO 3 > A RECUPERAÇÃO DA SAS CAPÍTULO 4 > PROFISSÃO – LÍDER CAPÍTULO 5 > DEFINIR A ESTRATÉGIA CAPÍTULO 6 > NIVELAR A PIRÂMIDE CAPÍTULO 7 > CORRER RISCOS CAPÍTULO 8 > COMUNICAR CAPÍTULO 9 > ADMINISTRAÇÃO E SINDICATOS CAPÍTULO 10 > AVALIAR OS RESULTADOS CAPÍTULO 11 > RECOMPENSAR OS EMPREGADOS CAPÍTULO 12 > A SEGUNDA VAGA 9 15 21 29 45 57 69 89 107 121 131 141 149 159 CAPÍTULO 1 UM MOMENTO DE VERDADE Era uma vez um homem de negócios americano chamado Rudy Peterson. Estava instalado no Grand Hotel, em Estocolmo. Certo dia, depois de ter feito o check-out, ele e um colega seguiram para o aeroporto de Arlanda, a norte de Estocolmo, para apanhar um avião da SAS – a companhia aérea escandinava – com destino a Copenhaga. Iria passar lá apenas um dia, mas a viagem era importante. Quando chegou ao aeroporto, Rudy Peterson apercebeu-se de que tinha deixado o bilhete no hotel. Pousara-o na cómoda para vestir o casaco e entretanto esquecera-se dele. Todos sabemos que é impossível embarcar sem bilhete, por isso Rudy Peterson rendeu-se logo à evidência de que ia perder o avião e a reunião em Copenhaga. Porém, quando explicou o caso à hospedeira de terra, teve uma boa surpresa. “Não se preocupe, Sr. Peterson”, disse ela com um sorriso. “Aqui tem o seu cartão de embarque. Vou dar-lhe um bilhete temporário. Diga-me só o número do seu quarto no Grand Hotel e o seu destino em Copenhaga, que eu trato do resto.” Enquanto Rudy e o colega aguardavam na sala de espera, a hospedeira ligou para o hotel. Um empregado foi ao quarto e encontrou o bilhete – exactamente onde o Sr. Peterson disse que o tinha deixado. A hospedeira mandou um estafeta da SAS recolhê-lo ao hotel. O assunto foi tratado com tanta rapidez que o bilhete chegou mesmo antes do voo partir. Qual não foi a surpresa de Rudy Peterson quando o comissário de bordo se dirigiu a ele dizendo: “Sr. Peterson? Aqui tem o seu bilhete.” 23 OS MOMENTOS DA VERDADE O que teria acontecido numa companhia aérea tradicional? Quase todas têm uma regra bem definida: “Ninguém embarca sem bilhete.” Numa companhia aérea tradicional, o mais certo era a hospedeira limitar-se a informar o seu superior do caso – mas Rudy Peterson quase de certeza acabaria por perder o avião. Assim, graças à forma como a SAS lidou com a situação, ele não só ficou bem impressionado como conseguiu chegar a tempo à reunião. Tenho muito orgulho neste caso porque reflecte aquilo que conseguimos alcançar na SAS. Reorganizámo-nos e conseguimos fazer dela uma companhia orientada para o cliente – uma companhia para quem os verdadeiros recursos são clientes satisfeitos, que esperam um tratamento personalizado e que vão preferir os nossos serviços se correspondermos às suas expectativas. Enquanto empresa víamo-nos como a soma de várias partes: a frota, as bases de manutenção, os escritórios, os processos administrativos. Mas se perguntar aos nossos clientes sobre a SAS, eles não vão falar nem dos aviões, nem dos escritórios, nem da forma como investimos o nosso capital. Eles vão é contar a experiência que tiveram com o pessoal da SAS. A SAS não se traduz num conjunto de recursos materiais, mas sim na qualidade do contacto entre o cliente e os empregados com quem ele lida directamente (ou como lhes costumamos chamar, a nossa “linha da frente”). No ano passado cada um dos nossos dez milhões de clientes contactou em média com cinco empregados da SAS e cada um destes contactos durou cerca de 15 segundos. Nesse sentido, a SAS “renasce” 50 milhões de vezes por ano, 15 segundos de cada vez. Estes 50 milhões de “momentos de verdade” são os momentos que, em última análise, vão determinar o sucesso ou o fracasso da SAS. É nesses momentos que temos de provar aos nossos clientes que somos a melhor alternativa. Se estamos mesmo interessados em orientar a nossa empresa para as necessidades particulares de cada um dos nossos clientes, não nos podemos basear apenas em regras e directivas vindas de gabinetes distantes. Temos de delegar a responsabilidade das decisões, ideias e acções às pessoas que são a SAS durante esses 15 segundos: hospedeiras de terra, assistentes de bordo, bagageiros e todos os outros 24 UM MOMENTO DE VERDADE empregados da linha da frente. Se esses empregados tivessem de recorrer aos respectivos superiores sempre que fosse preciso de tomar uma decisão, esses 15 segundos de ouro dissipar-se-iam sem que houvesse uma solução e teríamos perdido a oportunidade de conquistar e fidelizar um cliente. Este tipo de abordagem faz muita confusão às companhias tradicionais. Sem dúvida! E acredito que todos tenhamos de passar por isso. A estrutura das companhias tradicionais assemelha-se a uma pirâmide composta por várias camadas – com o seu vértice, uns quantos níveis intermédios e uma base em contacto com o mercado. No topo da companhia senta-se o presidente e uma série de vice-presidentes