Desenvolvimento sustentável: o que é e como alcançar? 1
Marina Silva 2
Boa tarde a todos e a todas!
Quero dizer que é motivo de muita satisfação participar de eventos como esse
porque estamos aqui para ampliar nossa consciência sobre uma série de questões
que, até bem pouco tempo, não imaginávamos que estariam colocadas.
(...)
Eu tive meu trabalho bastante antecipado pelas duas apresentações que me
antecederam (Clarissa Lins e Sonia Bruck), por isso, vou economizar um pouco.
Costumo dizer que é sempre bom falar sobre o desafio da Sustentabilidade,
sobre o tema proposto, que é o desenvolvimento sustentável e as formas de se
chegar a ele.
Sempre é bom falar desse tema contextualizando o momento em que ocorre essa
discussão no mundo inteiro. Porque falar no contexto e porque ele é tão
importante? Porque se não for assim, a gente fala das coisas como se elas fossem
algo banal ou como se fossem algo estranho e que, de repente, nem se sabe por
que está todo mundo comentando.
(...)
Mudanças climáticas
(...)
Sabemos que as mudanças climáticas podem levar a um aumento da temperatura
no planeta. Se essa elevação de temperatura passar dos dois graus, pode haver
um desequilíbrio capaz de comprometer a vida na Terra. Os efeitos das
mudanças climáticas podem levar a prejuízos para o mundo em vários níveis,
desde o econômico até os ambientais.
(...)
A era dos limites
É preciso refletir sobre uma nova forma de ser para garantir a própria
sobrevivência. Estamos vivendo a era dos limites. Todos esses aspectos estão
Trechos da palestra proferida por Marina Silva.
Foi Ministra do Meio Ambiente no governo Lula, de 2003 a maio de 2008. Foi eleita a senadora mais
jovem da história do Brasil pelo Partido dos Trabalhadores. Foi candidata à presidência do país em 2010,
tendo alcançado 20% dos votos. Está entre as 50 mulheres mais influentes do planeta, segundo o jornal Le
Fígaro. É reconhecida internacionalmente pela defesa da ética e do desenvolvimento sustentável.
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contribuindo para uma reflexão sobre uma nova maneira de ser, um novo ethos
e um novo procedimento do homem na relação com ele próprio e com a
natureza. A forma como o mundo lida com seus recursos é desigual. Vivemos
uma situação no mundo em que a busca pelo lucro se sobrepôs ao bom senso.
(...)
Crise e poder
A crise nos diversos níveis indica uma forma inadequada de vida. Mas, a crise só
alcançou essa dimensão quando atingiu os que têm algum poder. Porque a crise
sempre existiu, na África, no Brasil, na China. Pessoas sempre lutaram com a falta
de alimentos, de assistência. Pessoas que vivem com menos de um dólar por dia,
com certeza, estão em crise. Então a crise não é nova. Nova é a roupagem que
ela assumiu nos últimos anos.
(...)
Ética e liberdade
A sustentabilidade deve ser pensada do ponto de vista ético. Não vivemos
apenas uma crise econômica, vivemos uma crise que apresenta pelo menos
quatro dimensões: a social, a econômica, a ambiental e a existencial. A dimensão
existencial é que nos leva a questionar o que nos faz felizes; é o que nos faz
perguntar quem somos, como nos relacionamos com o outro, como nos
comportamos diante da natureza, como encaramos a nossa vida e a vida dos
outros.
(...)
Há uma reflexão feita por um teólogo chamado Leonardo Boff, em que ele diz
uma coisa muito bonita sobre a ética. Ele diz: “ética é tudo aquilo que promove
e sustenta a vida na terra”. Interessante esse conceito de ética.
Toda vez que você dá um passo na direção de desconstruir as condições que
favorecem ou promovem a vida na Terra, você está sendo antiético, porque é
da natureza humana sustentar e promover a vida. O desenvolvimento
sustentável é capaz de assegurar a manutenção da vida.
Nós estamos aqui sentados, acomodados, uns à frente, outros atrás, uns mais
confortáveis, outros menos. Quem está orientando o equilíbrio de tudo isso aqui
é a ética.
É algo semelhante à história do peixe, que vive ali, no mar, e pode decidir dar
uma volta na praia. Ele pode até decidir que vai morar na praia e, acredito, pelo
menos por uns vinte minutos, ele aguenta.
Ele é livre para decidir, supondo, é claro, que o peixe tivesse essa ideia de
liberdade. Só que é contra a sua natureza não estar dentro da água. Porque ele
só consegue respirar dentro da água. É contra a natureza da vida destruir as
condições que favorecem a vida. Pensar a liberdade é pensar numa liberdade
que não ultrapasse as condições que favorecem a vida na Terra.
(...)
Eu estou aqui olhando para uma jovem muito bonita e eu espero que vocês,
jovens, comecem a ter orgulho de ir para a faculdade de bicicleta. E eu espero
que, para ir de bicicleta, vocês comecem a cobrar do prefeito, do governador,
do senador, os recursos para poder ter uma ciclovia e poder ir à faculdade em
segurança. Espero que comecemos a cobrar um excelente transporte público,
para que possamos deixar o carro na garagem e pegar um trecho de ônibus,
outro de metrô, um pedaço a pé.
