Comunicação à 1ª Secção I A crise que atinge em profundidade todo o mundo, atinge também a profissão de advogado. Bastaram os últimos quarenta anos para que a advocacia, outrora profissão de uma elite, mergulhasse numa crise de sobrevivência para muita(o)s advogada(o)s. A massificação verificada em Portugal nas últimas duas décadas criou uma nova situação para a qual não estava preparada e tem agora que se fazer frente. Será que o engenhoso Karl Marx imaginaria a proletarização de uma grande parte dos profissionais de advocacia, outrora talhados para ocupar posições de relevância nas comunidades? O certo é que aí estão: centenas e centenas de advogados dependentes de outros advogados. Para tanto contribuiu a abertura por todo o lado de Faculdades de Direito, sem cuidar de saídas profissionais. Exige-se que os novos licenciados não sejam encarados pela Ordem como candidatos de segunda categoria, nem que a Ordem se torne num castelo inexpugnável e território seguro para os que cá estão, quase todos tendo aprendido as artes da profissão no exercício da mesma. Os responsáveis pela abertura de faculdades não são os alunos que as frequentaram, mas sim os governantes que lhe concederam autorizações. É importante que a Ordem centre os seus alertas e denúncias da situação na fonte do problema e não só naquilo que a fonte jorra. A dignificação da profissão de advogado torna-se vital para o seu futuro enquanto profissão com os atributos e as envolvências que hoje tem, sendo absolutamente certo que sem advogados fortes e combativos, os cidadãos não terão as defesas que necessitam. Os tempos que aí se avizinham e os que estão a transcorrer trazem notícia de grandes atropelos.Se até o prestigiado Professor Joaquim Canotilho acha que o estado de necessidade pode passar à frente da Constituição para justificar todas as medidas que o governo está a tomar para assaltar legalmente a carteira dos cidadãos, é tempo de a necessidade de fazer respeitar a lei e de a impor à necessidade de uns tantos se locupletarem com o pouco que o povo tem. II A justiça está inoperante e não responde aos desafios. Cria espectáculos sempre que grandes figurões são apanhados e durante dias o “show must go on”. Os que diariamente entram nos tribunais são confrontados com as situações mais aberrantes. No dia 19/10/2011 ainda não tinha sido dado qualquer impulso num tribunal cível de Lisboa a uma providência cautelar entrada em 30/06/2011... As notícias de magistrados responsáveis dando conta da falta de papel, de toner, repetemse. Os governos e ministros da justiça não são capazes de enfrentar a situação. Os grandes litigantes (bancos, seguros, operadoras de telecomunicações, etc.) ocupam o espaço judicial, retirando da casa da justiça os cidadãos. O aumento das custas para aqueles sujeitos processuais não é qualquer obstáculo. As custas são caras e pelos vistos mais caras vão ficar. Talvez se queira seguir a famosa tirada de uma ministra da saúde …”quem quer saúde paga-a”… e a Sra. ministra da Justiça prossiga …”quem quer justiça paga-a”… até ao dia em que alguém se aproprie do oxigénio e determine por via de um Sr. ministro da Economia que …”quem quer respirar, que pague”… O que se está a passar com a acção executiva vai nessa direcção. Os cidadãos têm agora de pagar os honorários ao advogado, ao solicitador e as custas, sendo certo que talvez um dia longínquo nos vindouros anos haja uma decisão judicial. Em nome da celeridade e da eficiência privatizou-se a execução em termos de solicitador de execução e veja-se o resultado. À medida que o país tomba para o litoral também os processos tombam nas comarcas próximas do nosso mar amargo cheio de lágrimas de Portugal. E sendo assim torna-se imperioso racionalizar os meios de modo mais eficaz, mas sem que para se tenha de penalizar os que teimam em ficar no interior, agora que se chegou à conclusão que o país não produz e importa praticamente tudo o que come. III É nesse contexto que chega a troika e no domínio da