Prevenção Rev. Medicina Desportiva informa, 2011, 3 (4), pp. 7–8 Aclimatização e prevenção da agressão térmica Dr. Basil Ribeiro Medicina desportiva. C H V N Gaia-Espinho, EPE. Seleção Nacional de Futebol de Praia. Resumo Abstract O início da época desportiva em ambiente quente e húmido, sob a ação dos raios solares, coloca problemas de adaptação e de segurança médica. O período inicial de aclimatização é importante para a prevenção da agressão térmica, deve ser progressivo, onde a hidratação regular e o repouso são essenciais. O vestuário é importante para a prevenção da hipertermia, mas não se deve esquecer a prevenção do cancro cutâneo. Os atletas, os treinadores e os pais dos atletas devem ser conhecedores dos sinais e sintomas relacionados com a agressão térmica. The beginning of the sports season on a hot and humid environment, under the sun rays, causes problems of adaptation and medical security. The initial period of acclimatization is important for prevention of the thermal aggression, must be progressive, and the regular hydration and the rest periods are essentials. The clothing is important for the prevention of the hyperthermia, but the skin cancer must not be forgotten. The athletes, the coaches and the parents must be aware of signals and symptoms related to the thermal aggression. Palavras-chave keywords Aclimatização, agressão térmica, hidratação Acclimatization, thermal aggression, hydration Introdução Aproxima-se o verão e o início de nova época desportiva no que ao futebol diz respeito. As provas de ciclismo atingem o seu auge e as corridas de atletismo são muito frequentes e populares. Para treinar e competir não basta apenas ter boa condição física. Há outras circunstâncias que importa implementar, assim como há necessidade dar atenção à prevenção, especialmente o que está relacionado com o Sol e o calor. Muita atenção deve ser dada à aclimatização, à hidratação e à proteção solar. O início do período da pré-época desportiva carateriza-se pelo estado de descondicionamento fisiológico, decorrente do período de férias que o antecedeu. Todas as adaptações fisiológicas obtidas com muito custo ao longo da época regrediram ou involuíram de modo considerável. As inerentes à aclimatização anteriormente obtidas (hipervolemia, melhor eficiência da sudação, etc.) também se perderam. Ainda bem que tal aconteceu, pois o corpo humano precisa de regenerar, de recuperar, de aliviar do estado de fadiga crónica (subclínica…) que atormenta o atleta em final de época. O reinício da prática de exercício físico em ambiente quente agride o corpo de dois modos: o físico e o térmico. Em relação a este importa promover a aclimatização ao calor, isto é, permitir que o organismo de modo progressivo e seguro adquira transformações, adaptações fisiológicas de modo a suportar as cargas térmicas interna (produção metabólica de calor) e externa (radiação solar). Este aspeto é especialmente importante no jovem atleta, no atleta inexperiente ou no mais ansioso, e tem como objetivo principal prevenir a ocorrência de complicações térmicas nos atletas, em que o choque térmico atinge o seu potencial máximo, o qual é uma das causas principais de morte súbita no desporto, sendo três vezes mais frequentes que há 20 anos atrás1. No início de Julho de 2010 dois treinadores foram presos com a acusação de serem responsáveis pela morte de um jovem atleta a quem tinham negado água quando treinava num ambiente muito quente1. Significa a necessidade de haver um período de adequada Revista de Medicina Desportiva informa Julho 2012 · 7 aclimatização para permitir que a função fisiológica, a tolerância ao calor e o rendimento físico sejam melhorados. Pretende-se que o atleta pratique em ambiente quente, e especialmente no húmido, com segurança e eficácia2. Atletas em risco Os atletas mais vulneráveis à agressão pelo calor (exaustão ou choque térmico) são: · os mais fisicamente descondicionados, pelo