(...)
Nós somos livres para criar novos modelos de geração de energia; nós somos
livres para criar novos sistemas de transporte; nós somos livres para criar novos
produtos, novos materiais. É por isso que a liberdade nunca acaba. E é muito
bom que existe a ciência para possibilitar tudo isso.
Sustentabilidade e espiritualidade
O mundo está doente e falta significado às nossas vidas. A sustentabilidade, antes
de ser uma saída, deve ser um espaço de busca de sentido e de significado para
nossas vidas. Temos que mudar nosso modo de ver, se sentir e de consumir.
Falar de sustentabilidade é buscar transformar nossas próprias vidas.
(...)
Na busca por sentido, por aceitação, somos levados a consumir cada vez mais, a
consumir muito além das nossas necessidades. Buscamos bens posicionais para
sermos aceitos, para darmos sentido às nossas vidas. Devemos questionar, então,
quais os bens que favorecem a vida na Terra.
(...)
Os jovens de hoje vivem um paradoxo. Eles se veem diante da obrigação de
consumir. Eles buscam bens posicionais para se sentirem importantes e os bens
posicionais de hoje são diferentes daqueles do passado.
(...)
Houve um tempo em que o bem posicional era ter asfalto e não ter mato.
Pensava-se assim: se você tem uma casa e um quintal, então, ponha logo
cimento. As nossas mães e avós são da cultura do cimento, para lavar com a
água da mangueira. Os nossos filhos já não pensam assim. Eles querem chão de
terra e grama para que a água seja absorvida, porque isso pode diminuir as
enchentes. Eles não querem desperdiçar água.
(...)
Sustentabilidade, diversidade e diferença
Precisamos pensar e agir em prol da diversidade e do respeito pela diferença.
Quando fui morar em Brasília, no início da minha vida pública, ocorreram vários
episódios com meus filhos na escola. Os colegas zombavam deles perguntando se
era verdade que no Acre tinha índio, onça no meio da rua. E eles chegavam em
casa muito aborrecidos.
E eu pensei: meu Deus, o que eu vou fazer? Ir até a escola e impedir os colegas
dos meus filhos de falarem de onça, de mato, de índio? Pensei: vou tentar criar
um repertório para que meus filhos possam conhecer e se orgulhar do lugar de
onde vieram.
Então, a cada vez que eles chegavam chateados da escola com essa história, eu
dizia: pois digam para seus colegas que é muito bom que ainda haja onças no
Acre, porque em várias regiões do mundo e do Brasil, os lugares onde elas
existiam foram destruídos, não existem mais florestas, que foram exterminadas
pela ação do homem. Ainda bem que lá nós tivemos um ambientalista, chamado
Chico Mendes, que é motivo de orgulho no mundo todo, e que protegeu a
floresta.
A minha filha descende de índios e reclamava de ser chamada assim. E eu tentava
criar para ela um repertório sobre isso também. Vocês sabiam que quando os
portugueses chegaram ao Brasil, havia cinco milhões de índios e que eles
mataram 1 milhão a cada século e que isso é um genocídio, praticado por
pessoas que não compreenderam a importância dos índios e não os viram como
seres humanos?.
E no Acre, ainda temos 11 tribos indígenas que falam 11 línguas diferentes. E que
apesar do genocídio, ainda temos no Brasil 700 mil índios e 220 etnias que
falam 180 línguas diferentes. Nós ajudamos a preservar e a cuidar da nossa
história, da natureza. Essas conversas que eu tinha com eles ia ajudando a
construir um repertório sobre a importância da natureza, da diversidade, do
respeito pelo que é diferente.
Quando terminaram o segundo grau (ensino médio) já era diferente a relação
com os colegas. Minha filha, que hoje faz Direito em Brasília, acabou sendo uma
referência entre os colegas e não mais motivo de gozação. Toda vez que alguém
fala sobre floresta, sobre questões ambientais, sobre Belo Monte, tem sempre
alguém apontando para ela, como quem diz: ela é quem sabe disso. Ser do
mato, ser do Acre, passou a ser motivo de orgulho.
(...)
Precisamos passar por uma desadaptação criativa, temos que aprender a ler a
realidade com outros olhos. Os brasileiros precisam construir um modelo de
desenvolvimento que busque as diferentes formas de ser. Sem a biodiversidade
não há vida, não há produção. Só é possível a troca na diferença.
(...)
Em cada lugar do Brasil, nesse momento, tem algum grupo discutindo algo
parecido com isso que a gente discute aqui. O bom é que a gente, ao ampliar
consciência, a gente muda também de atitude em todas as direções. Eu gostei da
ideia da mudança pelo amor, pela dor e pela inteligência. Eu sempre dizia que as
mudanças ocorrem pelo coração, pela razão ou pela repressão.
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