altamente qualificados, especializados em finanças, produção, exportação e vendas. A tarefa de todos esses executivos é controlar as operações, tomando as decisões necessárias à gestão da companhia. A quantidade de decisões que têm de ser tomadas chega e sobra para lhes ocupar o tempo todo, de tal forma que precisam de intermediários para transmitir essas decisões a toda a empresa. Assim, um O gestor de topo não pode ser grande número de chefias interméum decisor autocrático e dias converte as decisões dos gestoisolado. Tem de ser um res de topo em directivas, políticas visionário, um estratega, um e ordens para serem seguidas pelos informador, um professor e um inspirador. funcionários que estão na base da pirâmide. Embora essas pessoas sejam designadas por chefias intermédias, elas não gerem coisa nenhuma se entendermos “gerir” como tomar decisões dentro de uma determinada esfera de responsabilidade. Na realidade, essas pessoas não passam de mensageiros que transmitem as decisões tomadas no topo. Na base da pirâmide estão os operacionais, que tanto podem ser trabalhadores pouco qualificados como quadros médios. São eles os operacionais que contactam diariamente com o cliente e que mais sabem sobre a linha da frente da empresa. Ironicamente, não têm poder para resolver as situações imprevistas que estão sempre a surgir. 25 OS MOMENTOS DA VERDADE O panorama empresarial no qual se baseava a estrutura hierárquica das empresas, porém, alterou-se por completo. Na economia global, as nações ocidentais industrializadas deixaram de ter a protecção das tradicionais vantagens competitivas, que em tempos permitiram aos europeus e norte-americanos produzir e vender os seus bens exclusivamente em mercados locais. Matéria-prima barata, mão-de-obra barata e desenvolvimento tecnológico de ponta podem agora encontrar-se em países do Terceiro Mundo. Hoje em dia, as vacas são abatidas no Texas, as peles são enviadas para a Argentina para serem curtidas, depois seguem para a Coreia para serem transformadas em luvas de basebol. Por fim, as luvas são despachadas para o Texas (voltando ao ponto inicial), onde são vendidas às lojas de desporto locais. Incapazes de serem competitivas enquanto orientadas para a produção, as economias ocidentais estão a ser transformadas em economias de “serviços”. Encontramo-nos numa encruzilhada histórica – chegou a era das estruturas direccionadas para o cliente, inclusive para as empresas que nunca se reconheceram como empresas de serviços. Vamos dar um exemplo. Um fabricante sueco de equipamento metalúrgico há muito monopolizava o mercado europeu com os seus produtos de alta qualidade. De repente, a empresa descobriu que tinha perdido quase metade do seu mercado. Pelos vistos, havia um concorrente europeu a vender equipamento idêntico, mas menos sofisticado e por metade do preço – satisfazendo ao mesmo tempo as necessidades e a carteira dos clientes. Ao estabelecer uma agenda orientada para a produção, a empresa sueca não resistiu à concorrência com os seus preços altos. No mundo de hoje, o ponto de partida deve ser o cliente – não as ferramentas de produção nem a tecnologia – e isto significa que as empresas devem organizar-se de outra maneira para poderem sobreviver. Numa empresa orientada para o cliente, a distribuição de papéis é completamente diferente. A organização é descentralizada, com a responsabilidade a ser delegada àqueles que antes faziam parte da base da pirâmide e obedeciam a ordens. Por outras palavras, a típica estrutura empresarial hierárquica começa a dar lugar a uma estrutura nivelada, mais horizontal. Isto verifica-se sobretudo nas empresas de serviços, que partem não do produto, mas do cliente. 26 UM MOMENTO DE VERDADE Para uma empresa passar a ser orientada para o cliente, os empregados da linha da frente vão ter de mudar muito. No entanto, a iniciativa de tais mudanças deve partir dos executivos de topo. Estes têm de ser verdadeiros líderes, empenhados em criar o ambiente ideal para que os empregados possam aceitar as novas responsabilidades e desempenhá-las com confiança e eficiência. O executivo de topo tem de comunicar com os seus empregados; tem de lhes transmitir a visão da empresa e estar atento ao que os empregados lhe solicitam para que essa visão se possa tornar uma realidade. Para alcançar o êxiOs empregados da linha da to, o gestor de topo não pode ser um frente têm de receber a decisor autocrático e isolado. Tem de formação necessária para que ser um visionário, um estratega, um possam dar resposta às informador, um professor e um insnecessidades específicas de pirador. cada cliente, com celeridade e O executivo de topo deve delegar às cortesia. chefias intermédias a responsabilidade de analisarem problemas, gerirem recursos, e, mais importante, apoiarem as necessidades dos empregados da linha da frente. Na