que menos aclimatizados; · os atletas mais competitivos, que ignoram e não reportam os sinais e sintomas indiciadores de agressão térmica com receio de serem envergonhados pelos colegas … e pelos treinadores1 (quem já não ouviu chamar de menina ao jovem atleta em dificuldades físicas, apesar da condição de menina não ser sinónimo de inferioridade?); · os que utilizam equipamento volumoso, com maior capacidade isoladora do calor (o suor e o calor não podem ser exteriorizados), ou com menor capacidade de reflexão dos raios infravermelhos solares*; · os que tomam medicamentos que interferem com a sudação, como é o caso de antidepressivos e, principalmente, os anti-histamínicos com propriedades anticolinérgicas e que secam a boca (muito atletas tomam estes medicamentos por causa da asma e da rinite alérgica*); · os consumidores de álcool, pela 8 · Julho 2012 www.revdesportiva.pt O objetivo da aclimatização consiste em melhorar a tolerância ao calor e a capacidade em praticar exercício físico de modo seguro em ambientes quentes e húmidos e deve começar logo do primeiro dia de treinos. Dependendo das condições ambientais do local onde se pratica, o período de aclimatização pode ir até 14 dias, não contando os dias que o atleta fica parado para repouso ou por lesão. Após seis dias de treino o atleta deve ter um dia de repouso total3, i.e., sem exercício físico, entendido este como uma forma estruturada e organizada de atividade física. · o vestuário de cor branca reflete melhor os raios infravermelhos, pelo que o corpo aquece menos, mas permite maior passagem dos raios ultravioletas, com capacidade cancerígena*; · a hidratação adequada, em quantidade, qualidade e frequência, é fundamental para a aclimatização e, recorde-se, ninguém se adapta à sede, mas morre-se2; · a pesagem antes e depois do treino serve para monitorizar as perdas hídricas e prescrever a reidratação (e recuperação para a sessão de treino seguinte)2,3; · nos dias com sessões duplas de treinos o período de repouso entre os treinos deve ocorrer em ambiente fresco e não deve ser inferior a 3 horas3; · t odas as sessões de treino devem ser presenciadas pelo treinador, preparador físico ou pessoal médico / paramédico; ·d evem ser proporcionadas (programadas) paragens (à sombra…) para hidratação de acordo com a duração e intensidade do treino e das condições ambientais; ·a todos os atletas devem ser ensinados os sinais e sintomas de agressão térmica (cefaleias, falta de sudação, cãibras, dificuldade na fala ou na compreensão, temperatura corporal elevada)3; · o atleta deve dormir 6 a 8 horas em ambiente fresco3; · a prática desportiva sob a radiação solar deve (deveria) respeitar as atitudes preventivas aconselhadas pela Associação Portuguesa do Cancro Cutâneo (http://www.apcc. online.pt/). Atitudes preventivas *Ver tema na edição de Março de 2012) sua capacidade de desidratação (a cafeína das bebidas sociais não parece ter capacidade desidratante com interesse clínico). Aclimatização Ao longo deste período importa tomar algumas medidas preventivas, especialmente nas duas primeiras semanas de treino, mas também ao longo do tempo em que os treinos e jogos ocorrem em ambiente quente e húmido: · para haver aclimatização é necessário haver exposição ao ambiente quente, a qual deve ser progressiva (duração) e seletiva (inicialmente escolher horários com menos intensidade solar), especialmente nos primeiros cinco dias3; Bibliografia 1. Suzan Clarke, America’s Healthy Summer: Avoid Heat-Related Illness in Student Athletes. Julho de 2010. http://abcnews. go.com/GMA/OnCall/hot-summer-prevent-heat-stroke-student-athletes/ story?id=11194130&page=2#.T1tNO3m-xio 2. Basil Ribeiro. Calor, Fadiga e Hidratação, Texto Editores, Alfragide, 1.ª edição, 2010. 3. Douglas J. Casa, David Csillan, MS.: Preseason Heat-Acclimatization Guidelines for Secondary School Athletics. Journal of Athletic Training, 2009;44 (3):332–333.