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SP
foto Pedro Ferreira
EDITORIAL
O Tempo e o sentimento
por Helena de Sacadura Cabral
V
em o título desta crónica a propósito do
em épocas bem diferentes da sua vida, acabam por se encontrar,
filme Lost in Translation, de Sofia
descobrindo, afinal, que a insatisfação pessoal pouco tem a ver com
Coppola, entre nós absurdamente
a idade ou o local onde se nasce. E descobrindo, também, como são
traduzido por O Amor é um Lugar
parecidos nas diferenças e diferentes nas semelhanças.
Estranho. Título, que não só nada diz
O diálogo é escasso. O ritmo é lento. Mas os olhares e a linguagem
sobre o seu conteúdo, como nem
corporal falam de maneira bem mais expressiva do que qualquer
sequer, em português, tem qualquer
discurso que aquele homem e aquela mulher pudessem, alguma vez,
sentido lógico. Mas dado que a lógica
proferir.
está longe de ser uma prioridade nacional, passemos adiante sobre
No mundo actual, dos media e dos consensos tão politicamente
as nossas imensas originalidades e falemos um pouco do tema que
correctos, este jeito de contar vidas é particularmente eficaz e cheio
nele se aborda.
de sensualidade, apesar de não haver um nu, um enlace de corpos,
Trata-se de dois seres à deriva – um homem nos 50 e uma mulher
ou um beijo sequer. De facto, raras vezes terei visto, em cinema,
a caminho dos 30 – que se encontram, acidentalmente, em Tóquio.
uma narrativa com uma tão grande carga de erotismo!
País para o qual razões profissionais tinham levado o primeiro
Então, porque é que o filme me 'disse' tanto? Porque ele fala de amor
e motivos vagamente familiares arrastaram a segunda.
de uma nova forma que se enquadra numa tendência contem-
De que se ocupa, então, a história? Dessa eterna (in)comunicabili-
porânea de cinema, e, em boa verdade, até de alguma ficção televisi-
dade entre as pessoas, dessa permanente insatisfação com a vida que
va, na qual a valorização das emoções se constitui como um valor
atinge muitos de nós e que transforma a existência num esforço sem
essencial. Aqui os olhares e os corpos limitam-se a mostrar que
sentido. A narração é construída com um ritmo particularmente
o amor existe. Que um homem e uma mulher podem pertencer um
ao outro apenas... porque sim, como referia
o cineasta João Lopes, na crítica ao filme. Sem
De que se ocupa, então, a história? Dessa
eterna (in)comunicabilidade entre as pessoas,
que para tal sentimento tenha de haver razões
para além das anímicas.
Num mundo em que tudo se mostra, mesmo
o mais privado; numa era em que a intimidade
dessa permanente insatisfação com a vida
é permanentemente posta a nu; numa sociedade
que atinge muitos de nós e que transforma a
a nosso respeito, sem qualquer respeito; numa
existência num esforço sem sentido.
se faz, mas pelo que se exibe; num tempo em que
em que toda a gente sente o direito de saber tudo
época em que o sucesso se mede não pelo que
ser diferente determina a automática marginalização e implica a mais profunda solidão, falar
tocante. Ia dizer com um olhar marcadamente feminino, mas não
de amor é já uma ousadia. Fazê-lo em termos de vibração, sem efeitos
é verdade. Tenho muito bons amigos do sexo oposto, cuja visão
especiais, sem cenas de sexo e sem sinais de violência física é,
do mundo que os rodeia se aproxima muito do modo como a rea-
no mínimo, perturbador. Porque toca o que de mais fascinante e mis-
lizadora 'vê' os seus personagens.
terioso existe no ser humano. Toca as nossas emoções e até, porven-
O filme conta-nos como estes dois seres que se buscam a si próprios,
tura, em alguns de nós, a nossa alma!
024 | ESPIRAL
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O Tempo e o sentimento