verdade, existe uma oportunidade enorme a descobrir numa “nova geração” de jovens altamente qualificados, que estão ansiosos por aceitar os desafios da gestão responsável. Temos de dar a esta nova geração um papel activo nas empresas modernas, delegando-lhes responsabilidade efectiva e mostrando-lhes respeito e confiança. Quanto aos empregados da linha da frente, o líder deve delegar-lhes o poder de responderem às necessidades e problemas dos clientes a nível individual. Tal como a hospedeira que tratou de recuperar o bilhete de avião de Rudy Peterson, os empregados da linha da frente têm de receber a formação necessária para que possam dar resposta às necessidades específicas de cada cliente, com celeridade e cortesia. Ao redistribuir a responsabilidade desta forma, as empresas estão aptas a maximizar os seus momentos de verdade. Serão capazes de multiplicar os seus clientes felizes e satisfeitos e, por conseguinte, de garantir uma vantagem competitiva importante. 27 OS MOMENTOS DA VERDADE Provavelmente, muitos de vocês estão neste momento a pensar por que razão um executivo de um pequeno país do Norte da Europa pensa que pode ensinar os gestores a gerir as suas empresas. Considero que as mudanças de que tenho estado a falar foram introduzidas de uma forma mais brusca na Escandinávia. Um processo acelerado de nivelamento económico e social obrigou os líderes dos países escandinavos a repensar e a adaptar os seus papéis, bem como as suas empresas. Acredito que a forma como as organizações escandinavas reagiram à economia global – e em particular a SAS – serve de exemplo; e dele podem beneficiar os líderes dos EUA e de outros países industrializados. 28 CAPÍTULO 2 A TRANSFORMAÇÃO DA VINGRESOR E DA LINJEFLYG VINGRESOR Em Junho de 1974, com 32 anos, sentei-me na cadeira de presidente da Vingresor, uma subsidiária da Scandinavian Airlines System, cuja área de negócio são os pacotes de férias. Escolheram-me para o cargo de presidente quando tinha apenas seis anos de experiência de trabalho. Tinha à minha responsabilidade 1400 empregados, muitos deles mais ou menos com a mesma idade do que eu. As minhas habilitações não eram melhores do que as dos outros e não havia nenhuma razão óbvia para me nomearem presidente. Tinha medo. Medo de não ser aceite e medo de falhar. Comecei por agir como achava que um patrão devia agir. Ajeitei a gravata e convoquei os membros da minha equipa. Um após outro, foram entrando no meu gabinete e eu fui debitando ordens: > “Altere os horários!” > “Negoceie um acordo com o hotel X!” Em todas as reuniões, qualquer que fosse a situação, ditava as minhas ordens: > “Quero isto!” > “Fiz isto, isto e aquilo!” > “A minha opinião é esta e acabou-se!” 31 OS MOMENTOS DA VERDADE Era óbvio que eu estava a passar por aquilo que qualquer pessoa passa da primeira vez que se encontra no centro das atenções. Comecei a comportar-me duma maneira diferente porque estava a representar o papel que achava que me tinha sido dado. Parti do princípio de que todos estavam à espera que eu fosse capaz de fazer melhor do que os outros e que tomasse todas as decisões. Justamente por isso, tentei estar à altura da expectativa generalizada. As pessoas começavam a ouvir-me por tudo e por nada. Eu tinha as soluções para os problemas de toda a gente – como se eu, instantaneamente, com o lugar de preComecei a perceber a sidente tivesse adquirido também diferença entre a figura do uma sabedoria especial. Tomava gestor tradicional, que emite ordens atrás de ordens a partir múltiplas decisões sem grandes codo topo, e a do novo líder nhecimentos, sem grande experiênempresarial, que tem de dar o cia ou informação. mote e de ter a visão do todo. Passei a ser conhecido como o “Ego Boy”. O nome foi emprestado de um famoso cavalo de corrida da altura, mas combinava perfeitamente com o meu estilo de gestão. Eu sentia que faltava alguma coisa, mas não conhecia outra maneira de gerir a empresa. Até que um dia Christer Sandhal entrou no meu gabinete. Christer era um dos que de repente tinha sido “despromovido” graças ao meu estilo de gestão. “O que é que anda a fazer?”, perguntou-me. “Porque é que acha que foi escolhido para ser presidente desta empresa? Para ser alguém que não é? Não – foi escolhido precisamente por ser quem é!” Graças à sua coragem e à sua franqueza, Christer ajudou-me a descobrir que o meu novo papel não exigia que eu mudasse como pessoa. A empresa não estava a pedir-me que tomasse todas as decisões sozinho. Pedia-me apenas que criasse o ambiente e as condições necessárias para os outros fazerem melhor o seu trabalho. Comecei a perceber a diferença entre a figura do gestor tradicional, que emite ordens atrás de ordens a partir do topo, e a do novo líder empresarial, que tem de dar o mote e de ter a visão do todo. A conversa com Christer ajudou-me a ganhar confiança para ser eu 32