justiça não há lugar para dúvidas. No ponto 7 do memorando o que conta no seu primeiro subponto são as cobranças e a concorrência. E um pouco à frente, no quarto subponto, a resolução extra-judicial, ou seja, prosseguir o caminho da desjudicialização. O acesso à justiça, seja ela a penal, a cível, ou outra, é a pedra base da democracia. Mas vem a troika lá do norte e do centro da Europa proclamar que os tribunais até 2013 devem a toque de caixa resolver:cobranças e dívidas fiscais. Encarregando ainda a senhora ministra que recebeu um mandato do povo de cá de resolver o problema do arrendamento e o fim das isenções. A troika dixit …todos devem obedecer. Mas já se viu onde a troika quer mexer e como quer controlar de 3 em 3 meses os sujeitos que levam a cabo as reformas… Só falta o pretor a administrar a justiça na província de Portugal às ordens da magistrada suprema, a Mma. Angela Merkel. Talvez, quiçá, numa nova reforma estrutural (há trinta anos que nos reformam) os recursos passam a ser para Berlim e para a terra onde se encontra o Sr. Oli Rehn. IV Os advogados querem juízes honestos e competentes, bem como magistrados do M.P.. Essa competência tem de ser aferida por desempenhos controláveis. É indispensável definir um método de averiguar esse desempenho. Aos juízes devem ser atribuídos um conjunto de processos, que terão de ser despachados num período de tempo. Havendo éne processos de tipo y, são necessários X juízes para no tempo Z se resolverem. Ou temos a caricatura de um país, tipo província de Bruxelas, e aguardamos instruções dos pretores europeus… Os Juízes órgãos de soberania, que administra a justiça em nome do povo, devem ter em mente que quanto mais célere, justa e competente for essa administração, mais contribuirão para a própria coesão da comunidade. Os advogados não aplicam a lei, levam os factos para que o tribunal os julgue, são cidadãos mais livres para fazer face a qualquer injustiça. É esse o seu papel. Nem o cliente o deve impedir de agir desse modo e de lutar para que dentro e fora dos tribunais nada que lhe viole a consciência seja esquecido. Quanto mais activos e impolutos forem os advogados, melhor será a justiça. A Ordem define quadros de actuação, a sociedade cujo valor radica no ter formata um certo tipo de advogado. É à Ordem que compete formar advogados que se guiem por altos critérios de justiça e de valores humanos, pois que a advocacia serve apenas os seres humanos nas suas dificuldades económicas, angústias ou reparação de injustiças. A globalização de carácter mercantilista não é a única. Os direitos humanos, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, consagra, são para os advogados, em primeira mão, à escala planetária um importante desafio. CONCLUSÕES: 1 – A massificação da profissão de advogado é uma consequência da actual sociedade. 2 – A perda da independência do advogado é um mal para a comunidade. 3 – O combate à massificação passa pela denúncia das autoridades que concedem licenças sem qualquer justificação à criação de Faculdades de Direito. 4 – Há actualmente uma incapacidade para resolver os problemas da Justiça. 5 – Os grandes litigantes são responsáveis e devem pagar mais. 6 – Os juízos de execução agravaram todos os problemas. 7 – O memorando da troika elegeu em primeira mão a resolução dos problemas de cobrança e fiscais, esquecendo os outros. 8 – Prossegue o caminho da dejudicialização. 9 – A defesa intransigente do acesso à justiça é pedra basilar do estado de Direito. 10 – Deve haver um contingentemente de Juízes. 11 – Os advogados devem ser mais activos na defesa dos valores do Estado de Direito. 12 – Sem advogados activos não há justiça. 13 – Os meios ao dispor da máquina da justiça devem ser mais racionalizados. 14 – A globalização dos direitos humanos deve ser bandeira dos advogados portugueses. Domingos Lopes, advogado, CP9875L Largo de São Domingos, 14 – 1º 1169-060 LISBOA-PORTUGAL Tel. +351 21 8823556 | + 351 236 209 650 [email protected] www.oa.pt